LIBERDADE CONDICIONAL
DESVALOR DA CONDUTA
INTERIORIZAÇÃO
Sumário

I - Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. n.º 400/82, de 23 de Setembro, a liberdade condicional (doravante LC) tem como objectivo “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização”[ Neste exacto sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 528].
II - Já quanto à natureza jurídica da LC, a doutrina divide-se, defendendo-se que se trata de uma “medida penitenciária”[ Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal, Parte General, quinta edição, Comares, Granada, Dezembro de 2002, página 915], de uma “circunstância relativa à execução da pena”[Josep-María Tamarit Sumalla, Ramón Garcia Albero, Maria-José Rodríguez Puerta e Francisco Sapena Grau no Curso de Derecho Penitenciario, 2.ª edição, Tirant lo Blanch, Valencia 2005, página 343], de um incidente de execução da pena de prisão [Jorge de Figueiredo Dias, ibidem. No mesmo sentido, entre outros, vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, página 356 e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª edição, Almedina, 2022, páginas115 e 116], de uma medida de execução da pena [Joaquim Boavida in A Flexibilização da Prisão, da Reclusão à Liberdade, Almedina, Coimbra, 2018, página 125], de um benefício penitenciário [Manuel Vega Alocén in La Libertad Condicional en el Derecho Espanhol, Civitas, Madrid, 2001, página 139] ou um direito do condenado [Direito “sujeito ao cumprimento das condições para a sua concessão...”. Carlos Mir Puig in Derecho Penitenciario. El Cumplimiento de la Pena Privativa de Liberdad, 4.ª edição, Atelier, Libros Jurídicos, Barcelona, 2018, página 162], sendo certo que, com a reforma do Código Penal de 2007, a LC terá, em qualquer circunstância, um máximo de 5 anos, considerando-se então extinto o excedente da pena (art.º 61.º, n.º 5), o que consubstancia uma verdadeira modificação redutora da pena.[segundo Artur Vargues (Alterações ao Regime da Liberdade Condicional, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, página 58), “estamos aqui perante uma verdadeira modificação substancial da condenação penal traduzida na redução da mesma, que manifestamente bule com o princípio da intangibilidade do caso julgado (e coloca em dúvida a própria natureza jurídica da liberdade condicional enquanto entendida como incidente ou forma de execução da pena e não de modificação posterior da condenação, que agora é susceptível de estar posta em causa).”]
III - Segundo o art.º 61.º do C. Penal, são pressupostos (formais) de concessão da LC:
1) Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão (n.º 2), ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 (seis) anos (n.º 4);
2) Que aceite ser libertado condicionalmente (n.º 1);
IV - São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:
A) que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão [A lei atual seguiu, ipsis verbis, a sugestão de Jorge de Figueiredo Dias, Ob. cit., página 539, ao afirmar que devem ser tomados em consideração todos os elementos necessários ao prognóstico efetuado para decretar a suspensão de execução da pena de prisão], que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social ; (excetuado o disposto no n.º 3 do preceito em causa)
V - Relativamente aos requisitos da LC, parece líquido que o da alínea A) assegura uma finalidade de prevenção especial enquanto que o da alínea B) prossegue um escopo de prevenção geral [neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, página 356; concordantemente, também António Latas – Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade – Aspectos Práticos in Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, página 223 e 224, nota 32.].
VI - Sublinhando-se que a efetiva reinserção social (ou, por outras palavras, a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes) é o objetivo da LC, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efetivamente alcançado há-se revelar-se através das dimensões pessoais cristalizadas no discurso normativo, a saber:
1) as circunstâncias do caso.
2) a vida anterior do agente.
3) a sua personalidade.
4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão.
VII - Explicitando um pouco tais dimensões subjetivas, entendemos que:
1) A análise das circunstâncias do caso passa, naturalmente, pela valoração do crime cometido, ou seja, para além da sua natureza, das realidades normativas que serviram para a determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71.º, números 1 e 2 do C. Penal e, inerentemente, à medida concreta da pena em cumprimento.
2) A consideração da vida anterior do agente (já também valorada na determinação concreta da pena, nos termos da alínea e) do n.º 2 do referido art.º 71.º) relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais.
3) A referência à personalidade do recluso deve reconduzir-se, para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais (quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito [Neste sentido se pode interpretar a referência de Hans-Heinrich Jescheck e outro in Ob. cit., página 902, quando afirma que a personalidade do agente, como circunstância a levar em conta para determinar se deve ser decretada a suspensão de execução da pena (em que deve ser efetuado um prognóstico similar ao da liberdade condicional, como vimos), o pode ser negativamente, em prejuízo daquele] e, potencialmente, não merecedora da liberdade condicional), a uma vertente de compreensão por um determinado percurso criminoso quando o agente a isso foi conduzido por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente.
4) Entendemos que a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.
Deve sublinhar-se, como flui meridianamente do afirmado, que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta [a “boa conduta” (buena conducta) é, desde a Lei de 23 de Julho de 1914 e até aos nossos dias, um requisito da concessão da liberdade condicional em Espanha. Atualmente, tal requisito está previsto no art.º 90.º do CP espanhol, com a redação introduzida pela Lei n.º 1/2015, de 30.03] prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.
VII - Assim, os referidos padrões poderão revelar-se, quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes [de referir que no país vizinho constitui impeditivo da concessão da liberdade condicional, para a generalidade dos autores, a existência de sanções graves ou muito graves, como o consumo de estupefacientes - neste sentido, vide Felipe Renart Garcia in La Libertad Condicional: Nuevo Régimen Jurídico, Madrid, 2003, páginas 115/11 6; vide, no mesmo sentido, Beatriz Tébar Vilches in El Modelo de Libertad Condicional Español, Navarra, 2006, páginas 152 a 156 - entendimento que nos parece perfeitamente justificado no nosso ordenamento jurídico, tanto mais que o consumo de drogas se mostra, em muitos casos, geneticamente ligado à prática dos crimes que justificam a reclusão], quando não motive as referidas punições), quer ativamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais , académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.
VIII - Quanto à alínea B), trata-se de, ao ponderar a possibilidade de concessão da liberdade condicional, assegurar a operatividade da prevenção geral positiva, que a lei, aliás, já prevê como um dos escopos da execução da pena de prisão ao instituir que a mesma serve a defesa da sociedade (art.º 43.º, n.º 1 do C. Penal).
IX - A valoração dos factos “já analisados aquando da condenação e da medida da pena” não só pode, como deve ser obrigatoriamente efetuada na decisão de apreciação da LC, como acima se referiu, ou seja, deve ser operada a essencial valoração das mencionadas dimensões pessoais cristalizadas no discurso normativo.
X - Assim, a sentença recorrida, para além de efetuar uma expressa referência aos fatores positivos que o percurso prisional do recluso evidencia (em síntese, comportamento globalmente correto, abstinência de consumos, apoio familiar e perspetivas laborais, bem como flexibilização da pena sem incidentes e ainda o pagamento das indemnizações em que foi condenado), explicita, de forma suficientemente densificada, as circunstâncias ligadas à prevenção especial (primeiro) e à prevenção geral (depois), impeditivas de um juízo favorável à libertação condicional imediata do ora recorrente.
XI - Deste modo, as razões ligadas à prevenção especial radicam, não numa apreciação abstrata da gravidade dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado (como por si alegado), mas sim numa apreciação concretizada das circunstâncias que rodearam a respetiva prática, avultando a existência de duas vítimas contra a vida das quais atentou, bem como as anteriores condenações que averba no seu CRC. Para além disso e com maior relevância, também é feita expressa referência à personalidade do recorrente evidenciada nos factos (“agindo de forma violenta e inesperada” e por motivo trivial, ou seja, por meramente não lhe ter sido servida uma bebida numa festa de aldeia) e a sua evolução durante a execução da pena, com um reconhecimento fragmentário dos factos praticados, apenas reconhecendo a existência de uma vítima (quando foram, efetivamente, duas) e “rejeitando a intenção de morte apesar do considerado provado em sede de decisão condenatória”. Mostram-se, assim, devidamente indicadas na decisão recorrida as razões que levam a concluir ainda ser prematuro concluir que o ora recorrente, uma vez em liberdade (condicional), possa vir a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes.
Por outro lado, na decisão recorrida também se refere que, na fase atual de cumprimento da pena do ora recorrente as exigências de prevenção geral ainda são muito elevadas, não bastando o bom comportamento do recluso (e os demais fatores positivos): Aliás, sem desvalorizar tal vertente do cumprimento da pena, é importante que a mesma não seja sobrevalorizada: “Não obstante, importa valorar com cautela a conduta desenvolvida na prisão: uma adaptação particularmente boa às condições da prisão diz tão pouco sobre a maturidade do recluso, como o seu comportamento inadequado, em relação à expetativa da comissão de novos delitos em liberdade.”[Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Ob. cit., página 917, nota 119]
XII – Quanto à interiorização do desvalor da conduta, o distanciamento autocrítico e o arrependimento, importa sublinhar que “não estamos perante a exigência de um acto de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data da audição para efeitos de concessão da liberdade condicional, antes de um processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz à conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) dos mencionados reconhecimento e consciência do mal do crime.” [Acórdão da Relação de Lisboa de 26.06.2017 proferido no processo 1673/10.1TXEVR-Q.L1-5 (relator Artur Vargues) e disponível em www.dgsi.pt]
XIII – A natureza dos crimes cometidos pelo recluso e a gravidade da(s) pena(s) (parcelares e única) em cumprimento (as circunstâncias do caso) não impedindo obviamente a concessão da LC (todos os crimes e penas a permitem), devem ser conexionadas de forma muito consistente com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena.
XIV - Considerando que, “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos”[João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, Entre a Reclusão e a Liberdade, Pensar a Reclusão, volume II, Almedina, Coimbra, 2008, página 171], não é minimamente seguro que não possa reincidir em crimes até de natureza semelhante.
XV – Não pode, assim, discordar-se da sentença recorrida sobre o carácter prematuro do prognóstico [“O prognóstico sobre o comportamento do autor adequado ao Direito é de uma importância decisiva para a questão da liberdade condicional.” Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Ob. cit., página 917] de que o recluso irá passar a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem o cometimento de novos crimes.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Tribunal de Execução de Penas de … foi instaurado processo de liberdade condicional referente a AA, em reclusão no Estabelecimento Prisional de …, sendo que, para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional por referência ao meio da pena, após instrução dos autos, o Conselho Técnico reuniu e emitiu o respetivo parecer, tendo sido ouvido o recluso e vindo a ser proferida sentença que não lhe concedeu a liberdade condicional.

Inconformado, o condenado interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“I - Vem o presente recurso interposto da douta decisão a qual recusou conceder a liberdade condicional ao recluso a meio da pena, com o fundamento de ser prematuro e os factos em causa carecerem de mais tempo de punição.

23 II - O Tribunal a quo deveria ter analisado a liberdade condicional aquando do cumprimento da metade da pena em 08/04/2022, cuja instrução deveria ter sido concluído 60 dias antes dessa data, o que não sucedeu.

III - No entanto viria a notificar o recluso da decisão de não concessão da liberdade condicional, apenas em 17/05/2022, ou seja, trinta e nove dias depois do meio da pena, tendo sido violado o n.º 2 do art. 173º do CEPMPL, que dispõe o seguinte:“A instrução deve estar concluída até 60 dias antes da data admissível para a concessão da liberdade condicional”.

IV - A decisão recorrida não considera relevante o bom comportamento do arguido que esteve sempre em liberdade a aguardar julgamento e o transito em julgado do processo, que durou seis anos, nos quais sempre teve uma conduta conforme ao direito, com família constituída, longe de praticas criminosas, trabalhando regularmente desde 2005 até ao dia em que se apresentou voluntariamente no EP para cumprir a pena, em outubro de 2018.

V - O fundamento da recusa da concessão da liberdade condicional baseia-se essencialmente nos factos já analisados aquando da condenação e da medida da pena, plasmando que os crimes em causa não permitem conceder a liberdade condicionada, por ser necessário uma efectiva punição.

VI – Este entendimento viola o artigo 61 do Código Penal e não podem os mesmos factos serem considerados para efeitos da análise na fase da execução da pena nesta dimensão em que se considera haver crimes aos quais não é de aplicar a liberdade condicional a meio da pena, entendimento que é claramente ilegal e inconstitucional.

24 VII - No essencial do que vem plasmado, deve ser considerado que a vida do arguido desde 2005 até 2012 e depois desta data, até o condenado entrar em cumprimento da pena, onde voluntariamente se apresentou no final do ano de 2018, bem como todo o seu percurso prisional incluindo o regular cumprimento das seis saídas precárias que já teve, o único juízo de prognose que se pode estabelecer é claramente e fora de qualquer dúvida favorável ao recluso.

VIII – Nesse sentido os técnicos da Reinserção social que recolheram no local da residência do recluso diversas opiniões, bem como falaram com o cônjuge e mãe do mesmo, plasmaram nos relatórios todo o enquadramento factual onde se prova que o recluso merece que lhe seja concedida a liberdade condicional e por isso se pronunciaram favoravelmente.

IX – Como a igual conclusão chegou o Conselho Técnico do EP, que, por unanimidade, proferiu parecer favorável à concessão da liberdade condicional. E todos estes técnicos convivem com o recluso, conhecem-no e sabem bem a sua postura, que não pode ser apreendida numa breve audição de pouco mais de dez minutos.

X – O recluso cumpre claramente os requisitos constantes no artigo 61.º do Código penal. Nesse sentido a decisão deveria ter sido a concessão da liberdade condicional.

XI – A decisão recorrida, viola o elemento teleológico de atribuição da possibilidade ressocializadora da pena, que está ínsita no instituto da liberdade condicional, quando fundamenta a sua decisão, no carater do crime, que não permite a liberdade condicional a meio da pena, por carecer de necessária punição.

XII – Foi violado o ideário socializador que presidiu à implementação da liberdade condicional em Portugal.

XIII - Os fundamentos em que se fundou a decisão recorrida não têm suporte legal, uma vez que não podem ser acolhidos para agravar a situação do recluso, usando uma apreciação normativa extensiva para fazer um juízo de prognose desfavorável, em face de condenações anteriores a 2005, quando isso já teve apreciação em sede da condenação, não permitindo, fazer-se uso de condenações anteriores com mais de 15 anos, como reincidente, porque o art. 75º do Código Penal, somente possibilita esta influencia pelo prazo de 5 anos entre “ a sua prática e a do crime seguinte”.

XIV – Assim não o entendeu a decisão recorrida, que fez uso dos efeitos do instituto da reincidência para agravar a situação penitenciária do recluso, muito depois de decorridos mais de dez anos depois de anterior facto criminoso, estendendo perpetuamente os efeitos da condenação.

XV – Os factos que os autos demonstram é que:

1.A personalidade do condenado AA, quer antes dos factos, quer depois dos factos; o seu trajecto de vida estável desde 2005, quando abandou uma vida errática, fruto de adolescência problemática e juventude irrequieta, a que não é alheio a ausência dos pais emigrados;

2.O facto de ter família constituída a partir de 2008, casando em 2010, tendo trabalho regular e honesto em sociedade comercial pertencente a mãe de fabricação e distribuição e bolos, na qual era e vai voltar a ser, mais tarde ou mais cedo a peça fundamental que sempre foi, porque a mãe do recluso está a chegar a reforma e o condenado é seu único herdeiro;

3.O facto de ter indemnizado integralmente as vítimas, a quem pediu desculpa em pleno julgamento, numa mostra logo então, do sincero e profundo arrependimento;

4.O facto de terem decorrido seis anos apos os factos da condenação, até iniciar o cumprimento da pena, mantendo sempre uma conduta conforme com o direito, sempre vivendo na comunidade, sem qualquer alarme social e sem qualquer problema, sempre trabalhando;

5.O facto de ter já tido saídas precárias (seis) desde o início de2021, onde nenhum problema, de qualquer natureza houve. E foi para junto da sua família, que é a sua mulher e sua mãe, pois perdeu o único irmão e o pai, já em período de reclusão;

6.O facto de durante a reclusão ter um comportamento que espelha a sua personalidade de pessoa de bem, que cumpre as regras e que está sinceramente arrependido, iniciando trabalho cerca de cinco meses depois de entrar, sendo pessoa sobre a qual recaem fundadas expectativas fundadas de nunca mais cometer crimes e viver conforme ao direito.

7.Todos os pareceres elaborados, quer pelas técnicas de reinserção social, que falaram com a comunidade alargada, quer pelo Conselho Técnico, opinaram ser favorável conceder a liberdade condicional, apenas o MP referiu ser prematuro, mas não é.

XVI. Feitas estas considerações, e atenta a ficha bibliográfica do recluso, bem como os antecedentes1, a sua personalidade e cumprimento rigoroso da execução da pena, demonstram à saciedade um juízo de prognose favorável ao recluso em ser-lhe concedida a liberdade condicional a meio da pena, por ser um imperativo legal.

XVII. Desta forma, merece melhor análise a decisão que recusa a liberdade condicional pois não pode basear-se em razões inconsistentes e decidir de forma infundamentada.

XVIII. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente a questão a apreciar respeita à verificação da legalidade da aferição dos pressupostos substanciais para concessão de liberdade condicional ao arguido recorrente. Porque este considera que se verificam os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 61.º do CP,

XIX. a Sentença recorrida, salvo o devido respeito, que aliás é muito, considerou erradamente, dos autos e análises dos factos resultar que embora seja bastante positivo e até meritório o percurso do condenado, e do apoio familiar que dispõe no exterior não é ainda favorável o juízo de prognose face às exigências de prevenção geral e especial.

XX.. Pelo tribunal "a quo" foram valorados muito além do comando legal ínsito no artigo 61.º, os ilícitos praticados pelo recorrente na longínqua juventude, não dando a devida relevância a aspectos que poderiam valorizar a pessoa do aqui recorrente, relevando inexplicavelmente os considerandos dos relatórios juntos aos autos pela DGRSP e o parecer unanime do Conselho Técnico.

XXI.. Não pode deixar de discordar o recorrente, bem como manifesta não entender como e com que concretos fundamentos é que o Tribunal recorrido, conclui no seu despacho da forma que concluiu.

XXII. O tribunal recorrido, ao fundamentar a decisão não considerou, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, bastando-se pela invocação abstracta dessa personalidade, remetendo para um CRC muito anterior aos factos (e onde nunca sofreu punição em prisão efetiva) olvidando os anos decorridos e a conduta impoluta do arguido desde os 25 anos e para a natureza do crime como se o crime em si não permitisse a possibilidade da liberdade condicional a meio da pena.

XXIII. Na decisão ora recorrida, a convicção do julgador deveria ser objectiva e motivada de forma lógica e racional, o que, salvo o devido respeito e melhor opinião, no nosso entender não aconteceu. A não concessão do regime de liberdade condicional assentou em presunções e pressuposições e errada aplicação da lei.

XXIV. O tribunal "a quo" valorizou o tipo de ilícitos que determinaram a condenação do recorrente. O disposto no artigo 61.2 do Código Penal não o menciona e nem sequer é esse o espírito do legislador.

XXV. O recorrente tinha e tem há mais de 15 anos um projecto de vida, sério e credível e todo o seu percurso posterior aos factos (e mesmo o anterior, depois de 2005) leva a conclusão de estarem reunidos todos os pressupostos formais e materiais constantes no artigo 61.º do Código Penal para a concessão da liberdade condicional.

XXVI. Salvo o muito e devido respeito, não vislumbra o recorrente qual o iter cognitivo que o tribunal a quo percorreu para afirmar que existem dúvidas quanto ao juízo critico do recluso quando resulta das suas declarações e dos relatórios das entidades competentes juntos aos autos que este, em reclusão, sempre assumiu cabalmente os factos pelos quais foi condenado, que tem cabal interiorização do desvalor da sua conduta e que não procura desculpabilizar-se dos actos cometidos.

XXVII. Na verdade, não sendo vinculativos para o juiz, pois têm uma função informativa, constituindo, apenas, informação que o juiz apreciará e valorará livremente, os relatórios dos técnicos da reinserção social e da DGRSP, muito mais do que acontece como resultado da audição apressada do recluso em breves minutos, são elementos de prova que, compreensivelmente, têm um peso importante na construção da decisão,

XXVIII. No entanto, na decisão recorrida, a factualidade que resulta dos relatórios das supra referidas entidades foi desconsiderada, porquanto não foi valorada na parte em que consideram que o recluso demonstra interiorização do desvalor da conduta, tem distanciamento autocritico, demonstra profundo arrependimento e até vergonha pelas condutas que teve.

XXIX.. Para o efeito, o tribunal a quo não discorre ou muito menos fundamenta os motivos pelos quais decidiu não valorar os relatórios dos serviços prisionais que, como é sabido e consabido, são realizados por técnicos especializados na avaliação da personalidade dos reclusos e que é elaborado num ambiente de stress e tensão absolutamente distintos ao que resulta da audição de um recluso perante um juiz de execução de penas que tem na sua caneta o peso da liberdade.

XXX. A interiorização do desvalor da conduta consubstanciada no crime pelo qual o recorrente cumpre a pena de prisão deve considerar-se inserida numa evolução do seu modo de pensar.

XXXI. E para ser relevante, para a concessão da liberdade condicional, deve demonstrar ou indiciar a possibilidade de emissão de um juízo de prognose favorável no sentido de que não voltará a cometer crimes, sendo que a liberdade condicional só poderá ser recusada se existir motivo sério para duvidar da capacidade do Recorrente para em liberdade, não repetir a prática de crimes.

XXXII No juízo de prognose exerce fundamental relevo a evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão e este novo elemento de prognóstico é o «fiel da balança» que vai ditar o sentido da decisão.

XXXIII. Da análise conjugada dos elementos carreados para os autos e da personalidade do recorrente não transborda qualquer elemento/facto que permita concluir pela possibilidade de o Recorrente quando colocado em liberdade venha a reincidir, isto é não há qualquer fundamento que obste à formulação de um juízo de prognose favorável ao Recorrente, bem pelo contrário.

XXXIV. Eloquente do antedito é o consignado no relatório da DGRS, do qual resulta que:

“…

AA cumpre pela primeira vez pena de prisão, encontrando-se a perfazer o seu meio. Procedeu ao pagamento da indemnização que foi arbitrada nos autos condenatórios.

Tem mantido um adequado percurso institucional, com respeito pelo conjunto normativo e regras que regem a vivência no Estabelecimento Prisional.

Encontra-se integrado em trabalho, inicialmente e durante cerca de dois anos, no bar da ala em que se aloja e, desde há um ano, no bar de funcionários.

Encontra-se a flexibilizar a pena que cumpre, vindo a beneficiar de saídas ao meio sócio residencial desde há um ano, sem registo de quaisquer incidentes ou incumprimentos. Permanece em RAI desde abril do ano transato.

Avalia criticamente a respetiva prática criminal, para a qual não consegue encontrar enquadramento nas suas condutas habituais, às quais não imprime e/ou partilha ideais de violência. …”

“…

Encontra-se investido num percurso institucionalmente ajustado e adaptado às normas e regras institucionalmente determinadas, mantendo trabalho regular, desde há três anos, como faxina no bar (reclusos e funcionários).

Beneficia de RAI, regime que lhe foi concedido em abril do ano transato.

Dispõe de adequada inserção no meio sócio residencial de destino, no qual tem vindo a usufruir, sem reporte de incumprimento, as licenças de saída que lhe têm sido concedidas. AA efetua juízo autocrítico relativamente à prática criminal em que assenta a pena que cumpre.

Dispõe de condições habitacionais, de subsistência, trabalho assegurado e suporte familiar, cônjuge e progenitora, a quem se une através de laços afetivos coesos.

Em face dos fatores positivos que se assinalam no percurso prisional do condenado e das perspetivas de reintegração sócio familiares e laborais, e da ausência de fatores negativos que se antevejam vir a condicionar o seu futuro percurso de vida, consideramos que AA reúne condições para poder beneficiar da concessão de liberdade condicional pelo que emitimos parecer favorável à sua concessão.2

…”

XXXV. No que contende com as necessidades de prevenção geral que impendem sobre o caso dos autos, não olvida o Recorrente que estamos perante avaliação da LC em meio de pena e que, por isso, a prevenção geral assume particular relevância e impõe-se como limite.

XXXVI. No entanto, no caso em crise a prevenção geral afigura-se-nos que está salvaguardada atendendo a que o Recorrente já cumpriu mais de 3 anos de reclusão e o seu regresso á liberdade é compaginável com a manutenção da paz e ordem social, já que, a sociedade vê reforçada a validade da norma jurídica violada estando assim acauteladas as exigências de prevenção geral e dessa forma verificada a al. b) do n.º 1 do art. 61.° do Cód. Penal.

XXXVII. Com efeito, na opinião do Recorrente, será de concluir que os aspectos ligados à prevenção especial e geral focados nas alíneas a) e b) do artigo 61.º do CP estão assegurados – no sentido de que há um fundamento mais que razoável quanto à expectativa de que o Recorrente, uma vez posto em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

XXXVIII. Pelo que, o Recorrente, nos termos do disposto no n.º 2 artigo 61.º do CP deveria ter beneficiado da liberdade condicional uma vez que, face ao constante dos autos, fundadamente é de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a sua personalidade e a evolução deste durante a pena de prisão que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

XXXIX. Como se disse no Acórdão do TRL de 28-10-2009 :

I. Do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 61º do Código Penal resulta com clareza que a concessão da liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena depende da possibilidade de se formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado uma vez restituído à liberdade [alínea a) do n.º 2] e de, com o cumprimento dessa parte da pena, se encontrarem satisfeitas as «exigências de tutela do ordenamento jurídico» [alínea b) do n.º 2].

XXXX. Dito de outro modo. A concessão da liberdade condicional no indicado momento depende do juízo que se puder fazer quanto à satisfação das finalidades preventivas da pena. Prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração.

XXXXI Já se disse, em Acórdão do TRP de dia 10-10-2012 :

I. Não é requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61°) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa.

II. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta.

III. A lei exige, antes, que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes.

XXXXII. Também se disse, em Acórdão do TRL de 27.06.2017:

I - A norma contida na alínea a), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal, manda atender à personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão e é precisamente a postura face aos crimes da condenação que constitui um dos elementos fundamentais para aferir dessa evolução, o que se não configura como um segundo julgamento sobre os mesmos factos e por isso não oblitera a norma vertida no nº 5, do artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa.

II - Aliás, que assim se deve entender, extrai-se da obrigatoriedade legal plasmada no artigo 173º, nº 1, alínea a), do CEPMPL de que o relatório dos serviços prisionais que instrui o processo de liberdade condicional contenha a avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena e da sua relação com o crime cometido, sendo que estes factores não podem deixar de se reportar a posição que o condenado expressa ao longo do cumprimento da pena face aos factos criminosos em razão dos quais esta lhe foi aplicada e não apenas ao que verbaliza quando da sua audição pelo Juiz do Tribunal da Execução das Penas com vista a prolação, em momento seguido, da decisão sobre a liberdade condicional.

III - Não estamos perante a exigência de um acto de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data da audição para efeitos da concessão da liberdade condicional, antes deum processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz a conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) do reconhecimento e consciência crítica do mal do crime.

XXXXIII. Ora, tudo sopesado, e conforme bem o fundamentou o relatório da DGRSP, o condenado tem todas as condições para lhe ser concedida a liberdade condicional a meio da pena e, por isso, a decisão recorrida é ilegal, devendo ser revogada e substituída por outra que, ponderando adequadamente, os factos e todos os relatórios e documentos juntos aos autos, conclua no sentido defendido e conceda a liberdade condicional ao Recorrente, verificados que estão os pressuposto do art. 61º, n.º 2, al. a) e b) do Código Penal.”

Defendendo, em síntese, o seguinte:

“Assim concluindo, deve ser admitido o presente recurso, ser por V.ªs Ex.ªs, considerado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra, que conceda a liberdade condicional ao Recorrente.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:

“1 – Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a AA, tendo este atingido metade do cumprimento da pena de sete anos de prisão, que lhe foi aplicada no processo nº 237/12.0… da Instância Central – Secção Cível e Criminal – J… – da Comarca de …, pela prática de dois crimes de homicídio simples na forma tentada.

2 – Tal decisão baseou-se nos elementos constantes dos autos, designadamente nos relatórios juntos a fls. 35 a 37 e 41 a 43, na ficha biográfica de fls. 38 a 40, no CRC de fls. 29 a 33 e nas declarações do recluso de fls. 50, encontrando-se a sentença recorrida devidamente fundamentada de facto e de direito.

3 – A esses elementos estão subjacentes fortes razões de prevenção especial que se fazem sentir em relação ao condenado, derivadas de uma reduzida interiorização crítica relativa às suas condutas criminosas e suas consequências e de um percurso de ressocialização que não se mostra ainda devidamente consolidado, e bem assim dos seus antecedentes criminais.

4 – Tanto vale por dizer, que não é razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que aquele uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à lei penal e afastado da prática de novos ilícitos criminais.

5 – Acresce, que em face da gravidade dos crimes em causa são, também, muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva, pelo que tal libertação antecipada não se mostra compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

6 – Por consequência, não estando verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n º 2 do artigo 61 º do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional ao condenado.

7 – Pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder a liberdade condicional ao recorrente, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.”

Defendendo, em síntese, o seguinte:

“Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto “não merece provimento”.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, sem resposta.

Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“II – FUNDAMENTAÇÃO

A – OS FACTOS

Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa:

1 - Por decisão proferida no Proc. 237/12.0… da Secção Cível e Criminal (Juiz …) da Instância Central de …, e por factos de Agosto de 2012, o recluso foi condenado, pela prática de dois crimes de homicídio na forma tentada, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

2 – Iniciou o cumprimento desta pena em 8/10/2018, a qual se liquidou da seguinte forma: metade em 8/4/2022, 2/3 em 8/6/2023, 5/6 em 8/8/2024, e termo em 8/10/2025;

3 – O recluso regista anteriores condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, falsidade de testemunho e desobediência qualificada, sendo a primeira vez que cumpre pena efectiva de prisão;

4 – O recluso declarou aceitar a liberdade condicional, bem como compreender o seu significado;

5 – O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade dos seus membros, parecer favorável à concessão da liberdade condicional;

6 – Já o MºPº foi desfavorável a tal;

**

7 – O recluso usufruiu de licenças de saída jurisdicional desde Fevereiro de 2021, tendo passado a cumprir a pena em regime aberto para o interior desde 30/4/2021;

8 – Não regista punições disciplinares;

9 – Em reclusão frequentou curso de artes e em Março de 2019 passou a trabalhar no bar de reclusos da respectiva ala. Desde Maio de 2021 que trabalha ininterruptamente no bar de funcionários do Estabelecimento Prisional;

10 – Com hábitos aditivos desde a adolescência e até aos seus 25 anos, ainda em liberdade aderiu a programa de substituição com toma de metadona, não registando recaídas desde então;

11 – Em liberdade o recluso pretende viver com a companheira, dispondo ainda do apoio da restante família. Refere que irá trabalhar na empresa familiar de fabrico e distribuição de bolos secos;

12 – Sobre os factos que se lhe imputam, reporta-se a uma só vítima, afirmando ter agido de impulso, e de modo inconsequente: “Não tem explicação para o que fez, foi algo animalesco, e tudo poderia ter terminado em algo mais grave. Não tentou matar ou magoar ninguém, agiu de impulso, sem pensar: espetou uma faca na barriga da vítima, porque estavam a discutir. Só mais tarde percebeu a gravidade do que fez. Sabe que a culpa foi toda sua e está a pagar pelo que fez. A faca que usou é uma com que sempre andava, e que é hábito na sua terra usar. (…) Está muito arrependido do que fez, é triste e vergonhoso. Tem vergonha do que fez, pois tudo poderia ter terminado em algo mais grave, lamentando tudo o que fez à vítima”.

(…)

No caso dos autos verifico que os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o meio da pena já se mostra alcançado, e o recluso aceita a liberdade condicional.

Tal já assim não é, no entanto, no que respeita aos requisitos substanciais da liberdade condicional.

É certo que o recluso está a manter um comportamento globalmente correcto, tendo ainda investido na aquisição/manutenção de hábitos de trabalho.

É também muito positivo que se tenha determinado para um processo de abstinência aos consumos.

Detém apoio familiar no exterior e perspectivas de inserção laboral – mas que sempre deteve. Está também já a usufruir de medidas de flexibilização da pena, sem registo de incidentes.

No entanto, este percurso parece-nos ainda insuficiente para se poder desde já ajuizar positivamente acerca do futuro comportamento do recluso. De facto, não podemos ignorar a gravidade dos factos por que cumpre pena (atentou contra a vida de duas pessoas), e que já apresenta anteriores condenações, revelando um passado algo conturbado, muito provavelmente por via da problemática aditiva que o marcou. O referido justifica, a nosso ver, a continuação da avaliação do seu comportamento por mais algum tempo, sendo que seria desejável assistir a uma maior evolução em termos de flexibilização da pena, designadamente através da sua colocação em regime aberto para o exterior.

É certo que o recluso cuidou já de pagar as indemnizações em que foi condenado.

Mas, apenas se reporta a parte dos factos geradores da sua responsabilidade criminal (menciona uma vítima quando, na realidade, foram dois os crimes de homicídio tentado que praticou) e, mesmo quanto aos que refere, não o faz conforme os mesmos lhe são atribuídos, rejeitando intenção de morte apesar do considerado provado em sede de decisão condenatória, tendo agido de forma violenta e inesperada. Donde se conclui pela necessidade de o recluso realizar reflexão mais assertiva sobre a sua atitude face aos crimes cometidos, sem desresponsabilização.

Neste momento também as exigências de prevenção geral permanecem muito elevadas, para o que cumpre atentar na natureza e gravidade dos crimes cometidos (onde a morte não sobreveio por razões alheias à vontade do recluso), e na medida da pena em execução. Na verdade, não obstante o tempo já decorrido sobre a data dos factos, a forma imprevista com que o recluso agiu é aspecto que acentua a necessidade de uma efectiva punição, por forma a se assegurar à sociedade que o Direito não se compadece com ofensas como as perpetradas pelo recluso, constituindo a pena imposta e a continuação da reclusão por mais tempo a forma de manter a confiança da comunidade na vigência das normas violadas, e de proteger os bens jurídicos ofendidos.

A libertação do recluso, neste momento, a nosso ver ofenderia todas estas exigências, sendo havida, legitimamente, como injustificada e prematura.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é a seguinte: estão (ou não) verificados todos os pressupostos / requisitos para concessão da liberdade condicional ao recluso recorrente?

B. Decidindo.

Processo: 585/18.5TXEVR-G.E1

Questão (única): estão (ou não) verificados todos os pressupostos / requisitos para concessão da liberdade condicional ao recluso recorrente?

Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. n.º 400/82, de 23 de Setembro, a liberdade condicional (doravante LC) tem como objectivo “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização”3.

Já quanto à natureza jurídica da LC, a doutrina divide-se, defendendo-se que se trata de uma “medida penitenciária”4, de uma “circunstância relativa à execução da pena”5, de um incidente de execução da pena de prisão6, de uma medida de execução da pena7, de um benefício penitenciário8 ou um direito do condenado9, sendo certo que, com a reforma do Código Penal de 2007, a LC terá, em qualquer circunstância, um máximo de 5 anos, considerando-se então extinto o excedente da pena (art.º 61.º, n.º 5), o que consubstancia uma verdadeira modificação redutora da pena.10

Segundo o art.º 61.º do C. Penal, são pressupostos (formais) de concessão da LC:

1) Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão (n.º 2), ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 (seis) anos (n.º 4);

2) Que aceite ser libertado condicionalmente (n.º 1);

São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

A) que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão11, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;

B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social ; (excetuado o disposto no n.º 3 do preceito em causa)

Relativamente aos requisitos da LC, parece líquido que o da alínea A) assegura uma finalidade de prevenção especial enquanto que o da alínea B) prossegue um escopo de prevenção geral 12.

Para análise (e avaliação do respetivo preenchimento) dos diversos conceitos que integram o requisito da alínea A), importa efectuar uma breve reflexão sobre os objetivos programáticos do instituto. Nesta, deve antes de mais sublinhar-se a existência de duas correntes, a saber, por um lado, a europeia tradicional, que concebe a liberdade condicional como uma manifestação do direito de graça e, por outro lado, a anglo-americana, segundo a qual a liberdade condicional se configura como um meio para a reforma do condenado.13

A nossa lei, ao prescrever a exigência de uma “prognose favorável” radicada na ideia de que o recluso virá a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tende claramente para a segunda das mencionadas correntes, entendendo-se que o “sistema premial” (inerente à primeira das concepções) não é correto nem legal.14

Assim, sublinhando-se que a efectiva reinserção social (ou, por outras palavras, a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes) é o objetivo da LC, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efetivamente alcançado há-se revelar-se através das dimensões pessoais cristalizadas no discurso normativo, a saber:

1) as circunstâncias do caso.

2) a vida anterior do agente.

3) a sua personalidade.

4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão.

Explicitando um pouco tais dimensões subjectivas, entendemos que:

1) A análise das circunstâncias do caso passa, naturalmente, pela valoração do crime cometido, ou seja, para além da sua natureza, das realidades normativas que serviram para a determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71.º, números 1 e 2 do C. Penal e, inerentemente, à medida concreta da pena em cumprimento.

2) A consideração da vida anterior do agente (já também valorada na determinação concreta da pena, nos termos da alínea e) do n.º 2 do referido art.º 71.º) relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais.

3) A referência à personalidade do recluso deve reconduzir-se, para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais (quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito15 e, potencialmente, não merecedora da liberdade condicional), a uma vertente de compreensão por um determinado percurso criminoso quando o agente a isso foi conduzido por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente16.

4) Entendemos que a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.

Deve sublinhar-se, como flui meridianamente do afirmado, que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta17 prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.

Assim, os referidos padrões poderão revelar-se, quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes18, quando não motive as referidas punições), quer ativamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais , académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

Quanto à alínea B), trata-se de, ao ponderar a possibilidade de concessão da liberdade condicional, assegurar a operatividade da prevenção geral positiva, que a lei, aliás, já prevê como um dos escopos da execução da pena de prisão ao instituir que a mesma serve a defesa da sociedade (art.º 43.º, n.º 1 do C. Penal).

*

Estão preenchidos os pressupostos da LC, pois o recluso já cumpriu mais de 1/2 da pena de prisão em que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional caso esteja em condições de lhe ser concedida.

O pomo nuclear da questão a resolver repousa nos requisitos da LC, que a Mm.ª Juíza a quo entende não estarem preenchidos, entendendo o recorrente o inverso.

Vejamos.

Na conclusão V, afirma o recorrente que se plasma da decisão recorrida a consideração de haver crimes aos quais não é de aplicar a liberdade condicional a meio da pena. Lendo, porém, a sentença recorrida, é notório que aquela afirmação, pura e simplesmente, não corresponde à verdade, sendo, consequentemente, gratuita e incorrecta, inexistindo qualquer violação do art.º 61.º do CP.

Por seu turno, a valoração dos factos “já analisados aquando da condenação e da medida da pena” não só pode, como deve ser obrigatoriamente19 efectuada na decisão de apreciação da LC, como acima se referiu, ou seja, deve ser operada a essencial valoração das mencionadas dimensões pessoais cristalizadas no discurso normativo.

A referência ao sentido dos pareceres da DGRSP e dos Serviços Prisionais e do seu confronto com a breve audição de pouco mais de dez minutos realizada pela Mm.ª Juíza a quo também se nos afigura inócua e desvalorizadora do carácter não vinculativo daqueles pareceres, regidos pela esfera administrativa e, como tal, meramente indicativos para o tribunal. A audição do recluso fez-se nos termos prescritos na lei e com os fins nesta inscritos, não se entendendo e afigurando-se irrelevante a expressa referência temporalmente comparativa (que reafirma no ponto XXVII, com alusão a uma audição “apressada[?20] do recluso em breves minutos”), com desvalorização desta em detrimento dos contactos daquelas entidades com o recluso.

A referência efectuada no ponto XIV das conclusões ao “instituto da reincidência” é, também ela, destituída de qualquer fundamento, não se tendo na sentença recorrida feito qualquer alusão sustentada a tal “instituto”, desconhecendo-se a motivação de tal referência, para além da valoração dos antecedentes criminais, já acima mencionados.

Quanto aos “factos” que os autos “demonstram”, como se alega na conclusão XV, para além do que consta na sentença e de outros dados objectivos, são uma mera interpretação que o recorrente faz da realidade, obviamente favorável ao próprio.

Com efeito, entendemos que a discordância do recorrente quanto à não concessão da LC é absolutamente infundamentada:

Assim, a sentença recorrida, para além de efectuar uma expressa referência aos factores positivos que o percurso prisional do recluso evidencia (em síntese, comportamento globalmente correcto, abstinência de consumos, apoio familiar e perspetivas laborais, bem como flexibilização da pena sem incidentes e ainda o pagamento das indemnizações em que foi condenado), explicita, de forma suficientemente densificada, as circunstâncias ligadas à prevenção especial (primeiro) e à prevenção geral (depois), impeditivas de um juízo favorável à libertação condicional imediata do ora recorrente.

Deste modo, as razões ligadas à prevenção especial radicam, não numa apreciação abstracta da gravidade dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado (como por si alegado), mas sim numa apreciação concretizada das circunstâncias que rodearam a respectiva prática, avultando a existência de duas vítimas contra a vida das quais atentou, bem como as anteriores condenações que averba no seu CRC. Para além disso e com maior relevância, também é feita expressa referência à personalidade do recorrente evidenciada nos factos (“agindo de forma violenta e inesperada” e por motivo trivial, ou seja, por meramente não lhe ter sido servida uma bebida numa festa de aldeia) e a sua evolução durante a execução da pena, com um reconhecimento fragmentário dos factos praticados, apenas reconhecendo a existência de uma vítima (quando foram, efectivamente, duas) e “rejeitando a intenção de morte apesar do considerado provado em sede de decisão condenatória”. Mostram-se, assim, devidamente indicadas na decisão recorrida as razões que levam a concluir ainda ser prematuro concluir que o ora recorrente, uma vez em liberdade (condicional), possa vir a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes. Por outro lado, na decisão recorrida também se refere que, na fase atual de cumprimento da pena do ora recorrente as exigências de prevenção geral ainda são muito elevadas, não bastando o bom comportamento do recluso (e os demais factores positivos): Aliás, sem desvalorizar tal vertente do cumprimento da pena, é importante que a mesma não seja sobrevalorizada: “Não obstante, importa valorar com cautela a conduta desenvolvida na prisão: uma adaptação particularmente boa às condições da prisão diz tão pouco sobre a maturidade do recluso, como o seu comportamento inadequado, em relação à expetativa da comissão de novos delitos em liberdade.”21 Mais menciona o recorrente que a decisão recorrida também desconsiderou que o mesmo demonstra interiorização do desvalor da conduta, tem distanciamento autocrítico, demonstra profundo arrependimento e até vergonha pelas condutas que teve. Também aqui, ao invés do afirmado, é evidente que a sentença fez, como vimos, uma ponderação dos aspectos positivos e negativos do percurso prisional do recluso, mas entendeu que o mesmo não evidencia, de forma sedimentada, tal consciência crítica. A este propósito, importa lembrar que “não estamos perante a exigência de um acto de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data da audição para efeitos de concessão da liberdade condicional, antes de um processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz à conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) dos mencionados reconhecimento e consciência do mal do crime.”22

Com efeito, a natureza dos crimes cometidos pelo recluso e a gravidade da(s) pena(s) (parcelares e única) em cumprimento (as circunstâncias do caso, como vimos supra) não impedindo obviamente a concessão da LC (todos os crimes e penas a permitem), devem ser conexionadas de forma muito consistente com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena.

Neste contexto, acompanhamos a conclusão vertida na sentença de que o juízo crítico acerca do desvalor do crime cometido é apenas fragmentário, limitando-se a reconhecer as evidências, um caminho fácil e formal em face da apreciação da LC. Entendemos como expressivamente sintomática a sua atitude, que acima sublinhámos, de não consciencialização integral da gravidade dos factos praticados.

Assim e considerando que, “sem interiorização da responsabilidade23 dificilmente será possível alterar comportamentos”24, não é minimamente seguro que não possa reincidir em crimes até de natureza semelhante.

Assim, por tudo o exposto, não podemos deixar de subscrever o entendimento vertido na sentença sobre o carácter prematuro do prognóstico25 de que o recluso irá passar a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem o cometimento de novos crimes.

Em síntese, entendemos que não estão preenchidos os requisitos para a concessão da LC, pelo que o recurso deve improceder, o que se decidirá.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 12 de Agosto de 2022

..............................................................................................................

1 (7 no original) Pelos quais nunca antes o Recorrente cumpriu pena de prisão!

2 (8 no original) Sublinhado nosso. 3 Neste exacto sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 528.

4 Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal, Parte General, quinta edição, Comares, Granada, Dezembro de 2002, página 915.

5 É a posição defendida por Josep-María Tamarit Sumalla, Ramón Garcia Albero, Maria-José Rodríguez Puerta e Francisco Sapena Grau no Curso de Derecho Penitenciario, 2.ª edição, Tirant lo Blanch, Valencia 2005, página 343.

6 Jorge de Figueiredo Dias, ibidem. No mesmo sentido, entre outros, vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, página 356 e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª edição, Almedina, 2022, páginas115 e 116.

7 Joaquim Boavida in A Flexibilização da Prisão, da Reclusão à Liberdade, Almedina, Coimbra, 2018, página 125.

8 Manuel Vega Alocén in La Libertad Condicional en el Derecho Espanhol, Civitas, Madrid, 2001, página 139.

9 Direito “sujeito ao cumprimento das condições para a sua concessão...”. Carlos Mir Puig in Derecho Penitenciario. El Cumplimiento de la Pena Privativa de Liberdad, 4.ª edição, Atelier, Libros Jurídicos, Barcelona, 2018, página 162.

10 Segundo Artur Vargues (Alterações ao Regime da Liberdade Condicional, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, página 58), “estamos aqui perante uma verdadeira modificação substancial da condenação penal traduzida na redução da mesma, que manifestamente bule com o princípio da intangibilidade do caso julgado (e coloca em dúvida a própria natureza jurídica da liberdade condicional enquanto entendida como incidente ou forma de execução da pena e não de modificação posterior da condenação, que agora é susceptível de estar posta em causa).”

11 A lei atual seguiu, ipsis verbis, a sugestão de Jorge de Figueiredo Dias (Ob. cit., página 539), ao afirmar que devem ser tomados em consideração todos os elementos necessários ao prognóstico efetuado para decretar a suspensão de execução da pena de prisão.

12 Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, página 356; concordantemente, também António Latas – Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade – Aspectos Práticos in Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, página 223 e 224, nota 32.

13 Josep-María Tamarit Sumalla e outros in Ob. cit., página 343, nota 5).

14 Neste sentido, João Luís Moraes Rocha (coordenador) in Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários, Almedina, 2005, página 47.

15 Neste sentido se pode interpretar a referência de Hans-Heinrich Jescheck e outro in Ob. cit., página 902, quando afirma que a personalidade do agente, como circunstância a levar em conta para determinar se deve ser decretada a suspensão de execução da pena (em que deve ser efetuado um prognóstico similar ao da liberdade condicional, como vimos), o pode ser negativamente, em prejuízo daquele.

16 Estamos aqui a considerar a falta/atenuação da chamada culpa pela condução de vida (expressão utilizada por Günter Jakobs in Derecho Penal, Parte General, Fundamentos e Teoria de la Imputación, Madrid, 1995, página 591, contraposta à chamada culpa pelo facto), ou seja, no âmbito daquilo que se pode denominar por direito penal de autor (contraposto a direito penal do facto) cuja eficácia no domínio da efectiva execução da pena, ao invés da área interpretativa dos tipos de crime (em que se mostra dificilmente compatível com o princípio da legalidade) deve ser incrementada, como defende Claus Roxin in Derecho Penal – Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delicto, Madrid, 1997, página 188, posição que se subscreve.

17 A “boa conduta” (buena conducta) é, desde a Lei de 23 de Julho de 1914 e até aos nossos dias, um requisito da concessão da liberdade condicional em Espanha. Atualmente, tal requisito está previsto no art.º 90.º do CP espanhol, com a redação introduzida pela Lei n.º 1/2015, de 30.03

18 De referir que no país vizinho constitui impeditivo da concessão da liberdade condicional, para a generalidade dos autores, a existência de sanções graves ou muito graves, como o consumo de estupefacientes (neste sentido, vide Felipe Renart Garcia in La Libertad Condicional: Nuevo Régimen Jurídico, Madrid, 2003, páginas 115/116; vide, no mesmo sentido, Beatriz Tébar Vilches in El Modelo de Libertad Condicional Español, Navarra, 2006, páginas 152 a 156) entendimento que nos parece perfeitamente justificado no nosso ordenamento jurídico, tanto mais que o consumo de drogas se mostra, em muitos casos, geneticamente ligado à prática dos crimes que justificam a reclusão.

19 Sendo absolutamente incorrecta a afirmação (constante da conclusão XIII) de que tal valoração não tem “suporte legal”.

20 Juízo conclusivo sem qualquer apoio em factos e, como tal, notoriamente gratuito.

21 Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Ob. cit., página 917, nota 119.

22 Acórdão da Relação de Lisboa de 26.06.2017 proferido no processo 1673/10.1TXEVR-Q.L1-5 (relator Artur Vargues) e disponível em www.dgsi.pt, aliás citado na conclusão XXXXII do recurso.

23 Já em 1836 Alexis de Tocqueville e Gustave de Beaumont (On the Penitentiary System in the United States and its Aplication in France, Southern Illinois University Press, 1964, página 55) refletiam: “Lançado na solidão o condenado reflecte. Colocado a sós na presença do seu crime, ele aprende a odiá-lo e se sua alma não estiver empedernida pelo mal (…) é no isolamento que o remorso virá assaltá-lo” (tradução nossa). Esclarece-se que o contexto da citação é o da comparação entre o sistema penitenciário de Filadélfia e o de Auburn, referindo-se que os dois preconizavam o isolamento dos reclusos como meio para atingir a recuperação moral (moral reformation) do condenado. Feito tal esclarecimento e sendo certo que no EP em que o recluso cumpre a sua pena não existe (a não ser em caso de sanção disciplinar) o regime de isolamento, não pode deixar de se considerar que a reclusão, em conjunto com outros presos é, ela própria, na sua essência, um isolamento da comunidade em geral. Como é óbvio, hoje o binómio crime/pena está expurgado de quaisquer considerações de ordem moral ou retributivas, visando a segunda a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1 do CP).

24 João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, Entre a Reclusão e a Liberdade, Pensar a Reclusão, volume II, Almedina, Coimbra, 2008, página 171.

25 “O prognóstico sobre o comportamento do autor adequado ao Direito é de uma importância decisiva para a questão da liberdade condicional.” Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Ob. cit., página 917.