NEXO DE CAUSALIDADE
COMISSÃO POR OMISSÃO
NÃO PRONÚNCIA
Sumário

I – Importa decidir se não ocorreu quebra do nexo de causalidade da (potencial) “ação omissiva” danosa dos arguidos M e J após a cessação das suas funções oficiais.
II – Enquadramento normativo (Código Penal):
Artigo 10.º
Comissão por acção e por omissão
1 - Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.
2 - A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.
(…)
III - Resulta dos próprios termos da lei que no n.º 1 está plasmada a chamada doutrina da causalidade adequada, em termos retirados da lição de Eduardo Correia, onde, especificamente no que toca à omissão, consta que “[d]a norma que quer evitar um resultado nasce, pois, para todos, não só o dever de evitar as actividades que o produzem, mas também o comando de levar a cabo as actividades que obstem à sua produção”, ou seja, nos crimes comissivos por omissão existe “uma tipização indirecta [André Lamas Leite, “As "Posições de Garantia" na Omissão Impura”, Coimbra Editora, 2007, página 128, designa esta realidade como “tipo composto”] que só se completa integrando a norma do art.º 10.º com a norma incriminadora do crime comissivo por acção correspondente.” [Manuel Cavaleiro de Ferreira in Lições de Direito Penal, Parte Geral, Almedina, 2010, página 99]
IV - No que respeita, especificamente, ao nexo causal nos (chamados) crimes comissivos por omissão, importa referir que a “causalidade da acção não é o mesmo conceito da causalidade da omissão; sendo a omissão materialmente "nada" [segundo Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Comares, 2002, página 666, “a causalidade com categoria do ser exige uma fonte de energia real que seja capaz de produzir um esforço, algo que precisamente está ausente na omissão ("ex nihilo nihil fit")], não pode ser fisicamente a causa de alguma coisa, diferentemente do que sucede relativamente à acção e por isso a relação causal ligará, segundo a lei, a "acção omitida" ao "não impedimento do evento"”.[Manuel Cavaleiro de Ferreira in Ob. cit., página 102]
V - Em sentido semelhante, pode ler-se em Welzel [apud Armin Kaufmann, Dogmática de Los Delitos de Omissión, Marcial Pons, 2006, página 84] que o “(…) autor da omissão não é castigado porque causa um resultado típico, mas por não o ter impedido… A única questão legítima dentro dos delitos de omissão dirige-se a se o levar a cabo a acção omitida teria impedido o resultado”, concluindo Kaufmann que a “(…) questão da causalidade potencial [por este motivo, Claus Roxin em Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal, Marcial Pons – tradução da 9.ª edição original - 2016, pág. 446, entende que o domínio do facto nada tem que ver com este "domínio do impedir potencial".”] é, pois, a única "questão causal" que pode ter significado prático para a omissão, ali onde são importantes as consequências possíveis da acção imaginada.”
VI - Segundo Marcelo Almeida Ruivo [O Método de Verificação da Causalidade na Omissão Imprópria in Prof. Doutor Augusto Silva Dias, In Memoriam, vol. I, AAFDL Editora, 2022, página 477], “(…) a causação por omissão tem a mesma delimitação espaço-temporal da ação, sem que a verificação permita atingir sempre a certeza, pois o procedimento de supressão mental do omitir inclui duas variáveis. A ação que importa investigar é a que teria impedido o resultado ofensivo no contexto concreto. Primeiramente, é necessário averiguar qual ação culminou no resultado ofensivo e, depois, qual ação possível ao imputado o teria evitado. Há duas variáveis que demandam dois raciocínios hipotéticos, por isso de fala em método duplamente hipotético.”[Em sentido semelhante, ou seja, existir a necessidade de uma dupla verificação para chegar à causalidade neste tipo de crimes, vide Maria Paula Ribeiro de Faria (Formas Especiais do Crime, Universidade Católica Editora Porto, 2017, página 201: “Em primeiro lugar, ter-se-á de estabelecer a relação causal efectiva entre uma acção ou um facto natural e um resultado (…). Num segundo momento, ir-se-á apurar a causalidade hipotética da omissão, ou seja, a eficácia potencialmente impeditiva do resultado teria tido a prática da acção devida.”]
VII - Para André Lamas Leite, na esteira de Figueiredo Dias, deve aplicar-se, neste âmbito, a teoria da conexão do risco, ou seja, “a acção esperada ou devida deve ser uma tal que teria diminuído o risco de verificação do resultado típico”, ou seja, por outras palavras, “o resultado pode ser imputado à omissão sempre que a prática da acção devida tivesse diminuído o risco de ocorrência do resultado.”
VIII - Entendemos que “para haver imputação é necessário que exista entre a conduta (ação ou omissão) e o resultado um nexo causal concreto, ou seja, é necessário que tenha sido a conduta a causa efetiva do resultado.”[Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, 3.ª edição, Universidade Católica Editora Porto, 2019, página 323.] Quer isto dizer que a acção esperada e omitida deve(ria) ser eficaz para evitar o resultado típico: “se fosse inequivocamente evidente, no momento em que se omite a ação, que esta era inteiramente ineficaz para evitar a lesão do bem jurídico, dever-se-ia negar a ilicitude e a tipicidade da omissão.”
IX - Entendemos que a mera cessação de funções dos arguidos, por si só, não é suficiente para os desonerar de um resultado lesivo superveniente. Se ficar provado que uma determinada omissão é determinante para não evitar que um resultado típico se produza, a desoneração formal do dever de garante a partir de certo momento anterior ao facto lesivo mas posterior ao comportamento omissivo não traduz, por si só, um afastamento da tipicidade.
X - Como resulta dos factos indiciados (factos…) os arguidos aqui em causa desempenharam funções (na …), onde se incluía o dever de tomar providências adequadas a minimizar a possibilidade de derrocadas em pedreiras da área das suas competências e suas consequências (nomeadamente a morte de trabalhadores dessas pedreiras) e, sabendo da instabilidade da pedreira onde ocorreu a derrocada aqui em causa, não diligenciaram pela tomada de medidas adequadas a evitar o resultado que efetivamente aconteceu. Como já referimos, entendemos que estes arguidos não asseguraram, como lhes competia, a efetiva (não apenas administrativa e formal) interdição da decretada exploração da pedreira, permitindo, com um comportamento omissivo, a sua continuação, apesar de terem conhecimento de tal circunstância.
XI - Mais resulta evidente que, após cessarem funções, lhes era legalmente interdito ordenarem quaisquer ações de fiscalização para assegurar a efetiva interdição da pedreira ou quaisquer outras acções com tal escopo. A este propósito, cumpre referir que a afirmação do recorrente de que “os elementos já demonstravam a irreversibilidade da situação” não tem qualquer apoio nos factos, até porque vários estudos técnicos indicavam soluções para que os problemas e riscos decorrentes da exploração da pedreira fossem minimizados (nomeadamente factos X e Y).
XII - Porém, mais significativa do que tal cessação de funções, entende-se a ação do arguido FF (facto indiciado 170):
“No dia 22 de de 2017, o arguido FF assinou um ofício da ... enviado à arguida VV Limitada, dando conta da autorização para continuarem a realizar trabalhos de exploração de acordo com o plano da pedreira aprovado em 1993, aguardando o envio dos elementos em falta para aprovação da revisão do novo plano de lavra.”
XIII - Este facto (positivo), que passou a legitimar administrativamente a atividade de exploração da pedreira, até aí interdita, torna juridicamente irrelevante qualquer causalidade hipotética das omissões pretéritas dos mencionados arguidos, nomeadamente traduzidas na falta de fiscalização da interdição dos trabalhos da pedreira, que puderam (e continuaram, sublinhando-se que decorreu mais de um ano entre tal autorização e o evento lesivo), agora sem quaisquer restrições jurídicas ou materiais, nomeadamente a utilização de explosivos na parede da pedreira contígua à EM ... nesse dia, no período da manhã. (facto indiciado 295).
XIV - A este exato propósito, pode ler-se em Bernd Schünemann [Fundamento y Límites de los Delitos de Omisión Impropia, Marcial Pons, 2009, página 293.] que “a igualdade entre a omissão e a comissão pressupõe um domínio sobre condições do resultado atuais, efetivas, e que, inclusivamente o domínio monopolístico sobre um mero meio de salvação, unicamente pode fundamentar a especial reprovação, mas nunca a igualdade entre a omissão e a comissão. Aí reside precisamente apenas o domínio potencial sobre o resultado, que se encontra numa relação de desigualdade com o domínio actual presente na ação e que nunca pode ser equiparado àquele.”
XV - Com efeito, se a atividade de exploração da pedreira, até aí interdita por motivos de insegurança, é administrativamente autorizada, mantendo-se (e agravando-se) tal insegurança, já não é causalmente relevante o comportamento omissivo contraposto à ação que, potencialmente, poderia vir a evitar o resultado danoso, mas sim uma ação que (permitindo de forma lícita a exploração da pedreira), projetando os seus efeitos até ao evento lesivo (ou seja, representando um domínio atual sobre os acontecimentos), criou novas condições jurídicas e materiais para que o perigo existente se concretizasse. Em face deste quadro, a ação pretérita possível dos arguidos (por contraposição às suas omissões) não teria evitado este resultado concreto: basta pensar que os arguidos poderiam ter desenvolvido todas as ações conducentes à efetiva cessação da atividade de exploração da pedreira e que as mesmas seriam necessariamente irrelevantes em face da nova autorização para que aquela atividade se reiniciasse, como efetivamente veio a acontecer.
XVI - Mostra-se, deste modo, totalmente destituída de fundamento a tese do recorrente de que ocorreu “uma atuação paralela mas evidentemente interligada entre os quatro arguidos.”
XVII - Em síntese, entendemos que a causalidade do evento lesivo se encontra fundamentada positivamente nos termos acima expostos, com exclusão de qualquer nexo entre o comportamento omissivo dos arguidos aqui em causa e o concreto evento lesivo, nem sequer se podendo aludir a um “corte” do nexo causal emergente do comportamento omissivo dos arguidos em causa por referência a uma realidade meramente hipotética.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo de Instrução Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo de instrução n.º 241/18.4T9VVC, no qual foi decidido, em despacho proferido no dia 09.06.2021, não pronunciar os arguidos AA e BB pela prática dos (5) crimes de homicídio p. e p. p. artigos 131.º, em articulação com os artigos 10.º, n.ºs 1 e 2 e 14.º, todos do Código Penal, de que os mesmos se encontravam acusados.

Desse despacho interpôs recurso o MP, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1 - Nestes autos, encerrado o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação, além do mais, imputando a cada um dos arguidos BB e AA a prática, como autor, em concurso real, de cinco crimes de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º em articulação com os artigos 10º, n.ºs 1 e 2 e 14º, todos do Código Penal.

2 - Realizados os atos de instrução requeridos e ocorrido debate instrutório foi, a final, proferida decisão pela qual decidiu o Mmo. Juiz de Instrução, além do mais, não pronunciar estes dois arguidos.

3 - O Mmo. Juiz de Instrução Criminal fez uma incorreta valoração da matéria probatória recolhida durante as fases de inquérito e instrução e uma errada aplicação de direito, ao decidir considerar não indiciados factos suscetíveis de fazer operar a responsabilidade criminal dos arguidos BB e AA, relativamente às mortes das vítimas CC e DD, trabalhadores da pedreira EE (factos n.ºs 248, 249 257, 261, 262 e 279 da acusação e factos P, Q, U, W, X e DD dos factos não suficientemente indiciados da decisão instrutória).

4 - A prova junta aos autos e a correta aplicação do direito, impunha que se considerassem os factos constantes da acusação pública, relativamente a esta responsabilidade criminal dos arguidos, considerados como suficientemente indiciados e que fosse, quanto aos mesmos, proferido despacho de pronúncia pelos dois crimes de homicídio das vítimas CC e DD, por que vinham acusados.

5 - Resumidamente, entendeu o Mmo. Juiz de Instrução que, por força da extinção da DRE… e transferência das competências desta entidade para a Direção Geral de Energia e Geologia, consequente transferência da arguida AA para … e abandono de funções pelo arguido BB, estes deixaram de ter o domínio dos factos e consequentemente o dever de garante em relação à situação que levou à vitimização de CC e DD.

6 - Considerou ainda o Mmo. Juiz de Instrução que após a cessação de funções destes dois arguidos, ocorreram circunstâncias imprevisíveis, desde logo a decisão tomada em 2017 pelos arguidos FF e GG, de autorizarem a exploração da pedreira de acordo com o plano de lavra aprovado em 1993.

7 - O Mmo. Juiz de Instrução incorreu, quanto a esta questão, numa manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão.

8 - Pese embora o Mmo. Juiz refira a fls. 420-421 da decisão instrutória que “(…) No caso em apreço, no que se refere aos arguidos BB e AA, existiu o dever jurídico de agir, nos termos do artigo 65 do Decreto-Lei n.º 270/2001, alterado pelo Decreto-Lei n." 340/2007. A atitude dos arguidos é configurável como dolo eventual: atento o risco de deslizamento do talude a morte de trabalhadores era uma possibilidade cuja inércia em adotar medidas adequadas traduz numa conformação/aceitação desse mesmo resultado possível. Na análise do comportamento dos arguidos, nenhum deles enquanto exerceu funções na Direção Regional de Economia … interrompeu o processo lesivo, sendo para nós certo que a medida cautelar supra mencionada poderia e deveria ter sido adotada porquanto estavam reunidos os pressupostos fácticos e jurídicos que a legitimavam”, erradamente, considerou como não indiciado que aos arguidos AA e BB se lhes impunha, era exigível e estava ao seu alcance diligenciar pela cessação efetiva da atividade de exploração da pedreira (cfr. factos 248 e 261, partes finais, da acusação e P. e W, partes finais, dos factos não indiciados da decisão instrutória).

9 - Mais deu também incorretamente como não indiciado que, ao não terem diligenciado dessa forma, permitiram que se mantivesse a atividade extrativa na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD (factos 249 e 262 da acusação pública e Q. e X dos factos não indiciados da decisão instrutória).

10 - Acresce que ao contrário do entendimento do Mmo. Juiz de Instrução, considera o Ministério Público que tais factos, assim como o facto n.º 279 da acusação pública (com reflexos nos artigos 280 a 288), se encontram suficientemente indiciados e resultam da conjugação da vasta prova documental e testemunhal junta aos autos, conjugada com as regras de experiência comum.

11 - Tendo em consideração as funções desempenhadas pelos arguidos BB e AA na extinta DRE…, bem como o conhecimento, que ambos possuíam, da situação de perigo em que se encontrava o talude, apenas uma conduta lhes era exigida: diligenciar pela adoção da medida cautelar de suspensão da atividade na pedreira EE.

12 - Impunha-se, especificamente, que estes dois arguidos, no desempenho daquelas suas funções, tivessem tomado ou sugerido a implementação de medidas mais musculadas em ordem a fazer cumprir a proibição de laboração na pedreira do EE, através do decretamento formal das medidas cautelares da suspensão ou encerramento preventivo da exploração, conjuntamente com a adoção das medidas concretas, previstas no referido artigo 65.º da Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, tais como:

- notificar os distribuidores de energia elétrica/água para a interrupção do fornecimento a tal pedreira, como forma de efetivar a obstrução do cumprimento da medida de suspensão de laboração;

- solicitar o auxílio das autoridades policiais para verificarem assiduamente o cumprimento da medida de suspensão de laboração na totalidade da pedreira (cfr. n.º 6 do mencionado artigo 65º);

- levantar auto de notícia para instauração de processo de contraordenação pela entidade competente (ASAE), solicitando eventualmente a aplicação de sanções acessórias previstas naquele normativo;

- ponderar o eventual levantamento de auto de notícia pelo crime de desobediência (artigo 348º, n.º 1, al.ª b) do Código Penal).

13 - Ora, a intervenção destes arguidos, num momento em que os elementos já demonstravam a irreversibilidade da situação e enorme gravidade para a estabilidade daquele talude, pondo em risco muito sério todos os que se encontrassem nas suas imediações, pugnaram, no pleno exercício dos seus poderes funcionais, por medidas ineficientes para evitar o resultado final (morte dos trabalhadores) quando a mesma era já plenamente previsível e disso estavam bem cientes.

14 - Discorda-se também do entendimento do Mmo. Juiz de Instrução, no sentido de que que com a cessação de funções dos arguidos AA e BB na DRE… e em face daquilo que foram as subsequentes decisões dos arguidos FF e GG, houve um corte do nexo causal entre a omissão de deveres de ação imputada aos primeiros e a ocorrência do resultado final.

15 - Não existiram circunstâncias novas que tenham cortado tal nexo nem tem necessariamente de existir coincidência temporal entre o momento da omissão e o resultado final causalmente resultante.

16 - A conduta dos arguidos BB e AA, atentos os elementos de prova juntos, revê-se numa aferível inércia, falta de promoção e aplicação de medidas diferentes e mais proactivas em ordem a fazer efetivamente cessar de forma efetiva e duradoura a atividade de lavra na pedreira do EE.

17 - A omissão de implementação de medidas mais efetivas para impedir a atividade de extração, com a presença de trabalhadores, na pedreira do EE, por parte destes, evidentemente expressou aquilo que era a apreciação que a DRE… assumiu através das suas pessoas, servindo de base subsequentemente para a DGEG, nas pessoas dos arguidos FF e GG, assentar a sua análise e sustento decisório.

18 - Não se considera que a atuação dos arguidos FF e GG seja independente da posição e omissão dos arguidos AA e BB, antes se apresenta como uma sua consequência natural, previsível, numa linearidade causal da realidade, não tendo por isso interrompido o nexo causal entre a omissão de medidas e o resultado final – morte dos trabalhadores.

19 - Caso os arguidos BB e AA tivessem atuado, implementando medidas que efetivassem a cessação de atividade e a presença de trabalhadores na pedreira do EE, como se referiu, com elevada probabilidade, se teria evitado que o resultado morte dos trabalhadores não tivesse ocorrido.

20 - Ao ter decidido como decidiu o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, violou o disposto nos artigos 10.º e 131.º do Código Penal e artigo 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

21 - Termos em que deverá a decisão de não pronuncia dos arguidos AA e BB ser alterada e em conformidade pronunciar-se estes dois arguidos pela prática, cada um, de dois crimes de homicídio doloso p. e p. pelo artigo 131º em articulação comos artigos 10, n.ºs 1 e 2 e 14º, todos do Código Penal, pelas mortes de CC e DD.”

Pugnando, sinteticamente, pelo seguinte resultado:

“NESTES TERMOS E COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA A DECISÃO INSTRUTÓRIA RECORRIDA, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUIDA POR DOUTO ACÓRDÃO, EM QUE, ACOLHENDO-SE AS RAZÕES SUPRA INVOCADAS, SEJAM OS ARGUIDOS AA E BB PRONUNCIADOS NOS EXATOS TERMOS DA ACUSAÇÃO PÚBLICA DEDUZIDA PELA PRÁTICA, CADA UM, DE DOIS CRIMES DE HOMICÍDIO DOLOSO POR REFERÊNCIA ÀS VÍTIMAS CC e DD.”

O recurso foi admitido.

Responderam ao recurso os arguidos, formulando as seguintes conclusões (transcrição): I – Arguida AA.

“I - O presente recurso procura colocar em crise a decisão de não pronúncia da arguida AA pelos crimes de homicídio de CC e de DD, o que, com o devido respeito, não merece provimento.

II - Os argumentos que expende assentam nuclearmente no pressuposto da verificação de um facto que não foi levado aos autos em momento algum, ou seja, não é facto da acusação, nem adquirido, ainda que indiciariamente, na instrução que o talude que derrocou estava numa situação de instabilidade irreversível à data de 2015, ou posterior (expressamente, Conclusão 14. Do recurso).

III - Decorrentemente, por falta da tal irreversibilidade, a atuação da arguida no período em que desempenhou funções na DRE… deve ser apreciada tendo em conta o exercício discricionário do poder administrativo atenta a missão de que estava incumbida; nessa discricionariedade inclui-se a escolha das medidas que, em termos de oportunidade e conveniência se mostrem devidas (ainda, Conclusão 14. Do recurso).

IV - Em rigor, nada nos autos permite a imputação objetiva do resultado proibido (morte das vítimas) à arguida por efeito da sua conduta ou dos subsequentes efeitos da sua conduta enquanto funcionária da DRE… (ainda, Conclusão 14. Do recurso).

V - Mais, tendo em conta a cadeia de acontecimentos, não é possível, ainda que indiciariamente, ligar a omissão (qual seja, se é que existiu) da arguida ao resultado morte das vítimas, por via de uma conduta culposa, seja dolosa ou negligente (ainda, Conclusão 14. Do recurso).

VI - A tese culpabilizante do recurso assenta na construção de uma previsibilidade impossível de factos futuros (trabalhos realizados, autorização de laboração, etc.) e conjeturas (v.g., possível deficiência da intervenção estabilizadora do talude) que vão muito além do exigível à arguida (Conclusões 14. a 19. do recurso).

VII - Mais, esta tese da previsibilidade alargada/estendida não integra a acusação, pelo que a construção levada ao recurso se posta como uma correção à acusação que é, consabidamente, inadmissível (Conclusões 14. a 19. do recurso).

VIII - A decisão instrutória considerou, bem, que o dever de garante da arguida para a contenção do perigo nas pedreiras de … cessou com a sua saída da DRE… (Conclusões 14. a 19. do recurso).

IX - A decisão instrutória considerou, bem, que com a saída da DRE… a arguida perdeu o domínio dos factos que facultariam o conhecimento e a contenção do perigo nas pedreiras de … (Conclusões 14. a 19. do recurso).

X - A decisão instrutória considerou, bem, a superveniência de circunstâncias imprevisíveis para a arguida e daí retirou que a sua conduta não conduziu ao resultado proibido (Conclusões 14. a 19. do recurso).

XI - O recurso consiste numa diferente apreciação da prova dos autos em colisão com a livre apreciação da prova pelo Juiz de Instrução, o que não pode prevalecer (Conclusões 9. a 13. do recurso).

XII - O recurso não realiza em sentido próprio, ainda que procure retirar efeitos equivalentes, uma impugnação da matéria de facto mas, ainda que assim se entenda, esta não poderá proceder por, nos termos dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° e art. 431.°, al. b) do CPP, não indicar especificadamente qual a prova em que fundamenta a alteração dos factos não indiciados que requer (ainda Conclusões 9. e 11. a 13. do recurso).

XIII - Não existe qualquer contradição entre a fundamentação da decisão instrutória e a decisão de não pronúncia da arguida e a aparente contradição exposta no recurso funda-se na desconsideração da letra da fundamentação, designadamente no que respeita à delimitação do período a que se refere, e no isolar um ponto da fundamentação para contrapor à decisão (Conclusões 7. e 8. do recurso).

XIV - Finalmente, a conduta da arguida, em momento algum pode ser subsumida na previsão legal do artigo 131º, homicídio, seja a titulo de dolo ou culpa, por este ser um crime de resultado e a sua imputação objetiva e subjetiva não ser possível atendendo a que se está perante a indiciação de um crime omissivo impróprio e que não se verifica a condição estatuída ao n.º 2 do artigo 10º, ambos do Código Penal (Conclusões 20. e 21. do recurso).”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte resultado:

“Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências, o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão instrutória na parte relativa à não pronúncia da arguida AA.”

II – Arguido BB.

“a) Entende o Ministério Público que o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal procedeu a uma incorreta apreciação dos indícios existentes no inquérito, a uma incorreta aplicação e enquadramento de direito, em manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, no que respeita aos factos 248, 249, 261 e 262 da acusação.

b) Para tanto, alega a contradição entre a fundamentação e a decisão, que os factos são suficientemente indiciários de uma omissão concreta perante um dever de agir que se impunha e, por fim, que não existiu corte no nexo de causalidade da acção omissiva imputada ao arguido

c) No que respeita à contradição entre a decisão e a fundamentação, tal alegação não se entende, nem tao pouco se pode aceitar, porque o vício a que alude o artigo 410.º, nº 2, b) do CPP, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não podem ser ultrapassadas, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

d) Não se deve confundir a fundamentação do preenchimento do elemento subjetivo de ilícito para a prática do crime em causa, com a conclusão final da existência, ou não, de prática criminosa, isto é, da verificação de uma ação típica, ilícita, culposa e punível.

e) Desde que não esteja verificado um dos elementos constitutivos do crime, não se poderá concluir na prática do crime, designadamente, e principalmente, o elemento da imputação objetiva.

f) O Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal considerou insuficientemente indiciado que fosse exigível ao arguido diligenciar pela cessação efetiva da atividade de exploração da pedreira enquanto facto absolutamente essencial e determinante para impedir a verificação do resultado morte.

g) Os factos não suficientemente indiciados 248 e 261 da acusação não contrariam o sentido da afirmação do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal na decisão instrutória, quando conclui que subsistiram dúvidas em relação ao domínio dos factos após a cessação de funções do arguido, ora Recorrido, uma vez que este não podia prever que fosse emitida autorização de lavra de acordo com o plano de 1993 e não interveio nas decisões fundamentais para a produção do risco de derrocada: a aceitação dos trabalhos de exploração das massas geológicas, de acordo, e em obediência estreita, ao Plano de Pedreira aprovado, nos termos da regulamentação em vigor, e o facto do plano de pedreira entregue em 23 de novembro de 2015, não se encontrar adaptado à legislação em vigor, fator determinante para a efetiva produção do perigo.

i) O Recorrente BB, cessou funções publicas em 18 de maio de 2015, com louvor público reconhecido pelo então titular da pasta governamental que o tutelava, sendo certo que o acidente da derrocada da EM …, ocorreu em 19 de novembro de 2018, passados três anos e meio após a cessação de funções e consequente desvinculação da esfera da administração pública.

j) Também os factos 249 e 262 insuficientemente indiciados da acusação não contrariam o sentido da afirmação do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal na decisão instrutória, sendo certo que apesar dos deveres que se impunham ao Recorrido, através das normas expressas nos artigos 46.º, n.º1, 54.º, n.º 3 e 65.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, alterado e republicado pelo DL n.º 340/2007, de 12 de outubro, nunca se verificaram as condições necessárias para a adoção de medidas cautelares expressas naquele artigo 65.º, mormente, a indicação de “perigo grave” ou “perigo iminente”, uma vez que estes requisitos não foram preenchidos.

k) Quando o Recorrido iniciou funções, apenas foi informado pela via telefónica, pelo seu antecessor, de que todos os assuntos importantes eram do conhecimento dos técnicos e dirigentes da DRE…, mormente do Eng.º FF porquanto era o Diretor de Serviços com mais antiguidade, pelo que não houve lugar a qualquer transmissão formal de dossiers, como de resto seria habitual e recomendável nestas circunstâncias, sendo que o computador que foi adstrito ao Recorrido estava completamente limpo por indicação do Dr. HH.

l) Não lhe tendo transmitido qualquer informação, sob qualquer forma, do estudo sobre a instabilidade do talude em causa

m) O Recorrido, pela prova factual existente, tomou conhecimento do assunto em janeiro de 2014, no seguimento de uma reunião que as chefias intermédias da DRE…, Eng.º FF (Director de Serviços da indústria e Recursos Geológicos) e Eng.º AA (Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos), que teve lugar no dia 22.01.2014.

l) No seguimento daquele alerta que recebeu dos elementos da sua Direção Regional, e atendendo à potencial sensibilidade que o assunto afigurava merecer, encetou contactos com o Senhor Presidente da Câmara Municipal de …, II, também arguido no processo, a quem enviou uma mensagem de correio eletrónico, em 01.02.2014, colocando à consideração do Presidente a criação de um grupo de trabalho que envolvesse as entidades com responsabilidades e interesse na razão da matéria, tendo esclarecido na referida comunicação que a DRE … tinha procurado salvaguardar as questões de segurança dos trabalhadores, tendo mesmo sido interditados alguns trabalhos nos locais em que a garantia de segurança não foi dada pelos exploradores das pedreiras.

m) Em resposta, o arguido II, através de correio eletrónico datado de 20.06.2014, solicitou, perante o Recorrido BB, uma reunião em que pudessem estar presentes os técnicos e dirigentes da DRE… com conhecimento dos factos, sendo certo que o Recorrido não esteve presente.

n) Em 27 de Junho de 2014, os representantes dos exploradores das pedreiras «JJ», «KK», LL e «MM S.A.» assinaram um memorando sobre a problemática da EM …, onde se refere que, há vários anos, os exploradores das pedreiras contíguas e a DRE… debatem as questões de segurança

o) Em 25 de Junho de 2014, decorreu reunião na Câmara Municipal de … em que estiveram presentes II, NN, OO, PP, QQ e AA (em representação da DRE…., tendo por objeto a discussão do projeto para a remoção do troço da EM ….

p) Em 02.07.2014, os arguidos FF e AA, fizeram chegar ao Recorrido, através de correio eletrónico enviado ao arguido II, um Memorando que dava conta, de forma detalhada, do problema de estabilidade dos taludes das pedreiras confinantes com a EM …, sendo certo que este Memorando tinha como finalidade servir de base de trabalho ao referido grupo de trabalho.

q) Contudo, pelo Presidente da Câmara Municipal de …, o arguido II, não foi tomada nenhuma medida no que diz respeito a criar o grupo de trabalho.

r) Tal memorando não se refere em parte alguma a “perigo grave ou iminente” que pudesse sustentar uma tomada de medida cautelar mais severa, conforme preconizado na legislação aplicável, tal como nenhum dos estudos anteriores, de reputados académicos e de prestigiadas universidades.

s) Na sequência de reunião na Câmara Municipal de …, realizada em 20 de novembro de 2014, onde estiveram presentes, entre outros, II, AA e RR, e onde foi apresentado o memorando realizado pelas empresas exploradoras das pedreiras na zona, concretamente a «JJ, S.A.», «KK S.A.», LL e «MM S.A.», a arguida AA preparou o memorando interno, sendo certo que do mesmo não resultava, mais uma vez, “perigo grave ou iminente” que levasse o Recorrido, no âmbito das suas atribuições, a tomar a medida cautelar consagrada no artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 340/2007.

t) Ora, o memorando reconheceu a existência de um conflito de interesses e simultaneamente, consagrou solução para o mesmo através do acordo robusto entre os dois exploradores cujas pedreiras confinavam com o talude sudoeste da EM …, e as entidades técnicas que os assessoravam. Deste modo, a solução teve em conta o estudo conciliatório de Maio de 2015 e a execuçao das medidas aprovadas em 2015 pela DGEG e executadas ate 2017, com a supervisão de todas as entidades envolvidas, sem que nunca alguém, entre Maio de 2015 e o fatídico dia 19.11.2018, tivesse colocado em causa a competência ou idoneidade das medidas de segurança implementadas.

u) Não pretendendo que o assunto pudesse cair no esquecimento com a antecipada extinção da DRE…, cujo processo de extinção havia já sido iniciado no início de 2014 (Decreto-Lei n.º 11/2014, de 22 de janeiro), o Recorrido decidiu enviar ao Gabinete do Secretario de Estado da Energia, uma mensagem de correio eletrónico, com explicação do problema existente naquele talude, onde anexou aquele Memorando e a já referida apresentação elaborada pelos elementos da DRE…, dentro de um principio de prudência, preocupação e partilha com a tutela governativa dos problemas existentes e das soluções possíveis para mitigar e resolver esses mesmos problemas.

v) No entanto, não recebeu qualquer orientação do Gabinete do Secretario de Estado da Energia para que tomasse qualquer providência.

x) No mesmo dia, em 01.12.2014, o Recorrido remeteu o mesmo correio eletrónico para o Eng.º SS, na qualidade de Director Geral da DGEG, sendo neste momento temporal certo que as competências em matéria de energia e recursos geológicos das direções regionais de economia iriam transitar, com a extinção destas, para a Direção Geral de Energia e Geologia, o Recorrido recebeu em 25.11.2014, um e-mail do arguido FF a recomendar, de forma avisada, a proposta de envolvimento da DGEG nas ações que se viessem a desenvolver.

z) Isto porque já era sabido que a Direção Regional ia ser extinta e as suas competências migrariam para a Direção Geral de Energia e o coordenador do processo de extinção das DRE´s era o então Diretor Geral da DGEG, Eng.º SS, sendo certo que nunca abordou o Recorrido sobre este assunto, nem o sucessor deste, Eng. TT.

w) Em 30.03.2015, a Recorrida AA deu conhecimento, através de comunicação interna da DRE…, de uma reclamação apresentada pela sociedade «MM, S.A.» contra a sociedade «UU», exploradora da pedreira “EE”, a constatar que a entidade exploradora da pedreira “EE” continuava a explorar em local não autorizado, tendo alterado a lavra sem aprovação do respetivo plano e sem cumprir quaisquer medidas de estabilização daquele talude.

aa) Importa salientar, também, no que toca ao processo de licenciamento e fiscalização de pedreiras, que o mesmo era elaborado e gerido pelos elementos que compunham os serviços da Direção de Serviços de Indústria e Recursos Geológicos da extinta DRE…, sendo que ao Recorrido, lhe competia a si, sob proposta técnica elaborada e fundamentada daqueles, emitir licença ou determinar a tomada de uma decisão, como o de ser aplicada uma medida cautelar, com encerramento de uma exploração, uma vez que não tinha competências académicas para o fazer isoladamente.

bb) Os despachos e decisões exarados pelo Recorrido tiveram sempre por base o carácter técnico e científico das informações internas, aliás suportadas pelos estudos elaborados em devido tempo, quer pelo Instituto …, quer pela Universidade de ….

cc) As questões técnicas e operacionais da gestão do serviço estavam delegadas nos diretores de serviços que por sua vez coordenavam os chefes de divisão, e que, por sua vez, coordenavam os técnicos, apenas fazendo chegar ao conhecimento do Recorrido os aspetos mais salientes ou os despachos que careciam da sua assinatura nos termos da lei, sempre precedidos de informação técnica de suporte.

dd) A informação que lhe chegava é que a zona apresentava riscos, os quais mereciam preocupação e careciam de uma avaliação que determinasse o nível de perigo que o talude apresentava, mas nunca referiram que este risco constituísse um perigo grave e iminente

ee) Foi sempre neste sentido que atuou, tendo as suas orientações sido sempre no sentido de haver uma supervisão daqueles locais e um contacto permanente com as entidades envolvidas, tendo por base os estudos do Laboratório de Geomecânica do Instituto Superior Técnico e do Departamento de Geociências da Universidade de … que, invariavelmente, apontavam para um FS (Fator de Segurança) superior a 1.

ff) Já em Maio de 2015, é subscrita, pela Universidade de …, a seguinte posição: Considerou que não sendo feita uma remoção ao nível das massas dos pisos 5 e seguintes no canto SW da Pedreira EE, mas apenas uma remoção parcial das bancadas da parte frontal do talude, por desmonte acima da fratura, esta apresenta uma estabilidade adequada com fatores de segurança acima do equilíbrio limite, apesar da orientação desfavorável da família de descontinuidades principal.

gg) Assim, verificava-se que o talude apresentava uma estabilidade adequada, com fatores de segurança acima do equilíbrio limite, apesar da orientação desfavorável da família de descontinuidades principal relativamente ao talude.

hh) Ainda antes, mas em ato continuado, em Maio de 2015, e no corolário das iniciativas da extinta DRE … e por impulso dos arguidos BB, FF e AA, é imposta a conciliação dos estudos e visões técnicas do Instituto … e da Universidade de …,, obrigando a concordância das 2 universidades, entidades integrantes do Sistema Nacional Científico e Tecnológico, dos 2 exploradores (VV e MM) e de ambos os responsáveis técnicos, o que demonstra a conduta diligente do ora Recorrido.

ii) De onde resulta, que a extinta DRE … impôs, no perímetro da sua apreciação em face da informação que tinha em seu poder, as medidas cautelares que se afiguravam adequadas.

jj) Tanto que assim foi, que desde essa altura e até ao dia do acidente, em Nov-2018, foram, por sinal, dissipados, quaisquer sinais de incomodidade, queixas ou reconhecimento da subsistência de riscos outrora identificados, muito menos, de sinais de perigo grave ou iminente, os quais, saliente-se, são os únicos que, nos termos legais na altura vigorantes, poderiam ser alegados para o exercício de medida cautelar mais severa, como a determinação do encerramento da exploração.

kk) O Recorrido nunca recebeu, nem poderia ter recebido em face dos argumentos técnicos atrás aduzidos, proposta para que se procedesse ao encerramento de uma destas pedreiras, por motivos de perigo grave ou iminente.

ll) Nenhuma outra entidade com competências fiscalizadoras, mormente a ASAE, a ACT, ou o SEPNA, reportaram, entre fevereiro de 2012 e maio de 2015, a existência de perigo grave ou iminente.

mm) Do processo (E/17887/AF/18) consta mensagem de correio eletrónico enviada em 04.12.2018 pela Direção da ASAE, já no âmbito do inquérito às condições do acidente, ao Subinspetor Geral da IGAMAOT, relativa a ações de fiscalização ocorridas nas pedreiras envolvidas no acidente de 19.11.2018, na qual não foram identificadas infrações, pelo que não ordenou a aplicação de uma medida cautelar, prevista no artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, ou seja, o encerramento das pedreiras, uma vez que não dispunha de suporte ou justificação para tal, sendo certo que, caso a DRE… tivesse encerrado as pedreiras sem fundamento jurídico-legal, poderiam os respetivos exploradores intentarem uma ação de responsabilidade civil contra o Estado peticionando o pagamento de danos emergentes e lucros cessantes.

nn) E mais, nunca poderia ser um perigo grave pois até maio de 2015 nunca se verificou nenhum dano material, entenda-se também danos físicos e/ou humanos com severidade bastante que afetasse ou pudesse colocar em causa a boa laboração das pedreiras envolventes. Neste sentido, também não poderia existir um perigo iminente até à cessação de funções do arguido, ora Recorrido, uma vez que não seria expectável que os danos não ocorressem só e apenas 4 anos depois da produção dos memorados e dos estudos.

oo) Note-se que nenhum estudo, que lhe foi feito chegar à DRE…, do Instituto … ou da Universidade de … fazia referência à existência de perigo grave ou iminente de derrocada daquele talude, sendo que todos preconizavam a aplicação de pregagens como meio idóneo e necessário à sustentação do mesmo, como sustenta o relatório da universidade de … de maio de 2015.

pp) A última vez que o Recorrido tomou conhecimento do assunto das pedreiras “EE” e “XX”, enquanto diretor da DRE…, foi em 31.03.2015.

qq) Este ofício foi suportado num parecer interno de 30.03.2015, INF 8/2015 que o R. despachou em 06.04.2015, no entanto, em nenhum ponto desse parecer, que foi apresentado ao Recorrido, era referido o perigo grave ou iminente, nem era proposta a cessação da exploração nem a adopção de medidas cautelares mais severas pelos técnicos e dirigentes intermédios da extinta DRE, uma vez que os subscritores técnicos do parecer igualmente partilhavam a mesma linha de interpretação no que concerne ao perímetro e alcance dos vários estudos/pareceres do Instituto … e da Universidade de ….

rr) Acresce que o relatório final do acidente, apresentado pela DGEG, de 18.11.2018, datado de 26.02.2019, assinado pelo Eng.º FF e pelo Eng.º YY, este último técnico superior da DGEG e antes com as mesmas funções na extinta DRE…, foi remetido para apreciação superior do arguido Dr. GG (Diretor de Serviços de Minas e Pedreiras da DGEG) e da Dra. ZZ, Subdiretora geral da DGEG desde finais do ano de 2014.

ss) Em sequência o arguido GG escreveu, em 19.03.2019, na Informação n.º 12/2019/DPS “os serviços não detetaram qualquer situação de perigo iminente”, conteúdo reiterado pela subdiretora geral da DGEG, ZZ, a 29.03.2019.

tt) No que toca ao Estudo de Estabilidade, de 07.05.2015, elaborado pelo Laboratório de Geotécnica da Universidade de …, que a arguida «VV Lda.» fez chegar via e-mail à DRE… em 11.05.2015, o Recorrido já não tomou contacto com o mesmo, uma vez que foi exonerado com data efetiva de 15 de Maio desse ano, e consequentemente, não exarou qualquer decisão/despacho em relação ao referido estudo.

uu) A partir do dia 15.05.2015, último dia do exercício de funções enquanto Diretor Regional da DRE…, data sua exoneração, o Recorrido não teve conhecimento de qualquer assunto relacionado com as pedreiras “EE” e “AAA”, sendo certo que o Recorrido nunca visitou o local nem nunca lhe foi apresentada factualmente qualquer situação de gravidade que justificasse as medidas cautelares do artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, alterado e republicado pelo DL n.º 340/2007, de 12 de outubro.

vv) O Recorrido nunca recebeu qualquer pedido formal escrito de mais explicações por parte da Câmara Municipal de …, quer do seu Presidente, quer dos Vereadores, dirigentes ou técnicos desta edilidade.

xx) A derrocada do talude sudoeste das pedreiras AAA e EE, confinante com a EM … tratou-se de um acidente não imputável ao Recorrido, pelo que, o Recorrido não omitiu qualquer dever que lhe era imposto, dado que nunca se verificaram as condições necessárias para a adoção de medidas cautelares expressas naquele artigo 65.º, mormente, a indicação de “perigo grave” ou “perigo iminente”.

zz) Não existe fundamento legal na alegação sustentada pelo Ministério Público, e deste modo, salvo melhor opinião, terá necessariamente que se concluir pela improcedência dos pedidos formulados pelo Recorrente uma vez que os factos insuficientemente indiciados 248,249, 261 e 262 não estão em contradição com a decisão instrutória, pelo que se deverá manter a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, mantendo os referidos factos insuficientemente provados como tal.

ww) Acresce que os trabalhadores falecidos CC e DD estavam a laborar, em 19.11.2018, em zona interdita.

aaa) Ainda que se entenda que ficou suficientemente provado que ao arguido, ora Recorrido, lhe era exigido que decretasse a medida cautelar de suspensão dos trabalhos na pedreira, o que não se aceita, sempre se dirá que o evento ocorrido não poderá ser imputado ao mesmo.

Bbb) O Ministério Público discorda da decisão do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, designadamente, na parte em que este refere que existiu um corte do nexo causal entre o dever de ação do arguido, ora Recorrido, e o resultado final morte, porquanto não existiram circunstâncias novas que tenham cortado tal nexo nem tem necessariamente de existir coincidência temporal entre o momento da omissão e o resultado final causalmente resultante.

cccc) Cabe discordar em absoluto do alegado pelo Recorrente, não se compreendendo em primeira instância a afirmação de inexistirem circunstâncias novas que tenham cortado o nexo, porque como bem refere o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal a fls. 432 da decisão instrutória: “Dúvidas não existem que os dois arguidos (referindo-se ao Arguido, ora Recorrido e à arguida AA) não podiam contar com a atuação dos restantes arguidos que integravam a DGEG, porquanto na esfera de decisores e agentes da DRE… desenvolveram atos, designadamente, a interdição da exploração da pedreira, incompatíveis com a autorização da exploração ocorrida em 2017, tratando-se de uma circunstancia objetiva e subjetivamente imprevisível.”.

ddd) O ora Recorrido, não podia prever que a Direção Geral de Energia e Geologia perante a alegada (à data dos factos da derrocada) instabilidade do talude sudoeste das pedreiras fossem autorizar a exploração não diminuindo o risco em que os trabalhadores incorriam.

Eee) Refere o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal que embora tivesse existido uma omissão do dever de agir do ora Recorrido, o que se discorda pela factualidade supra exposta, certo é que não foi adequado e determinante para causar o resultado que se veio a verificar, de acordo com a teoria da causalidade adequada.

Fff) O estudo da imputação objetiva é essencial para que possam ser apurados todos os requisitos exigíveis para que se possa afirmar que um determinado resultado foi produzido por uma acção concreta, funcionando juridicamente os critérios da imputação objetiva de ponte de ligação jurídica entre a acção/omissão do agente e o resultado, resultado esse que apenas e por causa do nexo de imputação objetiva estabelecido se pode atribuir juridicamente à conduta inicial do agente.

Ggg) Verifica-se a existência de uma causa virtual ou hipotética em relação a um resultado “quando existe um processo lesivo que produziria o resultado, se não fosse a interposição de um outro processo lesivo que efetivamente a produziu”.

hhh) A causa virtual nunca se chega a concretizar como o efetivo evento causador do resultado verificado, tendo, no entanto, a hipotética capacidade para tal, observando-se assim um concurso de fatores causais que é, na verdade, apenas virtual.

iii) Todavia, os crimes de resultado apenas se materializam pela realização separada e consequencial de dois eventos espácio-temporalmente distintos, sendo estes, de forma posterior, juridicamente interligados através da figura da imputação objetiva.

Jjj) A causa virtual de um determinado resultado nunca se chega a materializar nesse evento, apenas tendo a capacidade para tal, capacidade essa que é afirmada de forma necessariamente hipotética.

Kkk) Neste contexto prático, sem se conceder que existiu uma omissão por parte do arguido, ora Recorrido, a alegada omissão inicial que, a princípio, constituía como a causa virtual da sua morte, não se pode afirmar como objetivamente imputável ao resultado concreto verificado uma vez que, embora contendo em si própria a capacidade para tal, não se chegou a materializar no resultado efetivamente verificado.

lll) Nesta senda, recorrendo às várias teorias, designadamente, da adequação e da conexão do risco, não é possível imputar o resultado à omissão do Recorrido.

mmm) Roxin propõe que quando a diminuição do risco só pareça possível, pelo facere incumprido do omitente, mediante um juízo ex ante, é de negar a imputação objetiva, o que se aplica, uma vez que o não decretamento da medida cautelar não diminuía o risco que seria, na data dos factos, inexistente.

Nnn) Assim, reitera-se a posição de que esta causalidade virtual (o não decretamento da medida cautelar de suspensão de trabalho na pedreira) não chegaria na realidade a atuar e, portanto, sequer a concorrer para a produção do resultado, uma vez que tendo sido decretado a medida cautelar continuava a inexistir uma simples probabilidade de afastar o resultado morte.

Ooo) Esclarecida a inadmissibilidade de imputação objetiva da omissão do arguido, cumpre debruçar-nos sobre a problemática da prática dos crimes de que o arguido vem acusado, na forma tentada uma vez que o processo lesivo estaria, hipoteticamente, em curso, desde 2001.

Ppp) A incriminação da tentativa é abalada pela comunicação eletrónica remetida pelo arguido, ora Recorrido, ao arguido II, no dia 1 de Fevereiro de 2014 junto aos autos, onde expressamente refere a importância da exploração respeitar todos as formalidades exigidas, de modo a que a segurança não seja um facto condicionado à sorte, o que demonstra, através das comunicações remetidas ao Presidente da Câmara e aos seus sucessores, dirigentes superiores da administração publica dos organismos que sucedera na extinta DRE … na acomodação das suas atribuições orgânicas, também arguidos no presente processo, que existia uma preocupação com a questão do talude no local onde decorreu a derrocada, sendo certo que não tinha conhecimento fático efetivo da situação de perigo grave e iminente.

Qqq) A considerar-se que existiu um dever de agir por parte do arguido, ora Recorrido, deverá em última instância considerar-se que essa alegada omissão ilícita foi descriminalizada pelos comportamentos ativos do ora Recorrido que consistiram na diminuição do risco originariamente criado pela sua atuação.

Rrr) Atento o exposto, não é defensável que ao arguido, ora Recorrido, que deixou as suas funções como funcionário da DRE… a 18.05.2015, fosse imputado a prática de cinco crimes de homicídio (pretendendo agora o Ministério Público que seja pronunciado por dois crimes de homicídio), desde logo porque atuou de modo a impedir o risco hipotético que se carateriza pelo arrependimento ativo do agente.

Sss) Mais, o n.º 2 do art. 24º prevê a não punibilidade da tentativa quando a não consumação do crime tiver resultado de facto não imputável ao agente, isto é, quando a conduta deste não tiver sido causal do impedimento da consumação, pelo que, a conduta não é punível porquanto ate ao último momento em que o arguido, ora Recorrido podia agir, adotou condutas que visaram impedir o resultado.

Ttt) Para alem de que é obvia a inaplicabilidade da tentativa aos delitos negligentes, nos termos do artigo 22º, n.º1 do Código Penal.

Uuu) Destarte, por tudo o que se disse e na esteira da doutrina que aqui se refere, sempre será de concluir, salvo melhor entendimento, que o arguido, ora Recorrido, não quis nem podia contar com o resultado morte uma vez que fez tudo ao seu alcance para atuar diligentemente de acordo com os deveres de garante que sobre si recaíam, não lhe podendo ser exigido outro comportamento ativo que impedisse o resultado que se veio a verificar, por estar fora do seu alcance no caso concreto, e por não lhe ser exigível quando estava ao seu alcance, ao contrário do que faz crer o Recorrente, pelo que a decisão instrutória que não pronuncia o arguido, ora Recorrido, deverá ser confirmada.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte resultado:

“Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser o presente recurso julgado improcedente, por não provado, mantendo-se, por isso, a decisão instrutória proferida pelo douto Tribunal a quo”.

*

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado procedente.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1).

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

Decisão instrutória (na parte que interessa à decisão dos recursos):

“I. RELATÓRIO:

1 - Nos presentes autos vieram os seguintes arguidos requerer a abertura de instrução:

(…)

1.2. BB (…)

1.3. AA (…)

1.5 IDENTIFICAÇÃO DO(S) ARGUIDO(S), MEDIDAS DE COACÇÃO, DEFENSOR(ES) E IMPUTAÇÃO CRIMINAL:

O Ministério Público deduziu acusação contra

A) II, (…)

B) NN, (…)

C) VV Limitada, (…)

D) BBB, (…)

E) BB, (…)

F) AA, (…)

G) GG, (…)

H) FF, (…)

*

Com a seguinte imputação:

Os arguidos II, NN, GG, BB, FF e AA incorreram na prática, como autor, em concurso real, de: - cinco crimes de homicídio, p. e p. pelo art.º 131.º em articulação com os art.º 10.º, n.º 1 e 2 e 14.º, todos do Código Penal.

(…)

*

A fls. 4035, no dia 15/01/2020, realizaram-se diligências instrutórias e o debate instrutório com observância de todo o formalismo, conforme resulta da respectiva acta.

*

***

III. DA VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE SE TEREM VERIFICADO OS PRESSUPOSTOS DE QUE DEPENDE A APLICAÇÃO AO(S) ARGUIDO(S) DE UMA PENA OU MEDIDA DE SEGURANÇA:

(…)

3.1 FACTOS SUFICIENTEMENTE INDICIADOS:

I. Intervenientes

1. O arguido II exerce o cargo de presidente da Câmara Municipal de … desde outubro de 2013, situação que se manteve durante todo o ano de 2018.

2. Em reunião ordinária da Câmara Municipal de … (doravante identificada como CM de …), de 24 de outubro de 2013, foi deliberado, nos termos do disposto no art.º 34º, n.º 1 da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, delegar na pessoa do seu presidente e ora arguido, II, com a faculdade de subdelegar nos vereadores, entre outras a competência para “Administrar o domínio público municipal” bem como “Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas”.

3. O arguido, na qualidade de Presidente daquele município e no uso de competência delegada pela Câmara Municipal de … manteve na sua pessoa, para além de outras, todas as competências relativas ao planeamento, ordenamento do território e urbanismo, património e bem assim relativas à proteção civil, as quais efetivamente assumiu.

4. O arguido NN exerce as funções de vereador na Câmara Municipal de … desde outubro de 2013, situação que se manteve durante todo o ano de 2018.

5. Naquele mesmo dia 24 de outubro de 2013, o ora arguido II, na qualidade de presidente da CM de …, em exercício do disposto no art.º 36.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e no sentido de ser coadjuvado no exercício das suas funções, determinou que ficassem a cargo do arguido NN, enquanto vereador a tempo inteiro, funções atinentes ao trânsito e segurança, acessibilidades e vias de comunicação, mobilidade, rede viária, ambiente e fiscalização, situação que corroborou por despacho de 09 de maio de 2014.

6. No dia 09 de maio de 2014, considerando a delegação de competências feita pela CM de … na sua pessoa, o arguido II, na qualidade de presidente e ao abrigo do disposto no art.º 36.º, ns.º 1 e 2 da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, delegou na pessoa do ora arguido NN, como vereador, entre outras a competência para “Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas.”

7. Durante o respetivo mandato de 2013 a 2017, estes dois arguidos assumiram e exerceram efetivamente tais funções.

8. Em reunião ordinária da Câmara Municipal de … (doravante identificada como CM …), de 26 de outubro de 2017, foi deliberado, nos termos do disposto no art.º 34.º, n.º 1 da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, delegar na pessoa do seu presidente e ora arguido, II, com a faculdade de subdelegar nos vereadores, entre outras, a competência para “Administrar o domínio público municipal”, bem como “Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas” e “Criar, construir e gerir instalações e equipamentos, serviços, redes de circulação, transportes, energia, de distribuição de bens e recursos físicos integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal”.

9. Este arguido, na qualidade de Presidente daquele município e no uso de competências delegadas pela CM de … manteve na sua pessoa, para além de outros, os pelouros/competências relativos ao planeamento, ordenamento do território e urbanismo e bem assim relativas à proteção civil, os quais efetivamente assumiu.

10. No dia 26 de outubro de 2017, considerando a delegação de competências feita pela CM de … na sua pessoa, o arguido II, na qualidade de presidente e ao abrigo do disposto no art.º 36.º, n.º 2 da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, delegou na pessoa do ora arguido NN, como vereador, entre outras a já referida competência prevista na al.ª w) do n.º 1 do art.º 33.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro para “Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas”.

11. Nesse mesmo dia 26 de outubro de 2017, o ora arguido II, na qualidade de presidente da CM de …, em exercício do disposto no art.º 36º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e no sentido de ser coadjuvado no exercício das suas funções, determinou que ficassem a cargo do arguido NN, enquanto vereador a tempo inteiro, funções atinentes ao trânsito e à segurança, acessibilidades e vias de comunicação e mobilidade, rede viária, ambiente e fiscalização.

12. O arguido NN assumiu ainda o cargo de Vice-Presidente da CM de …, desde 21 de outubro de 2013, circunstância que, na prática, lhe conferia a possibilidade de orientar e controlar o funcionamento daquele órgão.

13. A sociedade “UU, Ld.ª” era uma sociedade por quotas e foi constituída em 24 de março de 1987, tendo por objeto a atividade de exploração de pedreiras e a transformação, comercialização, importação, exportação de mármores, granitos e outras rochas ornamentais e, ainda, de materiais necessários aos indicados fins e a prestação de serviços nas áreas indicadas

14. A sua gerência foi, desde então e até à sua dissolução, em 27 de novembro de 2019, assumida por RR sendo as quotas detidas pela arguida VV Limitada.

15. A arguida VV Limitada é uma sociedade por quotas constituída em 12 de abril de 1990, tendo por objeto a atividade de extração, transformação e comércio de rochas e equipamentos industriais, tendo RR assumido as funções de gerência da mesma desde a sua constituição, funções estas que efetivamente desempenhou até à data da sua morte, em 10 de janeiro de 2020.

16. O arguido BBB, na qualidade de engenheiro, assumiu as funções de responsável técnico da pedreira denominada EE desde 11 de outubro de 2007 pelo menos até dezembro de 2018 incumbindo-lhe especialmente a elaboração do plano da pedreira, o acompanhamento dos trabalhos de exploração e a orientação técnica sobre todas as questões relativas a esta atividade, incluindo de segurança e estabilidade.

17. O arguido BB, economista, desempenhou as funções de Diretor Regional de Economia … (doravante identificada como DRE…) desde fevereiro de 2012 até maio de 2015, data em que ficou concluída a extinção das Direções Regionais de Economia, desvinculando-se desde então do exercício de quaisquer funções públicas.

18. A arguida AA exerceu funções como Chefe da Divisão dos Recursos Geológicos da extinta Direção Regional de Economia … no período compreendido entre 01 de dezembro de 2008 e 15 de abril de 2015, data esta em que transitou para a Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direção Geral de Energia e Geologia (doravante identificada como DGEG), em ….

19. Tinha por incumbências naquela DRE… e no que concerne à exploração de pedreiras, todas as diligências respeitantes aos processos administrativos, designadamente licenciamento, fiscalização e encerramento das explorações.

20. O arguido GG desempenha funções como Diretor de Serviços de Minas e Pedreiras na DGEG desde 2012 sendo que a partir de 2015, com a conclusão da extinção das Direções Regionais de Economia, passou a ter competências alargadas em matéria de licenciamento e fiscalização da atividade extrativa nas pedreiras.

21. O arguido FF desempenhou as funções de Diretor de Serviços na Direção de Serviços da Industria e Recursos Geológicos da DRE… desde 2004 até 2015, altura em que passou a desempenhar funções de Chefe de Divisão de Pedreiras do …, inserido na Divisão de Pedreiras da DGEG.

22. Nessa qualidade de Diretor de Serviços na DRE…, e atualmente como Chefe de Divisão da DGEG, assumiu funções específicas no licenciamento das explorações de pedreiras, concretamente ao nível dos planos de lavra e na fiscalização técnica das atividades aí desenvolvidas.

23. Especificamente, exarava pareceres em face das informações e análises feitas previamente pelos técnicos superiores daqueles organismos públicos.

II. Pedreiras

24. A pedreira de rocha calcária/mármore denominada “EE” (n.º …) fica localizada no …, freguesia de …, concelho de …, nos prédios rústicos arts.º … e …, Secção …, confrontando a sul com a Estrada Municipal n.º … (doravante identificada como EM …) entre o quilómetro 1 e 2, a nascente com a pedreira denominada “AAA” explorada pela empresa “MM, SA” e a poente com pedreira da empresa “JJ, SA”.

25. Em 14 de junho de 1988, deu entrada na Direção de Serviços Regional de Lisboa da DGGM o primeiro Plano de Lavra para a exploração desta pedreira.

26. Em 03 de maio de 1989, foi atribuída a licença de exploração desta pedreira à sociedade “UU, Ld.ª”, a qual a havia tomado de arrendamento aos seus proprietários.

27. Na sequência da aprovação do primeiro plano de lavra da referida pedreira do EE foi a respetiva licença de exploração atribuída à “UU, SA” em 03 de maio de 1989, iniciando-se a sua exploração.

28. Em 11 de fevereiro de 1993, deu entrada na Direção Regional da Industria e da Energia … (DRE…) uma atualização ao Plano de Lavra desta pedreira mencionando-se que inexistia zona de defesa na parte da pedreira confinante com a pedreira do AAA, porquanto se procedera à unificação das explorações.

29. Neste plano foi solicitada autorização para exploração até 27,5 m da EM …, referindo-se que seriam tomadas medidas de segurança por forma a suportar as fraturas, através do enchimento dos vazios existentes entre as rochas com betão e a construção de um murete no limite junto à EM … de 40 cm. com uma rede de 1.10 m de altura e a plantação de uma estrutura arbustiva para diminuir o impacto visual da escavação e dos trabalhos.

30. Este pedido de exploração até 27,5 metros da estrada n.º … foi objeto de parecer negativo pela DRE…, sugerindo a manutenção do limite de 30 metros imposto pelo DL n.º 227/82, de 14.06 vigente à data do licenciamento.

31. Em 16 de março de 1993, por despacho do Diretor Regional da Delegação Regional da Indústria e Energia …, foi aprovada a atualização do Plano de Lavra ficando salvaguardado que a escavação não poderia efetuar-se a uma distância inferior a 30 metros da EM ….

32. Tendo esta decisão sido comunicada à UU, Lda por ofício de 18 de março de 1993.

33. Em 18 de agosto de 1993, a DRE… realizou uma ação de fiscalização à Pedreira EE na qual se refere ter sido determinada a exploração até à distância de 27,50 metros da então denominada EN … (atua EM …) colocando-se os trabalhadores numa situação de perigo para a sua segurança.

34. Em março de 2008, foi realizado novo plano de lavra no qual também se abordava a situação da instabilidade do talude adjacente à EM ….

35. Por decisão de 05 de outubro de 2015, foi deferido o pedido de transmissão da licença de exploração desta pedreira para a arguida VV Limitada, entidade que passou a assumir formal e diretamente a sua exploração, apesar de RR, na qualidade de sócio-gerente desta arguida e da UU, utilizar indistintamente o seu nome nos ofícios respeitantes à atividade desenvolvida na pedreira.

36. Em novembro de 2015, foi realizado novo plano de lavra da pedreira no qual aparece identificada e analisada a situação de instabilidade do talude adjacente à EM …, sugerindo-se a adoção, como solução, de medidas técnicas de pregagens de sustentação.

37. Esta pedreira continuou em exploração até 19 de novembro de 2018 sendo que, no decurso de todos estes anos, apenas em 2013, de acordo com o respetivo relatório técnico, inexistiu atividade extrativa na mesma.

38. A pedreira denominada “AAA” foi objeto do primeiro pedido de licenciamento em 21 de agosto de 1987, sendo que estava localizada sobre uma antiga exploração, assente em terrenos remexidos anteriormente.

39. Dado que, à data, a zona de defesa à EM … era já inferior aos 30 metros mínimos legalmente previstos, concretamente cerca de 1,70 metros da valeta daquela estrada, em 19 de setembro de 1989, os responsáveis pela pedreira propuseram em aditamento ao plano de lavra que lhe fosse concedida a exceção de redução do limite da exploração à estrada, passando a ser de 15 metros, ao abrigo do disposto no art.º 2.º, n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 71/82, de 14.06.

40. Alegaram para o efeito que o destapamento da pedreira ocorreu até serem encontradas as antigas frentes de desmonte tendo depois sido construído um muro, com uma distância à EM n.º … de 3,5 metros, ficando uma distância de 7,5 metros aos muros de suporte da pedreira, tendo ainda sido plantada uma linha de árvores por motivos paisagísticos.

41. Houve assim necessidade de se proceder à limpeza dos escombros depositados na área da antiga exploração (destapamento) para se poder iniciar a futura lavra.

42. Foram efetuados aditamentos ao plano de lavra em setembro de 1989 incidindo sobre o projeto de um muro de vedação e respetivas serventias.

43. Em 29 de novembro 1990, esta pedreira foi licenciada nas condições em que se encontrava.

44. Em março de 2000, foi elaborado plano de lavra indicando a ocorrência de fraturas com direção NW-SE, com pendor para NE, descrevendo-se a pedreira com uma área de trabalho de 9200m2, nove pisos de altura média de seis metros e profundidade máxima de 58 metros.

45. Em 19 de abril de 2000, deu entrada na Direção Regional da Industria e da Energia … (DRIE…) esta atualização ao plano de lavra da pedreira informando-se que a exploração tinha avançado apenas em profundidade por se encontrar já dentro dos limites laterais e que para garantir a segurança dos taludes, a empresa havia recorrido à técnica de projeção de betão e pregagens.

46. Em março de 2003, foi elaborado plano de lavra indicando que as bancadas apresentavam direção N-S com pendor para W e identificava uma falha normal que cortava o talude noroeste.

47. Em julho de 2006 e junho de 2007, foram elaborados novos planos de lavra, assentando na caracterização geológica regional e local do plano de 2003 sendo que, naquela última data, a pedreira apresentava 13 pisos de desmonte, sendo a cota mínima dos trabalhos de 333 metros e a situação final de exploração propunha 16 pisos de desmonte a desenvolverem-se até à cota de 315 metros.

48. Em 2014, os trabalhos de desmonte junto ao talude sudoeste da pedreira AAA, confinante com a pedreira EE e a EM … cessaram, por a respetiva entidade exploradora entender inexistirem condições de segurança para os trabalhadores no local, situação que se manteve até à atualidade.

49. Com a data de 31 de dezembro de 2014, foi assinado um documento manuscrito pelos representantes das empresas MM, SA e JJ, SA, na sequência de uma reunião ocorrida no dia 17.12.2014, de acordo com o qual o representante legal da primeira se comprometeu a não explorar a pedreira AAA no talude junto /confinante com a EM …, nem em profundidade.

50. Esta pedreira esteve em laboração entre 2011 e 2017, aferindo-se pelos respetivos relatórios técnicos que, no ano de 2017, teve uma quebra significativa na quantidade de rocha extraída.

III. Localização das pedreiras

51. Geologicamente, estas duas pedreiras estão localizadas no denominado …, estrutura geológica alongada, com extensão de 40 km., dobrada assimetricamente, convergente para NE e com fechos periclinais nos extremos noroeste e sudoeste, respetivamente, nas proximidades de … e do ….

52. Na área destas duas pedreiras ocorre a unidade geológica designada por complexo vulcano sedimentar carbonatado, de idade atribuída ao ordovícico, constituída por três subunidades cujo contacto ocorre na zona NE das mesmas.

53. Nestas explorações foram escavadas e objeto de extração de mármores de cores claras e mármores parcialmente dolomitizados.

54. A identificação e a presença de uma cavidade cársica na zona leste da pedreira do AAA inviabilizou a exploração nessa direção.

55. De acordo com os respetivos planos de lavra das pedreiras EE e AAA foi identificada, ao longo do tempo, a presença de várias famílias de descontinuidades.

IV. Problemas

56. Os problemas de estabilidade do talude sudoeste das pedreiras AAA e EE, confinante com a EM n.º …, estavam identificados há vários anos sendo do conhecimento dos técnicos da DRE… pelo menos desde 2001 e foram sendo do conhecimento de todos os arguidos em função respetivamente das funções que cada um desenvolvia.

57. Em 18 de agosto de 1993, foi realizada uma fiscalização por técnicos da DRE… à pedreira do EE detetando-se que, não obstante aquando da aprovação do plano de lavra ter sido determinada a exploração até 27,5 metros da EM …, e a DRE… ter fixado em 30 metros o limite mínimo a respeitar, estavam a ser a ser colocados alicerces para construção de um muro de suporte a 10 metros de distância da EM …, para efeitos de continuar a exploração da pedreira, colocando os trabalhadores em perigo para a sua segurança, tendo este muro continuado a ser contruído pelo menos até 1996.

58. Em 13 de abril de 1994, foi realizada uma nova fiscalização na qual foi identificado que a construção deste muro de proteção da estrada continuava em andamento.

59. Em 12 de fevereiro de 1999, foi feita uma fiscalização pela Direção Regional … do Ministério da Economia em cujo auto se pode ler que devia ser atualizado o plano de lavra contemplando o desmonte da zona de defesa com a pedreira AAA, a qual era explorada pela empresa MM, SA e com a qual haveria um acordo escrito, já em fase de desmonte.

60. Em 10 de outubro de 2001, deu entrada na DRE…, uma informação plasmada num estudo sobre a instabilidade do talude em causa, a qual fora elaborada para as pedreiras do AAA e EE, assinada pelo engenheiro CCC, na qualidade de responsável técnico da UU, Lda., constando várias fotografias ilustrativas do problema de instabilidade deste talude.

61. Neste estudo foram identificadas fraturas naturais induzidas no talude, com inclinação no sentido da zona de corte das pedreiras, de cariz preocupante, concluindo-se pela existência de grande instabilidade e risco de a zona poder ruir a qualquer momento, arrastando o troço da EM … confinante, acrescentando que engenheiros da área da mecânica das rochas que visitaram o local a pedido, confirmaram a gravidade da situação e apontaram como medida futura o desvio desta via.

62. Foi ainda encontrada uma grande cavidade, associada a algumas fraturas, na zona confinante das duas pedreiras, a qual havia sido colocada à vista por se ter desmontado mais do que o que se devia, referindo aquele técnico que, com a eliminação da zona de defesa (parede de mármore que dividia as pedreiras), a distância à estrada deveria ter-se mantido maior, sendo que à data os exploradores haviam já realizado um acordo para que o mármore existente na linha divisória entre as pedreiras fosse extraído, eliminando-se a zona de defesa fronteiriça.

63. Este estudo reconhece que, não obstante os trabalhos de pregagem e o muro em betão realizados, a rotura do talude era, já nesta altura, muito grande, apresentando extrema gravidade pelo que se recomendava uma intervenção rigorosa pois “(…) caso contrário a rotura irá ocorrer até à estrada nacional (…)”, concretamente o desvio deste troço da estrada ou a consolidação do talude, através da colocação de amarrações.

64. Já antes, em julho de 2001, os exploradores destas pedreiras haviam reunido juntamente com técnicos da Direção Regional de Economia … e dito irem suspender a lavra naquele talude.

65. Em 16 de outubro de 2001, deu entrada na DRE… um novo relatório, datado de 12 de outubro de 2001, assinado pelo Eng.º de Minas DDD, responsável técnico da pedreira AAA, intitulado “Relatório sobre a estabilidade do talude confinante com EN… e conjunto das pedreiras AAA / EE” mencionando uma reunião ocorrida em 4 de outubro de 2001, com os mesmos intervenientes, na qual se concluiu pela existência de perigo de desmoronamento caso se continuasse a desenvolver trabalhos de desmonte naquela área, tendo todos ficado cientes destes riscos, e os exploradores assumido o compromisso de não continuarem a explorar no talude junto à EM ….

66. Sucedeu que a lavra no talude em causa continuou tendo a situação motivado a elaboração de uma informação interna (n.º …/SGR/01) com a data de 29 de outubro de 2001, da DRE…, propondo que fossem efetivamente realizados os compromissos assumidos na reunião de 4 de outubro de 2001 com vista à paragem imediata dos trabalhos no local, a qual foi passada a ofício e enviada às entidades exploradoras das pedreiras em causa.

67. De acordo com esta informação e considerando a análise a relatórios técnicos e observações realizadas no local, concluiu-se que “existe uma situação de risco geotécnico de rotura (…) que poderá conduzir ao desmoronamento de parte da massa rochosa do talude, com eventuais consequências para a segurança da EN … e pisos de trabalho inferiores (homens/equipamentos)”, tendo a mesma sido dada a conhecer aos exploradores daquelas pedreiras ns.º … e ….

68. Em 08 de maio de 2003, a DRE… recebeu um estudo do Centro de Geotecnia do …, elaborado pelos professores EEE a pedido da empresa MM, SA, realizado em 23 de abril e 2003, o qual procedeu à análise da estabilidade do talude SW da pedreira AAA.

69. Refere este estudo que o paralelismo entre as direções daquele talude e da principal fratura que o pode instabilizar é conhecido pelos especialistas como umas das condições essenciais para ocorrer um fenómeno de rotura ou deslizamento planar.

70. Mais aí se refere que a estabilidade do talude aumenta à medida que vai sendo aliviado o peso de rocha situado sobre a superfície de deslizamento inferior, circunstância que é favorável à segurança da pedreira, sendo que a solução de remoção do volume de mármore localizado acima da fratura tem como consequência desfavorável o poder causar deslizamentos.

71. Previa-se assim que a remoção de dois blocos acima da fratura poderia influenciar a segurança do talude, o que deveria ser compensado com meios externos, concretamente a aplicação de 48 pregagens instaladas perpendicularmente à descontinuidade.

72. No seguimento do aqui sugerido, entre 01 e 30 de novembro de 2004, decorreram trabalhos de pregagens na pedreira AAA os quais foram realizados da empresa “FFF”, atualmente GGG SA.

73. No dia 14 de junho de 2005, foi assinado o “Auto de Transferência para a Câmara Municipal de … do Troço da então EN … entre o Km 0,00 e o Km 4,200”, passando a estrada municipal, no limite do concelho de …, tendo a Estradas de Portugal, EPE, atual Infraestruturas de Portugal, SA, feito a entrega deste troço da estrada à respetiva autarquia local, transmitindo-lhe o domínio e as responsabilidades sobre o mesmo.

74. Em 17 de janeiro de 2008, o arguido FF assinou um ofício da DRE… solicitando à sociedade UU, Ld.ª o envio do estudo sobre a instabilidade do talude que a pedreira se havia comprometido a enviar em 2001 e em 22 de fevereiro de 2008 é enviado novo ofício a relembrar que, até ser encontrada uma solução viável e estudada para o talude instável, não seriam permitidos trabalhos naquela zona, conforme comunicado anteriormente por ofício datado de 06 de novembro de 2001.

75. Em 01 de junho de 2009 deu entrada na DRE…, um relatório elaborado pelo Departamento de Geociências da Universidade de …, em 10 de outubro de 2008.

76. Este estudo denominado de “Estudo da Estabilidade do Talude Sudoeste da Pedreira n.º …” fora elaborado pelo Laboratório de Geotecnia do Departamento de Geociências da Universidade de … em outubro de 2008, a pedido da UU, Ld.ª, a fim de avaliar o problema da instabilidade do talude SW da pedreira EE.

77. No mesmo estudo foi realizado um reconhecimento geológico do maciço rochoso, com levantamento das características geométricas e físicas das principais descontinuidades expostas na superfície da escavação que constitui aquele talude tendo concluído que pela análise da orientação, inclinação e plano de deslizamento de desconformidades ali identificadas, existiam condições para a ocorrência de roturas no mesmo, o qual foi por isso considerado potencialmente instável, bem como foi reconhecida a existência de condições para um deslizamento planar, cujo risco era evidente.

78. Em março de 2009, foi realizada uma adenda a este relatório justificada por fatores técnicos porquanto o plano de lavra desta pedreira não contemplava o desmonte de dois pisos no canto sudoeste e a entidade exploradora referiu ter dificuldades económicas para fazer face às soluções apresentadas, por isso foi reformulado o número de pregagens a colocar para apenas nove.

79. No seguimento, em 16 de junho de 2009, a DRE… enviou um oficio, assinado pelo arguido FF, à entidade exploradora desta pedreira a informar que deveriam cumprir as indicações plasmadas neste Estudo e apresentar: o programa dos trabalhos de desmonte e articulação dos mesmos com os trabalhos a desenvolver em simultâneo com os da pedreira AAA (n.º …) vizinha, caracterizando as medidas de segurança a adotar por forma a evitar a ocorrência de quaisquer acidentes envolvendo trabalhadores ou terceiros; informar o nome da empresa que iria realizar tais trabalhos; mais se sugerindo que estes fossem acompanhados pelos responsáveis técnicos das pedreiras em causa, apresentando relatórios periódicos durante as fases da escavação e execução dos trabalhos de contenção do maciço rochoso.

80. Em 15 de outubro de 2009, a ora arguida AA efetuou uma vistoria à pedreira EE, em cujo auto respetivo mencionou que fosse dado cumprimento ao suscitado naquele ofício da DRE… de 16 de junho de 2009.

81. Em 06 de julho de 2010, o arguido BBB, na qualidade de responsável técnico da pedreira EE, enviou à DRE… um “Relatório de Trabalhos” com vista à estabilização do talude sudoeste, na sequência do estudo realizado pela Universidade de …, referindo que a primeira fase já decorrera e tinham consistido no desmonte, sem quaisquer trabalhos de sustentação.

82. Em 29 de setembro de 2010, a sociedade MM, S.A., enquanto responsável pela pedreira AAA, enviou à DRE… uma reclamação realçando que, não obstante a reunião realizada em 04 de outubro de 2001, relativamente à instabilidade do talude oeste confinante com a EM … e pedreira EE, os responsáveis pela sociedade UU, Lda. nada fizeram com vista a garantir a estabilidade deste, para além de terem continuado, à revelia, os trabalhos de desmonte na zona proibida, pelo que requeria a intervenção desta Direção Regional no sentido de fazer cumprir os requisitos de segurança por aquela pedreira vizinha, sob pena de virem a ocorrer desmoronamentos na EM ….

83. Em 15 de outubro de 2010, a arguida AA realizou uma nova vistoria à pedreira EE, assinalando que a exploração não cumpria as condições impostas na vistoria anterior realizada em 15 de outubro de 2009, propondo a suspensão da lavra até à apresentação de um relatório com todos os trabalhos entretanto efetuados e de um plano dos trabalhos de estabilização e consolidação da cavidade e estabilização da superfície de descontinuidade.

84. Em 15 de novembro de 2010 a sociedade MM, SA, na qualidade de explorador da pedreira AAA enviou uma mensagem de correio eletrónico ao Diretor de Serviços da Industria e dos Serviços Geológicos da DRE…, ora arguido FF, com conhecimento à então Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos, a arguida AA, referindo que a UU, Lda. continuava a efetuar desmontes e serragens de rocha junto ao referido talude confinante com a EM …”, anexando fotografias.

85. No dia 07 de dezembro de 2010, ocorreu uma reunião na pedreira EE (n.º …) na qual participaram os responsáveis desta pedreira e bem assim da AAA (n.º …) tendo estes se comprometido a articular os procedimentos a adotar com vista à eliminação dos identificados riscos e a conciliarem estudos para os minimizar.

86. Em 10 de janeiro de 2011 foi exarado um parecer incidindo sobre aquele Estudo de Estabilidade do talude sudoeste da pedreira n.º …/EE, emitido pelo CEGEO do I… em 23 de abril de 2003, concluindo que o mesmo, na zona localizada no pé da grua e EM …, apresenta uma instabilidade potencial, devido à presença de descontinuidades, mencionando ainda que as pregagens recomendadas carecem de redimensionamento, reconhecendo riscos de instabilidade tanto para a pedreira em questão como para a pedreira vizinha, face aos avanços da exploração naquela zona, justificando-se a otimização do sistema de pregagens preconizado, através da reformulação do estudo apresentado.

87. Este parecer foi enviado, através de mensagem de correio eletrónico da entidade exploradora da pedreira AAA, aos arguidos AA e FF, os quais tomaram conhecimento do seu teor, suscitando a necessidade de haver articulação técnica e a UU, ld.ª ser mais uma vez notificada para parar quaisquer trabalhos de extração de minerais na zona em causa sem autorização daquela Direção Regional.

88. Todavia, face à continuação da exploração na pedreira EE para esta zona proibida, em 08 de setembro de 2011 os representantes da sociedade MM, SA enviaram à DRE… um ofício a alertar para esta situação, realçando as “fortes probabilidades de ocorrerem desmoronamentos no talude adjacente à EM…, com eventual queda da mesma” tendo na sequência a DRE… feito visita à pedreira e intimado os legais representantes da sociedade UU, ld.ª a cessar de imediato a exploração na zona em causa, segundo ofício assinado pelo arguido FF.

89. Em 29 de setembro de 2011, a DRE… remeteu um ofício aos legais representantes da sociedade UU, Ld.ª intimando-a a suspender de imediato os trabalhos naquela zona bem como a apresentar um estudo para apreciar a situação.

90. Em 15 de dezembro de 2011, os representantes da sociedade MM, SA enviaram à ora arguida AA uma mensagem de correio eletrónico a pedir “que se faça o impossível” para que se realize uma reunião, perante o risco de desmoronamento do talude adjacente à EM … tendo a resposta sido dada por FF, agendando reunião para o dia 11 de janeiro de 2012 e referindo que a eventual falta de acordo e aprovação de documentos consonantes poderia conduzir à tomada de medidas cautelares nos termos do disposto no art.º 65.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007.

91. No dia 11 de janeiro de 2012 ocorreu uma reunião nas instalações da DRE… com a presença dos representantes das empresas exploradoras das pedreiras em causa, as sociedades UU, Ld.ª e MM, SA, no intuito de se chegar a um acordo quanto aos documentos a entregar para apreciação das condições de estabilidade daquele talude.

92. Em 08 de março e 2013, o arguido BBB, na qualidade de responsável técnico da pedreira EE, enviou a RR, na qualidade de responsável/gerente das sociedades UU, Ld.ª e VV Limitada, um email, no qual anexou um outro que havia recebido do Professor HHH (Universidade de …), em que este último fazia referência ao facto de os trabalhos de desmonte entretanto realizados na pedreira sem a realização de trabalhos de sustentação e estabilização do talude em causa terem conduzido a uma reconfiguração do espaço pelo que se suscitava a realização de uma nova avaliação dos riscos face à sua instabilidade.

93. Desde então, e pelo menos até setembro de 2013, estas empresas exploradoras das pedreiras em causa não alcançaram qualquer entendimento com vista à análise e elaboração de estudos relativos à intervenção no talude em risco, conforme a DRE… havia exigido.

94. Todavia, em julho de 2013 foi concluído um novo Estudo elaborado pelo Departamento de Geociências da Universidade de … relativo à Estabilidade do Talude Sudoeste da Pedreira n.º … – EE, no intuito de proceder a uma avaliação do problema da possível instabilidade deste talude, com intenção de atualizar os dados anteriores, estudo este que, em 5 de setembro de 2013, foi remetido pela arguida VV Limitada à arguida AA.

95. Tal estudo havia sido requerido por aquela arguida VV Limitada no seguimento de estudos prévios solicitados pela sociedade UU, Ld.ª, para reavaliação da estabilidade daquele talude face à alteração ao plano de lavra da pedreira e de acordo com o qual decidira não remover na totalidade as massas dos pisos 5 e seguintes, concretamente no canto sudoeste da pedreira EE.

96. Neste estudo, e em face do identificado cruzamento de descontinuidades, é apontada a possibilidade de ocorrência de fenómenos de rotura neste talude dada a compartimentação do maciço rochoso, influenciada pelas ações resultantes do desmonte.

97. Mais refere que, numa situação mais desfavorável, em que o talude se encontre saturado de água e com a anulação dos impulsos devidos ao peso do maciço rochoso frontal, por remoção das bancadas em decorrência de desmonte acima do plano da fratura, a instabilidade no talude pode afetar a pedreira do AAA e a EM … através de deslizamentos planares.

98. Este estudo sugeria a aplicação de pregagens de modo a compensar a redução dos impulsos devidos à massa rochosa a remover por desmonte acima do plano da fratura, assim minimizando o aludido risco de instabilidade do talude, recomendando ainda que o respetivo plano de lavra contemplasse a forma gradual como iria ser feito o desmonte, o qual deveria ser realizado evitando deslizamentos do mesmo, e que os trabalhos fossem acompanhados por um técnico especializado.

99. No dia 22 de janeiro de 2014 teve lugar uma reunião nas instalações da CM de … em que participaram, entre outros, os arguidos II, AA, FF e exploradores de pedreiras, na qual foi analisada e discutida a situação de insegurança daquele talude e da EM …, ponderando-se a possibilidade de ser desativado o troço desta EM … junto às referidas pedreiras, explorando o mármore existente por debaixo do mesmo, alargando as cortas e eliminando os taludes, suprimindo a inexistência das áreas de defesa que aí deveriam estar.

100. Nesta reunião o arguido II, consciente da problemática e riscos de desmoronamento do talude e consequentemente da EM …, solicitou à DRE… uma carta relativa à problemática do perigo e risco associado à utilização desta estrada.

101. Mais foi proposta a criação de um grupo de trabalho que integrasse todas as entidades com interesse no assunto, tais como a DRE…, a CM de … e empresas interessadas para estudar todas as possibilidades de forma a que tal processo viesse ser realizado o mais rapidamente possível.

102. No dia 28 de janeiro de 2014, a arguida AA enviou ao arguido FF uma mensagem com uma proposta de texto a ser enviado ao arguido II, enquanto presidente da Câmara Municipal de …, dando conta da existência de pedreiras confinantes com a EM… cujos taludes, quase verticais, se encontravam muito próximos desta estrada, sendo que as pedreiras chegavam a atingir 80/90 metros de profundidade, pelo que foram identificados locais em que o risco de queda dos taludes não era negligenciável e que, apesar de algumas medidas de consolidação e manutenção, continuavam a existir grandes focos de instabilidade, encontrando-se alguns trabalhos interditos em locais em que a garantia de segurança dos taludes não fora dada pelos exploradores.

103. Mais se referia que a segurança da estrada merecia preocupação, desconhecendo-se o risco de colapso sendo que a geologia do local, com a presença de cavidades, o fazia aumentar, dando como exemplo um colapso que havia ocorrido recentemente, pelo que se sugeria que este arguido, enquanto presidente da CM …, integrasse um grupo de trabalho, ainda a constituir, com vista ao encontro de soluções para o problema.

104. Em 31 de janeiro de 2014, o arguido FF enviou uma mensagem ao arguido BB, com conhecimento à arguida AA, a dar conhecimento de que há algum tempo que os serviços da DRE… e alguns dos empresários exploradores das pedreiras AAA e EE tentavam corrigir as deficiências graves associadas à estabilidade dos taludes confinantes com a EM… e que não obstante terem já sido tomadas medidas preventivas e corretivas de forma a minorar os efeitos de eventuais quedas de taludes e dos seus efeitos sobre os trabalhadores e terceiros, os riscos “ (…) têm sido sentidos como muito graves (…)”, com registo nos últimos anos de cedência de terrenos em locais adjacentes à estrada.

105. Acatando estas sugestões, em 01 de fevereiro de 2014, o arguido BB enviou uma mensagem de correio eletrónico ao arguido II, enquanto presidente da CM …, propondo que fosse constituído um grupo de trabalho com vista a encontrar soluções para o problema dado que a Câmara era a proprietária e responsável pela estrada.

106. Na reunião da CM de … de 19 de fevereiro de 2014, o então vereador OO interpelou o presidente e ora arguido II, demonstrando preocupação em relação às condições de circulação da EM …, tendo este lhe dito que iria ser constituído um grupo de trabalho na sequência de uma reunião entre os empresários das pedreiras locais e os representantes da Direção Geral de Energia, reconhecendo que a circulação no troço da estrada era muito perigosa, sendo urgente encontrar uma solução.

107. Na reunião da CM de … de 11 de junho de 2014 o vereador OO levantou novamente a questão da EM …, manifestando a sua preocupação e propondo a realização de uma reunião alargada à DRE….

108. No dia 20 de junho de 2014, o arguido II, ciente do problema, solicitou ao arguido BB a realização de uma reunião a realizar no dia 25 de junho de 2014.

109. No dia 25 de junho de 2014, ocorreu uma reunião na CM de … em que estiveram presentes, entre outras pessoas, o arguido II, o arguido NN, os vereadores OO, PP E QQ a arguida AA em representação da DRE…, tendo por objeto a discussão do projeto para a remoção do troço da EM … integrado no concelho de … e que confinava com as pedreiras AAA e EE.

110. Nesta reunião, a arguida AA manifestou e informou os demais participantes da instabilidade do talude integrado naquelas pedreiras e confinante com a EM… e concretamente que, com base na observação e estudos efetuados, estava posta em causa a segurança de pessoas e bens, nomeadamente de trabalhadores das pedreiras e dos utilizadores da estrada.

111. Ficou acordado que, até ao final desse mês, as empresas envolvidas e a DRE… iriam enviar memorandos com o levantamento das questões referenciadas na reunião, a fim de serem avaliados pela edilidade e levados a discussão na Assembleia Municipal.

112. Por email datado desse mesmo dia, 25 de junho de 2014, pelas 16h.59m., a arguida AA reportou aos arguidos BB e FF o que foi discutido e acordado naquela reunião.

113. No dia 26 de junho de 2014 o representante da pedreira da JJ, SA, de nome LLL, enviou dois emails aos arguidos AA e FF anexando um draft do memorando e um ficheiro “Power Point” com as apresentações realizadas nas reuniões ocorridas na CM de … sobre o assunto.

114. No dia 02 de julho de 2014, a arguida AA enviou um memorando, da responsabilidade da DRE…, ao arguido II onde se analisavam os antecedentes justificadores da intervenção na EM …, dando conhecimento deste envio aos arguidos FF e BB.

115. Este memorando, assinado pela arguida AA, na qualidade de Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos, está datado de 30 de junho de 2014 e incidiu sobre as condições de segurança da EM … no troço entre os km. 1 e 2.

116. Nesse memorando, começa-se por fazer referência ao facto de a DRE… vir a constatar desde há vários anos a falta de segurança no troço da EM…, situado entre os km 1 e 2, devido às condições de estabilidade dos taludes laterais confinantes com esse troço da estrada e que as causas do risco de deslizamento estão associadas “(…) à existência de fracturação planar, paralela ao talude, a qual cria instabilidade, existindo o risco de deslizamento e queda parcial do talude acima dos 50 metros de profundidade. Neste deslizamento das camadas poderá haver arrastamento de parte da EM … (…).”

117. Mais referia que este risco é agravado por outros fatores tais como pela classe sísmica da zona, tida como de classe B (segunda zona de maior risco sísmico em Portugal continental) e a eventual lixiviação das camadas subjacentes à EM….

118. Este memorando foi enviado pela DRE…, por impulso dos arguidos BB, FF e AA, ao ora arguido II na qualidade do presidente da CM de …, que assim tomou conhecimento do seu conteúdo.82

119. Por seu turno, os representantes das empresas exploradoras das pedreiras na zona, concretamente a JJ, SA, KK, SA, LL e MM, SA, haviam assinado em 27 de junho de 2014 um memorando sobre a problemática da EM …, troço entre os Km. 1,0 e 2,0.

120. Neste memorando ficou referido que há vários anos que os exploradores das pedreiras contíguas à EM… e a DRE… debatem as questões de segurança desta via para os utentes indiferenciados da mesma e para os trabalhadores das explorações, atendendo às características geológicas do maciço rochoso, no troço entre os kms. 1 e 2, especificamente no que concerne à sua fraturação.

121. Mais refere que “os estudos realizados pelas empresas e pela DRE… aos taludes indiciam quanto à sua instabilidade, a impossibilidade de estabilidade corretiva dos mesmos pela sua dimensão, implicando elevados investimentos na sua concretização sem certezas da sua operacionalidade.”

122. Alertando para o facto de a desclassificação da estrada n.º … de nacional para municipal dar à CM de … hipóteses de resolução deste problema, reduzindo as suas responsabilidades por eventual acidente, o que passaria pela interrupção da estrada naquela zona e criação de vias alternativas de acesso às explorações limítrofes sendo que para a população a alternativa seria utilizar a variante.

123. Conclui que a resolução do problema “implicará a eliminação do enorme fator de risco da via (…) garantindo a segurança da população e dos trabalhadores” e que “Para lá disto tudo, e para a Câmara Municipal de …, proprietária da estrada, será transferido todo o ónus decorrente do que possa suceder em termos de um colapso do talude que sustenta a estrada”.

124. No dia 01 de outubro de 2014 realizou-se uma reunião na CM de …, na qual estiveram presentes, entre outros, o ora arguido II, o arguido NN, os vereadores QQ, PP e OO, tendo este último questionado se desde a última reunião da Câmara em que fora discutida a situação da EM … havia ocorrido algum desenvolvimento sobre o assunto, tendo o arguido II respondido que não dispunha de qualquer outra informação para além da que já tinha sido transmitida.

125. Em 07 de outubro de 2014, a arguida VV solicitou à DRE…, através de uma carta, o imediato levantamento da proibição de exploração do limite fronteiriço da pedreira EE face à AAA, até aos 10 metros, mais referindo que fora errada a proibição do desmonte na zona fronteiriça somente daquele lado da pedreira EE.

126. No dia 12 de novembro de 2014, a assistente técnica do gabinete de apoio à presidência da CM de … enviou ao arguido FF, com conhecimento ao próprio presidente e arguido II, o agendamento de uma reunião para debater a questão da segurança nas pedreiras em causa e da EM …, a realizar nas instalações dos Paços do Concelho, no dia 20 de novembro de 2014, solicitando que fossem notificados os empresários das pedreiras considerados como interessados.

127. Na sequência desta carta, em 14 de novembro de 2014, o arguido FF enviou notificações a vários exploradores de pedreiras na zona, incluindo a AAA e EE para comparência naquela reunião, realçando que a DRE… constatara há vários anos a falta de segurança existente no troço da EM … que liga … a …, devido às condições de estabilidade dos taludes que confinam com esta, cujo colapso colocaria em risco a segurança dos trabalhadores e de circulação na estrada, risco este associado sobretudo à existência de fracturação planar, existindo possibilidade de deslizamentos e queda parcial do talude, com arrastamento de parte da EM ….

128. No seguimento, no dia 20 de novembro de 2014, teve lugar uma reunião nas instalações da CM de … em que estiveram presentes, entre outros, o arguido II, a arguida AA e RR, na qual foi feita uma apresentação e debatida a problemática da estabilidade do talude tendo sido equacionada a possível interdição da EM … e a sua retirada no troço em questão.

129. Nesta mesma reunião foi apresentado o memorando realizado pelas empresas exploradoras das pedreiras na zona, concretamente a JJ SA, KK SA, LL e MM SA, o qual fora assinado em 27 de junho de 2014, relativo à problemática da EM …/troço entre os Km. 1,0 e 2,0, tendo sido deixadas cópias aos respetivos participantes.

130. Nela se reconheceu o potencial risco de colapso do talude e consequentemente da estrada, ficando os trabalhadores e os utentes em risco sendo que os focos de instabilidade se mantinham não obstante as intervenções efetuadas.

131. Nesta reunião foi apontada a necessidade de serem reavaliados os riscos e de ser tomada uma solução urgente que passaria pelo encerramento da estrada entre os Km. 1,3 e 1,9, considerando a possibilidade de colapso dos taludes a qualquer momento.

132. Na reunião ordinária pública realizada no dia 26 de novembro de 2014, na CM de …, o arguido II comunicou a sua participação naquela outra de 20 de novembro mais referindo que “(…) com o objetivo de se poder encontrar uma solução. Antes de ser tomada alguma decisão, a mesma terá que ser devidamente fundamentada” e que o próximo passo seria a realização de uma sessão de esclarecimento com todos os envolvidos sendo que “ (…) acima de tudo tem que se pensar na segurança das pessoas.”

133. Na sequência da reunião ocorrida em 20 de novembro de 2014, a arguida AA elaborou um memorando interno ao qual anexou a exposição feita pela mesma naquela reunião, nos termos da qual concluiu que “o risco de colapso dos taludes das pedreiras é elevado nas condições atuais” e que “a limitação ao uso ou interdição da estrada não elimina todos os riscos – restam os trabalhadores e a sustentabilidade das empresas” propondo-se a criação de um grupo de trabalho com o envolvimento de todos os interessados e a limitação de circulação na estrada com eventuais alternativas de percursos para as empresas afetadas.

134. No dia 01 de dezembro de 2014, pelas 12h.02m., o arguido BB enviou à Chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Energia, MMM, uma mensagem de correio eletrónico, em que anexou o memorando daquela reunião de 20 de novembro e a exposição anexa da autoria da arguida AA sobre o assunto das condições de segurança do talude em causa e da EM ….

135. Por seu turno, no dia 04 de dezembro de 2014 MMM reencaminhou este expediente, por ofício, para SS, Diretor Geral de Energia e Geologia.

136. Na sequência, este ofício foi registado na plataforma informática FABASOFT, em uso na DGEG, ficando com o número de entrada …/2014.

137. No dia 04 de dezembro de 2014, o gestor de correio desta Direção encaminhou este ofício, através da mesma plataforma, para a Direção de Serviços de Minas e Pedreiras.

138. No dia 05 de dezembro de 2014 o gestor de correio da Direção de Serviços de Minas e Pedreiras encaminhou o mesmo ofício para o Diretor de Serviços e ora arguido GG.

139. Em 03 de fevereiro de 2015, após tomar conhecimento de tal informação e documentação o arguido GG encaminhou-a, na posição de “Chefe/Diretor”, para o seu secretariado.

140. Neste mesmo dia a utilizadora NNN, na posição de gestora de correio do secretariado deste Direção, e após ordem do arguido GG, terminou este fluxo de entrada com a nota “arquivar”.

141. Sucedeu que, naquele mesmo dia 01 de dezembro de 2014, pelas 12h.03m., arguido BB enviara, de igual modo, a SS, na qualidade de Diretor Geral da DGEG uma mensagem de correio eletrónico, com o mesmo teor e conteúdo (memorando da reunião de 20 de novembro e exposição anexa da autoria da arguida AA sobre o assunto das condições de segurança do talude em causa e da EM …).

142. Esta mensagem foi reencaminhada pela sua secretária de nome OOO, no dia 03 de dezembro de 2014, pelas 16h.45m., para SS, naquela qualidade, o qual assim logo tomou conhecimento do mesmo.

143. Na sequência, no dia 08 de dezembro de 2014, pelas 11h.01m., SS reencaminhou este email e respetivos anexos / memorando interno DRE …/EM …, reunião CM de …, Apresentações e Planos de Intervenção na EM …, para o arguido GG/Direção de serviços de Minas e Pedreiras da DGEG, para este tomar conhecimento e para os efeitos tidos por convenientes face à iminente assunção por esta Direção de serviços de funções em matéria de licenciamento e fiscalização da atividade das pedreiras.

144. No dia 17 de dezembro de 2014, ocorreu uma reunião nas instalações da DRE…, entre os representantes desta Direção e as entidades exploradoras das pedreiras AAA e EE, concretamente a MM, SA e a UU, Ld.ª, incidindo sobre as condições de exploração das mesmas e estabilidade do talude confinante e bem assim com a EM …, concluindo-se que era necessário a realização de um estudo resumo formal entre as duas empresas e as duas entidades – Universidade de … e Instituto … – sobre a matéria.

145. Em 22 de dezembro de 2014, o arguido FF remeteu um ofício, em nome da DRE…, aos exploradores destas pedreiras com o titulo “Situação de instabilidade do talude junto à EN … (… – …), na extrema de pedreiras confinantes”, com indicação de que no seguimento da reunião decorrida a 16 de novembro de 2014 deveria ser emitida uma posição sobre os estudos elaborados pelo Instituto … e pela Universidade de … tendo como objetivo a articulação dos trabalhos a desenvolver nas pedreiras.

146. No dia 27 de dezembro de 2014, ocorreu uma sessão ordinária da Assembleia Municipal da CM de … na qual o ora arguido II ao ser interpelado pelo deputado PPP respondeu que “(…) há uns meses atrás foi informado por uns empresários dos mármores (MM, JJ,…) que havia um estudo feito na Direção Regional de Economia, da parte do Serviço Geológico, o qual informava que a estrada estava em perigo”, tendo-lhe sido explicadas as razões pelas quais a estrada estava em perigo sendo que mais tarde ocorreu uma reunião entre elementos da DRE… e toda a vereação da CM de … onde lhes fora explicado todo assunto.

147. Nesta mesma reunião, o arguido II mais referiu que “(…) entendi que se deveria ter uma reunião conjunta, onde estivessem presentes a Direção Regional de Economia, empresários dos mármores daquela zona e as pessoas que ali têm terras e utilizam aquela estrada e assim todos ficavam a saber, quais as medidas a providenciar”, reunião este que nunca veio a acontecer.

148. Na sessão da Assembleia Municipal da CM de … realizada no dia 20 de fevereiro de 2015, o membro participante QQQ questionou o arguido II sobre o ponto de situação da EM … tendo-lhe este dito que a situação era delicada e pretendia agendar uma conferência aberta a técnicos da DRE…, empresários, proprietários de terras e todos os eventuais interessados, declarando que “se tiver conhecimento da existência de algum problema de segurança iminente, eu (…), irei proibir o trânsito a pesados (…)”.

149. Em 30 de março de 2015, a arguida AA deu conhecimento, através de uma informação interna da DRE…, de uma reclamação apresentada contra a UU, Lda. e que o arguido FF encaminhou para o então Diretor Regional, propondo que fossem notificados os exploradores daquelas duas pedreiras.

150. Em causa estava a constatação, em ida ao local, que as entidades exploradoras da pedreira EE continuavam a explorar em local não autorizado, tendo alterado e lavra sem aprovação do respetivo plano e sem cumprir quaisquer medidas de estabilização daquele talude.

151. Propunha-se que fossem os respetivos exploradores das pedreiras notificados no sentido de alcançarem soluções conjuntas com vista à segurança dos trabalhadores, concretamente ao nível da articulação dos planos de lavra, estando a lavra da UU Lda. condicionada à aprovação do plano de pedreira.

152. Tal informação foi remetida pela DRE…, através de ofício, a RR, enquanto responsável da UU, Lda.

153. Todavia a atividade extrativa na pedreira do EE continuou em local não autorizado, incidindo sobre o talude em causa e que confinava com a pedreira do AAA e EM …, mais agravando a retirada de sustento ao mesmo e aumentando as condições/risco de derrocada, motivando reclamação da empresa MM, SA, explorara da pedreira AAA, à DRE… dando conta do derrube de pedras e escombros junto ao mencionado talude e descarga de efluentes de corte numa “croca”.

154. Em 31 de março de 2015, a DRE… respondeu à empresa exploradora desta pedreira, a MM, SA, que havia feito uma visita ao local constatando a ocorrência da situação tendo informado a arguida VV Limitada da necessidade de fazer uma articulação entre os planos de lavra das duas pedreiras e de elaboração de um documento com os procedimentos a adotar para o exercício de tarefas que envolvessem riscos para os trabalhadores.

155. No dia 11 de maio de 2015, a arguida VV Limitada fez chegar via email ao arguido FF e consequentemente foi reencaminhado à arguida AA enquanto responsável pelo respetivo processo na DRE…, o relatório de um Estudo de Estabilidade do Talude Sudoeste da pedreira EE, elaborado pelo Laboratório de Geotécnica/Departamento de Geociências da Universidade de … e concluído em 07 de maio de 2015.

156. Este estudo fora solicitado pela arguida VV Limitada no seguimento de uma decisão do explorador de alterar o plano de lavra desta pedreira no sentido de não remover a totalidade das massas do piso 5 e seguintes no canto sudoeste.

157. Mais visou atualizar o estudo de 2008 realizado pela mesma Universidade onde foram identificadas naquele local cinco famílias de descontinuidades sendo uma de grande extensão e espaçamento, com grande influência na estabilidade do mesmo talude, pela inclinação e direção quase paralela à sua direção, potenciando a ocorrência de roturas ou deslizamento planar.

158. Considerou ainda que não sendo feita uma remoção ao nível das massas dos pisos 5 e seguintes no canto sudoeste da pedreira EE, mas apenas uma remoção parcial das bancadas da parte frontal do talude, por desmonte acima do plano da fratura, este apresentava uma estabilidade adequada com fatores de segurança acima do equilíbrio limite, apesar da orientação desfavorável da família de descontinuidades principal.

159. Como sugestão de soluções de estabilização propunha o reforço da estabilidade através da aplicação de pregagens e o desmonte adequado a evitar eventuais derrocadas.

160. Em 18 de maio de 2015 foi elaborado um relatório designado de “Conciliação entre as atividades produtivas das pedreiras … e …, em …”, pelo Centro de Geotecnia - Instituto …, a pedido da empresa MM, SA, e assinado pelo Sr. Professor Catedrático EEE, intitulado “Conciliação entre as atividades produtivas das pedreiras … e …, em …”, incidindo sobre os relatórios desse Instituto de abril de 2003 e de janeiro de 2011 bem como da Universidade de … de outubro de 2008 e junho e 2013.

161. Nele se concluiu que os problemas e riscos poderiam ser minimizados se fossem aceites as sugestões propostas nos sucessivos relatórios elaborados ao longo dos anos, concretamente: cumprindo escrupulosamente a legislação portuguesa no que diz respeito à exploração de pedreiras; abdicando das chamadas “zonas de defesa”; como medida cautelar, instalando uma rede metálica sobre a crista do talude vertical, tendo em vista a prevenção de acidentes ocasionados pela queda livre de blocos rochosos; monitorizando periodicamente a frente vertical do talude comum; observando periodicamente o estado de conservação e operacionalidade das pregagens já instaladas; monitorizando massas que se tornem evidentes ao longo do avanço futuro das novas frentes de escavação e procederem em conformidade com conhecimento da entidade vizinha; maior exigência de competências e experiência profissional na indústria extrativa dos técnicos responsáveis pelas explorações e para as empresas de pregagens; organizando reuniões de trabalho periódicas; incrementando o relacionamento regular com as autoridades estatais – DGEG e sua delegação em ….

162. O relatório deste parecer foi enviado no dia 19 de maio de 2015 pela engenheira RRR aos arguidos AA e FF.

163. Em 04 de junho de 2015, o arguido FF enviou uma mensagem de correio eletrónico à arguida VV, Lda. dando conta que foram aceites as obras a realizar e de que até à revisão do plano da pedreira EE, e à demonstração da consolidação do talude sudoeste e da segurança dos trabalhadores, os trabalhos de exploração continuariam suspensos.

164. Em 23 de junho de 2015, a arguida AA elaborou uma informação interna sobre a situação de instabilidade daquele talude, a qual foi objeto de despacho favorável do arguido FF, já na qualidade de Chefe da Divisão de Pedreiras do …/DGEG, explicando que os estudos feitos pela Universidade de …e pelo Instituto … revelavam a possibilidade de ocorrência de roturas ou deslizamentos planares no talude, com afetação da EM…, sugerindo celeridade na execução dos trabalhos propostos e a manutenção da interdição de trabalhos de lavra na pedreira EE, bem como a elaboração de planos de intervenção que garantissem a monitorização periódica sobre o estado de conservação e operacionalidade das pregagens realizadas.

165. Na sequência, em 24 de junho de 2015, o arguido FF enviou a GG, na qualidade de Diretor da Direção de Serviços de Minas e Pedreiras da DGEG, um email solicitando autorização superior para a continuação dos trabalhos de consolidação do talude em causa, anexando a informação n.º …/2015 de 23 de junho de 2015 atrás aludida, o qual o autorizou a despachar o assunto.

166. Em 09 de julho de 2015, o arguido FF remeteu um ofício da DGEG à UU Ldª, na qualidade de responsável pela pedreira EE informando que as obras foram autorizadas e que até à aprovação da revisão do plano de pedreira e à demonstração da consolidação do talude em causa e segurança dos trabalhadores, se mantinha a interdição de a empresa exploradora efetuar trabalhos de lavra/exploração.

167. Na reunião da CM de … realizada em 02 de março de 2016, na sequência da ocorrência de uma derrocada de um talude de uma pedreira confinante com a fábrica SSS, o vereador TTT relembrou que há algum tempo havia decorrido uma reunião com muita urgência para discussão da falta de segurança da EM … mas nada fora entretanto feito, alertando o presidente e ora arguido II que o assunto não deveria ficar guardado e que devia ser clarificado o ponto em que estava esta situação.

168. Em 05 de junho de 2017, o arguido FF assinou um ofício da DGEG dirigido à arguida VV Limitada, a informar que a empresa não concluíra a adequação e adaptação da licença de exploração da pedreira EE, nos termos do Decreto-lei n.º 270/2001, de 06 de outubro, alterado pelo Decreto-lei 340/2014, de 10 de outubro, pelo que se encontrava em situação irregular, por não dispor de titulo válido de exploração, sendo intimada a concluir ou a entregar o processo de revisão do plano da pedreira para a sua aprovação.

169. Em 31 de julho de 2017, o arguido BBB enviou ao arguido FF o relatório de execução das pregagens no talude em causa da pedreira EE, elaborado pela empresa “UUU”, mais informando que foram efetuadas seis pregagens conforme preconizado no estudo da Universidade de … e requerendo o levantamento da interdição de exploração junto ao limite com a pedreira do AAA.

170. No dia 22 de setembro de 2017, o arguido FF assinou um ofício da DGEG enviado à arguida VV Limitada, dando conta da autorização para continuarem a realizar trabalhos de exploração de acordo com o plano da pedreira aprovado em 1993, aguardando o envio dos elementos em falta para aprovação da revisão do novo plano de lavra.

171. A pedreira denominada do EE continuou em laboração e concretamente a realizar trabalhos de desmonte junto ao referido talude, confinante com a EM … sendo que as atualizações ao Plano de Lavra nunca foram aprovadas seguindo assim o plano aprovado em 1993.

172. Nunca foram implementadas, fosse por impulso do gerente RR em nome da UU, Lda e da arguida VV Limitada, fosse do arguido BBB, quaisquer medidas de monitorização da estabilidade deste talude com vista a antecipar eventuais movimentos horizontais em profundidade e implementar medidas de minimização dos seus efeitos.

173. De igual modo, nenhum dos arguidos GG, BB, FF e AA, no desempenho daquelas suas funções, diligenciaram, sugeriram ou implementaram a instalação destas medidas de monitorização.

174. Por seu turno os arguidos II e NN no desempenho das suas funções na CM de … nunca diligenciaram pela realização de qualquer conferência, reunião ou sessão da Assembleia Municipal alargada a técnicos da DRE…, empresários, proprietários de terras e outros eventuais interessados, bem como também não diligenciaram pela realização de quaisquer estudos relativamente à situação de estabilidade e segurança daquele troço da EM ….

175. Ao invés da pedreira EE, a atividade de lavra /exploração de mármore na pedreira AAA cessou entre o final de 2014/inicio de 2015 na zona considerada de risco, junto ao talude sudoeste, dado o identificado perigo de rutura e para salvaguardar a segurança dos trabalhadores que aí se encontrassem continuando apenas no lado oposto a tal talude e até ao ano de 2017, data em que cessou por completo toda a atividade.

V. Dinâmica da ocorrência

176. No dia 19 de novembro de 2018, cerca das 15h.45m., ocorreu um deslizamento no maciço rochoso que constituía o talude sudoeste das pedreiras EE e AAA, confinante em paralelo com a EM …, levando ao consequente desmoronamento de um grande volume de massa rochosa e perda de suporte do aterro onde assentava aquela estrada, culminando no seu abate parcial e derrocada para o interior daquelas pedreiras, concretamente entre o quilómetro 1 e 2.

177. Este movimento de deslizamento planar foi motivado por descontinuidades existentes e já identificadas naquele talude sudoeste comum às pedreiras EE e AAA, e que se desenvolvia a N18ºW, 50ºNE até ao topo do maciço rochoso, o qual inclinava menos dos que a superfície do talude (cerca de 80º para NE).

178. Descontinuidades estas que estavam reconhecidas e caracterizadas nos estudos e relatórios referidos, tal como o realizado pelo Departamento de Geociências/Laboratório de Geotecnia da Universidade de … em outubro de 2008 e em maio de 2015 relativo à estabilidade do talude sudoeste da Pedreira n.º … EE em ….

179. Ocorrido este deslizamento, o subsequente desmoronamento da massa rochosa sobrejacente propagou-se até ao topo do maciço, dada a sua continuidade, levando à perda de sustentação do aterro da EM …, colapsando em parte o troço desta estrada e que era confinante.

VI. Consequências

180. Sucedeu que, nesse mesmo dia e hora, CC, o qual trabalhava para a arguida VV Limitada, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, encontrava-se a trabalhar junto de uma máquina escavadora giratória instalada numa bancada de mármore junto ao referido talude, na EE.

181. Ao aperceber-se da derrocada entrou no interior de tal máquina no intuito de a retirar do local, todavia acabou por ser arrastado juntamente com a máquina, pela projeção e queda dos blocos de pedra que caíram e resvalaram para o fundo da pedreira.

182. Em consequência direta e necessária de tal circunstancialismo veio a sofrer lesões traumáticas diversas, tais como feridas ao nível da calote craniana, com exposição, ao nível intraorbitrário, mentoniana e submentoniana, afundamento e crepitação da parede toráxica, com exposição de fratura da 1ª costela, bilateralmente, fratura exposta do rádio e cúbito com desarticulação da mão, esfacelo do terço distal da perna e pé direitos, com feridas profundas, exposição vasculo/nervosa, fratura do terço distal do fémur e do joelho com desarticulação entre a coxa e a perna pelo joelho esquerdo, esfacelo distal da perna e pé, fratura dos côndilos occipitais em relação com as fraturas cervicais, hemorragia subaracnoideia esquerda, contusão no tronco cerebral e cerebelo, infiltração hemorrágica exuberante nas paredes do tórax, fraturas ao nível do externo, fratura complexa da clavícula e de todos os arcos costais com desarticulação, laceração pleural e do pericárdio, laceração da aurícula e ventrículo esquerdos por procidência de esquirolas ósseas, lacerações e contusões hemorrágicas pulmonares, fratura e luxação das 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 7ª vértebras cervicais bem como dos côndilos occipitais.

183. Estas lesões foram causa direta e necessária da sua morte.

184. No mesmo circunstancialismo de tempo e local encontrava-se DD, o qual trabalhava para a arguida VV Limitada, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, a trabalhar no fundo da EE, junto do mesmo talude sudoeste.

185. Ao ocorrer a derrocada e queda de massa e blocos de pedra, acabou por ser atingido por estes, ficando soterrado sob líquidos lamacentos, que inspirou, levando à congestão do encéfalo, da laringe, traqueia, faringe e esófago.

186. Em consequência direta e necessária veio a sofrer asfixia que lhe determinou a morte.

187. Mais tendo sofrido fraturas do 2º, 3º e 8º arcos costais à esquerda, derrame pericárdico, com congestão generalizada, colapso pulmonar, parênquima consistente e com congestão /edema abundante, congestão das meninges, fratura da rótula e do 1/3 inferior da tíbia.

188. Ainda no mesmo dia e local VVV e XXX seguiam no interior do veículo automóvel, matrícula …, na EM … no referido troço, entre o quilómetro 1 e 2, quando ocorreu o referido desmoronamento no talude das pedreiras onde assentava a estrada e consequentemente esta.

189. Em consequência, esta viatura foi arrastada para o fundo da pedreira do AAA, onde embateu e ficou, situação que provocou lesões traumáticas torácicas e crânio encefálicas nos corpos de VVV e de XXX.

190. Concretamente VVV veio a sofrer ferida perfurante com perda de substância no hipocôndrio direito, fratura cominutiva do osso frontal, parietal e temporal esquerdo/direito e do occipital, fratura do maxilar inferior, fraturas dos arcos costais 2º, 3º, 4º, 5º e 6º esquerdo e 2º, 3º, 4º, e 5º direito, hemotórax bilateral na pleura parietal e cavidades pleurais esquerda e direita, contusão pulmonar superior e inferior direito e esfacelos nos lobo superior e inferior do pulmão esquerdo, hemoperitoneu, feridas contusas nos lóbulos do fígado.

191. As quais lhes causaram direta e necessariamente a morte.

192. Por seu turno XXX veio a sofrer fraturas do frontal e temporal esquerdo ao nível dos ossos da cabeça/abóbada, fratura do 5º, 6º e 7º arco costal direito, hemoperitoneu, lacerações no lobo do fígado.

193. As quais lhes causaram direta e necessariamente a morte.

194. Nesse mesmo dia e hora, YYY seguia no veículo automóvel, matricula …, na EM …, entre o quilómetro 1 e 2 quando ocorreu o referido desmoronamento no talude das pedreiras onde assentava este troço de estrada.

195. Em consequência a viatura onde seguia caiu para o fundo da pedreira do AAA, onde embateu e ficou, situação que lhe provocou lesões traumáticas crânio encefálicas e tóraco-abdominais que lhe determinaram de forma direta e necessária a morte.

196. Concretamente sofreu ferida frontal esquerda com exposição da calote, hemorragia subaracnoideia e hematoma subdural, contusão frontal do encéfalo, infiltração hemorrágica exuberante nas paredes do tórax, fratura cominutiva ao nível do corpo do externo, fraturas dos arcos anteriores e médios da 2ª à 10ª costela, bilateralmente, com procidência intratorácica, laceração pleural e do pericárdio, laceração extensa do ventrículo esquerdo e ponta do coração por procidência de esquírolas ósseas, lacerações pleurais com homotórax, lacerações e contusões pulmonares, infiltração hemorrágica exuberante nos quadrantes inferiores das paredes do abdómen, múltiplas fraturas dos ossos púbicos e ilíacos.

197. Neste mesmo dia 19 de novembro de 2018, pelas 15h.45m., mais se encontravam a realizar tarefas na pedreira EE e por conta da arguida VV Limitada os trabalhadores ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF e GGGG.

198. Nesse momento, ZZZ encontrava-se a trabalhar no fundo da pedreira do EE, a limpar o canal, perto da base do talude sudoeste, tendo conseguido afastar-se da zona onde vieram a cair massas rochosas sequentes à derrocada do talude e do troço da EM …, quando estes ocorreram e de que se apercebeu.

199. AAAA encontrava-se, naquele momento, na parte de cima da pedreira do EE, a cortar blocos de mármore, não tendo sido atingido por massas rochosas provenientes da queda do aludido talude e troço da EM …, apesar de circular pela zona.

200. Também BBBB se encontrava naquele dia e hora a trabalhar no fundo da pedreira do EE, numa das penúltimas bancadas, quando ocorreu a ruína parcial do talude e da EM … sendo que, ao se aperceber do ruído daí proveniente, entrou no interior de uma máquina no intuito de sair rapidamente do local, acabando por ser atingido por uma onda de água que o arrastou por 15 metros, ficando com água pelo nível da cintura.

201. CCCC encontrava-se nesse mesmo dia e hora, a “destroncar” pedra na pedreira do EE, em local próximo da parede que confina com a EM … quando se apercebeu do desmoronamento e de uma onda gigante de água procedente da pedreira do AAA, tendo encetado fuga para o lado oposto, não sendo atingido por esta massa de água nem por massas rochosas.

202. Por seu turno, DDDD encontrava-se nesse mesmo dia e hora no fundo da pedreira do EE, junto de uma máquina de fio diamantado a efetuar trabalhos de serragem, próximo do seu colega e falecido DD, quando se apercebeu da derrocada do talude e do troço da EM …, tendo sido atingido por uma onde gigante de água, refugiando-se junto de uma parede no momento em que ocorreu a queda de massas rochosas, sofrendo traumatismo nos dedos e nas costas.

203. EEEE encontrava-se, naquele mesmo dia e hora, a carregar uma máquina denominada de “…”, próximo da parede da pedreira do EE oposta à do talude sudoeste, não tendo sido atingido pela massa rochosa sequente à derrocada, apesar de circular pela zona.

204. FFFF encontrava-se, por sua vez, no mesmo dia e hora, no fundo da pedreira de EE, junto da quarta bancada a contar da “caixa”/fundo da pedreira, a manobrar uma máquina perfuradora quando ocorreu a derrocada do talude e do troço da estrada, não tendo sido atingido por massas rochosas, apesar de cicular pela zona.

205. Por seu turno, GGGG encontrava-se nesse dia e hora no fundo da pedreira, na zona da “caixa” da pedreira do EE, a serrar um bloco de mármore quando ocorreu a derrocada tendo-se refugiado entre duas pedras, levando com uma onda gigante de água que lhe chegou até à zona da cintura.

VII. Responsabilidades

206. A identificada presença no talude sudoeste comum às pedreiras EE e AAA de descontinuidades e concretamente a que se desenvolvia no sentido N18ºW / 50ºNE até ao topo do maciço rochoso, potenciava a ocorrência de roturas por deslizamento, afetando gravemente a sua estabilidade, fazendo antever com evidência a possível ocorrência de movimentos de deslizamento com potencialidade para atingir a massa rochosa sobrejacente e bem assim o troço da EM … que sob ela passava.

207. Esta situação de instabilidade no talude sudoeste comum às pedreiras EE e AAA,fora evidenciada sistematicamente junto de os arguidos ao longo dos anos e assinalada nos estudos, relatórios, memorandos, informações e reuniões atrás referidas, sendo reconhecida na pessoa de cada um dos arguidos, destacando-se na indicada reunião ocorrida no dia 20 de novembro de 2014 na CM de ….

208. Nesta reunião e face à problemática do identificado risco de colapso e desmoronamento deste talude sudoeste e do troço da EM … confinante, foi feita uma apresentação e debatida a problemática da sua estabilidade, colocando-se de forma expressa a necessidade de interditar a circulação da EM … e a retirada no troço em causa.

209. Ficando assim os arguidos cientes de que face à instabilidade de grande dimensão envolvendo descontinuidades graves naquele talude e o troço da EM …, o seu colapso por eventual deslizamento planar assumia uma elevada probabilidade, de grande perceção bem como as graves consequências que acarretaria para todos os utilizadores desta estrada e dos trabalhadores das pedreiras confinantes e concretamente da EE.

VIII. Decisores camarários II e NN

210. O arguido II, na qualidade de presidente da CM de …, e por decorrência do disposto no art.º 6.º da Lei n.º 65/2007, de 12 de novembro constitui a autoridade municipal de proteção civil, detendo por isso as competências previstas na Lei de Bases da Proteção Civil concretamente na Lei n.º 27/2006, de 03 de julho, a qual prevê no seu art.º 35.º que compete ao presidente de Câmara Municipal no exercício de funções como responsável municipal da política de proteção civil desencadear, aquando da iminência de acidente grave ou catástrofe, as ações de proteção civil de prevenção adequadas em cada caso evitar e minimizar o impacto de tais ocorrências, salvaguardando a segurança dos munícipes e todas as pessoas na área do concelho.

211. Acresce que, nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 1, als.ª w), ee) e qq) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (Regime Jurídico da Autarquias Locais) compete à CM de … respetivamente “Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de quaisquer construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou a segurança das pessoas”, “Criar, construir e gerir instalações, equipamentos, serviços, redes de circulação, de transportes, de energia, de distribuição de bens e recursos físicos integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal” e “Administrar o domínio público municipal”.

212. Conforme atrás referido, a CM de … delegou nos mandatos de 2013 a 2017 e 2017 a 2021 tais poderes no seu presidente e ora arguido II, nos termos do disposto no art.º 34.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

213. Este, por seu turno, nos termos do disposto no art.º 36.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, subdelegou, nos mesmos períodos, no ora arguido NN enquanto vereador e vice-presidente da mesma CM de …, os pelouros do trânsito e segurança, acessibilidades e vias de comunicação, mobilidade, rede viária, ambiente e fiscalização, e bem assim as competências previstas naquela al.ª w) do n.º 1 do art.º 33º do mesmo diploma legal.

214. Deste modo, e para efeitos nos mandatos de 2013-2017 e 2017-2021, competia aos ora arguidos II e NN, por força do exercício de tais funções, por competência própria/delegada e subdelegada, zelar pelas condições de circulação rodoviária nas vias sob tutela do município de …, tal como acontecia com a EM … e de segurança.

215. Mais lhes incumbia tomar todas as providências com vista a evitar eventuais ruínas de construções e infraestruturas na área do município, determinando a demolição daquelas que constituíssem perigo para a segurança das pessoas bem como a tomada de medidas concretas com vista a evitar a ocorrência de sinistros e vítimas daí resultantes, podendo para o efeito determinar alterações ao ordenamento da circulação do trânsito na iminência de poderem ocorrer acidentes graves ou catástrofes em todas as infraestruturas daquele município, onde se incluía a EM … desde 2005.

216. Acresce que por força do disposto nos arts.º 54.º, n.º 1 e 65.º, ns.º 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, à Câmara Municipal de …, através dos seus representantes, como entidade com competência de fiscalização administrativa sobre o exercício da atividade de exploração de massas minerais em pedreiras, incumbia controlar e suscitar a suspensão de atividade ou o encerramento preventivo no todo ou em parte destas explorações em caso de perigo iminente ou grave para a segurança ou saúde das pessoas e ambiente, como era o caso.

217. Para além de tais incumbências legais, ao arguido II, enquanto presidente da Câmara Municipal de … e ao arguido NN enquanto vice-presidente da CM de … e vereador a tempo inteiro, com o pelouro do ambiente e fiscalização, na qualidade de altos responsáveis deste município, o qual também assumia competências e tinha responsabilidades no licenciamento de pedreiras, incumbia-lhe assegurar a segurança de todos os munícipes, concretamente as pessoas, incluindo trabalhadores, que circulassem nas vias sob a tutela do município em locais de risco em meio natural como as pedreiras situadas na área do município.

218. Acresce ainda que, os arguidos II e NN, enquanto Presidente e Vice-Presidente da CM de …, tinham a possibilidade de orientar e controlar o funcionamento daquele órgão.

219.

219A. Todavia, possuindo estes deveres e poderes, estando ao corrente do identificado perigo de deslizamento naquele talude sudoeste localizado na zona de confluência das pedreiras EE e AAA com a EM …, e possíveis consequências para todas as pessoas que estivessem na zona a circular ou a trabalhar, o arguido II, ao invés de determinar o corte de trânsito, a demolição ou a proibição de passagem no troço desta estrada, concretamente entre os quilómetros 1 e 2 em causa e bem assim suscitar o encerramento ou a suspensão de atividade de exploração na pedreira EE, tal como era o seu dever em ordem a evitar a ocorrência de acidentes e possíveis mortes daí decorrentes, não o fez.

219B. Por sua vez, possuindo estes deveres e poderes, estando ao corrente do identificado perigo de deslizamento naquele talude sudoeste localizado na zona de confluência das pedreiras EE e AAA com a EM …, e possíveis consequências para todas as pessoas que estivessem na zona a circular ou a trabalhar, o arguido NN, ao invés de determinar o corte de trânsito, a demolição ou a proibição de passagem no troço desta estrada, concretamente entre os quilómetros 1 e 2 em causa, tal como era o seu dever em ordem a evitar a ocorrência de acidentes e possíveis mortes daí decorrentes, não o fez.

220.

220A. Ao invés do que o circunstancialismo concreto lhe impunha, em exercício daqueles seus deveres e considerando o levantamento da problemática da instabilidade do talude em causa e consequente perigo para a segurança de quem circulasse naquele troço da EM … e de quem estivesse e trabalhasse concretamente na pedreira EE, o arguido II permitiu que aí continuassem a circular veículos, pessoas e a manutenção desta atividade extrativa.

220B. Ao invés do que o circunstancialismo concreto lhe impunha, em exercício daqueles seus deveres e considerando o levantamento da problemática da instabilidade do talude em causa e consequente perigo para a segurança de quem circulasse naquele troço da EM … e de quem estivesse e trabalhasse concretamente na pedreira EE, o arguido NN permitiu que aí continuassem a circular veículos e pessoas.

221.

221A. Não exerceu o arguido II os seus poderes e retirando as adequadas consequências da informação que dispunha, nos termos referidos, sobre os riscos e perigos que representava circular naquele troço da EM … e a laboração na pedreira do EE especialmente na zona confinante com o talude em causa.

221B. Não exerceu o arguido NN os seus poderes e retirando as adequadas consequências da informação que dispunha, nos termos referidos, sobre os riscos e perigos que representava circular naquele troço da EM … especialmente na zona confinante com o talude em causa.

222.

222A. Este circunstancialismo e conjunto de informações impunham que o arguido II no exercício daquelas suas funções e alto responsável na CM de …, tendo o domínio de tais focos de risco tivesse diligenciado pela determinação do corte do trânsito no troço da estrada em causa, impedido a circulação de toda e qualquer viatura e peões no local e bem assim com vista à suspensão da atividade de exploração de minerais naquela pedreira desde, pelo menos, o ano de 2014, o que não fez.

222B. Este circunstancialismo e conjunto de informações impunham que o arguido NN no exercício daquelas suas funções e alto responsável na CM de …, tendo o domínio de tais focos de risco tivesse diligenciado pela determinação do corte do trânsito no troço da estrada em causa, impedido a circulação de toda e qualquer viatura e peões no local desde, pelo menos, o ano de 2014, o que não fez.

223.

223A. Acaso o arguido II tivesse diligenciado pela determinação da interdição da circulação de todas as viaturas e peões no referido troço da EM … adjacente às pedreiras EE e AAA e bem assim tivesse suscitado e diligenciado pela cessação/suspensão de atividade de exploração de minerais naquela pedreira, as mortes de VVV, XXX, YYY e de CC e DD não teriam ocorrido, tal como sucedeu e da forma descrita.

223B. Acaso o arguido NN tivesse diligenciado pela determinação da interdição da circulação de todas as viaturas e peões no referido troço da EM … adjacente às pedreiras EE e AAA, as mortes de VVV, XXX e YYY não teriam ocorrido, tal como sucedeu e da forma descrita.

IX. Responsáveis pedreira EE

224. A sociedade UU, Lda. e a arguida VV Limitada atuaram desde a sua constituição através do respetivo gerente RR, que as representou e tomou decisões em seu nome desde então e concretamente na exploração da atividade da pedreira EE, incluindo durante todo o ano de 2018.

225. Na exploração desta atividade, através do seu gerente e responsável, incumbia à arguida VV Limitada adotar as medidas e disposições adequadas a garantir a segurança de todos os trabalhadores a prestar funções por sua conta na exploração da pedreira do EE, tal como acontecia com CC, DD, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF e GGGG.

226. De igual modo, e nos mesmos termos, ao arguido BBB, na qualidade e no exercício de funções como responsável técnico da pedreira EE, recaía a mesma responsabilidade de propor e implementar todas as medidas e disposições adequadas à garantia da segurança dos trabalhadores que se encontrassem a laborar na pedreira do EE e concretamente em relação aos mesmos CC, DD, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF e GGGG.

227. Incumbia-lhes, nesse âmbito e nos mesmos termos, implementar as medidas necessárias e assertivas para obterem uma prevenção eficaz de todos os riscos que pudessem afetar a vida e a integridade física dos trabalhadores no local, de forma que estes pudessem desempenhar as suas funções em segurança, nomeadamente tomando em consideração a estabilidade, perigo de desabamento e os métodos de exploração naquela pedreira e respetivos taludes.

228. Medidas estas que poderiam passar pela cessação da atividade de exploração, de lavra e extração de rocha em qualquer local e setor da pedreira, com vista a minimizar o risco e assim evitar a ocorrência de lesões para a saúde e para a vida dos trabalhadores que aí se encontrassem.

229. Todavia, possuindo tais deveres e poderes, estando ao corrente do identificado perigo de deslizamento no talude localizado na zona de confluência das pedreiras EE e AAA, com a EM …, pelo conhecimento direto da situação e estudos realizados, estes dois arguidos, sendo a sociedade através do seu legal representante, ao invés de determinarem o fim da atividade de desmonte e todos os trabalhos na zona confinante e perto do talude sudoeste comum às pedreiras AAA e EE, não o fizeram, permitindo que aí se mantivessem e circulassem os referidos dez trabalhadores em atividade.

230. (eliminado)

231. Ao invés daquilo que o circunstancialismo concreto suscitava e lhes impunha, considerando o seu conhecimento da instabilidade do talude em causa e consequente risco elevado de derrocada, permitiram e mantiveram aqueles dez trabalhadores, no dia 19 de novembro de 2018, a laborar na pedreira, podendo nesse âmbito passar e estar junto a tal talude e em zonas próximas do mesmo.

232. Tudo em desrespeito pelo disposto nas normas legais e regulamentares constantes designadamente dos arts.º 2.º, als. a), b), 129.º, 130.º do Decreto-Lei n.º 162/90, de 22 de maio, arts.º 4.º, n.º 1, al.ª a) do Decreto-Lei n.º 324/95, de 29 de novembro, arts.º 3.º, ns.º 1, 31.º e 32.º, da Portaria n.º 198/96, de 04 de junho e arts.º 5.º e 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro.

233. E isto não obstante a gravidade da situação e do perigo que representava para estes trabalhadores passarem naquela zona da pedreira, dada a elevada possibilidade de serem atingidos por uma eventual derrocada que ocorresse nesse talude, com nefastas consequências para a sua integridade física e vida.

234. Mortes que vieram efetivamente a acontecer com CC e com DD, os quais acabaram por ser atingidos e soterrados quando estavam a trabalhar junto do talude pela projeção de massas rochosas sequentes ao seu colapso.

235. As quais poderiam ter sido evitadas acaso estes três arguidos tivessem determinado a cessação de todos os trabalhos de lavra junto de tal talude e o afastamento de trabalhadores do local, o que estava ao seu alcance.

X. Responsáveis DRE…/DGEG

i. GG

236. O arguido GG, na qualidade de Diretor da Direção de Serviços de Minas e Pedreiras da DGEG desde …, entidade para a qual foram transmitidas competências em matéria de licenciamento e fiscalização de pedreiras após a extinção das Direções Regionais de Economia em 2015, enquanto titular de tal cargo incumbia-lhe, diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nas explorações de pedreiras, incluindo pelo titular da respetiva licença, de forma a prevenir riscos e acidentes ou situações que acarretassem perigo para pessoas.

237. Desde logo, por força de tais funções na entidade licenciadora, estava ao seu alcance aplicar ou diligenciar pela aplicação da medida cautelar de suspensão da laboração ou encerramento preventivo da exploração, no todo ou em parte, tal como acontecia com a pedreira EE, no caso de risco iminente ou perigo grave para a segurança de todos os trabalhadores que aí estivessem.

238. Mais acrescia, por força de tais funções e posição na entidade licenciadora e de fiscalização, tomar as providências adequadas a minimizar a possibilidade de em decorrência de derrocadas, deslizamentos passíveis de ocorrerem em explorações de pedreiras, licenciadas ou não, poderem vir a perder a vida trabalhadores.

239. Todavia, tendo tomado conhecimento do problema de estabilidade do talude aludido, da elevada exposição ao risco próximo para a integridade física e vida dos trabalhadores das pedreiras EE que aí se encontrassem face à séria possibilidade de derrocada ou rutura de tal talude, não determinou nem diligenciou por qualquer daquelas medidas com vista a encerrar a atividade nesta pedreira ou pela implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

240. Tanto assim que, perante tal risco elevado de rutura daquele talude, e na sequência de, em 24 de junho de 2015, na qualidade de Diretor da Direção de Serviços de Minas e Pedreiras da DGEG, ter recebido do arguido FF um email solicitando autorização superior para a continuação dos trabalhos no talude, deferiu tal pretensão.

241. Sendo que esta informação e conhecimento da situação impunha, de acordo com aqueles seus deveres e em obediência àqueles normativos, que tivesse diligenciado pela cessação da atividade na pedreira do EE e especialmente por referência à zona confinante com aquele talude, o que não fez ao contrário do que se lhe impunha era exigível e estava ao seu alcance no caso concreto.

242. Desta forma permitiu que aí se mantivessem trabalhadores em atividade até ao momento em que ocorreu a ruína do referido talude e consequente desabamento do troço da EM … adjacente, o que acarretou o falecimento de CC e de DD, que à data se encontravam a trabalhar na pedreira do EE, o que não teria acontecido se tivesse impulsionado e diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou pela implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

243. O que apenas veio a fazer, no dia 13 de dezembro de 2018, já depois de terem ocorrido a derrocada e as cinco mortes, ao remeter à consideração superior a suspensão da laboração das pedreiras, face à situação de perigo grave para a segurança de pessoas e bens com base no n.º 2 e 3 do artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.

ii. BB

244. O arguido BB, na qualidade de Diretor Regional de Economia do … entre fevereiro de … e maio de …, entidade que detinha competências em matéria de licenciamento e fiscalização de pedreiras e enquanto titular de tal cargo, incumbia-lhe diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nas explorações de pedreiras e incluindo pelo titular da respetiva licença de forma a prevenir riscos de acidentes ou situações que acarretassem perigo para pessoas.

245. Em decorrência de tais funções na entidade licenciadora, estava ao seu alcance diligenciar pela aplicação da medida cautelar de suspensão da laboração ou encerramento preventivo da exploração, em todo ou parte, concretamente da pedreira EE, no caso de risco iminente ou perigo grave para a segurança de todos os trabalhadores que aí estivessem e terceiras pessoas.

246. Mais acrescia, por força de tais funções e posição na entidade licenciadora e de fiscalização, o dever de tomar as providências adequadas a minimizar a possibilidade de em decorrência de derrocadas, deslizamentos passíveis de ocorrerem em explorações de pedreiras licenciadas ou não poderem vir a perder a vida trabalhadores e terceiras pessoas.

247. Sucedeu que, não obstante ao longo do tempo ter tomado conhecimento do problema da falta de estabilidade do referido talude sudoeste, da séria possibilidade e iminência da sua derrocada ou ruina e consequente gravidade da situação para a integridade física e para a vida dos trabalhadores da pedreira EE que aí se encontrassem, através dos referidos Estudos elaborados pelo Centro de Geotecnia do … e do Departamento de Geociências da Universidade de …, bem como dos indicados memorandos e exposições/apresentações feitas pela DRE…, que alertaram para a necessidade de serem tomadas providências urgentes, não diligenciou pela tomada de qualquer daquelas medidas ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

248. Sendo que esta informação e conhecimento da situação impunha, de acordo com aqueles seus deveres e em obediência àqueles normativos, que tivesse diligenciado nesses termos de forma a salvaguardar a vida e a integridade física de todos os trabalhadores das pedreiras e que se encontrassem junto de tal talude, diligenciando pela cessação efetiva da atividade de exploração naquelas duas pedreiras o que não fez.

249. (Eliminado)

iii. FF

250. O arguido FF, na qualidade de Diretor de Serviços da Direção de Serviços da Indústria e Recursos Geológicos da Direção Regional de Economia do … desde … e até … e subsequentemente enquanto Chefe de Divisão de Pedreiras do …, entidades que ao longo do tempo detiveram competências em matéria de licenciamento e fiscalização de pedreiras incumbia-lhe, por força no disposto nos art.º 46.º, n.º 1, 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nas explorações e incluindo pelo titular da respetiva licença de forma a prevenir riscos e acidentes ou situações que acarretassem perigo grave para pessoas.

251. Em decorrência de tais funções na entidade licenciadora, estava ao seu alcance diligenciar pela aplicação da medida cautelar de suspensão da laboração ou encerramento preventivo da exploração, em todo ou parte, concretamente da pedreira EE, no caso de risco iminente ou perigo grave para a segurança de todos os trabalhadores que aí estivessem.

252. Mais acrescia, por força de tais funções e posição na entidade licenciadora e de fiscalização, o dever de tomar as providências adequadas a minimizar a possibilidade de em decorrência de derrocadas, deslizamentos e ruinas morfológicas passíveis de ocorrerem em explorações de pedreiras, licenciadas ou não, poderem vir a perder a vida trabalhadores e terceiras pessoas.

253. Sucedeu que, não obstante ao longo do tempo ter tomado conhecimento do problema da falta de estabilidade do referido talude sudoeste, da séria possibilidade e iminência da sua derrocada ou ruina e consequente gravidade da situação para a integridade física e para a vida dos trabalhadores da pedreira EE que aí se encontrassem, através dos referidos Estudos elaborados pelo Centro de Geotecnia do … e do Departamento de Geociências da Universidade de …, bem como dos indicados memorandos e exposições/apresentações feitas pela DRE…, que alertaram para a necessidade de serem tomadas providências urgentes, não diligenciou pela tomada de qualquer daquelas medidas.

254. Sendo que esta informação e conhecimento da situação impunha, de acordo com aqueles seus deveres e em obediência àqueles normativos, que tivesse diligenciado nesses termos de forma a salvaguardar a vida e a integridade física de todos os trabalhadores das pedreiras e que se encontrassem junto de tal talude, diligenciando pela cessação efetiva da atividade de exploração naquelas duas pedreiras e área adjacente ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção, o que não fez ao contrário do que devia ter feito, lhe era exigível e estava ao seu alcance no caso concreto.

255. Desta forma permitiu que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou pela implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

256. O que apenas veio a fazer, no dia 12 de dezembro de 2018, já depois de terem ocorrido a derrocada e as cinco mortes, ao lavrar informação a propor superiormente o encerramento preventivo da exploração e a suspensão do exercício de todo e qualquer trabalho, em toda a corta, com base nos artigos 46.º, n.º 1, 54.º, n.º 3 e artigo 65.º, n.º 2 e 3, todos do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.

iv. AA

257. A arguida AA, na qualidade de Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos da extinta Direção Regional de Economia do … desde … e até …, entidade que ao longo do tempo deteve competências em matéria de licenciamento e fiscalização nas pedreiras, incumbia-lhe, diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nestas explorações, incluindo pelo titular da respetiva licença, de forma a prevenir acidentes ou situações que acarretassem perigo grave para as pessoas que aí estivessem a trabalhar ou em zonas adjacentes.

258. Em decorrência de tais funções na entidade licenciadora, estava ao seu alcance diligenciar pela aplicação da medida cautelar de suspensão da laboração ou encerramento preventivo da exploração, em todo ou parte, concretamente da pedreira EE, no caso de risco iminente ou perigo grave para a segurança de todos os trabalhadores que aí estivessem.

259. Mais acrescia, por força de tais funções e posição na entidade licenciadora e de fiscalização, o dever de tomar as providências adequadas a minimizar a possibilidade de, em decorrência de derrocadas, deslizamentos passíveis de ocorrerem em explorações de pedreiras, licenciadas ou não, poderem vir a perder a vida trabalhadores.

260. Sucedeu que, não obstante ao longo do tempo ter tomado conhecimento do problema da falta de estabilidade do referido talude sudoeste, da séria possibilidade e iminência da sua derrocada ou ruina e consequente gravidade da situação para a integridade física e para a vida dos trabalhadores das pedreiras EE que aí se encontrassem, através dos referidos Estudos elaborados pelo Centro de Geotecnia do … e do Departamento de Geociências da Universidade de …, bem como dos indicados memorandos e exposições/apresentações feitas pela DRE…, que alertaram para a necessidade de serem tomadas providências urgentes, não diligenciou pela tomada de qualquer daquelas medidas.

261. Sendo que esta informação e conhecimento da situação impunha, de acordo com aqueles seus deveres e em obediência àqueles normativos, que tivesse diligenciado nesses termos de forma a salvaguardar a vida e a integridade física de todos os trabalhadores das pedreiras e que se encontrassem junto de tal talude, diligenciando pela cessação efetiva da atividade de exploração naquelas duas pedreiras e área adjacente ou pela implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

262. (Eliminado)

XI. Elemento subjetivo

263. Cada um dos arguidos agiu de forma livre, deliberada e conscientemente.

i. Decisores camarários

264.

264A. Ao não determinar nem diligenciar pelo encerramento da circulação do troço entre o quilómetro 1 e 2 da EM … na zona que passava sobre o referido talude sudoeste confinante com as pedreiras EE e AAA, bem como suscitar o encerramento ou suspensão da atividade de exploração naquela primeira pedreira, o arguido II agiu consciente dos deveres legais e gerais decorrentes das funções que desempenhava como presidente na CM de … e bem assim da situação de perigo de deslizamento em que aquele talude se encontrava.

264B. Ao não determinar nem diligenciar pelo encerramento da circulação do troço entre o quilómetro 1 e 2 da EM … na zona que passava sobre o referido talude sudoeste confinante com as pedreiras EE e AAA, o arguido NN agiu consciente dos deveres legais e gerais decorrentes das funções que desempenhava como vice-presidente na CM de … e bem assim da situação de perigo de deslizamento em que aquele talude se encontrava.

265.

265A. O arguido II estava ciente da gravidade da situação daquele troço da estrada, do risco de rutura e derrocada bem como do perigo para a vida e integridade física de todos os condutores e peões que aí circulassem e bem assim do perigo de ruína do talude onde assentava a estrada e efeitos para a vida e integridade física das pessoas que estivessem a trabalhar na pedreira EE.

265B. O arguido NN estava ciente da gravidade da situação daquele troço da estrada, do risco de rutura e derrocada bem como do perigo para a vida e integridade física de todos os condutores e peões que aí circulassem.

266. Situações de risco que estavam por si identificadas por terem tomado conhecimento desde 2014, através das informações, estudos, memorandos e reuniões realizadas ao longo do tempo e de que estavam plenamente cientes, incumbindo-lhes em decorrência daquelas suas altas responsabilidades públicas acautelar nos seus efeitos para terceiros.

267. Sabiam que as zonas de defesa das pedreiras AAA e EE relativamente ao troço confinante da EM … não respeitavam as distâncias legais.

268. Tendo noção do risco descrito e da possibilidade de resultarem mortes no caso de deslizamento e derrocada no talude referido, aceitaram tal situação.

269.

269A. Ao não procederem da forma descrita, o arguido II violou os seus deveres, enquanto titular daquele cargo público e bem assim com responsabilidade na garantia da segurança de todas as pessoas que circulassem nas vias de circulação do domínio municipal e que estivessem a laborar em atividades de maior risco e em meio natural tal como a exploração na pedreira EE, em ordem a evitar a ocorrência de mortes tal como aconteceu respetivamente com VVV, XXX, YYY, CC e DD.

269B. Ao não procederem da forma descrita, o arguido NN violou os seus deveres, enquanto titular daquele cargo público e bem assim com responsabilidade na garantia da segurança de todas as pessoas que circulassem nas vias de circulação do domínio municipal, em ordem a evitar a ocorrência de mortes tal como aconteceu respetivamente com VVV, XXX e YYY.

270.

270A. O arguido II conhecia tais deveres, a eles estava obrigado e tinha capacidade para os respeitar exercendo aqueles seus poderes em ordem a diligenciar e proibir toda e qualquer circulação de viaturas e peões naquele troço de estrada, cortando-o e bem assim diligenciar pelo encerramento ou suspensão da atividade de exploração de minerais na pedreira do EE.

270B. O arguido NN conhecia tais deveres, a eles estava obrigado e tinha capacidade para os respeitar exercendo aqueles seus poderes em ordem a diligenciar e proibir toda e qualquer circulação de viaturas e peões naquele troço de estrada, cortando-o.

271. Acresce que o arguido II por força das suas funções como máxima autoridade municipal de proteção civil, no exercício de funções como responsável municipal da política de proteção civil, lhe incumbia desencadear aquando da iminência de acidente grave ou catástrofe, as ações de proteção e prevenção adequadas ao caso, o que em concreto não fez, e especificamente determinando o encerramento da circulação de veículos e pessoas naquele troço da EM… e o encerramento ou suspensão da atividade de exploração de minerais na pedreira do EE, o que estava ao seu alcance e se lhe impunha em ordem a evitar mortes pelo colapso daquele talude.

272.

272A. O arguido II estava ciente e aceitou que ao não exercer tais deveres e implementar tais medidas poderiam acontecer acidentes como os que levaram à morte de VVV, XXX, YYY, CC e DD, situação com a qual se conformou.

272B. O arguido NN estava ciente e aceitou que ao não exercer tais deveres e implementar tais medidas poderiam acontecer acidentes como os que levaram à morte de VVV, XXX e YYY, situação com a qual se conformou.

ii. Responsáveis da pedreira EE

273. Ao atuarem da forma descrita, não determinando nem diligenciando pela cessação de todos os trabalhos de lavra/exploração na zona do referido talude sudoeste da pedreira do EE comum com a pedreira AAA e confinante com a EM …, e bem assim pela presença de trabalhadores no local em ordem a salvaguardar a sua segurança, integridade física e vida, o arguido BBB e RR, agindo em nome e no interesse coletivo da sociedade arguida VV Limitada, não observaram as regras técnicas e de salvaguarda de segurança de pessoas que se lhes impunham no caso.

274. A arguida VV Limitada, através do respetivo gerente RR agindo em seu nome e interesse, e o arguido BBB, enquanto seu responsável técnico, bem sabendo da elevada gravidade e da situação de possível ruína em que se encontrava aquele talude e consequente possibilidade de rutura e derrocada que apresentava, determinaram e permitiram que estivessem e passassem na zona aqueles seus trabalhadores, deixando-os vulneráveis a serem atingidos por elevadas quantidades de massas rochosas e terras advenientes, sem possibilidade de se escaparem e assim poderem vir a morrer.

275. Situação esta de eventual rutura que conheciam e que previram como possível, com maior intensidade desde 2008, sendo aferível pelas informações, estudos, memorandos e reuniões realizadas ao longo do tempo e de que tomaram conhecimento.

276. Mais sabiam que as zonas de defesa das pedreiras AAA e EE relativamente ao troço confinante da EM … não respeitavam as distâncias legais.

277. Não obstante, colocaram e permitiram que os trabalhadores CC, DD, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF e GGGG se mantivessem a trabalhar na pedreira do EE, sem restrições, passando livremente na zona e laborando junto de tal talude, assim os deixando vulneráveis à eventualidade de serem atingidos por massas rochosas e terra em caso de derrocada do referido talude sudoeste e desabe de troço da EM …, podendo sofrer graves lesões físicas ou mesmo a morte.

278. Situação que previram, que aceitaram e bem assim a morte de qualquer destes trabalhadores, tal como efetivamente veio a acontecer com CC e DD.

iii. Responsáveis da DRE…/DGEG

279. Cada um dos arguidos GG e FF atuou consciente das suas funções e dos deveres que, enquanto funcionários/dirigentes da DRE… e da DGEG, recaiam sobre si e concretamente em ordem a evitar situações de risco e eventuais acidentes em explorações de pedreiras e mormente na EE, de onde pudesse decorrer o perigo e a lesão da integridade física e da vida de trabalhadores e terceiras pessoas.

280. Tinham conhecimento e sabiam da gravidade da situação de ruína iminente em que se encontrava este talude, da elevada probabilidade de rutura e derrocada que apresentava, do consequente desabamento do troço da EM … confinante e risco para os trabalhadores e pessoas que ali trabalhassem ou ali se encontrassem.

281. Todavia permitiram que a atividade de exploração de minérios nesta pedreira continuasse, aceitando que o risco de ruina, por deslizamento daquele talude, era elevado e a sua iminência era reconhecida, com as consequências para as pedreiras EE e AAA, bem como para a derrocada do troço da EM confinante.

282. Sucedeu que não obstante, atuaram da forma descrita, não determinando nem diligenciando respetivamente pelo encerramento preventivo da exploração e atividade na pedreira do EE, ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção, no todo ou pelo menos junto ao talude sudoeste que confinava com a EM … e Pedreira AAA, aceitando que, com a continuação desta atividade e com a iminente ocorrência de deslizamentos com ruína total ou parcial deste talude, adviriam consequências graves para a vida dos trabalhadores que aí se encontrassem, tal como veio a ocorrer.

283. Situação esta de risco que resultava e foi por cada um bem aferível pelas informações, estudos, memorandos e reuniões realizadas ao longo do tempo e desde 2008, que tomaram conhecimento e estavam cientes por força daquelas suas funções.

284. Mais sabiam que as zonas de defesa das pedreiras AAA e EE relativamente ao troço confinante da EM … não respeitavam as distâncias legais, o que agravava o risco de derrocadas.

285. Ao não procederem da forma descrita violaram de forma querida aqueles seus deveres enquanto titulares de cargos públicos com responsabilidade pela garantia da segurança para todos os trabalhadores de tal pedreira e bem assim os deveres de controlarem o risco decorrente do exercício de uma atividade perigosa como a exploração de pedreiras a céu aberto e daquelas dimensões, o que se lhe exigia para evitar a ocorrência de acidentes e a morte destes face à previsível derrocada do talude sudoeste.

286. Tal como veio a aconteceu com CC e DD, situação esta que previram como possível e que aceitaram.

287. Sendo que cada um conhecia tais deveres, a eles estavam vinculados e tinham capacidade para os respeitar, podendo e devendo exercer aquelas suas atribuições com vista a acautelar e efetivamente ser suspensa ou encerrada toda a descrita atividade extrativa e de exploração de pedreira no local ou implementadas adequadas medidas de proteção ou contenção.

288. Cada um dos arguidos sabia que a sua conduta não lhe era permitida e era punida por lei.

Dos requerimentos de abertura de instrução

3.1.2. Requerimento de abertura de instrução de II e NN (com relevo para a decisão)

289. Em Outubro de 2015, foi notificado o Município de … da aprovação da licença à VV Lda.

3.1.3. Requerimento de abertura de instrução de BB (com relevo para a decisão)

290. O Arguido BB foi exonerado pelo Despacho 6926/… de … de Junho, com efeitos a ….05.2015, com Louvor Público, do Secretário de Estado Adjunto e da Economia do XIX Governo Constitucional.

291. No que toca ao Estudo de Estabilidade, de 07.05.2015, elaborado pelo Laboratório de Geotécnica da Universidade de …, o Arguido BB nunca teve conhecimento do mesmo.

292. Não foi solicitada ao Arguido BB qualquer decisão/despacho em relação ao referido estudo.

293. Acresce que o Arguido nunca participou em qualquer reunião com nenhuma das 2 empresas exploradoras, nenhum dos responsáveis técnicos, nenhum dos especialistas das 2 Universidades (… e …), nem sequer com a Câmara Municipal de … (Presidente, Vereador ou técnico).

294. Ocorreu sismo de magnitude 2,1 na escala de Ritcher, sentido em …, em 16.11.2018, dois dias antes da tragédia.

295. Foram feitos rebentamentos nos blocos de pedra existentes naquela parede, contígua à EM …, foi nesse dia, no período da manhã.

296. Dos relatórios de autópsia médico-legais, designadamente da vítima XXX, os exames de toxicologia forense revelam etanol numa concentração a que corresponde o diagnóstico médico-legal de possivelmente influenciado peto álcool.

297. Os trabalhadores falecidos CC e DD estavam a laborar, em 19.112018, em zona interdita, sendo que o trabalhador CC estava na cota 354 (piso 7 da pedreira) e o trabalhador DD estava na cota 339 (piso 10), todos estavam abaixo da cota 371 e de acordo com o plano de pedreira aprovado, só poderiam trabalhar acima da cota 371.

3.1.4. Requerimento de abertura de instrução de AA (com relevo para a decisão)

298. Sem factos de relevo que não constem da acusação.

3.1.5. Requerimento de abertura de instrução de BBB (com relevo para a decisão)

299. A derrocada da Estrada EM … foi consequência do aluimento do talude sudoeste, confinante com aquela Estrada e comum às duas pedreiras, que teve o seu início no talude da pedreira do AAA; então já abandonada.

3.2 FACTOS NÃO SUFICIENTEMENTE INDICIADOS:

3.2.1. DA ACUSAÇÃO

A. Em julho de 1988

B. Tais como a instalação de inclinómetros.

C. Especificamente inclinómetros naquele talude sudoeste.

D. E nem diligenciaram pela colocação de mecanismos de monitorização da estabilidade deste talude, concretamente através de inclinómetros para aferir a variação da sua inclinação.

E. EM 219B, suscitar o encerramento ou a suspensão de atividade de exploração na pedreira EE.

F. Em 220B, o arguido NN permitiu a manutenção desta atividade extrativa.

G. Em 221B, a laboração na pedreira do EE.

H. Em 222B, com vista à suspensão da atividade de exploração de minerais naquela pedreira.

I. Em 223B, que tivesse suscitado e diligenciado pela cessação/suspensão de atividade de exploração de minerais naquela pedreira e as mortes de CC e DD não teriam ocorrido.

J. Em 237., e de terceiras pessoas.

K. Em 238., e de terceiras pessoas.

L. Em 239, e de qualquer pessoa que circulasse no troço adjacente da EM …

M. Em 242. e de VVV, XXX e YYY que circulavam naquela estrada.

N. Em 245., e de terceiras pessoas.

O. Em 247, de qualquer pessoa que circulasse no troço da EM … adjacente.

P. Que, no descrito em 248, de pessoas que pudessem circular no troço da EM … confinante e na área adjacente, ao contrário do que se lhe impunha, era exigível e estava ao seu alcance no caso concreto.

Q. Desta forma permitiu que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD e bem assim de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM …, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

R. Em 253, de qualquer pessoa que circulasse no troço da EM … adjacente.

S. Que, em 254, e de pessoas que pudessem circular no troço da EM … confinante.

T. Que o descrito em 255 acarretou o falecimento de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM ….

U. Em 257, que após a assunção de funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direção Geral de Energia e Geologia.

V. Em 260, e de qualquer pessoa que circulasse no troço da EM … adjacente.

W. Em 261, e de pessoas que pudessem circular no troço da EM … confinante e o que não fez ao contrário do que se lhe impunha, era exigível e estava ao seu alcance no caso concreto.

X. Desta forma permitiu que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD e bem assim de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM …, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

Y. Em 264B, ao não suscitar o encerramento ou suspensão da atividade de exploração naquela primeira pedreira.

Z. Em 265B, que estava ciente do perigo de ruína do talude onde assentava a estrada e efeitos para a vida e integridade física das pessoas que estivessem a trabalhar na pedreira EE.

AA. Em 269B, o arguido NN violou os seus deveres, enquanto titular daquele cargo público e bem assim com responsabilidade na garantia da segurança das pessoas que estivessem a laborar em atividades de maior risco e em meio natural tal como a exploração na pedreira EE, em ordem a evitar a ocorrência de mortes tal como aconteceu respetivamente com CC e DD.

BB. Em 270B que diligenciar pelo encerramento ou suspensão da atividade de exploração de minerais na pedreira do EE.

CC. Em 272B, como os que levaram à morte de CC e DD.

DD. Em 279, BB e AA.

EE. Em 282, que pessoas que circulassem no troço da EM … contíguo.

FF. Que 285, que de terceiras pessoas.

GG. Em 286, e de VVV, XXX e YYY.

3.2.2. REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO DE BB

HH. Que o último dia efectivo de trabalho, enquanto director da DRE…, foi o dia ….05.2015.

II. Que o arguido BB nunca visitou o local.

JJ. O Arguido BB nunca recebeu nenhum telefonema, pedido de reunião ou e-mail de nenhuma das empresas, ou dos respectivos técnicos esponsáveis sobre este assunto do talude da EM….

KK. O Arguido BB nunca recebeu qualquer pedido formal escrito de mais explicações por parte da Câmara Municipal de …, quer do seu Presidente, quer dos Vereadores, dirigentes ou técnicos desta edilidade.

3.3 MOTIVAÇÃO DO JUÍZO DE INDICIAÇÃO:

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica da prova recolhida durante as fases de inquérito e instrução.

(…)

Em particular, o tribunal baseou a sua convicção relativamente aos factos considerados como demonstrados e não demonstrados na apreciação conjugada e de acordo com as regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova:

3.3.1. PROVA DOCUMENTAL:

- fls. 25 a 33 (auto de denúncia por desaparecimento e anexos);

- fls. 49 a 53 (relatório de serviço de pessoa desaparecida);

- fls. 70 e 71 (certificado de óbito);

- fls. 81 a 85 (informação policial e reportagem fotográfica);

- fls. 93 a 104 (auto de denúncia por desaparecimento e anexos e fotogramas do momento da derrocada);

- fls. 105 a 109 (auto de denúncia por desaparecimento);

- fls. 111 a 113 (identificação trabalhadores VV, Ld.ª);

- fls. 156 a 159 (auto de apreensão de veículo);

- fls. 167 a 171 (reportagem fotográfica veículos);

- fls. 200 (informação policial retirada de corpos cadáveres do interior de veículos);

- fls. 240 a 248 (reportagem fotográfica);

- fls. 459 a 477 (informação OPC e relatório IGAMAOT);

- fls. 512 a 520 (informação IPMA);

- fls. 576 a 762 (inquéritos acidentes de trabalho ACT);

- fls. 808/809 (informação policial);

- fls. 1039 a 1053 (emails, memorando DRE… e documentação variada junta pela testemunha SS);

- fls. 1222 a 1226 (informação AGAMAOT);

- fls. 1233 a 1243 (matriculas sociedades arguidas);

- fls. 1254 a 1265 (informações emails DGEG);

- fls. 1279 (informação responsável técnico da pedreira EE);

- fls. 1286 (informação da DGEG – suspensão da laboração)

- fls. 1311 (denúncia de contrato de trabalho por FFFF)

- fls. 1312 e 1313 (documentos relacionados com a prestação de serviços de BBB, enquanto responsável técnico, às sociedades UU, Lda e VV Limitada.

- fls. 1330 (informação da DGEG)

- fls. 1334 a 1350 (certidão permanente da sociedade UU Lda)

- fls. 1364 a 1371 (certidão permanente da arguida VV Limitada)

» Apensos:

i. Apenso I (legislação);

ii. Apenso II (delegação de competências CM de …, atas de reunião municipais, processo de transferência da EM …, documentação camarária relativa às pedreiras AAA e EE, ortofotogramas).

iii. Apenso III (contendo documentação da Direção geral de Energia e Geologia respeitante à instabilidade do talude confinante com a EM …);

iv. Apenso IV – A e B (contendo certidão permanente da empresa MM, planos de lavra, de pedreira, planos de segurança e saúde, processos de estabilização do talude, estudo/proposta de corte da EM …);

v. Apenso V (contendo documentação respeitante à pedreira EE);

vi. Apenso VI (contendo notícias jornalísticas);

vii. Apenso VII (contendo cópia de todo o conteúdo do CD entregue pela IGAMAOT respeitante ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão de operação nas pedreiras situadas na zona de … onde ocorreu o acidente no dia 19.11.2018);

viii. Apenso VIII (contendo suporte 12 suportes informáticos CDs contendo cópias de suportes documentais, vídeos e imagens, relatório de inspeção IGAMAOT e outros conforme termo de apensação de fls. 530);

ix. Apenso IX (contendo documentação enviada pela Infraestrutura s de Portugal, SA respeitante à EM …);

x. Apenso X (contendo Relatório Pericial do Laboratório Nacional de Engenharia Civil).

xi. Apenso IX (contendo a impressão do CD 13)

Na fase de instrução

» Os documentos juntos com o requerimento de abertura de instrução dos arguidos II e NN (cfr. fls. 1766 a 1798 e fls. 2787):

i. Acta n.º 9, Sessão Ordinária da Assembleia Municipal de …, realizada no dia 27 de Dezembro de 2014, a fls. 1773.

ii. Peça jornalística – Uma experiência única. O relato de quem guiava visitas turísticas à pedreira fatal de …, a fls. 1777.

iii. Peça jornalística – Concelho de … recebeu deputados socialistas, a fls. 1780.

iv. Peça jornalística – Concelho de … recebe visita de embaixadores

v. Agenda Cultural de … “Volta a Portugal em bicicleta 2018”, a fls.1783

vi. Ofício da DGEG de 12-10-2014 – Processo de Transmissão da Licença de Exploração da Pedreira n.º …, denominada “EE, sita na freguesia da …, concelho de … e Distrito de …”, a fls. 1784/1786

vii. Peça jornalística – Sismo de 4,9 com epicentro em … sentido em Portugal Continental, a fls. 1787.

viii. Peça jornalística – Sismo de magnitude 2,6 na escala de Richter a 18 quilometros de …, a fls. 1791

ix. Documento elaborado com o Timbre “PSD – Secção de …” – Moção da Estrada Municipal …, a fls. 1793 a 1798.

» Os documentos juntos com o requerimento de abertura de instrução do arguido BB (cfr. fls. 2167 a 2440 e fls. 2787):

i. Despacho do Ministério da Economia e do Emprego – Gabinete do Ministro n.º …/2012, de … de Março, a fls. 2167.

ii. Extracto do Diário da República referente ao despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Economia, n.º …/2015, de … de Junho, a fls. 2170.

iii. Assento de nascimento n.º … de 2014, a fls. 2171.

iv. Despacho proferido de 06 Abril de 2015 na Informação n.º 8/2015, a fls. 2172 a 2175.

v. Extracto do Diário da República referente ao despacho do n.º …/2015, de … de maio de 2015, a fls. 2180.

vi. Ofícios de convocação, de 12-01-2012, da DREAL, destinado à UU à MM, a fls. 2182 e 2191.

vii. Exposição da VV, Lda., datada de 22-02-2012, a fls. 2192 a 2193.

viii. E-mail’s relativos à vistoria de 9 de Outubro de 2012, enviado por AA para a APA-ARH …, entre outros, em 26 de Setembro de 2012, a fls. 2194 a 2199.

ix. E-mail relativo à vistoria de 9 de Outubro, enviado por … para a AA, entre outros, em 11 de Outubro de 2012,a fls. 2201.

x. E-mails relativos à vistoria de 9 de Outubro, enviado por … para AA, entre outros, em 11 de Outubro de 2012,a fls. 2207 a 2216.

xi. Fotografias da pedreira, a fls. 2217 a 2219.

xii. Estudo de estabilidade do talude sudoeste da pedreira, de 02 de Fevereiro de 2012, a fls. 2220 a 2222.

xiii. Email de VV para AA datado de 8 de Março de 2013 a fls. 2224.

xiv. Email de … para AA datado de 8 de Março de 2013 a fls. 2226 e 2236.

xv. Email de FF para vários e datado de 14 de Novembro de 2013. a fls. 2233.

xvi. Email de YY para vários datado de 11 de Novembro de 2014 a fls. 2235 a 2236.

xvii. Ofício de 22-12-2014 da DRE…, subscrito por FF,a fls. 2239.

xviii. Requerimento da … datado de 25 de Fevereiro de 2015, de substituição de responsável técnico, a fls. 2240 a 2241.

xix. Requerimento da … datado de 02 de Abril de 2015, relativamente à substituição de responsável técnico, a fls. 2242 a 2243.

xx. Email de VV Lda para AA datado de 8 de Março de 2013 a fls. 2245.

xxi. Email de … enviado para VV Lda datado de 8 de Março de 2013 a fls. 2247 a 2248.

xxii. Informação elaborada por AA datada de 05/03/2013 a fls. 2253 a 2255.

xxiii. Email de VV para AA datado de 7 de Outubro de 2013 a fls. 2256;

xxiv. Email de VV para AA datado de 5 de Setembro de 2013 a fls. 2257 a 2263.

xxv. Requerimento da VV datado de 07 de Out de 2014, relativamente ao levantamento da proibição, a fls. 2258.

xxvi. Email de FF para PCM de … datado de 14 de Novembro de 2013 a fls. 2260 e 2287.

xxvii. Email de VV para AA datado de 7 de Out de 2013 a fls. 2264.

xxviii. Requerimento da UU sem data a fls. 2265 a 2283.

xxix. Email de VV para AA datado de 5 de Setembro de 2013 a fls. 2284.

xxx. Requerimento de VV para DRE… datado de 07 de Outubro de 2014 a fls. 2285 a 2286.

xxxi. Decisão da DRE… de 17 de Dezembro 2014, a fls. 2291, relativa à exploração da pedreira e pedido de aquisição de pólvora.

xxxii. Informação da DRE… de 22 de Dezembro 2014, a fls. 2293, 2300 e 2308.

xxxiii. Fotografias datadas de 16 de Janeiro de 2015, a fls. 2310 a 2320.

xxxiv. Email de RRR para AA datado de 14 de Novembro de 2013 a fls. 2321.

xxxv.Auto de recebimento do programa de trabalhos sobre a estabilidade do talude, a fls. 2322 a 2349. ;

xxxvi. Despacho proferido a 06 de Abril de 2015, a fls. 2350 a 2352.

xxxvii. Requerimento da VV de 14 de Abril de 2015 à DRE… a fls. 2258.

xxxviii. Email de VV para AA datado de 11 de Maio de 2015a fls. 2366 a 2389.

xxxix. Email de FF para AA datado de 11 de Maio de 2015 a fls. 2390.

xl. Email de RRR para AA datado de 19 de Maio de 2015 a fls. 2292.

xli. Email de RRR para AAA datado de 11 de Fevereiro de 2015 a fls. 2394.

xlii. Email de GG para AA datado de 09 de Abril de 2015 a fls. 2395.

xliii. Email de FF para AA datado de 11 de Maio de 2015 a fls. 2390.

xliv. Extracto do Diário da República referente ao despacho n.º …/2008, de 08 de Fevereiro, a fls. 2399.

xlv. Plano Regional de Ordenamento da Zona dos Mármore (PROZOM), aprovado pela RCM n.º 93/2002, de 5 de Agosto, a fls. 2407 a 2427.

xlvi. Declaração de Impacte Ambiental – Projecto de Ampliação da Pedreira AAA Projecto de Execução, a fls. 2661 a 2674.

» Os documentos juntos com o requerimento de abertura de instrução da arguida AA (cfr. fls. 2090 a 2090-A e 2676 e fls. 2787):

i. Declaração emitida pelo Chefe de Divisão de Licenciamento e Fiscalização em 20 de Fevereiro de 2020, a fls. 2090.

ii. Organograma da Direcção Geral de Energia e Geologia, a fls. 2090-A.

iii. Guião das Pedreiras a fls. 2676 a 2779.

» Os documentos juntos com o requerimento de abertura de instrução do arguido BBB (cfr. fls. 2460 a 2556 e fls. 2787):

i. Relatórios dos trabalhos, Estabilização do Talude Sudoeste da Pedreira n.º … EE, …, a fls. 2460.

ii. Fotografia 2 a fls. 2462.

iii. Fotografia 2-A a fls. 2463

iv. Parecer Técnico Utilização de Inclinómetros na Monitorização de Talude, a fls. 2464.

v. Plano de Segurança e Saúde de 18 de Março de 2018, a fls. 2466

vi. Plano de Segurança e Saúde de 2014, de 19 de Maio de 2015, a fls. 2477

vii. Avaliação de Riscos no Local de Trabalho de 21 de Março de 2014,a fls. 2513

viii. Avaliação de Riscos no Local de Trabalho de 14 de Março de 2015, a fls. 2526

ix. Avaliação de Riscos no Local de Trabalho de 21 de Março de 2017,a fls. 2538

» Certidão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera IP, a fls. 2648 a 2653.

» Certidão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera IP, a fls. 2861.

» Levantamento topográfico, a fls. 3097 e seguintes.

3.3.2. PROVA POR DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS:

Não obstante o requerimento para prestação de declarações, os arguidos II, NN, BB e AA fizeram uso da prerrogativa legal que lhes confere o direito a não prestar declarações sobre os factos imputados.

3.3.3. PROVA PERICIAL

(…)

3.3.5. APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA

Ao nível da diversa prova documental recolhida nos apensos:

(…)

**

O arguido BB invoca um leque de circunstâncias e elementos documentais para sustentar os fundamentos de instrução.

Como nota prévia, os elementos de prova que sustentam a convicção relativamente à exploração da pedreira EE em trabalhos de desmonte junto talude após a cessação de funções do arguido BB foram explicados pelo tribunal (a aprovação de novo plano de lavra da pedreira EE em Novembro de 2015; a intimação para a conclusão do plano de pedreira e a autorização de continuação dos trabalhos de exploração de acordo com o plano de pedreira aprovado em 1993; a localização dos trabalhadores sinistrados).

As circunstâncias anteriores ao exercício de funções na DRE… não afectam o juízo de indiciação constante da acusação. A falta de comunicação dos assuntos pelo antecessor do arguido e sobre a estabilidade e o perigo iminente de queda do talude comum à pedreira do AAA e pedreira EE, a falta de informação sobre os estudos técnicos elaborados pelo Instituto… e da Universidade de …, a não presença do arguido nas reuniões da Câmara Municipal de …, não são relevantes para as questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução, uma vez que seriam sempre circunstâncias atenuadoras, e não excludentes da culpa, do arguido, o que não é manifestamente o objecto da fase instrutória.

(…)

Posto isto, o arguido tomou conhecimento da temática da instabilidade do talude em 31 de Janeiro de 2014, na sequência de reunião de chefias intermédias da DRE… e da Câmara Municipal de … e no âmbito das suas funções contactou o Presidente da Câmara Municipal de …, conforme resulta de fls. 83 do Apenso III e do Doc. 02 do CD 10 constante do Apenso VIII. Consequentemente, a falta de conhecimento dos elementos documentais, juntos a fls. 2182 a 2398 com o requerimento de abertura de instrução, constantes do processo de licenciamento da pedreira EE, apenas é imputável ao arguido BB.

O arguido acabou por não participar nas reuniões com a Câmara Municipal de … e não conheceu o Estudo de Estabilidade de 07 de Maio de 2015 elaborado pelo Laboratório de Geotécnica da Universidade de ….

O reporte das reuniões foi efectuado por e-mail pelos arguidos AA e FF.

A prova documental junta com o requerimento de abertura de instrução a fls. 2170 e fls. 379 a 403 constante do Doc. 33 CD10, Apenso VIII é relevante, considerando-se, nessa medida, suficientemente indiciados em os pontos 290.) a 294.). Demonstra-se que o arguido BB foi exonerado por despacho n.º …/2105 de … de Junho, com efeitos a … de Maio de 2015, com Louvor Público, do Secretário de Estado Adjunto e da Economia do XIX Governo Constitucional. Pelo que cessaram as funções de Director Regional de Economia do …, ao abrigo do Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, alterado e republicado pelo DL n.º 340/2007, de 12 de outubro, destinadas a garantir a segurança nas explorações de pedreiras e incluindo pelo titular da respetiva licença de forma a prevenir riscos de acidentes ou situações que acarretassem perigo para as pessoas.

Posteriormente à cessação do cargo, verifica-se a ocorrência de um sismo na antevéspera da derrocada e a realização de explosivos conforme resulta de fls. 514 do processo principal e de fls. 49 do Apenso VI, depoimentos prestados por CCCC, BBBB, AAAA, a fls. 126, 123 e 140 respectivamente. Conforme resulta de fls. 514, em dados recolhidos do site do IPMA, as estações sísmicas não registaram qualquer sismo na região de …. Nessa medida, o tribunal considera suficientemente demonstrado a factualidade indicada em 294.) e 296.).

Quanto ao relatório final do acidente de 18 de Novembro de2018, apresentado pela DGEG, datado de 26 de Fevereiro de 2019, assinado pelo arguido FF e pelo Eng. YY, despachado pelo arguido Director da DGEG GG e pela Subdirectora geral da DGEG ZZ, este documento não afecta os indícios recolhidos relativamente ao arguido; assim como o Estudo de Estabilidade de 07 de Maio de 2015, elaborado pelo Laboratório de Geotécnica da Universidade de …, enviado via email à DRE… em 11.05.2015, conforme fls. 379 a 403 do Doc. 33 do processo da DGEG/CD n.º 10 do Apenso VIII e fls. 165 a 187 do Apenso V, que não foi sujeito a despacho do ora arguido requerente BB.

Aqui chegados, evidentemente a partir do dia 18 de Maio de 2015, o Arguido BB não teve mais intervenção nas pedreiras "EE" e "AAA". Daí se concordar com o arguido requerente de que o apuramento da responsabilidade criminal insere-se no período temporal em que esteve em funções na DRE…, ou seja, entre 02 de Fevereiro de 2012 a 18 de Maio de 2015. Não existem elementos de prova que nos indiquem ter estado apenas em função no dia 15 de Maio de 2015, conforme por si foi alegado, ou que posteriormente lhe fosse conhecida qualquer outra intervenção respeitante à exploração das pedreiras do AAA e EE.

Esta conclusão é igualmente extensível, com as devidas adaptações, à arguida AA, cujos fundamentos da instrução centram-se na falta de intervenção a partir de 15 de Abril de 2015 nos processos das pedreiras integradas na circunscrição administrativa da antiga Direção Regional de Economia do … (DRE…), entre as quais se encontram as pedreiras ‘EE’ e ‘AAA”, envolvidas no sinistro de 19 de novembro de 2018.

No que respeita à arguida AA, importa analisar o tempo decorrido entre a cessação de funções e o sinistro e os factos ocorridos nesse hiato temporal e o exercício de funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção Geral de Energia e Geologia.

Demonstra-se a transferência da arguida da DRE… para a Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção de Serviço de Minas e Pedreiras da Direcção Geral de Energia e Geologias, a partir de 2015, conforme o documento junto com o requerimento de abertura de instrução a fls. 2090 e depoimento prestado pela testemunha HHHH. Com efeito, a arguida AA passou a ter o dever funcional inerente à divisão administrativa da Direcção Geral de Energia e Geologia que integrou a partir de 15 de Abril de 2015.

Após o dia 15 de Abril de 2015, as circunstâncias respeitantes às pedreiras do EE e do AAA, ao nível das condições de exploração e fiscalização, influem de forma determinante nos factos imputados aos arguidos BB e AA.

Contrariamente ao entendimento da arguida AA, o decurso do tempo por si só, exceptuando a prescrição da responsabilidade criminal que não vem ao caso, não tem relevância. Tanto mais que não se pode falar numa causalidade em sentido próprio considerando que a imputação criminal é formulada a título omissivo. A elaboração do memorando interno de 23 de Junho de 2015 não instituiu a arguida AA no dever funcional de adoptar medidas destinadas a garantir a seguranças nas explorações, nem o podia fazê-lo. A arguida extrapolou as funções a que estava incumbida, sem reflexos para terceiros, designadamente, para os exploradores das pedreiras, posto tratar-se de um documento interno.

A partir desse momento a arguida deixou de ter (novamente) o acompanhamento efectivo do processo de exploração, licenciamento e fiscalização das pedreiras na região do sul. A arguida AA, como todos os funcionários da Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras apenas poderia desempenhar as suas funções na respectiva área territorial de Lisboa e Vale do Tejo, e não nas áreas territoriais de outras divisões. As pedreiras EE e AAA estão integradas na área territorial da Divisão de Pedreiras do Sul (vide a este respeito o Despacho n.º 3718/2015 da Direcção Geral de Energia e Geologia a fls. 402 do Apenso I).

Portanto, não estão reunidos indícios suficientes de que a arguida AA, na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direção Geral de Energia e Geologia, deveria diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nas pedreiras, de forma a prevenir acidentes ou situações que acarretassem perigo grave para as pessoas que aí estivessem a trabalhar ou em zonas adjacentes.

Porém, tal não significa manifestamente que não o deveriam ter feito até a cessação de funções no caso do arguido BB ou à mudança de funções no caso da arguida AA. Nessa decorrência lógica, considera-se suficientemente indiciada a factualidade descrita em 244.) a 248.) e 257.) a 261.)

Aliás, de acordo com o Despacho n.º 3718/2015 da Direcção Geral de Energia e Geologia, à Divisão de Licenciamento e Fiscalização incumbia aplicar a legislação relativa à exploração de massas minerais e aos resíduos de pedreiras, bem como dos respectivos estabelecimentos industriais, cuja competência não esteja cometida às divisões de pedreiras do Norte, Centro e Sul (cfr. fls. 404 do apenso I).

As competências dos arguidos BB e AA são sempre limitadas em função da entidade licenciadora que integraram, em respeito do princípio da adequação ínsito no artigo 10.º do Cód. Penal. Neste contexto, após a cessação e transição de funções, não existiu a omissão de deveres nem estava ao seu alcance dos arguidos BB e AA diligenciar pela aplicação da medida cautelar de suspensão da laboração ou encerramento preventivo da exploração, em todo ou parte, concretamente da pedreira EE, no caso de risco iminente ou perigo grave para a segurança de todos os trabalhadores que aí estivessem e para terceiros.

Note-se a omissão do despacho acusatório o termo final para determinação da medida cautelar pelo arguido BB, sendo o mesmo inferido a partir do ponto 245, onde se refere em decorrência de tais funções na entidade licenciadora, i.e. Direcção Regional de Economia do ….

Estes fundamentos não beneficiam a intervenção de FF e de GG no que concerne ao processo de licenciamento da pedreira EE.

Não obstante a informação relativa à instabilidade do talude na pedreira do AAA e EE, a DRE…L e a DGEG não tomaram decisões definitivas relativamente à estabilidade do talude.

No caso particular do arguido FF, foi este o arguido que acompanha a questão da instabilidade do talude explorado pelas pedreiras do AAA e EE. No processo de extinção da Direcção Regional de Economia do … o arguido transita para a Direcção Geral de Energia e Geologia onde desempenha funções ao nível da Divisão das Pedreiras do … (cfr. fls. 398 do Apenso I).

Era o arguido que tinha maior conhecimento do dossier relativo às pedreiras do AAA e EE. Porém, o arguido subavaliou os riscos relativos à estabilidade do talude, quer ao nível do processo de licenciamento quer na fiscalização das pedreiras. Tratava-se de uma questão premente a exigir a articulação com outras entidades administrativas – a Câmara Municipal de … e a CCDR … – cuja solução final tinha de ser completamente resolvida. Ora, no caso em apreço, atento no conhecimento do risco de deslizamento do talude e da gravidade das consequências que daí poderiam advir – como sucedeu – incumbia ao arguido FF a adopção dos tramites necessários ao decretamento da medida cautelar de suspensão das pedreiras e/ou o encerramento.

Da análise do processo de licenciamento, o arguido FF cometeu ilegalidades quanto à exploração da pedreira por parte da VV Lda enquanto esteve em funções na DRE… e na DGEG.

Já na vistoria ocorrida em 15/10/2010 verifica-se um incumprimento reiterado das condições que foram impostas em 15/10/2009, recorde-se que dispunha, entre outros, de seis meses para a entrega de documentação relativa à formulação de pedreira – plano de lavra e PARP – e de trinta dias para a entrega de documentação relativa à situação de instabilidade do talude junto à EM… na estrema das duas pedreiras.

No relatório constante do Apenso VII, a Inspecção Geral de Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, conclui que não ter existido evidência de que as condições impostas tenham sido integralmente cumpridas.

À revelia deste incumprimento, o arguido FF dá parecer no sentido de transmissão da licença concedida à UU para a VV Lda, existindo a necessidade de revisão do plano de pedreira para ter em conta os estudos realizados e os trabalhos de consolidação. Contudo, até à data do deslizamento do talude, o processo de licenciamento não estava concluído nem o arguido FF retirou qualquer consequência ao incumprimento reiterado das determinações administrativas à sociedade VV Lda.

Acresce que não existia à data da transmissão da licença da UU qualquer título comprovativo da titularidade do terreno ou da existência de contrato para a exploração com a VV.

O plano de pedreira entregue em 23 de Novembro de 2015 não se encontrava adaptado à legislação em vigor (nem se encontrava concluído em 19 de Novembro de 2018). Sem plano de pedreira adaptado, conforme foi vistoriado no processo de licenciamento da pedreira do EE, a pedreira n.º … prosseguiu com a sua actividade exploratória. Daí que a transmissão da licença de exploração fosse condicionada. Sucede, porém, como nota de forma bastante assertiva a IGAMAOT:

« Ora, as circunstâncias descritas merecem-nos três reparos:

a. Antes de mais, a provisoriedade da decisão emanada não encontra cobertura legal no quadro regulatório aplicável. Com efeito, ao abrigo do DL n.º 270/2001, em qualquer das suas redações, a transmissão ou se autoriza ou se nega. Não se vislumbra, um meio termo decisório como o concebido pela DGEG.

b. Por outro verso, três anos volvidos sobre a referida decisão, a entidade licenciadora não encetou quaisquer diligências que fizessem cessar a irregularidade em que se encontra a pedreira em causa, nomeadamente através do recurso à figura da revogação da licença, com algum dos fundamentos previstos no artigo 40.º no DL 270-340.

c. Por último, até à presente data, não se vislumbra evidência de que a sociedade exploradora disponha de título de propriedade ou contrato de exploração para o terreno onde opera, em manifesta contradição com o disposto no n.º1 do artigo 10.º do DL 270-340.

(106) Relacionada com esta questão, importa ainda realçar que a aquisição da UU pela VV, ocorreu em 1997, e só em 2015 é que foi solicitada à DGEG a transmissão da licença (anexo 16).

(107) Nestes termos, e como atrás referido, o ato de transmissão de licença foi inválido, tendo como consequência a sua anulabilidade. Acresce que, também, a DGEG, em tempo, detém a possibilidade de anular administrativamente aquele ato com recurso ao previsto nas disposições conjuntas dos artigos 165.º n. º 2 e 168.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.

(108) Sintomática, igualmente, da irregularidade em que se encontra esta pedreira, é a ausência de prestação de caução prevista no artigo 52.º do DL 270-340.

(109) Com efeito, apesar do imposto, neste âmbito, pelas disposições transitórias aplicáveis às pedreiras sujeitas a processo de adaptação, a verdade é que mais de 17 anos volvidos sobre a introdução desta obrigação na ordem jurídica, a pedreira em análise não cumpriu com a mesma.

(110)Tal circunstância, apesar de consubstanciar, em primeira linha, um dever por parte dos exploradores não desobriga a entidade licenciadora - e também a CCDR Alentejo - de constatarem a sua ausência e, nessa medida proceder em conformidade.

(111) Nessa medida, valerá a pena recordar que o n.º 4 do artigo 29. g prevê que a licença seja recusada quando a caução não é prestada e que a alínea d) do n. 2 1 do artigo 40. g do DL 270-340, prevê que a licença seja revogada quando não seja reposta a caução, o que é manifesto no caso em apreço.

(112) Independentemente do fundamento jurídico aplicável, é notória a permissividade da entidade licenciadora nesta dimensão, na medida em que continua a consentir a exploração da pedreira sem a verificação da existência de elementos tidos como essenciais, matéria que deverá ser objeto de averiguação em sede de processo de inquérito.».

Neste contexto, em que estava em causa a estabilidade do talude junto à EM …, o arguido FF não acompanhou nem fiscalizou de forma efectiva a pedreira explorada pela VV Lda. Não retirou as consequências legais das conclusões apuradas durante as vistorias e não iniciou os tramites para a suspensão cautelar da pedreira, quando esteve sempre na sua esfera de acção fazê-lo, não só pela importância dos interesses a tutelar, nomeadamente, a vida dos trabalhadores, mas também pelas ilegalidades de que deveria ter conhecimento.

As funções cometidas ao arguido FF enquanto Chefe de Divisão das Pedreiras do … não foram exercidas de acordo com o interesse público. No âmbito das funções de Chefe de Divisão das Pedreiras do …, no dia 22 de setembro de 2017, o arguido FF assinou um ofício da DGEG enviado à arguida VV Limitada, dando conta da autorização para continuarem a realizar trabalhos de exploração de acordo com o plano da pedreira aprovado em 1993, aguardando o envio dos elementos em falta para aprovação da revisão do novo plano de lavra.

Contudo, em 05 de Junho de 2017, o arguido FF havia notificado a sociedade arguida VV Lda. de que não dispunha de titulo válido de exploração e para entregar/concluir o processo de revisão do plano de pedreira para a sua aprovação (Cfr. fls. 794 do DOC… do processo DGEG/CD n.º 10 do Apenso VIII). Após o envio do relatório de pregagens, o mesmo arguido que informa a VV Lda de que, e saliente-se, de não ter título de exploração válido, em 22/09/2017, declara que foram entregues e aceites os trabalhados e relatórios sobre a consolidação do talude sudoeste da pedreira e autoriza os trabalhos de exploração de acordo com o Plano de Pedreira anteriormente aprovado, ou seja, plano de pedreira de 1993 (Cfr. fls. 811 do DOC… do processo DGEG/CD n.º 10 do Apenso VIII.). Nesta matéria, a decisão deveria ter sido diversa (por uma questão de coerência lógica): em primeiro lugar, encontrava-se incumprida a obrigação de prestação de caução prevista no art.º 52.º do Decreto-lei n.º 270/2001. Tal circunstância é violadora do disposto no art.º 29.º, e 30.º do Decreto-lei n.º 270/01. De acordo com o art.º 29.º, n.º1, do mencionado diploma, a entidade licenciadora deveria ter notificado o requerente para, no prazo de 20 dias, aceitar por escrito as condições da licença, a caução e o respectivo montante, sendo a caução prestada dentro do prazo não superior a seis meses.

Segundo os artigos 30.º e 40.º, ambos do Decreto-lei n.º 270/2001, o arguido FF, no âmbito das funções que exercia, deveria ter proposto ou indeferido qualquer pedido de licença, ou revogado a licença de exploração, uma vez que o requerente não aceitou as condições a que ficará sujeita a licença, designadamente, a condição de prestar a caução devida, nem a prestou em tempo.

Não obstante, o arguido propôs a exploração da pedreira à sociedade arguida VV Lda, em violação do art.º 41.º do Decreto-lei n.º 270/2001. De acordo com o art.º 41.º do Decreto-lei n.º 270/2001, “O explorador não pode conduzir e realizar as operações de exploração, fecho e recuperação sem plano de pedreira aprovado, o qual constitui condição a que está sujeita a respectiva licença, nomeadamente quanto à preparação dos respectivos planos trienais e aos objectivos finais da exploração, processos, e eventuais acções de monitorização durante e após aquelas operações.”. Se o plano de lavra é documento que descreve o método de exploração, designadamente, as questões atinentes à segurança, a autorização da exploração fazendo tábua rasa de toda a questão/problemática da instabilidade do talude reconhecida em documentos desde 2001, constitui uma evidente violação do pressuposto base do Decreto-lei n.º 270/2001, na articulação adequada no binómio exploração viável de massas minerais e garantia de segurança.

O exercício de exploração de pedreiras encontra-se sujeito a elevados riscos, designadamente, de queda de blocos e de pessoas, pelo que, neste caso particular, existindo uma problemática de estabilidade do talude identificada, é inconcebível a autorização de exploração sem se encontrar aprovado um plano de pedreira que considere os riscos identificados posteriormente à sua aprovação em 1993. Assim, perante os estudos técnicos elaborados desde 2001, as reuniões e as vistorias realizadas, impunha-se ao arguido a adopção de medidas contrárias àquelas que tomou, sobretudo, no ano de 2017, porquanto a sociedade VV Lda encontrava-se em laboração, não existia fiscalização adequada da exploração e estava identificado um risco de instabilidade do talude.

Naturalmente aproveitando a amorfia administrativa da DRE… e DGEG, a sociedade VV Lda. continuou a explorar o talude, numa zona de risco.

Portanto, o arguido FF facilitou a exploração da pedreira por uma sociedade que flagrantemente incumpria as normas legais e as decisões da autoridade administrativa. Neste quadro, existia fundamento para a revogação da licença de exploração da pedreira e fundamento para a adopção de medidas cautelares previstas no art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001.

Não colhe o argumento de não existir qualquer documento que ateste o preenchimento dos pressupostos da mencionada norma. Pois bem: o exercício incompetente das atribuições tende a toldar a visão e a ocultar aquilo que nos parece absolutamente indiscutível no caso em apreço: o perigo era e foi grave!. Estava ao alcance do arguido FF a medida cautelar prevista no art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001. O perigo não era hipotético ou remoto e as consequências, ao nível da vida e/ou integridade física seriam sempre graves, e, portanto, integravam o pressuposto da norma. Esta questão suscitada por outros arguidos não pode beneficiar os arguidos que exerceram funções na DGEG e, em particular, os arguidos FF e GG.

Após o documento de 18 de maio de 2015, elaborado pelo Laboratório de Geomecânica do … (…), Conciliação entre as actividades produtivas das pedreiras … e …, constante de fls. 306 a 327, do Apenso IV – B, que preconizava o reforço das pregagens a aplicar entre as descontinuidades, com o redimensionamento das forças exigíveis às pregagens que seriam necessárias para garantir um factor de segurança de 1,50, no trecho do talude sudoeste comprometido entre as principais descontinuidades A e B, cuja resultante atinge 580 kn/m, foi apresentado o Plano de Lavra em Novembro de 2015.

No Plano de Lavra de Novembro de 2015, constante de fls. 212 do Apenso PED 5145 SUB PASTA 2_2, resulta que nos trabalhos a desenvolver “De forma a assegurar uma condição de segurança adequada ao deslizamento planar de um talude permanente, como é o caso do talude em estudo, considerou-se um FS de 1,5 para o cálculo de T e para m e de 20º, obteve-se um valor de 171 kN/m para T (representa a força total de reforço por metro aplicado pelas pregagens e representa o ângulo formado pela pregagem com a normal ao plano de deslizamento)”.

Posteriormente, considerando a informação N°: 94/DSMP/DPS/2015, Classificação: 0160601 Data: 2015-06-23, a fls. 192, do Apenso PED 5145 SUB PASTA 2_2, são autorizados os trabalhos, em conformidade com o proposto. Sucede, porém, contrariamente ao avançado no plano de lavra de 2015, no que se refere à demonstração da ultrapassagem da divergência entre a UE e o IST no que concerne ao tipo de pregagens a aplicar, faz-se consignar que a empresa através do seu técnico responsável, Eng. BBB, refere que não se verifica divergência relativa às pregagens propostas dado que há consenso quanto ao valor das forças exigíveis às pregagens, 580 kN/m, o qual será atingido ajustando as características dos pregos a utilizar de forma a atingir o valor e que o ajuste será efectuado pela empresa que irá proceder às pregagens.

A DGEG não cuidou em verificar quais foram efectivamente os trabalhos realizados pela VV Lda e se as pregagens realizadas correspondiam à solução preconizada no relatório do … de 18 de Maio de 2015 e estavam conformes a autorização concedida por despacho do arguido GG de 01 de Julho de 2015.

Alias, conforme se refere no relatório pericial, a proposta elaborada em junho de 2017, pela empresa UUU, para a execução das seis pregagens no seu relatório da execução dos trabalhos efetuado em julho de 2017, apenas enumerava os equipamentos, a equipa de trabalho e os materiais utilizados na intervenção, e disponibilizou outros elementos, designadamente peças desenhadas (telas finais) e/ou fotos relativas à localização e ao modo de execução dos trabalhos.

O arguido FF não podia autorizar a exploração da VV Lda sem a demonstração cabal da consolidação do talude sudoeste da pedreira do EE, pressupondo, ingenuamente, que os sujeitos privados estão de boa fé e vão cumprir as decisões administrativas.

Assim, soçobra todo o pressuposto da autorização da exploração, não tendo a DGEG, na pessoa de GG e FF, salvaguardado a estabilidade do talude e dos trabalhos que se desenvolviam na pedreira – sem um plano de pedreira aprovado - e mantiveram-se até ao dia 19 de Novembro de 2018 as condições que justificavam a intervenção cautelar, ou seja, o risco grave de deslizamento do talude.

Em face do exposto, nunca deixaram de existir condições para aplicação da medida cautelar prevista no art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001. A não aplicação da medida cautelar, nos termos gizados, determinou o falecimento dos trabalhadores que se encontravam a laborar na pedreira no dia 19 de Novembro de 2018.

Conforme resulta de fls. 1289 e seguintes, só em 12 de Dezembro de 2018, sem precedência de qualquer documento de cariz técnico, o arguido propõe o encerramento preventivo da exploração e a suspensão do exercício de todo e qualquer trabalho. E, nessa medida o tribunal considerada suficientemente indiciada o descrito em 256.

Conjugadas as regras de experiência comum, em face da prova constante dos autos e supra referida, o tribunal convence-se da indiciação suficiente da factualidade descrita em 250.) a 256.).

O arguido FF perante o perigo grave de rotura que o talude apresentava e o incumprimento reiterado de preceitos legais pela sociedade aqui arguida, e até por força do Memorando dos exploradores, não diligenciou pela adopção de medidas destinadas a minorar as consequências de um evento de instabilização de grande magnitude, como era obrigação das entidades onde exercia funções. Apenas adoptou a medida que lhe era imposta após o evento objecto dos presentes autos, demonstrando indelevelmente que estava ao seu alcance a adopção de tal medida.

(…)

O Ministério Público alegou relativamente aos arguidos BB e AA que:

- “248. Sendo que esta informação e conhecimento da situação impunha, de acordo com aqueles seus deveres e em obediência àqueles normativos, que tivesse diligenciado nesses termos de forma a salvaguardar a vida e a integridade física de todos os trabalhadores das pedreiras e que se encontrassem junto de tal talude e de pessoas que pudessem circular no troço da EM … confinante, diligenciando pela cessação efetiva da atividade de exploração naquelas duas pedreiras e área adjacente o que não fez, ao contrário do que se lhe impunha, era exigível e estava ao seu alcance no caso concreto.

249. Desta forma permitiu que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD e bem assim de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM …, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.

- “261. Sendo que esta informação e conhecimento da situação impunha, de acordo com aqueles seus deveres e em obediência àqueles normativos, que tivesse diligenciado nesses termos de forma a salvaguardar a vida e a integridade física de todos os trabalhadores das pedreiras e que se encontrassem junto de tal talude e de pessoas que pudessem circular no troço da EM … confinante, diligenciando pela cessação efetiva da atividade de exploração naquelas duas pedreiras e área adjacente ou pela implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção, o que não fez ao contrário do que se lhe impunha, era exigível e estava ao seu alcance no caso concreto.

262. permitiu que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD e bem assim de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM 255, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou pela implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.”.

Para este tribunal é difícil de aceitar a imputação de que os arguidos BB e AA provavelmente não evitaram a morte das vítimas. Tendo em conta a documentação, designadamente, a fls. 93 e 105 do Apenso PED 5145 SUB PASTA 2_2, não se pode aceitar a alegação plasmada na acusação, decorrendo desses elementos precisamente o contrário.

(…)

O Ministério Público tem de provar que uma certa acção foi omitida e conduziu ao resultado morte de CC, DD, VVV, XXX, e YYY sendo certo que se acção tivesse sido praticada, teria evitado a morte, consoante o caso.

A intervenção dos arguidos FF e GG em 2017 e a continuação da exploração no talude instável após a cessação de funções de BB e AA suscitam dificuldades à amplitude da responsabilidade criminal.

Apesar da pedreira EE não dispor de título válido de exploração, em 22 de Setembro de 2017 o arguido FF propôs e GG autorizou a continuação dos trabalhos de acordo com o plano de pedreira aprovado em 1993.

Tal decisão foi contrária à informação elaborada pela arguida AA depois de cessar as suas funções na DRE…. De acordo com a informação n.º: 94/DSMP/DPS/2015, de 2015-06-23, onde se pode ler o seguinte:

«(...) Dados os riscos identificados de eventual colapso do talude e afetação da EM…, considera se que a autorização para a execução dos trabalhos propostos deve ser o mais célere possível não devendo depender da entrega da revisão do Plano de Pedreira anteriormente solicitada à empresa UU. Até à aprovação do pedido de revisão do Plano de Pedreira e demonstração da consolidação do talude da segurança de trabalhadores e terceiros a empresa deve manter a interdição anteriormente comunicada (em 31-03-2015) de efectuar trabalhos de exploração na pedreira.». A arguida nessa informação conclui: «Face às considerações acima efetuadas e analisados os relatórios agora apresentados pelas empresas UU e MM relativos à estabilidade e à intervenção para consolidação do talude sudoeste da pedreira n° …, denominada EE”, em …, somos de opinião que estão reunidas condições para poder prosseguir-se com a autorização das obras de intervenção propostas para o talude desde que:

1) seja condicionada à confirmação de qual a empresa que irá proceder aos trabalhos;

2) a Universidade de … acompanhe, quer a solução que venha a ser preconizada pela empresa que efectuará as pregagens para o dimensionamento dos pregos e o método de fixação, quer os trabalhos de fixação do talude;

3) seja demonstrado que foi dado conhecimento da calendarização dos mesmos à empresa MM Proponho assim que sejam autorizadas as obras e seja informado o explorador desta autorização e das condicionantes acima referidas.».

Acresce que, conforme fls. 105 do Apenso PED 5145 SUB PASTA 2_2, consignou-se em informação final na Reclamação contra a exploração de pedreira Explorador: UU INF. N°…/2015 que: «A exploração da pedreira n° …, de acordo com o que foi comunicado à empresa UU através do N. Ofício referência n.º …/2014, de 18 de dezembro, mantem-se condicionada à prévia aprovação do Plano de pedreira, dado ter sido alterada a lavra sem a respetiva autorização.». Aliás, tais informações apenas reiteram a comunicação formulada em 18 de Dezembro de 2014, no Ofício n.º …/2014, a fls. 93 do Apenso PED 5145 SUB PASTA 2_2: «Na sequência da reunião havida nesta Direção Regional da Economia em 2014-12-16 relativa ao assunto em epigrafe, entre V. Exa. e um representante da empresa MM informa-se que, para que a autorização para o início dos trabalhos de desmonte e pregagem solicitada possa ser concedida deve comprovar que os mesmos serão efetuados de acordo com as recomendações do estudo apresentado em Julho de 2013, devendo ser emitida pelo Instituto … pronúncia sobre o estudo e as medidas nele previstas tendo em conta o parecer emitido por este ao anterior estudo entregue por V. Exa e elaborado pela Universidade de … sobre a mesma temática. Deve ainda ser emitida pronúncia sobre o estudo anterior elaborado pelo Instituto … relativamente à estabilidade do talude na parte que delimita a pedreira n° …, tendo como objetivo a articulação dos trabalhos a desenvolver nas duas pedreiras.».

A exploração estava condicionada à prévia aprovação do Plano de Pedreira, e conforme já deixamos referido não podia ser aprovado.

O plano de pedreira que veio a ser apresentado em 2015 não chegou a ser aprovado devido a diversos condicionalismos motivados pela intervenção da CCDR do …, conforme resulta de fls. 293 do Apenso PED 5145 SUB PASTA 2_2.

Em funções na DRE…, a arguida AA não propôs a autorização dos trabalhos de exploração da pedreira. Por maioria de razão, enquanto esteve em funções, o arguido BB não autorizou a exploração da pedreira pela sociedade VV Lda.

Ora a assunção de funções, in casu, na DRE…, não pode significar para os arguidos BB e AA a existência de vínculo jurídico eterno e perdurado e que as omissões (tidas no exercício do cargo) determinaram o resultado – morte dos trabalhadores. Não é possível estabelecer o nexo entre o resultado-morte dos trabalhadores e as omissões ocorridas no exercício do cargo. Não se demonstra nos autos que os arguidos BB e AA tinham a capacidade de agir de forma determinante a evitar o resultado após a cessação de funções na DRE…. A cessação de funções é um facto exterior às lesões. A situação em apreço era perigosa mas esse perigo apenas surge com a intervenção de FF ao autorizar a exploração da pedreira de acordo com o Plano de Lavra de 1993.

A perigosidade da omissão dos arguidos BB e AA não pode ser vista para além da cessação de funções na DRE…, sendo que a intervenção de AA termina com informação n.º 94/DSMP/DPS/2015 da DGEG no que à pedreira EE diz respeito.

Incumbia, em rigor, aos arguidos FF e GG evitar o evento lesivo que se prendia na adopção da medida cautelar prevista no art.º 65.º, do Decreto-lei n.º 270/2001. Na verdade, é possível – sem sombra de quaisquer dúvidas – estabelecer-se o nexo entre a morte dos trabalhadores e a acção esperada àqueles que no momento do deslizamento do talude se encontravam em função na Direcção Geral de Energia e Geologia. Não é irrelevante neste âmbito a conclusão da IGAMAOT no relatório constante do Apenso VII: inexistia plano de pedreira aprovado pela DGEG. De acordo com o Artigo 4.º do Decreto-lei n.º 340/2007, os exploradores das pedreiras deveriam proceder à adaptação das explorações existentes. Aclara-nos o mencionado relatório: «(24) No tocante ao universo de pedreiras existentes e com licença atribuída, importa salientar que o n.º 2 do artigo 63º do DL 270-340, obrigou estas explorações a cumprirem as exigências previstas no diploma legal.

(25) Neste contexto, este grupo de pedreiras teve de, num primeiro momento, requerer uma vistoria às respetivas explorações. Tal obrigação comportava um prazo de seis meses para ser cumprida (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º ).

(26) Subsequentemente, à realização da referida vistoria pelas entidades competentes, era exigido aos exploradores, os documentos necessários à instrução do processo de adaptação. Estes deviam apresentar os documentos em falta, num prazo definido pelas entidades competentes e nunca superior a doze meses.

(27) Após aquele impulso pelos exploradores, recairia sobre as entidades competentes a obrigação de validar ou não o processo de adaptação.

(28) Também nesta fase, é de primordial importância, sublinhar o plasmado nos n. ºs 3 e 4 do artigo 63.º do DL 270-340, porquanto aqueles preceitos mantiveram a validade, tanto dos contratos de exploração celebrados antes da sua entrada em vigor como das zonas de defesa das pedreiras já existentes, afastando do processo de adaptação, os limites mínimos impostos pelo artigo 4.º do DL n.º 270/2001 e concretizados no seu anexo II.

(29) Importa, porém, referir que apenas era permitido o referido afastamento se os exploradores declarassem que o ajuste das suas pedreiras aos mínimos legalmente estipulados para as zonas de defesa implicasse perturbações à marcha dos trabalhos e que tal circunstância fosse reconhecida pela entidade licenciadora.

(30) Ulteriormente, e caso a adaptação fosse aceite, os exploradores disporiam de um prazo de seis meses, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do DL n. º 340/2007, para indicar o responsável técnico pela pedreira e prestar a caução para garantir a execução do PARP junto da entidade competente para apreciação deste documento.»

Sucede que em 05 de Outubro de 2015 os arguidos GG e FF autorizam a transmissão da licença inicialmente concedida à UU para a VV, Lda. Contudo, a VV Lda não podia ser enquadrada como exploradora da pedreira, sem a existência de título comprovativo da titularidade do terreno ou da existência de contrato para a exploração. A DGEG não podia autorizar a transmissão da licença sem a comprovação do pressuposto de legitimidade. Conforme se refere no relatório da IGAMAOT, «(103) Ainda assim, na sequência do analisado no processo disponibilizado e supra descrito, a DGEG autorizou - de forma condicionada - a referida transmissão, impondo à nova sociedade uma série de condições a observar no decurso da exploração, nomeadamente em termos de plano de pedreira que, à data daquela autorização, não se encontravam reunidas.

(104) Sucede que, até à presente data, não consta do processo disponibilizado qualquer referência à concretização das medidas de condicionamento.

(105) Ora, as circunstâncias descritas merecem-nos três reparos:

a) Antes de mais, a provisoriedade da decisão emanada não encontra cobertura legal no quadro regulatório aplicável. Com efeito, ao abrigo do DL n.º 270/2001, em qualquer das suas redações, a transmissão ou se autoriza ou se nega. Não se vislumbra, um meio termo decisório como o concebido pela DGEG.

b) Por outro verso, três anos volvidos sobre a referida decisão, a entidade licenciadora não encetou quaisquer diligências que fizessem cessar a irregularidade em que se encontra a pedreira em causa, nomeadamente através do recurso à figura da revogação da licença, com algum dos fundamentos previstos no artigo 40.º no DL 270-340.

c) Por último, até à presente data, não se vislumbra evidência de que a sociedade exploradora disponha de título de propriedade ou contrato de exploração para o terreno onde opera, em manifesta contradição com o disposto no n.º1 do art.º 10.º do DL n.º 270-340

(106) Relacionada com esta questão, importa ainda realçar que a aquisição da UU pela VV, ocorreu em 1997, e só em 2015 é que foi solicitada à DGEG a transmissão da licença (anexo 16).

(107) Nestes termos, e como atrás referido, o ato de transmissão de licença foi inválido, tendo como consequência a sua anulabilidade. Acresce que, também, a DGEG, em tempo, detém a possibilidade de anular administrativamente aquele ato com recurso ao previsto nas disposições conjuntas dos artigos 165.º n.º 2 e 168.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.

(108) Sintomática, igualmente, da irregularidade em que se encontra esta pedreira, é a ausência de prestação de caução prevista no artigo 52.º do DL 270-340.

(109) Com efeito, apesar do imposto, neste âmbito, pelas disposições transitórias aplicáveis às pedreiras sujeitas a processo de adaptação, a verdade é que mais de 17 anos volvidos sobre a introdução desta obrigação na ordem jurídica, a pedreira em análise não cumpriu com a mesma.

(110) Tal circunstância, apesar de consubstanciar, em primeira linha, um dever por parte dos exploradores não desobriga a entidade licenciadora - e também a CCDR … - de constatarem a sua ausência e, nessa medida proceder em conformidade.

(111) Nessa medida, valerá a pena recordar que o n.º 4 do artigo 29.ºprevê que a licença seja recusada quando a caução não é prestada e que a alínea d) do n. 2 1 do artigo 40.º do DL 270-340, prevê que a licença seja revogada quando não seja reposta a caução, o que é manifesto no caso em apreço.

(112) Independentemente do fundamento jurídico aplicável, é notória a permissividade da entidade licenciadora nesta dimensão, na medida em que continua a consentir a exploração da pedreira sem a verificação da existência de elementos tidos como essenciais, matéria que deverá ser objeto de averiguação em sede de processo de inquérito.».

Aqui chegados no apuramento da responsabilidade criminal dos titulares dos seus órgãos do Estado, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, pressupõe-se um facto ilícito imputável. Tal pressuposto apenas ocorre quando podiam e deviam ter evitado o resultado, mediante a adopção de medidas ou decisões adequadas a tutelar os interesses que lhes foram incumbidos. Tal traduz-se na obrigação de adoptar procedimentos e tomar medidas de salvaguarda de bens jurídicos, designadamente, a vida humana.

Aquando o deslizamento do talude no dia 19 de Novembro de 2018 já existiam diversos alertas para os riscos de estabilidade e para a necessidade de adopção de medidas específicas para evitar esses riscos, pelo que não se compreende que a DRE…, e depois a DGEG, permanecesse inactiva no que respeita à adopção da medida cautelar relativas à exploração, permitindo que a mesma continuasse a ser feita em violação das regras específicas do sector.

No caso subjudice, apenas a DGEG podia dar, mas não deu, cumprimento ao dever decorrente do art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001, pelo que a omissão, para além de ilícita, é lhe imputável.

Como os arguidos BB e AA deixaram de dispor de capacidade de acção, a sua omissão, ainda que perigosa, foi desconectada ao resultado lesivo ocorrido em 19 de Novembro de 2018. A constatação da existência do dever de garante, num determinado momento não é suficiente para a imputação do resultado, sob pena de entrarmos na responsabilidade criminal por um dever formal. Tem de existir uma proximidade entre o dever de garante não exercido com a omissão. A existência de um dever não significa a imputação do resultado à omissão.

Os arguidos BB e AA dispunham de capacidade de agir até ao momento em que cessaram as funções na DRE…. Após esse momento, cessou a possibilidade de evitar o resultado mantido pela conduta omissiva. Só seria de imputar o resultado, na eventualidade das circunstâncias se mantivessem imutáveis, o que não foi evidentemente o caso. Portanto, os arguidos BB e AA não dispunham de capacidade de agir para evitar as mortes decorrentes da instabilidade do talude nem a acção esperada, suspensão cautelar da exploração da pedreira, iria determinar, sem dúvidas a não ocorrência das mortes que foram verificadas, sendo que a interdição da estrada não integra o âmbito da norma violada no entender do Ministério Público.

Ora, à falta de capacidade de BB e AA sucederam circunstâncias que impedem a afirmação da existência de um nexo entre a omissão e os resultados, designadamente, a transmissão da licença autorizada sem fundamento e a autorização da exploração da pedreira de acordo com o Plano de Lavra de 1993, sem aferir da consolidação dos trabalhos de acordo com o Estudo Consolidado do I… de 2015 e a decisão proferida pela DGEG. Tais elementos probatórios confluem em afastar a suficiente indiciação de que o não exercício das competências da arguida AA permitiu que a pedreira de EE se mantivesse em actividade em zona próxima do talude sudueste, conforme era alegado no ponto 262.) da acusação. Não é possível afirmar, com um grau de certeza, a existência de uma relação entre as omissões dos arguidos BB e AA e o evento da morte dos trabalhadores da sociedade VV Lda e os utilizadores da EM… no dia 19 de Novembro de 2018. Não podendo excluir-se, convincentemente, o terceiro factor interveniente no processo de licenciamento: a intervenção de FF e GG.

Pois bem, não pode ser objectivamente imputado à omissão dos arguidos BB e AA – a falta de aplicação da medida cautelar - a determinação da morte das vítimas, quando no momento do decesso eram garantes da situação FF e GG. Para este tribunal, a intervenção de FF e GG foi determinante para o evento. Existia um risco continuado, os arguidos FF e GG mantiveram e acentuaram a sua existência. A omissão de BB e AA não é “causa” da morte dos trabalhadores da pedreira ou dos utentes da EM…, porque após o ano de 2015, qualquer que fosse as suas actuações nenhuma evitaria a morte daqueles. Em suma, e contrariamente a FF e GG, não é possível imputar a expectativa de uma qualquer acção normativamente determinada e impeditiva da ocorrência da morte aos arguidos BB e AA e afirmar que estes teriam condições de impedir o resultado da forma como ocorreu.

Tinham os dois arguidos cessados funções na DRE… no pressuposto expresso de que a exploração da pedreira EE não estava autorizada e muito menos de acordo com o Plano de Pedreira de 1993.

Perante os factos considerados suficientemente indiciados, nas várias hipóteses, à luz das leis naturais e das regras da experiência, sobressaem dentre elas, duas de maior evidência que demonstram a fragilidade da argumentação do Ministério Público na imputação do resultado aos arguidos BB e AA na imputação dos resultados ocorridos em 2018, com o deslizamento do talude. Assim, no campo das probabilidades é conjecturável que todos os agentes da DRE… que tomaram contacto com o processo de licenciamento da pedreira do EE omitiram desde 2001 a aplicação de medida cautelar e os falecimentos ocorridos em 2018 são lhes imputáveis, bem como a afirmação, longe da certeza, de que com a intervenção dos arguidos BB e AA era provável que não se verificaram as mortes pois a exploração não se encontrava autorizada. Evidentemente não existe no processo uma cadeia interrupta de responsáveis pela DRE… que tomaram decisões no processo de licenciamento da pedreira.

(…)

No contexto sublinhado, após a cessação de funções na DRE…, tem plena aplicação o principio in dubio pro reo a que acima se fez referência, no que respeita aos arguidos BB e AA, através de uma prognose póstuma sobre o resultado, procurando colocar-se na perspetiva dos arguidos (que não contavam com a intervenção de FF e GG), não estavam em condições de impedir a morte de terceiros que trabalhassem na pedreira do EE ou transitassem na EM…. O resultado não é imputável à omissão porquanto os arguidos BB e AA não tinham capacidade de agir em conformidade com os ditames legais e actuação esperada apenas poderia determinar o salvamento dos sinistrados, longe da certeza, em face da actuação de terceiros, designadamente de FF e GG. Quer isto significar que acaso a acção esperada dos arguidos BB e AA tivesse tido lugar, não é certo, e portanto, temos dúvidas de que o resultado não se teria produzido, daí que devem ser beneficiados pelo principio in dubio pro reo.

Concluímos, assim, que a falta da medida cautelar prevista no art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001 pelos arguidos FF e GG determinou o resultado morte dos trabalhadores da sociedade VV Lda. Portanto a morte de CC e de DD não é imputável à omissão dos arguidos BB e AA, ao invés é de imputar aos arguidos FF e GG.

Conjugadas as regras de experiência comum e da realidade da vida, o resultado não era imediato, pelo que posteriormente à cessação de funções era sempre de admitir a intervenção de terceiros não derivadas da actuação dos arguidos BB e AA que rompem o nexo entre as condutas omitidas e o resultado evidenciado. O resultado morte não é imputável à inactividade dos arguidos BB e AA.

Mesmo que os arguidos BB e AA tivessem adoptado a acção omitida – para além da exploração da pedreira EE que estava suspensa –, a prova produzida nos autos, relativamente a este ponto, não permite afirmar para além da dúvida razoável que o risco não diminuiu, porquanto, após 2015 os trabalhadores sinistrados da sociedade VV Lda foram colocados a laborar de acordo com um plano de pedreira de 1993 que se encontrava desajustado quanto à questão da estabilidade do talude, por conta e no interesse de quem nem sequer poderia ser exploradora, à luz do Decreto-lei n.º 270/2001, após a execução de trabalhos de pregagens cuja viabilidade técnica não foi sindicada pela DGEG. Fica excluída relação entre a omissão da conduta dos arguidos BB e AA e o resultado-morte dos trabalhadores da sociedade VV Lda. Por terem autorizado a exploração da pedreira nas circunstâncias supra referidas, aos arguidos FF e GG são imputáveis as mortes de CC e de DD.

(…)

Porém, no que se refere aos arguidos BB e AA, o tribunal conclui que não existe conformação com o resultado imputado pelo Ministério Público, considerando que, aquando a cessação de funções da DRE… ou com a última intervenção no processo de licenciamento da pedreira EE existia sempre um pressuposto incompatível com a conformação da morte de terceiros no caso de deslizamento do talude, que era a circunstância de estar proibida a exploração da pedreira pela sociedade VV Lda. Acresce a tal circunstância a falta de prova que os arguidos previssem sequer que a sociedade VV, para além dos trabalhos de consolidação, retomasse a exploração de acordo com o Plano de Lavra de 1993. Assim sendo, numa factualidade imputada a título de dolo eventual, resulta das motivações apuradas, à luz dos elementos documentais (e. g. a informação n.º 94/DSMP/DPS/2015) que os arguidos não previram que a exploração da pedreira fosse autorizada. A intervenção de FF e GG afasta a imputação subjectiva dos factos aos arguidos BB e AA, uma vez que a exploração da pedreira acaba por influir de forma determinante na presença dos trabalhadores no dia do deslizamento do talude, o que não podia naquela data ser cogitado por estes dois arguidos.

Os arguidos BB e AA tinham de confiar que no processo de licenciamento não seria autorizada a exploração sem o respectivo plano de pedreira aprovado. Os arguidos BB e AA acabam por diminuir o risco, mas essa posição é inteiramente revertida pela Direcção Geral de Energia e Geologia, quando existia o dever de suspender cautelarmente a exploração da pedreira pela sociedade VV Lda e de não autorizar/revogar o licenciamento da exploração em causa.

Considerando que os arguidos BB e AA adoptaram uma posição próxima do cumprimento da obrigação cuja violação o Ministério Público ora lhes imputa e que deixaram de ter qualquer domínio sobre o processo de licenciamento da pedreira, deixou, aquando a cessação de funções, em nosso entender, de ser representável sequer que outros, designadamente, FF e GG, iriam aumentar o risco para a vida dos ofendidos, não iriam cometer ilegalidades e erros técnicos com a autorização da exploração da pedreira em 2017.

Perante este contexto, os arguidos BB e AA não tinham conhecimento das circunstâncias que lhes sucederam após a extinção da DRE…, e não se orientaram, nem tinham capacidade para fazê-lo, no sentido do incumprimento do dever imposto, soçobrando na integra a factualidade referente ao elemento subjectivo.

****

O juízo de não indiciação resulta não ter sido produzida qualquer prova que sustente a sua verificação nesta fase e o tribunal abstém-se de pronunciar sobre matéria contraditória à dada como suficientemente indiciada e/ou conclusiva.

(…)

3.4. DO ASPECTO JURÍDICO

(…)

3.4.2. Da responsabilidade criminal de BB e AA:

Ao arguido BB são imputados cinco crimes de homicídio por omissão, nos termos do art.º 131.º e 10.º, n.º1 e 2, ambos do Cód. Penal, porquanto, em síntese, na qualidade de Director Regional de Economia do …, incumbia-lhe diligenciar pela adopção de medidas destinadas a garantir a segurança na exploração das pedreiras.

O arguido contrapõe à acusação que nunca foi alertado, pelo seu antecessor, chefias intermédias, técnicos e/ou entidades com competências fiscalizadoras, para a existência de perigo grave ou iminente de derrocada nem existia fundamento, suporte ou justificação para tal, pelo que não tinha a obrigação de aplicar a medida cautelar prevista no art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001, alterado pelo Decreto-lei n.º 340/2007.

O perigo grave ou iminente não estava identificado para a aplicação de uma medida cautelar até à cessação das funções enquanto director regional.

Conclui que não omitiu o dever imposto pelo Decreto-lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, alterado e republicado pelo Decreto-lei n.º 340/2007, de 12 de Outubro.

À arguida AA são imputados cinco crimes de homicídio, p. e p. pelo art.º 131.º em articulação com os art.º 10.º, ns.º 1 e 2 e 14.º, todos do Código Penal, porquanto, em síntese, na qualidade de Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos da extinta Direção Regional de Economia do … desde 01 de dezembro de 2008 e até 15 de abril de 2015 bem como após a assunção de funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direção Geral de Energia e Geologia, entidades que ao longo do tempo detiveram competências em matéria de licenciamento e fiscalização nas pedreiras, incumbia diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nestas explorações, designadamente a medida cautelar de suspensão da laboração, o que não fez.

Contrapõe no requerimento de abertura de instrução a arguida AA que com o início de funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção de Serviços e Minas e Pedreiras da Direcção Geral de Energia e Geologia, em 15 de Abril de 2015, deixou de ter qualquer intervenção nos processos das pedreiras integradas na circunscrição da antiga DRE…. A arguida passou a ter como área de intervenção a região de ….

Sustenta ainda que, nos termos dos artigos 46.º e 54.º do Decreto-lei n.º 340/2007, a arguida por não ser a entidade com a competência legal, mas sim uma funcionária da mesma, não lhe pode ser imputada a responsabilidade jurídico criminal.

(…)

No caso em apreço, no que se refere aos arguidos BB e AA, existiu o dever jurídico de agir, nos termos do art.º 65 do Decreto-Lei n.º 270/2001, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007.

A atitude dos arguidos é configurável como dolo eventual: atento o risco de deslizamento do talude a morte de trabalhadores era uma possibilidade cuja inércia em adoptar medidas adequadas traduz numa conformação/aceitação desse mesmo resultado possível.

Na análise do comportamento dos arguidos, nenhum deles enquanto exerceu funções na Direcção Regional de Economia do … interrompeu o processo lesivo, sendo para nós certo que a medida cautelar supra mencionada poderia e deveria ter sido adoptada porquanto estavam reunidos os pressupostos fácticos e jurídicos que a legitimavam.

Porém, tratando-se de várias mortes ocorridas no dia 19 de Novembro de 2018, verifica-se que os arguidos não tinham competência para actuar sobre as pedreiras EE e AAA. Embora tivesse existido a oportunidade de adoptar a medida adequada, certo é que à data dos factos não se lhes incumbia adoptar medidas nem se afirma a imputação objectiva entre as acções que deveriam ter adoptadas e o decesso daquelas cinco pessoas. Este entendimento pressupõe – como aliás foi o entendimento do Ministério Público - que nos crimes comissivos por omissão apenas é possível abordar a autoria e não a comparticipação. Deste modo, não existiu união de esforços com os restantes arguidos que sucederam genericamente nas funções e, em consequência, não existe comparticipação.

O arguido BB cessou as funções de director da DRE… e a arguida AA não se encontrava em condições e/ou com a capacidade de poder iniciar uma conduta diversa daquela que adoptou no período em que desempenhou funções como Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos da extinta Direcção Regional de Economia do … ou quando participou na informação n.º 94/2015.

O que importa perguntar é se a exigência da ação omitida se mantinha após a transferência para a Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção Geral de Energia e Geologia. Entendemos que a resposta deve ser negativa. Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 11/2014, de 22 de Janeiro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Economia, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 82/2014, de 20 de maio e n.º 14/2015, de 26 de Janeiro, foram extintas, sendo objeto de fusão, as direções regionais da economia (DRE), sendo as suas atribuições no domínio da indústria, comércio e serviços integradas no IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P., as suas atribuições no domínio da qualidade e metrologia integradas no Instituto Português da Qualidade, I. P. (IPQ), e as suas atribuições no domínio da energia e geologia integradas na Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Nesta conformidade, os deveres que incumbiam à Direcção Regional de Economia do … transitaram para a Direcção Geral de Energia e Geologia, não ocupando os arguidos qualquer posição que lhe exigisse a adopção de medidas cautelares no que respeita à pedreira do EE. Assim sendo é de excluir a existência de dever de garante dos arguidos BB e AA e a imputação objectiva das mortes. Neste ponto o n.º 8 do art.º 11.º do Cód. Penal estabelece que: «A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime: a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.». Acaso fosse a pessoa colectiva em questão penalmente responsável pela omissão objecto dos presentes autos, a responsabilidade penal seria transmitida para a pessoa colectiva em que a fusão da direcção regional de economia se efectivou, ou seja, na Direcção Geral de Energia e Geologia, e para os funcionários e representantes que a compõem, como parece instituir a interpretação teleológica da norma.

Durante o exercício de funções na Direcção Regional de Economia do Alentejo, os arguidos João Jesus e Maria João Figueira não realizaram qualquer crime de homicídio por omissão previsto e punido pelos arts.º 10º e 131.º ambos do Cód. Penal. É certo que as mortes não se consumaram durante o exercício de funções na Direcção Regional de Economia do … e que os arguidos não adoptaram as acções exigidas de acordo com o enquadramento jurídico aplicável, designadamente, o Decreto-Lei n.º 270/2001, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007. Estando, pelo menos, desde 2001, o processo lesivo em curso, deve-se colocar a questão da tentativa comissiva por omissão, porque a lesão do bem jurídico apenas se situa ao nível do crime não consumado.

(…)

Os arguidos estavam obrigados a obstar ao evento, através do decretamento da medida cautelar para suspensão da exploração da pedreira enquanto não estivessem asseguradas as condições de segurança dos trabalhadores.

Porém, tal exigência/dever jurídico de actuação não se pode prolongar para além da extinção da Direcção Regional de Economia do … no caso dos arguidos BB e AA. Não tendo proposto ou decretado a medida, os arguidos iniciaram a realização o tipo nos termos do art.º 22.º, n.º2, al. c), do Cód. Penal, não aproveitando a última oportunidade para realizar a acção adequada que lhes era imposta pelo art.º 65.º do Decreto-lei n.º 270/2001.

A omissão qualifica-se como sendo de natureza a fazer esperar que se lhe siga a própria omissão da acção adequada a evitar o resultado típico.

Uma vez que a conduta imputada à arguida se estrutura na omissão, importa atentar no teor da Inf. N°: 94/DSMP/DPS/2015, Classificação: 0160601 Data: 2015-06-23, da Direcção Geral da Energia e Geologia – CD 13 Pedreira …\Processo ped_..._A\Volume 2_2.

Ora de acordo com a mencionada informação interna a arguida fez constar o seguinte: «Dados os riscos identificados de eventual colapso do talude e afetação da EM…, considera se que a autorização para a execução dos trabalhos propostos deve ser o mais célere possível não devendo depender da entrega da revisão do Plano de Pedreira anteriormente solicitada à empresa UU. Até à aprovação do pedido de revisão do Plano de Pedreira e demonstração da consolidação do talude e da segurança dos trabalhadores e terceiros a empresa deve manter a interdição anteriormente comunicada (em 31-03-2015) de efectuar trabalhos de exploração da pedreira.

(...)

Conclusões e proposta

Face às considerações acima efetuadas e analisados os relatórios agora apresentados pelas empresas UU Lda e MM, S.A. relativos à estabilidade e à intervenção para consolidação do talude sudoeste da pedreira n° …, denominada EE”, em …, somos de opinião que estão reunidas condições para poder prosseguir-se com a autorização das obras de intervenção propostas para o talude. desde que 1) seja condicionada à confirmação de qual a empresa que irá proceder aos trabalhos; 2) a Universidade de … acompanhe, quer a solução que venha a ser preconizada pela empresa que efectuará as pregagens para o dimensionamento dos pregos e o método de fixação, quer os trabalhos de fixação do talude; 3) seja demonstrado que foi dado conhecimento da calendarização dos mesmos à empresa MM.

Proponho assim que sejam autorizadas as obras e seja informado o explorador desta autorização e das condicionantes acima referidas.»

A informação transcrita reveste-se de importância decisiva no domínio dos deveres que incumbiam à chefe de Divisão dos Recursos Geológicos da extinta DRE…, já que sendo a última intervenção no procedimento de Licenciamento da Pedreira EE explorado pela empresa UU, então como auxiliar do Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de Pedreiras e Minas, a arguida, tendo em conta as circunstâncias de atuação e aos conhecimentos especiais que detinha sobre aquele assunto, não deixou de manter a interdição de trabalhos anteriormente decretada e propor a autorização das obras de intervenção do talude.

A arguida na qualidade de garante não omitiu uma acção adequada a evitar o resultado típico, ao invés, exarou a manutenção da interdição dos trabalhos – adoptando a conduta exigida pelo art.º 10.º, n.º1, do Cód. Penal, diminuindo substancialmente as possibilidades de afectação dos bens jurídicos em causa com a instabilidade do talude, de modo a que a verificação do resultado se tornasse – naquele estado de coisas – mais improvável.

Neste contexto, importa reconhecer a não punibilidade da tentativa no caso da arguida AA a qual realizou a acção que inicialmente lhe era exigida com o reforçar do comportamento activo dirigido ao impedimento da verificação do resultado típico.

(…)

A isto acresce que o abandono das funções e a intervenção de FF são determinantes para a irresponsabilização dos arguidos AA e BB. (…)

A questão que se coloca agora é a de saber qual a relevância da conduta dos arguidos FF e GG ao autorizarem a exploração da pedreira em conformidade com o plano de pedreira aprovado em 1993.

No caso em apreço, tal facto veio a ser concretizado após a cessação de funções dos arguidos BB e AA na DRE…. Após esse momento, os arguidos FF e GG acabam por autorizar a exploração da pedreira com um plano de pedreira desajustado ao nível da estabilidade do talude que determinou o falecimento dos trabalhadores das pedreiras.

A alínea c) do artigo 22.º, do Cód. Penal, integra elementos da doutrina da adequação, apelando à «experiência comum», «às circunstâncias imprevisíveis», à «natureza de fazer esperar» e que deve ser concretizada mediante os critérios da conexão de perigo que «existe sempre que entre o último acto parcial questionado e a realização típica se verifica, segundo o lapso temporal mas também de acordo com o sentido, uma relação de iminente aplicação, e de conexão típica que se verifica «quando o acto já penetra no âmbito de protecção do tipo de crime» (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Vol. I, 2ª ed., pág. 707).

Dúvidas não existem que os dois arguidos – BB e AA– não podiam contar com a actuação dos restantes arguidos que integravam a DGEG, porquanto na esfera de decisores e agentes da DRE… desenvolveram actos, designadamente, a interdição da exploração da pedreira, incompatíveis com a autorização da exploração ocorrida em 2017, tratando-se de uma circunstância objectiva e subjectivamente imprevisível.

Ora, dos factos considerados suficientemente indiciados apura-se a existência de circunstâncias imprevisíveis que desqualificam a conduta dos arguidos BB e AA interrompendo de forma imprevisível o protelamento da intervenção relativa à pedreira do EE: a autorização da exploração de acordo com o Plano de Pedreira de 1993.

(…)

Assim, existem dúvidas em relação ao domínio dos factos após a cessação de funções dos arguidos BB e AA na DRE… que não podiam contar com a autorização da lavra de acordo com o Plano de 1993 nem tiveram intervenção nessa decisão.

Como podiam os arguidos BB e AA controlar o risco da execução da lavra na Pedreira EE se não podiam interditar os trabalhos autorizados por GG e FF ou tutelar esta decisão?

Os factos apurados e os elementos de prova recolhidos no inquérito não esclarecem cabalmente tal dúvida, nem persuadem para a conclusão da verificação do crime e da culpabilidade dos arguidos BB e AA, não sendo provável a sua condenação nos presentes autos.

Em face do expendido, não estão reunidos os elementos constitutivos de cinco crimes de homicídio, por falta de capacidade em adoptar a acção esperada e de imputação do nexo jurídico com as mortes verificadas, bem assim, por não constituírem actos de execução puníveis dos crimes de homicídio; impondo-se a não pronúncia dos arguidos BB e AA de todos os crimes.

(…)

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, decido:

(…)

b) não pronunciar o arguido BB pela prática, como autor, em concurso real, de – cinco (05) crimes de homicídio, p. e p. pelo art.º 131.º em articulação com os art.º 10.º, n.º 1 e 2 e 14.º, todos do Código Penal.

c) não pronunciar o arguido AA pela prática, como autor, em concurso real, de – cinco (05) crimes de homicídio, p. e p. pelo art.º 131.º em articulação com os art.º 10.º, n.º 1 e 2 e 14.º, todos do Código Penal.

(…)”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

Desde logo, importa sublinhar que, dos cinco crimes de homicídio (p. e p. pelo art.º 131.º em articulação com os artigos 10.º, números 1 e 2 e 14.º, todos do Código Penal – CP) imputados aos referidos arguidos na acusação, o recorrente apenas vem sindicar a não pronúncia quanto a dois desses crimes (referentes aos trabalhadores da pedreira2), tendo-se, consequentemente, conformado com a não pronúncia relativamente às três demais vítimas, ou seja, as vítimas que circulavam na Estrada Municipal (EM) ….

As questões a decidir no recurso são as seguintes:

1.ª questão – Existe contradição entre a fundamentação e a decisão quanto aos factos indiciados 248, 249, 261 e 262 da acusação e factos não indiciados P, W (“partes finais”), Q e X?

2.ª questão – Os factos considerados não indiciados P, Q, U, W, X e DD estão efectivamente indiciados?

3.ª questão – Não ocorreu quebra do nexo de causalidade da “acção omissiva” dos arguidos AA e BB após a cessação das suas funções?

*

B. Decidindo.

1.ª questão – Existe contradição entre a fundamentação e a decisão quanto aos factos indiciados 248, 249, 261 e 262 da acusação e factos não indiciados P, W (“partes finais”), Q e X?

Segundo o art.º 410.º, n.º 2, alínea b), o recurso pode ter como fundamento3, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição entre a fundamentação e a decisão.

Dizem-nos Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques4, que “há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada”.

Apesar da coincidência terminológica entre a alegação do recorrente e a formulação legal, cremos que não se coloca, em concreto, a questão da integração (ou não) deste vício. Com efeito, apesar de tal vício ser, amiúde, invocado nos recursos dos despachos de não pronúncia, entende-se que o mesmo só é invocável em sede de recurso da sentença. Sinteticamente, “(…) parece que tais vícios5 não podem, nesta fase processual6, ser chamados a terreiro. É que, nas fases preliminares do processo, como é o caso da instrução, não se visa alcançar a realidade dos factos, mas tão só os indícios, sinais de que um crime foi cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nesta fase, não constituem pressuposto da decisão de mérito mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo, até à fase de julgamento”7. Pelo exposto, é a invocação deste vício (como tal8) improcedente, “(…) o que não prejudica (e nada tem a ver com) a ampla sindicância da decisão em crise, por via da análise da suficiência indiciária de acordo com todas as provas do processo e o pedido do recorrente, que é afinal do que se trata no caso de recurso de decisão de não pronúncia”9, o que nos conduz directamente ao conhecimento da próxima questão.

2.ª questão – Os factos considerados não indiciados P, Q, U, W, X e DD estão efectivamente indiciados?

Vejamos, antes de mais, a referência normativa nuclear para o conhecimento da questão em causa:

Artigo 308.º Despacho de pronúncia ou de não pronúncia 1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. 2 - É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos n.ºs 2,3 e 4 do artigo 283.º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior. 3 - No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.

Assim, é normativamente indiscutível a exigência legal de que a decisão instrutória deve conter a narração dos factos que estão / não estão suficientemente indiciados (nos termos do art.º 283.º, n.º 3, alínea b) quando a mesma se materializa num despacho de pronúncia que conclui pela suficiência de indícios e/ou num despacho de não pronúncia que conclui pela insuficiência de indícios.

A questão da (in)suficiência de indícios, por seu turno, encontra-se balizada pela referência normativa ali explicitada no n.º 2, ou seja:

Artigo 283.º Acusação pelo Ministério Público 1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele. 2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. 3 - A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;

O objecto do processo que a acusação incorpora materializa-se numa unidade complexa10 que compreende uma questão de facto (a descrição dos factos imputados) e uma questão de direito (a indicação das normas, ou seja, mais especificamente, na indicação dos crimes imputados). É consequência necessária da estrutura acusatória do processo penal11 que cabe em exclusivo à entidade acusadora a definição rigorosa do respectivo objecto, ou seja, a conformação concreta da acusação, não sendo legalmente admissível qualquer interferência nesse labor, nomeadamente por parte do juiz. In casu, verifica-se que o recorrente configura como contraditório que o Mm.º Juiz a quo tenha dado como “configurável” um dolo eventual dos arguidos aqui em causa (não invocável como vício específico do art.º 410.º, n.º 2, b), como vimos supra, mas a relevar nesta sede específica) enquanto exerceram funções na Direcção Regional de Economia do … (DR…), traduzido numa conformação/aceitação da morte dos trabalhadores por deslizamento do talude e numa conduta omissiva quanto às acções consideradas adequadas para evitar aquele resultado e, simultaneamente, ter dado como não indiciados os factos referidos supra. Vejamos.

Desde logo, cumpre salientar que, quanto aos factos não suficientemente indiciados P e W (respeitantes, respectivamente, ao arguido BB e à arguida AA), os mesmos traduzem uma redução do âmbito dos acusados factos 248 e 261 quanto às “pessoas que pudessem circular no troço da EM … confinante e na área adjacente”. Porém, como vimos supra, o recorrente conformou-se com a não pronúncia destes arguidos relativamente aos crimes de homicídio em que figuravam como vítimas as pessoas que circulavam na EM …. Assim, a impugnação do juízo indiciário negativo quanto a estes factos é destituída de qualquer interesse processual, inexistindo, no atinente, interesse em agir, pelo que da mesma não se conhecerá. Quanto aos (demais) factos considerados controvertidamente não indiciados Q, U, X e DD, dir-se-á: A tese do recorrente assenta na relevância do comportamento omissivo dos mencionados arguidos, atentas as suas competências funcionais, para o resultado morte dos acima referidos trabalhadores da pedreira. Para obviar ao argumento (constante da decisão recorrida) da relevância da cessação de funções dos mesmos em 2015, o recorrente alega que existiu por parte dos mesmos uma permissividade “em ordem a evitar de forma efetiva a continuação destes trabalhos de exploração pedreira […], situação que num continuum veio a enformar a dinâmica do evento que culminou no colapso do talude com a morte dos trabalhadores […].” A este propósito, pode ler-se na decisão recorrida: “Como os arguidos BB e AA deixaram de dispor de capacidade de acção, a sua omissão, ainda que perigosa, foi desconectada ao resultado lesivo ocorrido em 19 de Novembro de 2018. A constatação da existência do dever de garante, num determinado momento não é suficiente para a imputação do resultado, sob pena de entrarmos na responsabilidade criminal por um dever formal. Tem de existir uma proximidade entre o dever de garante não exercido com a omissão. A existência de um dever não significa a imputação do resultado à omissão.

Os arguidos BB e AA dispunham de capacidade de agir até ao momento em que cessaram as funções na DRE…. Após esse momento, cessou a possibilidade de evitar o resultado mantido pela conduta omissiva. Só seria de imputar o resultado, na eventualidade das circunstâncias se mantivessem imutáveis, o que não foi evidentemente o caso. Portanto, os arguidos BB e AA não dispunham de capacidade de agir para evitar as mortes decorrentes da instabilidade do talude nem a acção esperada, suspensão cautelar da exploração da pedreira, iria determinar, sem dúvidas a não ocorrência das mortes que foram verificadas, sendo que a interdição da estrada não integra o âmbito da norma violada no entender do Ministério Público.

Oferece-nos, a propósito, dizer o seguinte: É indiscutível (o próprio recorrente o reconhece) que a actividade de lavra na pedreira em causa esteve interdita desde 2011, pois a sociedade exploradora da pedreira foi intimada a cessar de imediato a respectiva exploração (factos indiciados números 85 e 86).

Salvo o devido respeito, a desvalorização (como faz o recorrente, designando-a por “mera intimação”) deste mecanismo administrativo não se nos afigura correcta. Com efeito, nos termos do art.º 149.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo então em vigor “[o] cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei.” Assim, o preceito em causa estabelece o princípio de que a Administração goza de “um poder de autotutela”, com instituição de um “sistema da execução administrativa autossuficiente.”12 Mais especificamente sobre a referida disposição, entendemos que se consideram “admitidas por lei”, “como medidas coactivas utilizáveis pelos órgãos administrativos para concretização plena dos efeitos dos seus actos administrativos (…) aquelas que venham previstas em leis especiais, como instrumentos da plena realização dos seus efeitos: (…) encerramento de estabelecimentos [comerciais] ou industriais, ocupações ou desocupações de prédios, etc..”13 Mais entendemos que estão efectivamente previstas medidas coactivas utilizáveis pelos órgãos administrativos para concretização plena dos efeitos dos seus actos administrativos no que respeita à actividade de exploração de pedreiras, ou seja, as previstas no art.º 65.º, n.º 1 do DL 270/2001, de 06.10, com a redacção dada pela DL 340/2007, de 12.10, especificamente “quando em pedreira não licenciada se verifique uma situação de perigo iminente ou de perigo grave para a segurança, saúde ou ambiente, a câmara municipal, as autoridades de saúde, as autoridades policiais e, bem assim, as entidades competentes para a aprovação do plano de pedreira, a ASAE e a IGAOT podem determinar as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar tal situação.” Do exposto flui que a questão, segundo o nosso entendimento, não está na escolha do mecanismo jurídico (intimação, suspensão, suspensão preventiva) para evitar o perigo resultante da actividade, mas sim a efectiva fiscalização da medida anteriormente tomada, de forma a assegurar a sua efectividade.

Neste âmbito, também se afigura como indiscutível que os arguidos (aqui em causa), enquanto exerceram funções, falharam, não assegurando a efectiva interdição da actividade de lavra e permitindo a sua continuação, apesar de terem conhecimento de tal circunstância. Analisemos, porém, a impugnação de forma mais minuciosa: Facto Q:

“Desta forma permitiu [o arguido BB] que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD e bem assim de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM …, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.”

Facto X:

“Desta forma [a arguida AA] permitiu que se mantivesse a atividade concretamente na pedreira de EE, na zona próxima do talude sudoeste em causa, até ao momento em que ocorreu a sua ruína parcial e se deu a derrocada, situação que acarretou o falecimento de CC e de DD e bem assim de VVV, XXX e YYY que circulavam naquele troço confinante da EM …, o que não teria acontecido se tivesse diligenciado previamente pelo encerramento efetivo ou suspensão efetiva da atividade de exploração de pedreira na zona ou implementação de adequadas medidas de proteção ou contenção.”

Os factos em causa referem, nuclearmente, que cada um dos mencionados arguidos “permitiu” a actividade de exploração da pedreira até ao momento da derrocada, o que, como acertadamente se afirma na decisão recorrida, não faz sentido após a cessação das respectivas funções, pois deixaram de ter as competências funcionais para “permitir” ou “não permitir” aquela actividade, competências deferidas nesse período aos arguidos GG e FF. Quanto ao demais em causa nestes factos, será conhecido em sede de conhecimento da 3.ª questão.

Facto U:

“Em 25714, que após a assunção de funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direção Geral de Energia e Geologia.”

Quanto a este facto, importa sublinhar, como, aliás, resulta do próprio facto acusado, que esta arguida cessou funções na DRE… em 15.04.2015, passando, posteriormente, a desempenhar funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção Geral de Energia e Geologia.

Da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação para o referido facto não indiciado:

“A partir desse momento a arguida deixou de ter (novamente) o acompanhamento efectivo do processo de exploração, licenciamento e fiscalização das pedreiras na região do …. A arguida AA, como todos os funcionários da Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras apenas poderia desempenhar as suas funções na respectiva área territorial de …, e não nas áreas territoriais de outras divisões. As pedreiras EE e AAA estão integradas na área territorial da Divisão de Pedreiras do … (vide a este respeito o Despacho n.º …/2015 da Direcção Geral de Energia e Geologia a fls. 402 do Apenso I).”

Trata-se de uma fundamentação clara e, curiosamente, partilhada pelo recorrente, quando afirma:

“Isto nada tem a ver, repete-se, com exigir aos arguidos BB e AA, diferente ação depois de cessarem funções na DRE… em 2015, momento a partir do qual efetivamente se concorda inexistir concreto dever de garante no caso (atenta a redação da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 11/2014, de 22 de Janeiro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Economia, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 82/2014, de 20 de maio e n.º 14/2015, de 26 de Janeiro) mas também não apaga automaticamente o lastro dos efeitos daquilo que foi a sua inércia anterior e que inevitavelmente veio a sustentar a ocorrência do evento final.”

Daí que se nos afigure como essencialmente incoerente esta afirmação com a impugnação expressa (conclusão 3.ª) da não indiciação do facto em causa: repare-se que se trata tão só e apenas de um facto respeitante ao perímetro de competências legais de que a arguida dispunha quando desempenhou funções na DRE… e, posteriormente, na Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras, exorbitando claramente da questão da imputação (ou não) da responsabilidade penal à mesma. Salvo o devido respeito, transparece aqui uma notória confusão entre a questão de facto e a questão de direito.

Facto DD:

“Em 27915, BB e AA.”

Quanto a este facto, cumpre salientar que estamos perante facto que, como expressamente se refere na acusação, se refere ao elemento subjectivo dos crimes objecto da acusação. Como o Mm.º Juiz a quo entendeu (fundamentando) que os factos objectivos suficientemente indiciados não permitem a integração (também objectiva) do tipo legal do crime acusado, não deve fazer verter no despacho respectivo factos inócuos, ou seja, factos que, sem a materialidade objectiva, não são indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Assim, entendemos que no despacho recorrido se efectuou uma correcta interpretação do art.º 283.º, n.º 3, alínea b), improcedendo esta questão.

3.ª questão – Não ocorreu quebra do nexo de causalidade da “acção omissiva” dos arguidos AA e BB após a cessação das suas funções? Em primeiro lugar, importa lembrar o texto da lei sobre esta temática:

Artigo 10.º

Comissão por acção e por omissão

1 - Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.

2 - A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.

(…)

Resulta dos próprios termos da lei que no n.º 1 está plasmada a chamada doutrina da causalidade adequada, em termos inspirados directamente da lição de Eduardo Correia, expressas na sua obra “Direito Criminal”16, onde, especificamente no que toca à omissão, consta que “[d]a norma que quer evitar um resultado nasce, pois, para todos, não só o dever de evitar as actividades que o produzem, mas também o comando de levar a cabo as actividades que obstem à sua produção”17, ou seja, nos crimes comissivos por omissão existe “uma tipização indirecta18 que só se completa integrando a norma do art. 10.º com a norma incriminadora do crime comissivo por acção correspondente.”19 No que respeita, especificamente, ao nexo causal nos (chamados) crimes comissivos por omissão, importa referir que a “causalidade da acção não é o mesmo conceito da causalidade da omissão; sendo a omissão materialmente "nada"20, não pode ser fisicamente a causa de alguma coisa, diferentemente do que sucede relativamente à acção e por isso a relação causal ligará, segundo a lei, a "acção omitida" ao "não impedimento do evento"”.21 Em sentido semelhante, pode ler-se em Welzel22 que o “(…) autor da omissão não é castigado porque causa um resultado típico, mas por não o ter impedido… A única questão legítima dentro dos delitos de omissão dirige-se a se o levar a cabo a acção omitida teria impedido o resultado”, concluindo Kaufmann23 que a “(…) questão da causalidade potencial24 é, pois, a única "questão causal" que pode ter significado prático para a omissão, ali onde são importantes as consequências possíveis da acção imaginada.” Segundo Marcelo Almeida Ruivo25, “(…) a causação por omissão tem a mesma delimitação espaço-temporal da ação, sem que a verificação permita atingir sempre a certeza, pois o procedimento de supressão mental do omitir inclui duas variáveis. A ação que importa investigar é a que teria impedido o resultado ofensivo no contexto concreto. Primeiramente, é necessário averiguar qual ação culminou no resultado ofensivo e, depois, qual ação possível ao imputado o teria evitado. Há duas variáveis que demandam dois raciocínios hipotéticos, por isso de fala em método duplamente hipotético.”26 Para André Lamas Leite27, na esteira de Figueiredo Dias, deve aplicar-se, neste âmbito, a teoria da conexão do risco, ou seja, “a acção esperada ou devida deve ser uma tal que teria diminuído o risco de verificação do resultado típico28”, ou seja, por outras palavras, “o resultado pode ser imputado à omissão sempre que a prática da acção devida tivesse diminuído o risco de ocorrência do resultado.”29 Entendemos que “para haver imputação é necessário que exista entre a conduta (ação ou omissão) e o resultado um nexo causal concreto, ou seja, é necessário que tenha sido a conduta a causa efetiva do resultado.”30 Quer isto dizer que a acção esperada e omitida deve(ria) ser eficaz para evitar o resultado típico: “se fosse inequivocamente evidente, no momento em que se omite a ação, que esta era inteiramente ineficaz para evitar a lesão do bem jurídico, dever-se-ia negar a ilicitude e a tipicidade da omissão.”31 Voltando ao caso concreto dos autos: Desde logo, entendemos que a mera cessação de funções dos arguidos, por si só, não é suficiente para os desonerar de um resultado lesivo superveniente. Se ficar provado que uma determinada omissão é determinante para não evitar que um resultado típico se produza, a desoneração formal do dever de garante a partir de certo momento anterior ao facto lesivo mas posterior ao comportamento omissivo não traduz, por si só, um afastamento da tipicidade. Como resulta dos factos indiciados (factos 244 a 248 e 257 a 261) os arguidos aqui em causa desempenharam funções (na DRE…), onde se incluía o dever de tomar providências adequadas a minimizar a possibilidade de derrocadas em pedreiras da área das suas competências e suas consequências (nomeadamente a morte de trabalhadores dessas pedreiras) e, sabendo da instabilidade da pedreira onde ocorreu a derrocada aqui em causa, não diligenciaram pela tomada de medidas adequadas a evitar o resultado que efetivamente aconteceu. Como já acima referimos, entendemos que estes arguidos não asseguraram, como lhes competia, a efectiva (não apenas administrativa e formal) interdição da decretada exploração da pedreira, permitindo, com um comportamento omissivo, a sua continuação, apesar de terem conhecimento de tal circunstância. Mais resulta evidente que, após cessarem funções, lhes era legalmente interdito ordenarem quaisquer acções de fiscalização para assegurar a efectiva interdição da pedreira ou quaisquer outras acções com tal escopo. A este propósito, cumpre referir que a afirmação do recorrente de que “os elementos já demonstravam a irreversibilidade da situação” não tem qualquer apoio nos factos, até porque vários estudos técnicos indicavam soluções para que os problemas e riscos decorrentes da exploração da pedreira fossem minimizados (nomeadamente factos 98 e 161). Porém, mais significativa do que tal cessação de funções, entende-se a acção do arguido FF (facto indiciado 170):

“No dia 22 de setembro de 2017, o arguido FF assinou um ofício da DGEG enviado à arguida VV Limitada, dando conta da autorização para continuarem a realizar trabalhos de exploração de acordo com o plano da pedreira aprovado em 1993, aguardando o envio dos elementos em falta para aprovação da revisão do novo plano de lavra.”

Este facto (positivo), que passou a legitimar administrativamente a actividade de exploração da pedreira, até aí interdita, torna juridicamente irrelevante qualquer causalidade hipotética das omissões pretéritas dos mencionados arguidos, nomeadamente traduzidas na falta de fiscalização da interdição dos trabalhos da pedreira, que puderam (e continuaram, sublinhando-se que decorreu mais de um ano entre tal autorização e o evento lesivo), agora sem quaisquer restrições jurídicas ou materiais, nomeadamente a utilização de explosivos na parede da pedreira contígua à EM … nesse dia, no período da manhã. (facto indiciado 295). A este exacto propósito, pode ler-se em Bernd Schünemann32 que “a igualdade entre a omissão e a comissão pressupõe um domínio sobre condições do resultado actuais, efectivas, e que, inclusivamente o domínio monopolístico sobre um mero meio de salvação, unicamente pode fundamentar a especial reprovação, mas nunca a igualdade entre a omissão e a comissão. Aí reside precisamente apenas o domínio potencial sobre o resultado, que se encontra numa relação de desigualdade com o domínio actual presente na acção e que nunca pode ser equiparado àquele.” Com efeito, se a actividade de exploração da pedreira, até aí interdita por motivos de insegurança, é administrativamente autorizada, mantendo-se (e agravando-se) tal insegurança, já não é causalmente relevante o comportamento omissivo contraposto à acção que, potencialmente, poderia vir a evitar o resultado danoso, mas sim uma acção que (permitindo de forma lícita a exploração da pedreira), projectando os seus efeitos até ao evento lesivo (ou seja, representando um domínio actual sobre os acontecimentos), criou novas condições jurídicas e materiais para que o perigo existente se concretizasse. Em face deste quadro, a acção pretérita possível dos arguidos (por contraposição às suas omissões) não teria evitado este resultado concreto: basta pensar que os arguidos poderiam ter desenvolvido todas as acções conducentes à efectiva cessação da actividade de exploração da pedreira e que as mesmas seriam necessariamente irrelevantes em face da nova autorização para que aquela actividade se reiniciasse, como efectivamente veio a acontecer. Mostra-se, assim, a nosso ver, totalmente destituída de fundamento a tese do recorrente de que ocorreu “uma atuação paralela mas evidentemente interligada entre os quatro arguidos.”

Também se nos afigura insubsistente (e não apoiada em quaisquer factos) a afirmação de que:

“A omissão de implementação de medidas efetivas para impedir de imediato a atividade de extração, com a presença de trabalhadores, na Pedreira do EE, por parte destes, evidentemente expressou aquilo que era a posição da Direção Regional e que aqueles arguidos sustentaram, servindo de base subsequentemente para a entidade que lhe sucedeu (a DGEG), agora nas pessoas dos arguidos FF e GG, basear a análise e decisão subsequente.”

Com efeito, nem sequer consta da acusação que a DRE… tivesse qualquer “posição” sobre a actividade de exploração da referida pedreira, que tal posição tenha sido sustentada pelos arguidos AA e BB e que aquela “posição” tenha servido de base para os arguidos FF e GG basearem a análise e decisão subsequente. Aliás, como conciliar esta infundamentada posição do recorrente com o teor do facto indiciado 161 (fls. 514 da decisão recorrida), onde se menciona a elaboração pela arguida AA de uma informação interna (datada de 23.06.2015) sobre a instabilidade do talude da pedreira, que mereceu parecer favorável do arguido FF, mais sugerindo “a manutenção da interdição de trabalhos de lavra”? Como conciliar esta “posição” da arguida AA com a autorização de 22.09.2017 para continuação dos trabalhos de exploração de acordo com o plano da pedreira aprovado em 1993? São questões que, obviamente, terão de merecer resposta negativa, improcedendo também este argumento do recorrente.

Em síntese, entendemos que a causalidade do evento lesivo se encontra fundamentada positivamente nos termos acima expostos, com exclusão de qualquer nexo entre o comportamento omissivo dos arguidos e o concreto evento lesivo, nem sequer se podendo aludir a um “corte” do nexo causal emergente do comportamento omissivo dos arguidos em causa por referência a uma realidade meramente hipotética.

O recurso é, pois, totalmente improcedente.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 13 de Setembro de 2022

..............................................................................................................

1 Diploma a que pertencerão as menções normativas ulteriores, sem indicação diversa.

2 CC e DD.

3 Sendo o respectivo conhecimento oficioso, cfr. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR de 28.12.1995. Em tal sentido, entre muitos outros, vide Pereira Madeira in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 3.ª edição, 2021, página 1292.

4 Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 2020, página 78.

5 Os previstos no art.º 410.º, n.º 2.

6 Instrução.

7 Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 3.ª edição, Quid Juris, 2020, página 974.

8 Ou seja, como vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea b.

9 Acórdão deste TRE de 03.07.2012 proferido no processo n.º 4016/08.0TDLSB.E1 (Relatora Ana Barata Brito), disponível em www.dgsi.pt.

10 A. Castanheira Neves (in Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, página 236) identifica o objecto do processo como “o caso jurídico concreto apresentado e a resolver”.

11 Cfr. art.º 32.º, n.º 5 da CRP.

12 José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho in Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 4.ª edição, Almedina, 2000, página 822.

13 Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, 1999, página 710.

14 Art.º 257.º da acusação: “A arguida AA, na qualidade de Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos da extinta Direção Regional de Economia do … desde 01 de dezembro de 2008 e até 15 de abril de 2015 bem como após a assunção de funções na Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Direção Geral de Energia e Geologia, entidades que ao longo do tempo detiveram competências em matéria de licenciamento e fiscalização nas pedreiras, incumbia-lhe, por força no disposto nos art.º 46º, n.º 1, 54º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, diligenciar pela adoção de medidas destinadas a garantir a segurança nestas explorações, incluindo pelo titular da respetiva licença, de forma a prevenir acidentes ou situações que acarretassem perigo grave para as pessoas que aí estivessem a trabalhar ou em zonas adjacentes.”

15 Art.º 279.º da acusação: “Cada um dos arguidos GG, BB, FF e AA atuou consciente das suas funções e dos deveres que, enquanto funcionários/dirigentes da DRE… e da DGEG, recaiam sobre si e concretamente em ordem a evitar situações de risco e eventuais acidentes em explorações de pedreiras e mormente na EE, de onde pudesse decorrer o perigo e a lesão da integridade física e da vida de trabalhadores e terceiras pessoas.”

16 I volume, Almedina, Coimbra, páginas 257 e ss.

17 Ob. cit., página 271.

18 André Lamas Leite (in “As "Posições de Garantia" na Omissão Impura”, Coimbra Editora, 2007, página 128) designa esta realidade como “tipo composto”.

19 Manuel Cavaleiro de Ferreira in Lições de Direito Penal, Parte Geral, Almedina, 2010, página 99.

20 Segundo Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend (Tratado de Derecho Penal, Comares, 2002, página 666), “a causalidade com categoria do ser exige uma fonte de energia real que seja capaz de produzir um esforço, algo que precisamente está ausente na omissão ("ex nihilo nihil fit").”

21 Manuel Cavaleiro de Ferreira in Ob. cit., página 102.

22 Apud Armin Kaufmann, Dogmática de Los Delitos de Omissión, Marcial Pons, 2006, página 84.

23 Idem, ibidem.

24 Por este motivo, Claus Roxin (Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal, Marcial Pons – tradução da 9.ª edição original - 2016, pág. 446) entende que o domínio do facto nada tem que ver com este "domínio do impedir potencial".”

25 O Método de Verificação da Causalidade na Omissão Imprópria in Prof. Doutor Augusto Silva Dias, In Memoriam, vol. I, AAFDL Editora, 2022, página 477.

26 Em sentido semelhante, ou seja, existir a necessidade de uma dupla verificação para chegar à causalidade neste tipo de crimes, vide Maria Paula Ribeiro de Faria (Formas Especiais do Crime, Universidade Católica Editora Porto, 2017, página 201): “Em primeiro lugar, ter-se-á de estabelecer a relação causal efectiva entre uma acção ou um facto natural e um resultado (…). Num segundo momento, ir-se-á apurar a causalidade hipotética da omissão, ou seja, a eficácia potencialmente impeditiva do resultado teria tido a prática da acção devida.”

27 Ob. cit., página 226,

28 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007, página 930.

29 Maria Paula Ribeiro de Faria in Ob. cit., página 203.

30 Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, 3.ª edição, Universidade Católica Editora Porto, 2019, página 323.

31 Idem, página 555.

32 Fundamento y Límites de los Delitos de Omisión Impropia, Marcial Pons, 2009, página 293.