IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
DECISÃO POR DESPACHO
MATÉRIA DE FACTO
COIMA
FIM PREVENTIVO
LEI Nº1-A/2020
DE 19 DE MARÇO
LEI Nº4-B/2021
DE 1 DE FEVEREIRO
Sumário

Se os arguidos, notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 64.º, n.º 2.º, do RGCOC, não se opuseram que a decisão da sua impugnação judicial fosse proferida sem realização de audiência de julgamento, conformaram-se com a matéria de facto que havia sido dada como provada pela autoridade administrativa, que só poderá ser alterada por via da existência de algum dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2.º e 3.º, do CPP.
Deverá esclarecer-se que a coima tem um fim preventivo e, por isso, desempenha uma função de prevenção geral negativa (isto é, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta) e de prevenção especial negativa (no sentido de que visa evitar que o agente repita a conduta infractora).
Destarte, pode com segurança concluir-se que a coima não tem um fim retributivo da culpa ética do agente, pois não visa o castigo de uma personalidade deformada reflectida no facto ilícito, nem tem um fim de prevenção especial positiva, pois não visa a ressocialização de uma personalidade deformada do agente
Assim, como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo certo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida
A especialíssima legislação – Leis n.º 1-A/2020, de 19 de março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as exceções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, exceto em situações de manifesta urgência. Esta situação sanitária de extrema excecionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição.».

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No processo de contraordenação n.º 1446/20, foram os arguidos AA, BB, CC e DD condenados, mediante decisão proferida pelo Sr. Sub-Diretor-Geral da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, nos seguintes termos:

(i) Pagamento de uma coima no valor de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) pela prática da infração à al. a), do n.º 1, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

Pagamento de uma coima no valor de € 300,00 (trezentos euros) pela prática da infração à alínea l), do n.º 2, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

(ii) Pagamento de uma coima no valor de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) pela prática da infração à al. f), do n.º 3, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

(iii) Pagamento de uma coima no valor de € 300,00 (trezentos euros) pela prática da infração à al. i), do n.º 2, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

Realizado o cúmulo jurídico das coimas aplicadas, nos termos previstos pelo art.º 19.º, do R.G.C.O., foi cada um dos arguidos, condenado no pagamento de uma coima única no valor de € 800,00 (oitocentos euros), pelas 4 (quatro) contraordenações cometidas em concurso efectivo.

Ao arguido AA foi ainda, ao abrigo do art.º 21.º, n.ºs 1 e 6 do DL n.º 35/2019, de 11 de março e respetivo Anexo, aplicada, na qualidade de capitão do navio, 7 (sete) pontos pela prática de infração grave, p. e p. pela al. a), do n.º 1, do art.º 12.º, do DL 35/2019, de 11 de março.

Tendo ainda sido aplicada a sanção acessória de perda a favor do Estado, prevista na al. b), do n.º 1, do art.º 14.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, e para os efeitos do disposto no n.º 4, do art.º 25.º, do citado diploma, pelo valor de € 2.997,75 (dois mil, novecentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos) equivalente à venda do pescado apreendido.

Impugnada judicialmente pelos arguidos esta decisão, foi a mesma apreciada por decisão com o seguinte dispositivo (transcrição):

“V − DECISÃO

Tendo em atenção tudo o supra exposto, julgo o recurso de impugnação judicial interposto em conjunto pelos arguidos AA, BB, CC E DD totalmente improcedente e, por consequência:

a) Mantenho a decisão administrativa tomada pela DGRNSSM nos termos da qual condenou os ora arguidos, pela prática em coautoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de prática de 4 (quatro) contraordenações, previstas e punidas pelo art.º 12.º, n.ºs 1, al. a), 2, al.s l) e i), 3, al. f) do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, nas coimas parcelares nos valores de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), pela prática da infracção à al. a) do n.º 1 do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11-3, de € 300,00 (trezentos euros), pela infracção à al. l), do n.º 2, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11-3, de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), pela infracção à al. f) do n.º 3, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11-3, e de € 300,00 (trezentos euros), pela infracção à al. i) do n.º 2, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11-3 e, operando o respectivo cúmulo jurídico nos termos e para os efeitos do art.º 19.º, do R.G.C.O., aplicou a cada um deles a coima única no valor de € 800,00 (oitocentos euros).

b) Mantenho ainda a condenação na sanção acessória de perda a favor do Estado, prevista na al. b), do n.º 1, do art.º 14.º, do DL nº. 35/2019, de 11 de março, e para os efeitos do disposto no n.º 4, do art.º 25.º, do citado diploma, pelo valor de € 2.997,75 (dois mil, novecentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), equivalente à venda do pescado apreendido.

c) Mantenho, por fim, a decisão tomada ao abrigo do disposto no art.º 21.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março e respetivo anexo que dele faz parte integrante, que aplicou ao arguido AA, na qualidade de capitão do navio, de 7 (sete) pontos pela prática da infração grave, p. e p. pela al. a), do n.º 1, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março.

*

Custas a cargo dos recorrentes, fixadas para cada um deles, em quantia correspondente a 2 (duas) UC, atenta a complexidade do processo, segundo o disposto nos artigos 92.º, n.º 1, 93.º, n.º 4, ambos do R.G.C.O. e 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O., em conjugação com os artigos 8.º, n.º 9 e 16.º, ambos do R.C.P., e tabela III anexo.”

Inconformados com o assim decidido, os arguidos interpuseram recurso daquela decisão para este TRE, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

“Existe erro notório na apreciação da prova, pois da mesma resulta que:

a) A posição geográfica N 8º 57`23`` até 38º 28`e51`` N 8º 57`05`` W. fica fora da área complementar do Parque …;

b) Não se encontram preenchidos, os elementos subjetivo e objetivo que devem pautar a determinação do ilícito contraordenacional;

c) Evidenciando o vício previsto no artigo 410°, n. °2, alínea c) do Código de Processo Penal, ou seja, erro notório na apreciação da prova.

36º

A sentença recorrida deu como provados os factos nos pontos, 2.), 3.) e 4.), quando imputa “ a embarcação deslocou -se para a zona da …”, extensa área de areia fora da zona complementar do Parque ….

37º

A “ …” é uma língua de areia bastante extensa que fica fora da Zona Complementar do Parque, que vai da … até para lá da Praia da ….

38º

As coordenadas geográficas, que constam no auto de notícia, as suas posições geográficas são fora da área do Parque … e não constam na decisão.

39º

A embarcação “ …” no dia 4/03/2020 pelas 02:15 não foi abordada nem fiscalizada pela G.N.R.

40º

No dia 04/03/2020 pelas 14:00 horas o mestre recebeu uma chamada do seu filho tripulante, quando se encontrava em casa a informar que estava a G.N.R na Doca pesca para falar com ele.

41º

O pescado não foi apreendido porque já tinha sido vendido, apreenderam o valor da venda em Lota de €2997,75. (dois mil novecentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos).

42º

As coordenadas geográficas foram aferidas na Polícia Marítima de … no sistema Time Zero - Controle Costeiro e as posições ficam fora da zona complementar do Parque …. Não existem infrações.

43º

Os factos ocorreram em 3/3/2020 em 28/06/2024 foi proferida decisão pela autoridade administrativa.

Pelo exposto e nos termos do artigo 29º nº 1 al. b) e nº 2 e 30 – A do R.G.CO.C as coimas encontram-se prescritas. Mais de 18 meses.

44º

A suspensão dos prazos de prescrição em processo penal e contraordenacional por efeito da legislação COVID – 19, no contexto das diversas leis especiais “geradas” pela pandemia COVID19 a lei nº 1-A/2020 de 19de março e Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, não se aplica a suspensão dos prazos de prescrição em processos criminais e contraordenacionais quanto aos factos ocorridos antes da aprovação deste regime especial suscita a questão da inadmissibilidade deste regime legal face à Constituição da República Portuguesa, porque está em causa a aplicação retroativa da lei penal e (contraordenacional) ou a tutela da confiança, (Cfr. Artigo 29º n º 1 e artigo 2º da CRP) desfavor do arguido e artigo 5º nº 1 do Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020 de 18 março de 2020 “ Os efeitos da presente declaração não afetam, em caso algum, os direitos à vida, à integridade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião”.

45º

O auto de notícia é omisso quanto à homologação dos equipamentos utilizados para tirar as posições geográficas e as fotografias da embarcação, sendo obrigatória a sua homologação, caso contrário violam os direitos de defesa dos arguidos.

46º

Nos termos do nº 2 do artigo 1º do D/L nº 291/90 de 20 de Setembro, em articulação co o D/L nº 192/2006 de 26/9 que transpôs a Diretiva nº 2004/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março, relativa aos instrumentos de medição: “ os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respetivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as diretivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português de Qualidade”.

47º

Ainda que o artigo 16º do D/L nº 433/82 de 27/10 do (RGCO) preveja a punibilidade de vários agentes que comparticipem na infração, este preceito não se aplica no âmbito das relações laborais a pescadores.

48º

Nos termos do D/L 15/97 de 31 maio, nos termos do artº3º os tripulantes da embarcação “…” têm contrato individual de trabalho, - Rol de matrícula, porque mediante retribuição, a prestar a sua atividade profissional a um armador de pesca, sob a autoridade e direção deste ou do seu representante legal.

49º

Quanto à aplicação da medida da coima de € 800,00, nos termos conjugados do artigo16º e do artigo 18º não tiveram em consideração, a culpa, a situação económica dos arguidos e o benefício que retiraram da infração. A coima é demasiado elevada.

Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência, ser revogada a sentença recorrida sendo os recorrentes absolvidos das contraordenações.”

O recurso foi admitido.

O MP respondeu ao recurso, concluindo que (transcrição):

“1. Prescrição do procedimento contraordenacional

Prevê o art.º 27.º, do R.G.C.O., o seguinte:

«O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79; b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79; e c) Um ano, nos restantes casos.».

A prescrição dos respetivos procedimentos contraordenacionais ocorre em 3 (três) anos, uma vez que as infrações respeitam a coimas cujo limite máximo das suas molduras abstratas se situam entre os € 1.000,00 (mil euros) e os € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

Mas há que complementar este regime com o regime geral sobre causas de interrupção e de suspensão previstas no R.G.C.O., previstas no art.º 27.º-A, o qual consagra a suspensão do procedimento contraordenacional.

«A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Publico até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do art.º 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.».

Quanto às causas interruptivas estipula o art.º 28.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, na redação dada pela citada Lei n.º 109/2001, que:

«1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c)Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação. 3 –A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.».

Ora, nos presentes autos os factos ocorreram em 03.03.2020, data em que os arguidos exerceram a atividade de pesca em habitat protegido, sem para tal dispor de licença e sem o uso de luzes de navegação, tendo ainda utilizado o recurso à prática proibida de bater nas águas, cuja conduta cessou no mesmo dia.

Tendo ainda em atenção o disposto no art.º 27.º, cumpre determinar qual o prazo prescricional das contraordenações pelas quais foram os arguidos condenados.

Conforme refere o acórdão do TRC 3, de 27-10-2010, proc. n.º 2515/09.6TALRA.C1, «o critério legal para a contagem do prazo prescricional a que se refere o art.º 27.º, do DL 433/82 prende-se com a sanção abstratamente aplicável à infração, a concretizar dentro dos limites do art.º 18.º do mesmo diploma, e não na sanção concretamente aplicada.».

No caso, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de três anos a contar da data da prática da infração, ou seja do dia 03.03.2020.

Desta forma, conclui-se que o procedimento contraordenacional prescreveria no próximo dia 04.03.2025, ou seja, decorrido o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional de 3 (três) anos, acrescido de metade, ou seja, 1 (um) ano e 6 (seis) meses, ao que acresce o período máximo de suspensão de 6 (seis) meses, tudo conforme previsto no art.º 28.º, n.º 3, do R.G.C.O..

Mas no caso há ainda que ter em conta as causas especiais de suspensão decretadas pela Pandemia da COVID-19.

No ano de 2020, os prazos estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 03.06.2020, e em 2021, entre o dia 22.01.2021 e o da 05.04.2021.

Assim sendo, e sem necessidades de mais considerações, parece-nos claro concluir que o procedimento contraordenacional não se encontra prescrito.

2. Inaplicabilidade do art.º 16º do DL 433/82 de 27/10 às relações laborais

O DL 35/2019, de 11.03, estabelece no seu art.º 8.º, n.ºs 1 e 6, respetivamente, que:

«É responsável pela prática de contraordenação a pessoa singular ou coletiva que pratique o facto constitutivo da mesma ou, no caso de omissão, que não tenha praticado a ação adequada a evitá-lo, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido», e que «é ainda responsável pela prática de contraordenação prevista no presente decreto-lei, por ação ou omissão, o capitão ou mestre do navio ou embarcação de pesca.».

Por seu turno, o art.º 16.º, n.º 1 do R.G.C.O., sob a epigrafe «comparticipação» que estabelece que:

«se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contraordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes.».

Estas normas não consagram nenhuma exceção para quando estamos perante relações laborais, nem o poderiam fazer, pois tal iria deixar impune uma enormidade de situações, pelo que os argumentos alegados pelos arguidos carecem de fundamento legal.

Ademais nunca se demonstrou existir entre os arguidos qualquer tipo de relação laboral, carecendo o alegado de qualquer tipo de fundamento atendível.

3. Ausência de fiscalização da embarcação “…” na data dos factos

A data e local dos factos consta do auto de notícia não existindo quaisquer elementos para colocaram em dúvida as circunstâncias de tempo e lugar onde os factos ocorreram.

4. Determinação da medida concreta da pena.

As contraordenações em causa são punidas com coima cujo limite mínimo é de €750.00 (setecentos e cinquenta euros) e limite máximo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), limites que se encontram reduzidos a metade de acordo com o n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, pelo que a moldura abstrata a aplicar passa a ter o valor mínimo de € 375.00 (trezentos e setenta e cinco euros) e máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

De acordo com o disposto no art.º 18.º, n.º 1 do R.G.C.O.: «A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.». Ponderadas estas circunstâncias entendemos que a sentença recorrida efetuou uma ponderação correta na determinação concreta da pena, concordando-se com a mesma.

Deste modo, entendemos que a douta sentença não merece censura devendo ser mantida na integra.

Termos em que, julgando improcedente o recurso, vossas Excelências farão, como sempre, a acostumada Justiça!”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer onde defende, em síntese, que:

“Apreciando, com detalhe a douta sentença recorrida é nosso parecer que ela equaciona, com rigor e clareza, as diversas questões emergentes dos autos. Fá-lo de forma fundamentada e perceptível. Assim sendo, somos de parecer que a mesma deve ser mantida, salvo superior e elevado entendimento de Vossa Excelência, Ilustre Desembargador Relator.

*

Nesta conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso apresentado pelos arguidos e manter a douta sentença proferida pela 1ª instância.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Questão Prévia: Da Prescrição do Procedimento Contraordenacional

Vieram os arguidos invocar que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, alegando para o efeito que atendendo à ultima suspensão COVID-19, a contagem dos prazos de prescrição e caducidade, reintroduzido pelo n.º 1.º do art.º 6.º-B, aditado à Lei n.º 1/2020 e pela Lei n.º 4-B/2021, de 1-2, a última interrupção terminou em 5 de abril de 2021, sendo que o auto de noticia foi levantado em 3-3-2020 e os arguidos só foram notificados em 30-3-2023, e a decisão final foi proferida em 11-6-2024.

Terminam pugnando pela prescrição do procedimento contraordenacional nos termos do art.º 27.º, n.º 3.º, al. c) e art.º 17.º, todos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

*

A autoridade administrativa pronunciou-se sobre a questão, pugnando pela improcedência da prescrição nos termos supra alegados pelos arguidos.

*

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

Encontrando-se nos autos todos os elementos necessários para que se possa decidir acerca da questão da prescrição, cumpre desde já analisar se efetivamente o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, uma vez que no caso da prescrição se mostrar como procedente, a consequência será a extinção do procedimento contraordenacional, não se prosseguindo para a análise do mérito da causa.

Desde já se esclareça que a prescrição opera pelo decurso do tempo, devendo logo que verificada ser de imediato declarada, mesmo oficiosamente, em qualquer fase do procedimento

(…)

Assim, no presente processo, aplica-se o Decreto Lei n.º 35/2019, de 11 de março, que estabelece no seu art.º 41.º, que:

«em tudo quanto não se encontrar previsto no presente decreto-lei aplica-se subsidiariamente o regime geral do ilícito de mera ordenação social, bem como as correspondentes disposições da PCP, das medidas de gestão e controlo das ORGP e dos acordos com países terceiros.».

Por sua vez, o art.º 32.º, do Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (doravante R.G.C.O.), estabelece que:

«em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.».

Sobre o início da contagem do prazo prescricional (...), o prazo de prescrição conta-se a partir da prática da contra-ordenação, tal como vem definido no art.º 5.º do mesmo diploma legal.

Quanto às normas aplicáveis à prescrição das contraordenações, prevê o art.º 27.º, do R.G.C.O., o seguinte:

«O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79; b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79; e c) Um ano, nos restantes casos.».

Assim, nos termos do citado preceito legal, a prescrição dos respetivos procedimentos contraordenacionais ocorre em 3 (três) anos, uma vez as infrações respeitarem a coimas cujo limite máximo das suas molduras abstractas se situam entre os € 1.000,00 (mil euros) e os € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

No entanto, tal regime deverá ser ainda complementado e conjugado com o regime geral sobre causas de interrupção e de suspensão previstas no R.G.C.O., mais precisamente no art.º 27.º-A, que consagra a suspensão do procedimento contraordenacional:

Quanto às normas aplicáveis à prescrição das contraordenações, prevê o art.º 27.º, do R.G.C.O., o seguinte:

«A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Publico até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do art.º 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.».

(…)

Mais estipula o art.º 28.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, na redação dada pela citada Lei n.º 109/2001, que:

«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.».

Estabelece, assim, o citado art.º 28.º, n.º 1, alíneas a), do R.G.C.O., que o prazo prescricional se interrompe, além do mais, com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões, ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação (onde já se inclui a (alínea c) ) e ainda de acordo com a al. d), com a prolação da decisão da entidade administrativa, interrupção que, nos termos do art.º 121.º, n.º 2 do Cód. Penal, por remissão do art.º 32.º, do mesmo diploma legal, tem a potencialidade de inutilizar o tempo de prescrição já decorrido, iniciando-se a contagem de tal prazo desde o início. Nos termos do artigo acima mencionado é estabelecido um prazo limite, findo o qual o procedimento contraordenacional prescreverá independentemente do número de causas interruptivas ou suspensivas que possam ter tido lugar, é o que preveem os artigos 27.º-A, n.º 2 e 28.º, n.º 3, ambos do R.G.C.O.: «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver ocorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.».

Ou seja e em suma: cumpre atender ao disposto no art.º 27.º, do R.G.C.O., que estabelece que: «o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79 e c) Um ano, nos restantes casos.».

No que diz respeito ao momento da prática dos factos, prevê o art.º 5.º, do R.G.C.O. que: «o facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.».

Cumpre igualmente atender ao disposto no art.º 119.º, n.º 1 do Cód. Penal, cujo preceito consagra que: «o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.».

Nos presentes autos os factos terão se consumado em 3-3-2020, data em que os arguidos exerceram a atividade de pesca em habitat protegido, sem para tal dispor de licença e sem o uso de luzes de navegação, tendo ainda utilizado o recurso à prática proibida de bater nas águas, cuja conduta cessou no mesmo dia, tendo os factos em causa perdurado durante 60 minutos, conforme consta do Auto de Noticia de fls. 3 e 4.

Tendo ainda em atenção o disposto no art.º 27.º, cumpre determinar qual o prazo prescricional das contraordenações pelas quais foram os arguidos condenados. (…)

Estabelece o art.º 18.º, n.º 3.º do R.G.C.O., que: «quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.».

No procedimento administrativo em causa, à contraordenação praticada através da violação da al. a), do n.º 1, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, é aplicável uma coima cujo limite mínimo é de € 750.00 (setecentos e cinquenta euros) e limite máximo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), no entanto estes limites encontram-se reduzidos a metade de acordo com o n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, pelo que a moldura abstrata a aplicar passa a ter o valor mínimo de € 375.00 (trezentos e setenta e cinco euros) e máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

Sendo que a violação das al.s l) e i), do n.º 2.º, do art.º 12.º, do DL 35/2019, de 11 de março, é punível com coima cujo limite mínimo é de € 600,00 (seiscentos euros) e limite máximo de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros), limites estes reduzidos a metade de acordo com o n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, pelo que a moldura abstrata a aplicar passa a ter como limite mínimo o valor de € 300,00 (trezentos euros) e limite máximo de € 18.750,00 (dezoito mil e setecentos e cinquenta euros).

A violação do disposto na al. f), do n.º 3, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, é punível com coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), limites estes reduzidos a metade de acordo com o disposto no n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2029, de 11 de março, cujo limite mínimo passa a ser de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) e o limite máximo de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).

Assim sendo, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de três anos a contar da data da prática da infração, ou seja, 3-3-2020, isto se se não tivessem ocorrido quaisquer interrupções ou suspensões do prazo prescricional.

O art.º 27.º-A, do R.G.C.O. trata da suspensão da prescrição e estabelece que: «1 − a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 − Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.».

(…)

Postula o art.º 28.º, n.º 1 do R.G.C.O., que: «A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.».

Revertendo para o caso concreto, temos que a contagem do prazo em causa se interrompeu em diversos momentos, pois foram os arguidos em 8 de junho de 2021, no processo de contraordenação n.º 168.347/21, notificados nos termos e para os efeitos previstos no art.º 50.º, do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, tendo-se ainda verificado a interrupção no dia 11 de junho de 2024, data em que foi proferida decisão administrativa (…) contraordenacional a data que consta da decisão administrativa e não a da sua notificação ao recorrente.».

Ao que acresce ainda a suspensão do procedimento contraordenacional pelo período de 6 (seis) meses, uma vez que em 28-10-2024, foram os arguidos notificados do despacho proferido em sede de exame preliminar, que admitiu o recurso da autoridade administrativa.

(…)

Cumpre de igual modo atender ao disposto no n.º 3, do art.º 28.º, do R.G.C.O., quando determina que: «a prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescida de metade.».

Tal significa que por mais causas interruptivas ou suspensivas que se possam ter verificado, existe um prazo limite, findo o qual o procedimento contraordenacional prescreverá (artigos 27.º-A, n.º 1.º, alíneas a), b) e c) e 28.º, n.º 1.º, alíneas a), b) e c), todos do R.G.C.O.).

Revertendo para o caso concreto, uma vez que a prática dos factos terá ocorrido no dia 3-3-2020, e tendo em atenção as causas de interrupção e suspensão que se verificaram nos presentes autos, conclui-se que o procedimento contraordenacional prescreveria no próximo dia 4-3-2025, ou seja, decorrido o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional de 5 (cinco) anos, relativo ao prazo normal de prescrição de 3 (três) anos, acrescido de metade, ou seja, 1 (um) ano e 6 (seis) meses, ao que acresce o período máximo de suspensão de 6 (seis) meses, tudo conforme previsto no art.º 28.º, n.º 3, do R.G.C.O..

Assim seria se estivéssemos perante os termos normais, pois no presente caso há ainda que anteder às causas especiais de suspensão decretadas pela pandemia COVID-19, tendo, aliás, as mesmas sido suscitadas pela Il. defesa.

Com efeito, há que ter aqui em devida consideração ainda as causas especiais de suspensão decretadas pela Pandemia da COVID-19. Com efeito, para salvaguardar tal «paragem» imposta pela Pandemia de COVID-19, o nosso legislador decidiu dar vigência ao regime especial decretado, no que para aqui releva, na Lei n.º 1-A/2020, no seu art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, que estabeleceu uma suspensão do prazo prescricional entre 9-3-2020 (cf. o art.º 5.º, da Lei n.º 4-A/2020) e 3-6-2020 − [cf. os artigos 8.º e 10.º, ambos da Lei n.º 16/2020]

Além disso, dever-se-á ter em consideração a Lei n.º 4-B/2021, de 1-2, referente às medidas atinentes à situação excepcional provocada pela Pandemia da doença COVID-19, alterou o art.º 6.º-C, n.º 1, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, passando este a dispor que: «são suspensos os prazos para a prática de actos em procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração directa, indirecta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais», tratando-se de alteração que produziu os seus efeitos retroactivamente, mais concretamente por referência em 22-1-2021 (cf. o art.º 4.º, da aludida Lei n.º 4-B/2021, de 1-2). A jurisprudência tem entendido, na generalidade, que a referida alteração não constitui em si mesma uma causa de suspensão do procedimento por contra-ordenação, mas tem, no entanto, subscrito o entendimento de que a legislação em causa consubstancia um circunstancialismo que obsta ao prosseguimento do procedimento contra-ordenacional e, como tal, entende que se verifica, nestes casos, a suspensão do prazo de prescrição nos termos a que se reporta o art. 27.º-A, n.º 1, al. a) do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, ex vi do citado art. do Cód. Estrada – (…)

Ora, a aludida causa de suspensão cessou os respectivos efeitos em 5 de Abril de 2021, por via da entrada em vigor do regime inscrito na Lei n.º 13-B/2021, de 5-4.

Mais se diga que o nosso Tribunal Constitucional tem vindo a declarar, sem excepção, que não viola a nossa Lei fundamental, a sobredita norma contida no art.º 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, quando interpretada no sentido de que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contra-ordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados aos arguidos praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes, posição esta que merece a nossa adesão − [cf., neste sentido, os acórdãos do T.C., n.º 798/2021, n.º 660/2021 e 500/2021]

Ou seja e em suma: torna-se necessário analisar a possibilidade de aplicação aos autos das causas especiais de suspensão decretadas pela Pandemia da COVID-19, previsto na Lei n.º 1-A/2020, mais precisamente no art.º 7.º, números 3 e 4, que estabeleceu uma suspensão do prazo prescricional entre 9-3-2020 (cf. o art.º 5.º, da Lei n.º 4-A/2020) e 3-6-2020 (cf. os artigos 8.º e 10.º, da Lei n.º 16/2020). Além disso, dever-se-á ter em consideração a possibilidade de aplicação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, referente às medidas atinentes à situação excecional provocada pela Pandemia da doença COVID-19, que alterou o art.º 6.º-C, n.º 1, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, passando este a dispor que: «são suspensos os prazos para a prática de actos em procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração directa, indirecta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais», tratando-se de alteração que produziu os seus efeitos retroativamente, mais concretamente por referência em 22-1-2021 − [cf. o art. 4.º, da Lei n.º 4-B/2021, de 1-2]

Quanto à violação do princípio constitucional da irretroatividade da lei penal na suspensão dos prazos tanto penais como contraordenacionais pelas leis especiais referentes à Pandemia Covid-19, como anteriormente explicitado, refere o acórdão n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, do Tribunal Constitucional: «Sem grandes variações de base argumentativa, a orientação prevalecente no Tribunal da Relação de Lisboa veio a ser secundada pelos Tribunais da Relação de Évora e do Porto, em decisões de 23 de fevereiro de 2021 (Processo n.º 201/10.3GBVRS.E1) e de 14 de abril de 2021 (Processo n.º 300/19.6Y9PRT-B.P1), respetivamente, a primeira relativa à prescrição do procedimento criminal e, a segunda, à prescrição da coima. Em ambos os referidos arestos vingou uma vez mais o entendimento de que a aplicação da causa de suspensão da prescrição do procedimento e das sanções, estabelecida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, a factos praticados em momento anterior ao início da respetiva vigência constitui necessariamente uma aplicação retroativa de normas em sentido mais gravoso para o agente do ilícito, consequência proscrita pela proibição contida no artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição.». E ainda, «Apesar de maioritária, a orientação jurisprudencial acabada de expor não é, todavia, unânime. Em acórdão de 11 de fevereiro de 2021 (Processo n.º 89/10.4PTAMD-A.L1-9), o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a «suspensão do prazo de prescrição previsto no art.º 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 não se traduz numa decisão mais gravosa para o arguido, pois o prazo de prescrição da pena mantém-se rigorosamente o mesmo, antes e depois da vigência da citada lei. A única diferença é que, esta, por razões de superior interesse público, suspendeu-o temporariamente, para voltar, depois, a correr.». Com esta não unanimidade na Jurisprudência dos tribunais comuns, vejamos a posição do Tribunal Constitucional, ainda referente ao mesmo acórdão n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021: «A circunstância de a interpretação sindicada se cingir aos procedimentos contraordenacionais pendentes por factos anteriores ao início da vigência da Lei n.º 1-A/2020 apenas serve para tornar mais evidente a conclusão que acima se alcançou. Com efeito, apesar de o direito das contraordenações, enquanto direito sancionatório público, ser influenciado ou “matizado” pelos princípios constitucionais do direito penal, a autonomia material do ilícito de mera ordenação social em relação ao ilícito penal obsta a que tais princípios possam ser transpostos deste para aquele de forma automática ou imponderada ou que possam aí valer com na mesma exata extensão ou com o mesmo grau de intensidade (cf. Acórdão n.º 76/2016; no mesmo sentido, a propósito da liberdade de conformação do legislador na modelação do instituto da prescrição, v. Acórdão n.º 297/2016). No que diz respeito à proibição constitucional da retroatividade in pejus, isso significa que ela se estenderá ao direito contraordenacional somente enquanto manifestação nuclear da função de garantia do princípio legalidade, exigida pela ideia de Estado de Direito e oponível ao arbítrio ex post facto. Resta concluir, assim, que, ao proibir que qualquer cidadão seja «sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» ou sofra pena que não esteja expressamente cominada «em lei anterior» ou mais grave do que a prevista «no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos», o artigo 29.º da Constituição, respectivamente nos seus n.ºs 1, 3 e 4, não se opõe à aplicação de uma causa de suspensão da prescrição com a função e o recorte daquela que foi prevista no aludido artigo 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2000, a procedimentos contraordenacionais pendentes por factos praticados antes do início da respetiva vigência.

Tendo julgado constitucional o art.º 7.º, números 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, quando interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência. Salienta-se, ainda, que este Tribunal não olvidou o art.º 204.º, da Constituição da República Portuguesa: «Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.». Sendo que está inteiramente de acordo com a posição sufragada pelo Tribunal Constitucional quando defende que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes, motivo pela qual se aplica.

Vale, pois, por dizer que neste âmbito, o legislador estabeleceu um regime especial consagrado na Lei n.º 1-A/2020, cujo art.º 7.º, n.ºs 3 e 4 estabelecem que: «a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos» e que «o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.».

A Lei n.º 4-B/2021, de 1-2, alterou o art.º 6.º-C, n.º 1, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, onde passou a constar que: «são suspensos os prazos para a prática de atos em procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais», sendo que esta alteração produz efeitos a partir de 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados (art.º 4.º, da Lei n.º 4-B/2021, de 1-2).».

(…)

A especialíssima legislação – Leis n.º 1-A/2020, de 19 de março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as exceções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, exceto em situações de manifesta urgência. Esta situação sanitária de extrema excecionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição.».

Retificamos apenas que a segunda suspensão supramencionada, cessou os seus efeitos na data de 5 de abril de 2021, por foça da entrada em vigor do regime inscrito na Lei n.º 13-B/2021, de 5-4.

Quanto à retroactividade na aplicação da norma, dever-se-á dizer que o Tribunal Constitucional sobre esta questão em concreto já se pronunciou, nomeadamente no seu acórdão n.º 798/20216, tendo decidido: «não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes», posição integralmente sufragada pelo presente Tribunal.

*

Revertendo estas considerações jurídicas para o caso concreto, temos que a data da prática dos factos terá ocorrido no dia 3-3-2020, sendo o prazo de prescrição a aplicar de 3 (três) anos, tendo, por isso, que ser contabilizado o prazo máximo de interrupção de contagem da prescrição, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, acrescido de 6 (seis) meses de suspensão, conforme já supra mencionado, o que estabelece como prazo limite o dia 4-3-2025 (art.º 28.º, n.ºs 1, al.s a) e d) e 3 do R.G.C.O.).

A este prazo acrescem os prazos de suspensão provocados pela COVID-19, no ano de 2020, entre 9-3-2020 até 3-6-2020, contabilizando um total de 87 (oitenta e sete) dias, e em 2021, desde o dia 22-1-2021 até ao dia 5-4-2021, contabilizando um total de 74 (setenta e quatro) dias, prescrevendo o presente processo na data de 12-8-2025.

Assim sendo, e sem necessidades de mais considerações, outra solução não resta, a não ser concluir que na presente data o procedimento contraordenacional não se encontra prescrito, soçobrando, pois, a alegação avançada pelos arguidos neste domínio.

*

Questão Prévia: Da alegada Ilegitimidade dos Arguidos

Vieram os arguidos invocar que nos termos do art.º 9.º, do DL n.º 15/97, de 31 de julho, que define o trabalho nas embarcações de pesca, «a bordo das embarcações de pesca o marítimo está sob a autoridade e direção do comandante mestre ou arrais.».

E que por isso, os pescadores a bordo das embarcações desempenham um papel meramente instrumental, em que os meios de produção são geridos pela entidade empregadora, pelo que no presente caso não se aplica o disposto no art.º 16.º, do DL n.º 433/82, de 27-10, uma vez que estamos no âmbito de relações laborais, só sendo possível estabelecer a responsabilidade solidária entre mestre e proprietário da embarcação.

Terminam pugnando pela nulidade/ilicitude das coimas aplicadas aos arguidos BB, CC e DD, por não serem solidariamente responsáveis pelas infrações da embarcação, devendo apenas responder o mestre, sendo este o arguido AA.

*

A autoridade administrativa pronunciou-se sobre a questão, pugnando pela improcedência do supra alegado pelos arguidos.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Desde já se diga que o DL n.º 35/2019, de 11-3, estabelece no seu art.º 8.º, n.ºs 1 e 6, respectivamente, que:

«É responsável pela prática de contraordenação a pessoa singular ou coletiva que pratique o facto constitutivo da mesma ou, no caso de omissão, que não tenha praticado a ação adequada a evitá-lo, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido», e que «é ainda responsável pela prática de contraordenação prevista no presente decreto-lei, por ação ou omissão, o capitão ou mestre do navio ou embarcação de pesca.».

Por seu turno, o art.º 16.º, n.º 1 do R.G.C.O., sob a epigrafe «comparticipação» que estabelece que:

«se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contra-ordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes.».

(…)

Ao mesmo tempo, nunca se demonstrou existir entre os arguidos qualquer tipo de relação laboral, carecendo o alegado de qualquer tipo de fundamento atendível. Consta ecfetivamente do auto de noticia de fls. 3 e 4, que no dia 3-3-2020, os arguidos exerceram a atividade de pesca em habitat protegido, sem para tal dispor de licença e sem o uso de luzes de navegação, tendo ainda utilizado o recurso à prática proibida de bater nas águas, cuja conduta cessou no mesmo dia, tendo os factos em causa perdurado durante 60 (sessenta) minutos.

Destarte, e sem necessidade de se aduzirem outras considerações a respeito, deverá concluir-se pela improcedência da alegação invocada pelos arguidos neste conspecto.

*

Questão Prévia: Da valia probatória das Fotografias Juntas aos Autos

Vieram, ainda, os arguidos alegar que das fotografias juntas aos autos não consta a data digital e a bordo estão 3 (três) pessoas, quando no ponto 2.2.3 da decisão refere que a embarcação foi vista a sair do porto com 4 (quatro) pessoas.

*

A autoridade administrativa pronunciou-se sobre a questão, pugnando pela improcedência do supra alegado pelos arguidos.

* Cumpre apreciar e decidir.

O argumento em causa não tem o mínimo de fundamento, uma vez que do teor dos autos não constam quaisquer fotografias onde aparece a embarcação “…”, ou os arguidos, nem se percebendo o que querem os recorrentes referir com tal afirmação, apenas se sabendo que na embarcação iam os quatro arguidos devido ao que consta do auto de noticia e, summo rigori, não devido a fotografias dos arguidos, fotografias essas que nem existem.

Assim sendo, e sem necessidades de outras considerações, é de concluir pela improcedência do peticionado pelos arguidos.

*

Questão Prévia: Da alegada Alteração Substancial de Factos

Vieram os arguidos alegar que no auto de notícia e na notificação a embarcação/mestre vem acusada de duas infrações, sendo os arguidos condenados por quatro, e que tal configura uma alteração substancial de factos, prevista nos arts. 358.º e 359.º, ambos do Cód. Proc. Penal (art.º 379.º, n.º 1.º, al. b), do Cód. Penal), a qual a lei processual penal culmina com a nulidade da sentença.

Alegam ainda que existe desconformidade entre a decisão condenatória e a notificação, quanto às infrações e aos arguidos, pelo que a decisão se encontra ferida de nulidades insanáveis entre a fundamentação subsumida aos factos, assim como entre a decisão e a notificação.

*

A autoridade administrativa pronunciou-se sobre a questão, pugnando pela improcedência do supra alegada pelos arguidos.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Ora, da leitura do auto de notícia constante de fls. 3 e 4 e, bem assim, da notificação realizada constante de fls. 16 a 28, observamos que os arguidos vem acusados por todos os artigos dos quais foram posteriormente condenados, do mesmo modo não se observando qualquer discrepância entre a decisão condenatória da autoridade administrativa de fls. 67 a 78 e a notificação de fls. 16 a 28 efetuada quanto às infrações praticadas e à identidade dos arguidos, pelo que o alegado se mostra, por assim dizer, como ininteligível, não colhendo, pois, qualquer sustento atendível. Termos em que sem necessidades de outras considerações, será de concluir pela improcedência do peticionado pelos arguidos.

*

Questão Prévia: Da alegada Nulidade da Prova obtida pela utilização do GPS e de Aparelhos de Visão Noturna

Vieram os arguidos alegar que o auto de notícia se encontra omisso relativamente ao facto de saber se os aparelhos GPS e de visão noturna, que forneceram as posições GPS da embarcação foram aprovados pelo IPQ, bem como se têm sido ou não aferidos periodicamente nos termos e prazos legais e por que entidade, não tendo sido observadas as formalidades legais, pelo que não podem dar-se como provadas as concretas infrações.

*

A autoridade administrativa pronunciou-se sobre a questão, pugnando pela improcedência do supra alegado pelos arguidos.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Quanto ao facto de o auto de notícia não fazer qualquer menção à aprovação e verificação periódica dos equipamentos de GPS e de visão noturna utilizados para deteção e determinação da localização da embarcação “…”, não existe nenhum regime jurídico que estabeleça tal obrigatoriedade de certificação/aprovação de tais equipamentos pelo instituto português da qualidade e a sua verificação periódica, muito menos que tal seja exigido no âmbito de um auto de notícia, enfim…

Cumpre por outro lado deixar bem claro que o uso de tais equipamentos não configura nenhum meio de prova proibido previsto no art.º 126.º, do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O., uma vez que o sistema de GPS não foi colocado na embarcação “…”, tendo apenas sido usado pelos agentes fiscalizadores de modo a definir rigorosamente e em termos mais precisos a área marítima em que se encontravam os arguidos a exercer a actividade da pesca ilegal, para lograrem asseverar que aqueles estavam a violar a área interdita à pesca e, ademais, faziam-no à noite e com as luzes da embarcação apagadas para ocultar a sua presença no local, o que, por isso, justificou ainda o uso de equipamento de visão noturna, claro está. Assim sendo, e sem necessidades de outras considerações, é de concluir pela manifesta improcedência do peticionado pelos arguidos.

*

Não existem outras nulidades, questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

A instância mantém-se, pois, válida e regular.

***

III − FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1. FACTOS PROVADOS

Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os factos seguintes, quais sejam:

1. No dia 3 de Março de 2020, cerca das 19h35, no Porto de Pesca de …, no âmbito de uma fiscalização às atividades piscatórias (capturas, regulamento de pesca e descarga de pescado), verificou-se que a embarcação … saiu do suprarreferido Porto de Pesca de …, seguindo na mesma os ora arguidos AA, BB, CC e DD.

2. Pelas 20h06 a embarcação deslocou-se para a zona da …, zona de proteção complementar do Parque …, tendo os arguidos que se encontravam a bordo efetuado várias operações de pesca, como largado e esticado redes de pesca, bem como correr rede, bater água e “lavar a água” por diversas vezes, de forma repetida e continuada, durante cerca de 60 minutos, tendo realizado tais atuações com total ocultação de luzes e sem serem titulares de licença para a atividade de pesca profissional na referida área protegida.

3. Após o cessar dos factos supra expostos, a embarcação regressou ao Porto de …, onde foi efetuada uma fiscalização à embarcação, pelas 2h15, no dia 4 de março de 2020, tendo sido identificados os tripulantes que se encontravam a bordo e apreendido o pescado capturado (1.806,5 kg de … e 12,5 kg de …).

4. Foi emitida ordem de venda do pescado cautelarmente apreendido e o valor apurado na venda do pescado de 2.997,75 € foi transferido pela Docapesca para a conta da Direção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos.

5. O arguido AA é mestre e proprietário da embarcação ….

6. O arguido BB é mestre e tripulante da embarcação ….

7. O arguido CC é pescador e tripulante da embarcação ….

8. O Arguido DD é pescador e tripulante da embarcação ….

9. Os arguidos exercem a sua atividade profissional no sector da pesca, assim sendo, tem o dever de conhecer as normas que regulam essa atividade, e de as cumprir, não as podendo ignorar, nomeadamente que para o exercício da pesca comercial no Parque … é preciso ser detentor de licença, que é proibido exercer a atividade e operações de pesca em habitats protegidos, que é proibido exercer a pesca com recurso à prática de “bater nas águas” e que a atividade da pesca não deve ser realizada com ocultação de luzes de navegação.

10.Os arguidos agiram com conhecimento e consciência da ilicitude das suas condutas, tendo atuado com o conhecimento e vontade de praticar tais factos, bem sabendo que eram os mesmos proibidos e punidos por lei.

11.O arguido BB no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 9.588,70.

12.O arguido AA no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 33.072,98.

13.O arguido CC no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 8.766,83.

14.O arguido DD no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 8.766,83.

15.Nem a embarcação …, nem os arguidos, possuem antecedentes contraordenacionais.

***

3.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.

3.3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os meios de prova utilizados por este Tribunal para formar a convicção dos factos, foram os seguintes:

PROVA DOCUMENTAL

• Auto de Notícia (fls. 3 a 4);

• Licenças de pesca da embarcação … (fls.5 a 6); • Auto de Apreensão (fls. 7);

• Ordem de Venda do Pescado Apreendido (fls. 8);

• Nota de Liquidação (…) resultante da venda do pescado pela Docapesca de … (doc. 9), no montante de 2.997,75 €;

• Fatura n.º …, de 16-02-2020, emitida pela Docapesca de … (fls. 10); • Comprovativo de transferência do valor de 2.997,75 € da Docapesca, S.A. para a DGRM (fls. 11);

• Registo fotográfico (fls. 12 a 14);

• Rol de Tripulação Online (fls. 46 a 48);

• Documento único de pesca (fls.49, 57 e 58);

• Consulta do Sistema de Fiscalização e Controlo das Atividades da Pesca (SIFICAP), no campo “Cadastro de Embarcação” acerca da embarcação …, Número de registo …, Conjunto de identificação -…;

•Consulta do Sistema de Fiscalização e Controlo das Atividades da Pesca (SIFICAP), no campo “Cadastro de Pessoa” acerca dos Tripulantes identificados;

• Declarações de IRS dos arguidos, referentes ao ano de 2023, juntas posteriormente em sede de impugnação judicial.

*

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica e conjugada da prova documental junta aos autos, valorada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum.

Os arguidos vieram impugnar a factualidade constante dos pontos 1), 2) e 3), impugnando que a embarcação … tenha pescado dentro da área do Parque, que a embarcação tenha sido fiscalizada naquele dia, e que os tripulantes tenham sido identificados, contrariando a versão que consta do auto de notícia, de fls. 3 a 4.

Embora venham impugnar tal realidade, a verdade é que os mesmos não vieram juntar qualquer elemento probatório, documental ou testemunhal, suscetível de contrariar a matéria vertente do auto de notícia, tendo inclusive desde logo dado o seu assentimento para que a presente decisão fosse tomada por simples despacho judicial. Neste âmbito refere o acórdão do TRG, de 14-12-2005, recurso n.º 1905/05-1, disponível in www.gde.mj.pt, que: «constata-se assim, através da análise dos autos, que o arguido consentiu expressamente que a decisão da sua impugnação judicial pudesse acontecer através de despacho, o que significa que, dispondo de um direito próprio, renunciou à realização da audiência de julgamento, conformando-se, consequentemente, com a matéria de facto dada como assente pela entidade administrativa.». E ainda o acórdão do TRL de 26-11-2025, proc. n.º 150/15.9Y5LSB.L1-9, in www.gde.mj.pt, quando decidiu que: «se a arguida, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 64.º, n.º 2.º, do RGCOC, não se opôs a que a decisão da sua impugnação judicial fosse proferida sem realização de audiência de julgamento, conformou-se com a matéria de facto que havia sido dada como provada pela autoridade administrativa, que só poderá ser alterada por via da existência de algum dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2.º e 3.º, do CPP.».

*

No que diz respeito aos factos dados como provados contantes dos pontos 1) a 3), o tribunal formou a sua convicção, através da análise do teor do auto de notícia de fls. 3 a 4, visto que foi o mesmo elaborado, para documentar a ocorrência presenciada pelos agentes fiscalizadores, permitindo-se a sua valoração, de acordo com o estabelecido no art.º 127.º, do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O., conjugado com a demais prova documental junta aos autos nos termos supra expostos, nomeadamente as licenças de pesca da embarcação Fataça, de fls. 5 a 6 e o registo fotográfico constante de fls. 12 a 14.

Quanto aos factos constantes do ponto 4), teve o presente tribunal em consideração o auto de apreensão, de fls. 7, a ordem de venda do pescado apreendido de fls. 8, a nota de liquidação (…) resultante da venda do pescado pela Docapesca de … (doc. 9), no montante de 2.997,75 €, a Fatura n.º …, de 16-02-2020, emitida pela Docapesca de …, de fls. 10 e o comprovativo de transferência do valor de 2.997,75 € da Docapesca, S.A. para a DGRM, de fls. 11, documentos estes não colocados em crise por nenhum sujeito processual.

Quanto aos factos 5), 6), 7) e 8), deram-se os mesmos como provados com base na análise do rol de tripulação online (fls. 46 a 48) e do documento único de pesca (fls.49, 57 e 58), documentos cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos. Relativamente à matéria de facto dada como provada constante dos pontos 9) e 10), tendo em atenção o circunstancialismo e o modo de execução dos factos em causa, deve dizer-se que resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, que cada um dos arguidos atuou com cognoscibilidade e intencionalidade de praticarem tais atos melhor descritos supra, bem sabendo que para o exercício da pesca comercial no Parque … era preciso previamente ser detentores de licença, que é proibido exercer a atividade e operações de pesca em habitats protegidos, que é proibido exercer a pesca com recurso à prática de “bater nas águas” e que a atividade da pesca não deverá ser realizada com ocultação de luzes de navegação.

Por fim, quanto aos factos constantes nos ponto 11), 12), 13), 14) e 15) relativos às condições económicas dos arguidos e seus antecedentes contraordenacionais, deram-se os mesmos como provados com base na análise das declarações de IRS dos arguidos, referentes ao ano de 2023, e através da consulta do Sistema de Fiscalização e Controlo das Atividades da Pesca (SIFICAP), no campo “Cadastro de Embarcação” acerca da embarcação …, e no campo “Cadastro de Pessoa” acerca dos tripulantes identificados, de onde resultou que inexistem condenações pela prática de anteriores contraordenações.

***

IV − FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Sendo esta a factualidade assente por provada, cumpre agora fazer o seu enquadramento jurídico.

São elementos do tipo contraordenacional consagrado nos artigos 1.º, n.º 2.º e 8.º, do R.G.C.O., toda a conduta (um comportamento humano controlado ou controlável pelo sujeito, que pode ser cometido através de ação ou omissão), típica (a conduta que se integra, se subsume, a um determinado tipo legal de contraordenação), culposa (violação de certo procedimento imposto ao agente) e punível com coima (as coimas em caso algum podem implicar privação da liberdade).

(…)

De igual modo estabelece o art.º 7.º, n.º 1.º, do DL 35/2019, de 11 de março, que: «constitui contraordenação da pesca todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares da atividade e operações de pesca, da transformação, da comercialização, da indústria, do transporte e da importação, exportação, reexportação e reimportação de produtos da pesca e da aquicultura que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.».

*

Analisados os termos do recurso de impugnação judicial conjunto interposto pelos arguidos melhor id. supra, cumpre, desta feita, apreciar se a matéria de facto dada como provada integra a tipicidade objectiva e subjectiva das contraordenações que lhes vêm imputadas.

E, na afirmativa, importa ainda apreciar se se mostra justa, adequada e proporcional as coimas fixadas pela autoridade administrativa.

Importa, porém, aduzir algumas considerações jurídicas adicionais quanto ao objecto do recurso de impugnação judicial e, bem assim, ao sentido e alcance do nosso poder cognitivo na apreciação do mesmo.

Com efeito, estabelece o art.º 59.º, n.º 3 do DL n.º 433/82 (R.G.C.O.), que «o recurso deve constar de alegações e conclusões», sendo aqui aplicáveis outrossim os preceitos reguladores do processo penal, por força do disposto no art.º 41.º, n.º 1 do citado diploma legal.

(…)

Destarte, as questões a decidir são as fixadas e (de)limitadas pela recorrente, através das conclusões do seu instrumento de recurso de impugnação judicial, em conjugação com a motivação, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso.

Por outra banda, importa desde já enfatizar que o dever de fundamentar uma decisão judicial constitui uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da C.R.P., segundo o qual: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.».

No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal (e contra-ordenacional, por força do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O.), e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art.º 32.º, n.º 1 da C.R.P..

Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a aferir-se se a mesma está fundada na lei. É isso que decorre expressamente do disposto no art.º 97.º, n.º 4 do Cód. Proc. Penal, ao estabelecer que: «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.».

Tratando-se de sentenciamento por Tribunal de 1.ª instância ou deliberação de Tribunal superior, a correspondente decisão está ainda sujeita a requisitos específicos, enunciados nos artigos 374.º, 375.º e 376.º, para a primeira, e 425.º para o segundo, mas ambas as decisões sujeitas ao crivo da nulidade da previsão do art.º 379.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal, sendo ainda admissível os acórdãos absolutórios por remissão. Por isso, essa exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional que a legitima e das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a aferir-se da sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias. Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizado no respectivo texto, de modo a que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que no caso de uma sentença deve obedecer ainda aos requisitos formais enunciados no citado art.º 374.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal.

Tudo isto para se conhecer, ao cabo e ao resto, qual foi o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente sentenciamento, designadamente no que se refere aos factos acolhidos e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados. Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser.

O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo a que se perceba do raciocínio seguido.

Muitas vezes confunde-se motivação com prolixidade da fundamentação e esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.

(…)

*

No caso em presença, desde já se adverte que a gravidade das contraordenações é acentuada, pois atenta de forma grave contra o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, o qual visa assegurar as medidas adequadas de gestão e conservação dos recursos naturais, em respeito à Política Comum de Pescas, e bem assim art.º 35.º, do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura.

Visando contribuir para a sustentabilidade ambiental, económica e social dos recursos a longo prazo, o Decreto-Lei n.º 35/2019 estabelece um regime de controlo da atividade de pesca, impondo relevantes medidas de gestão, tais como a obrigação de respeitar as interdições ou proibições temporárias de pesca e a obrigação de registar e transmitir os dados do diário de pesca.

Assim, deverá esta autoridade administrativa acompanhar o entendimento plasmado no Regulamento (CE) n.º 1005/2008 do Conselho de 29 de setembro de 2008, que estabelece um regime comunitário para prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN):

Art.º 2.º «Definições»

Para efeitos do presente regulamento:

1. Por «pesca ilegal, não declarada e não regulamentada» ou «pesca INN», entende-se as atividades de pesca que são ilegais, não declaradas ou não regulamentadas.

2. Por «pesca ilegal» entende-se as atividades de pesca:

a) exercidas por navios de pesca nacionais ou estrangeiros nas águas marítimas sob a jurisdição de um Estado, sem a autorização deste ou em infração às suas leis e regulamentações;

b) exercidas por navios de pesca que arvoram pavilhão de Estados Partes numa organização regional de gestão das pescas competente, mas que operam em infração às medidas de conservação e de gestão adotadas por essa organização, vinculativas para esses Estados, ou às disposições pertinentes do direito internacional aplicável;

ou

c) exercidas por navios de pesca que infrinjam as leis nacionais ou as obrigações internacionais, incluindo as contraídas pelos Estados que cooperam com uma organização regional de gestão das pescas competente.

3. Por «pesca não declarada» entende-se as atividades de pesca:

a) que não tenham sido declaradas, ou tenham sido declaradas de forma deturpada, à autoridade nacional competente, em infração às leis e regulamentações nacionais; ou

b) exercidas na zona de competência de uma organização regional de gestão das pescas competentes que não tenham sido declaradas, ou o tenham sido de forma deturpada, em infração aos procedimentos de declaração previstos por essa organização. […].

Art.º 42.º Infrações graves

1. Para efeitos do presente regulamento, entende-se por infração grave: a) As atividades consideradas pesca INN, em conformidade com os critérios enunciados no artigo 3.º;

[…]

2. A gravidade da infração é determinada pela autoridade competente de cada Estado-Membro tendo em conta os critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 3.º.

Art.º 44.º

Sanções em caso de infrações graves

1. Os Estados-Membros asseguram que as pessoas singulares que tenham cometido uma infração grave ou as pessoas coletivas reconhecidas responsáveis por uma infração grave sejam punidas com sanções administrativas eficazes, proporcionadas e dissuasoras.

2. Os Estados-Membros cominam uma sanção correspondente, no máximo, ao quíntuplo do valor dos produtos de pesca obtidos ao cometer a infração grave.

Em caso de infração grave repetida num período de cinco anos, os Estados-Membros cominam uma sanção que correspondente, no máximo, a oito vezes o valor dos produtos de pesca obtidos ao cometer a infração grave.

Na aplicação destas sanções, os Estados-Membros tomam em conta o valor do dano causado aos recursos haliêuticos ou ao ambiente marinho em causa.

3. Os Estados-Membros podem igualmente, ou em alternativa, usar sanções criminais eficazes, proporcionadas e dissuasoras.

Atentas as normas legais transcritas e os factos provados, temos que os arguidos, como bem saberão, mal andaram quando não observaram as obrigações que sobre si recaem, na qualidade de profissionais da pesca.

Recorda-se aqui que, a Política Comum de Pescas estabelece regras para a gestão das pescas, contribuindo assim para a conservação dos recursos biológicos marinhos, o aumento da produtividade, um nível de vida equitativo para o setor das pescas, a estabilidade dos mercados e a disponibilidade de alimentos a preços razoáveis – regras estas que não podem ser perigadas, especialmente pelos seus próprios destinatários, isto é, quem exerce a atividade de pesca comercial marítima como é o caso dos arguidos.

*

No procedimento administrativo em causa, os arguidos AA, BB, CC e DD foram condenados pela prática das seguintes contraordenações:

- Exercício da pesca comercial no Parque … sem para tal dispor da licença de pesca exigida – em violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, conjugado com a al. a) do n.º 1, do art.º 46.º, do Plano de Ordenamento do Parque Natural …, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005, de 23 de Agosto, punível com coima de 750€ a 50000€ (PS), sendo suscetível de ser qualificada como infração grave, de acordo com o art.º 17.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março e Anexo que dele faz parte integrante, o qual determina a aplicação de 7 Pontos, sem prejuízo da eventual aplicação de sanção acessória nos termos e com os efeitos do artigo 14.º e 16.º deste último diploma;

- Exercício da atividade e operações de pesca em habitats protegidos – em violação do disposto na al. l) do n.º 2, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, punível com coima de 600€ a 37500€ (PS), sem prejuízo da eventual aplicação de sanção acessória nos termos e com os efeitos dos artigos 14.º e 16.º do referido diploma;

- Exercício da pesca com recurso a prática de pesca proibida “BATER NAS ÁGUAS” -infração à al. f) do n.º 3 do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, punível com coima de 250€ a 25000€ (PS), sem prejuízo da eventual aplicação de sanção acessória nos termos e com os efeitos dos artigos 14.º e 16.º daquele diploma;

- Exercício da pesca com ocultação de luzes de navegação - infração ao n.º 2 do art.º 62.º do Decreto-Lei n.º 199/98, de 10 de Junho, conjugado com a alínea c) da Regra 23 do Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (RIEAM)5, punível pela alínea i) do n.º 2 do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, com coima de 600€ a 27500€ (PS), sem prejuízo da eventual aplicação de sanção acessória nos termos e com os efeitos dos artigos 14.º e 16.º deste último diploma.

O art.º 10.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, estabelece que: «para efeitos do disposto no presente decreto-lei, são puníveis os factos típicos praticados com dolo ou negligência.».

Nos termos do art.º 14.º, do Cód. Penal, ex vi do art.º 32.º, do R.G.C.O., existe dolo quando existe conhecimento e vontade de realização do facto típico, sendo que o elemento intelectual ou cognitivo se traduz no conhecimento da realização do facto típico, e o elemento volitivo consiste na vontade de realizar o facto típico. O dolo direto ocorre quando o agente prevê e quer a realização do facto típico como fim último da sua conduta. O dolo necessário quando a realização do facto típico não surge como grau intermédio para alcançar a finalidade última da conduta, mas antes como consequência necessária no sentido de inevitável da sua conduta. E o dolo eventual quando o agente prevê a realização do tipo como provável/possível e conforma-se com essa realização.

Já quanto à negligência, pode a mesma ser consciente ou inconsciente. Na negligência consciente o agente representa a realização do facto típico, mas não se conforma com essa realização, segundo o art.º 15.º, al. a), do Cód. Penal, ex vi do art.º 32.º, do R.G.C.O.. A segunda forma de negligência é a inconsciente, que é caracterizada por o agente não prever a realização do facto típico, mas ter a possibilidade de o prever, consagrada no art.º 15.º, al. b), do Cód. Penal, ex vi do art.º 32.º, do R.G.C.O..

*

Após realizar o enquadramento legal supra exposto, cumpre averiguar se os factos praticados pelos arguidos integram ou não a prática das contraordenações que lhes são imputadas.

Neste âmbito, cumpre atender ao facto de que os agentes fiscalizadores constataram que no dia 3-3-2020, pelas 20h06, na …, zona de proteção complementar do Parque …, os arguidos efectuaram várias operações de pesca, tais como largar e esticar redes de pesca, correr rede, bater água e “lavar a água”, por diversas vezes, de forma repetida e continuada, durante cerca de 60 (sessenta) minutos, com total ocultação de luzes, daqui resultando a captura de … e …, sem serem titulares de licença para a atividade de pesca profissional na referida área protegida, pelo que nada mais resta, senão que concluir que os arguidos com as suas condutas melhor descritas supra e aqui dadas por reproduzidas, lograram preencher todos os elementos objectivos dos tipos contraordenacionais em referência e pelos quais vêm acusados.

Quanto ao preenchimento dos seus elementos subjectivos, não podemos deixar de mencionar que os arguidos exercem a atividade piscatória de um modo profissional, pelo que são conhecedores das normas que enformam tal atividade, não podendo deixar de pautar a sua conduta e modo de atuar pelas mesmas, tendo não obstante, agido de modo contrário, representando e querendo executar os atos materiais que levaram à prática das infrações contraordenacionais, tendo conhecimento dos resultados típicos, resultados esses que se concretizaram. Ao mesmo tempo, os arguidos não se abstiveram de actuar do modo supra exposto, de modo reiterado e continuado, tendo a conduta perdurado durante cerca de 60 (sessenta) minutos, pelo que se terá de concluir de modo perentório que os mesmos actuaram com dolo direto (art.º 14.º, do Cód. Penal, ex vi do art.º 32.º, do R.G.C.O.), uma vez que agiram de modo deliberado, livre e consciente, tendo, ademais, conhecimento de que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.

Mostram-se, assim, verificados todos os elementos objectivos e subjectivos dos referidos tipos contraordenacionais pelos quais cada um dos arguidos vem acusado nestes autos.

Outrossim não sofre contestação de que as condutas levadas a cabo por cada um dos arguidos, nos termos supra apurados, se mostram contrárias à ordem jurídica estabelecida pela comunidade, sendo, destarte, condutas ilícitas.

Todavia, estando preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos contraordenacional em referência e firmada as suas ilicitudes, importa ainda, em consonância com a matéria de facto dada como provada, empreender uma análise à temática da culpa de cada um dos agentes, porquanto, conforme já se assinalou, não existe sanção sem culpa.

Com efeito, para que qualquer conduta seja objecto de censura, não basta a mera realização do tipo de ilícito de mera ordenação social, mas também que a haja uma expressão de uma atitude pessoal contrária ao dever ser revelada no facto, que mereça ser alvo de um juízo de censura.

Recorrendo à dogmática penal (aqui aplicável mutatis mutandis à temática da contraordenação), são, pois, elementos necessários à formulação daquele juízo de culpa: a imputabilidade do agente; a sua consciência de ilicitude; e a não intervenção do elemento negativo traduzido na ocorrência de causas de desculpa.

Conforme se referiu, o princípio da culpa pressupõe a liberdade de decisão, pois só assim se poderá considerar responsável o agente por ter praticado o facto em vez de dominar os impulsos criminosos e a capacidade para os valores.

Não existindo dúvidas de que cada um dos arguidos se mostra imputável, deve empreender-se uma análise da culpa dos agentes, questão esta que, por sua vez, nos remete para a problemática da consciência da ilicitude, enquanto componente da culpa, devendo dispensar-se, portanto, uma apreciação mais aturada de molde a averiguar-se se cada um dos arguidos tinha ou não consciência da ilicitude das suas condutas.

Com efeito, neste domínio, dispõe o art.º 9.º, do R.G.C.O., que: «1 – Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável. 2 – Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.».

Por outra banda, estabelece o art.º 8.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, que: «2 – O erro sobre os elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o dolo.».

(…)

Aplicando o que ficou exposto ao caso vertente, deve concluir-se que não existe qualquer questão de (i)licitude concreta que se revele discutível ou controvertida.

Com efeito, sobre a obrigação de se observar, além do mais, todos os procedimentos e regras legalmente estabelecidos para a actividade piscatória em causa, nenhuma celeuma jurídica relevante se levanta que possa por em causa o acerto da proibição da sua violação. É pacífico na jurisprudência e na doutrina a necessidade de se punir as condutas que violem tais obrigações legais.

Ou seja e em suma: atendendo a que cada um dos arguidos é uma pessoa experiente e com prática na área, não podiam (nem deviam) desconhecer da obrigatoriedade de observar todos os procedimento e regras para poder exercer tal actividade piscatória nas condições em que o fizeram, sendo, destarte, censurável o invocado erro, a existir, o que não se logrou provar.

Termos em que se conclui que a alegada falta de consciência da ilicitude dos arguidos, a verificar-se, o que não aconteceu, sempre se consubstanciaria num erro censurável e, como tal, as suas condutas sempre continuariam a dever ser punidas, não havendo ainda fundamento para beneficiar os arguidos de uma atenuação especial da pena. Reitera-se, inexistem assim quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação, pelo que as actuações típicas dos arguidos, porque outrossim ilícitas e culposa, merecem a emissão de um juízo de censura, dado que podiam e deviam, atentas as circunstâncias concretas, ter actuado conforme ao Direito, o que não fizeram, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e puníveis por lei.

Acresce que inexistem quaisquer causas que excluam a ilicitude e que permitam afastar a culpa dos arguidos, encontrando-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos das contraordenações em causa.

Termos em que se conclui sem margem para quaisquer dúvidas, que cada um dos arguidos com as suas condutas supra apuradas, incorreu, de facto e de direito, na prática das 4 (quatro) contraordenações, p. e p. pelo art.º 12.º, n.ºs 1, al. a), 2, al.s l) e i) e 3, al. f) do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, pelo que, em conformidade, deverão ser condenados em coimas previstas nos termos legalmente aplicáveis, como veremos melhor infra.

***

4.2. DA MEDIDA DAS COIMAS

No processo contraordenacional em causa, ao tipo contraordenacional cometido através da violação da al. a), do n.º 1, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, é aplicável uma coima cujo limite mínimo é de € 750.00 (setecentos e cinquenta euros) e limite máximo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), no entanto estes limites encontram-se reduzidos a metade de acordo com o n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, pelo que a moldura abstrata a aplicar passa a ter o valor mínimo de € 375.00 (trezentos e setenta e cinco euros) e máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

A violação das alíneas l) e i), do n.º 2, do art.º 12.º, do DL 35/2019, de 11 de março, é punível com coima cujo limite mínimo é de € 600,00 (seiscentos euros) e limite máximo de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros), limites estes reduzidos a metade de acordo com o n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março pelo que a moldura abstrata a aplicar passa a ter como limite mínimo o valor de € 300,00 (trezentos euros) e limite máximo de € 18.750,00 (dezoito mil e setecentos e cinquenta euros).

A violação do disposto na al. f), do n.º 3, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2019, de 11 de março, é punível com coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), limites estes reduzidos a metade de acordo com o disposto no n.º 6, do art.º 12.º, do DL n.º 35/2029, de 11 de março, cujo limite mínimo passa a ser de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) e o limite máximo de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).

No procedimento contraordenacional em causa, os arguidos AA, BB, CC e DD foram condenados pela autoridade administrativa nas seguintes coimas, quais sejam:

• Pagamento de uma coima no valor de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) pela prática da infração à al. a), do n.º 1, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

• Pagamento de uma coima no valor de € 300,00 (trezentos euros) pela prática da infração à al. l), do n.º 2, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

• Pagamento de uma coima no valor de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) pela prática da infração à al. f), do n.º 3, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

• Pagamento de uma coima no valor de € 300,00 (trezentos euros) pela prática da infração à alínea i), do n.º 2.º, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março;

• Realizado o cúmulo jurídico das coimas aplicadas, nos termos previstos pelo art.º 19.º, do R.G.C.O., foi cada um dos arguidos, condenado no pagamento de uma coima única no valor de € 800,00 (oitocentos euros), pelas 4 (quatro) contraordenações cometidas em concurso efectivo.

Sendo que de acordo com o disposto no art.º 18.º, n.º 1 do R.G.C.O.: «A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.».

Conforme já se referiu, a teleologia subjacente às sanções previstas nestes preceitos se prende com a tutela do ambiente, reserva natural, dos recursos piscatórios e do ecossistema em geral.

Por outro, à necessidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do ilícito que, no caso, é susceptível de afectar de forma directa e imediata, os bens jurídicos tutelados, reflectindo assim a incapacidade do Estado em fazer cumprir as normas que se destinam à sua protecção, sendo necessariamente atendidas, também, as exigências de prevenção geral e especial.

Por seu turno, deve esclarecer-se que a coima tem um fim preventivo e, por isso, desempenha uma função de prevenção geral negativa (isto é, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta) e de prevenção especial negativa (no sentido de que visa evitar que o agente repita a conduta infractora). Destarte, pode com segurança concluir-se que a coima não tem um fim retributivo da culpa ética do agente, pois não visa o castigo de uma personalidade deformada reflectida no facto ilícito, nem tem um fim de prevenção especial positiva, pois não visa a ressocialização de uma personalidade deformada do agente

Assim, como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo certo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida 8. Se é certo, porém, que o legislador ordinário (na área do direito de mera ordenação social) goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, sem que com isso se coloque em causa o disposto no art.º 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa 9, a verdade é que deve o Tribunal emitir um juízo de censura e de correcção relativamente às soluções/decisões administrativas, no que tange à aplicação da coima, que sejam desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados.

(…)

Assim, por forma a dar efectivo cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 18.º, do R.G.C.O., deve atender-se 10:

a) À gravidade da contraordenação:

i) Grau de violação ou perigo de violação dos bens jurídicos e interesses ofendidos;

ii) Número de bens jurídicos e interesses ofendidos e suas consequências;

iii) Eficácia dos meios utilizados.

b) À culpa do agente:

i) Grau de violação dos deveres impostos ao agente;

ii) Grau de intensidade da vontade de praticar a acção;

iii) Sentimentos manifestados no cometimento da contraordenação;

iv) Fins ou motivos determinantes;

v) Conduta anterior ou posterior;

vi) Personalidade do agente.

c) À situação económica do agente (que se prende com a influência da sanção sobre este):

i) Situação Económic\a;

ii) Condições pessoais.

d) Ao benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação.

*

Concretizando.

Deverá esclarecer-se que a coima tem um fim preventivo e, por isso, desempenha uma função de prevenção geral negativa (isto é, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta) e de prevenção especial negativa (no sentido de que visa evitar que o agente repita a conduta infractora).

Destarte, pode com segurança concluir-se que a coima não tem um fim retributivo da culpa ética do agente, pois não visa o castigo de uma personalidade deformada reflectida no facto ilícito, nem tem um fim de prevenção especial positiva, pois não visa a ressocialização de uma personalidade deformada do agente

Assim, como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo certo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida

Como já se aflorou supra, no que concerne às finalidades da punição, pretende-se por um lado, sensibilizar os arguidos para a adoção de um comportamento distinto e conforme com as normas que regulam o exercício da atividade da pesca comercial marítima, tendo ainda em vista a necessidade de se colocar um fim a um conjunto de situações que apenas redundariam em prejuízo de uma concorrência leal entre comerciantes do mesmo ramo e no consumidor final, visando de igual modo contribuir para a sustentabilidade ambiental, económica e social dos recursos a longo prazo.

Já no que tange às necessidades de prevenção geral, impõe-se o restabelecimento da confiança da sociedade na validade da norma jurídica violada, de modo a instaurar de um clima de disciplina nos circuitos de distribuição e comercialização do pescado, mostrando que as condutas que não cumprem com tais requisitos não saem impunes. Ora, no caso em apreço, no que diz respeito à gravidade das infrações cometidas pelos arguidos, demonstrada pelo desvalor da conduta e pelo desvalor do resultado obtido, verifica-se que a mesma é acentuada, dado que pretende o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, assegurar a conservação dos recursos naturais.

Quanto à culpa dos arguidos, praticaram os mesmos os factos em causa na forma mais intensa de dolo, pelo que a sua conduta se afigura como censurável 13.

Relativamente às condições económicas dos arguidos, apurou-se o seguinte:

• O arguido BB no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 9.588,70.

• O arguido AA no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 33.072, 98.

• O arguido CC no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 8.766, 83.

• O arguido DD no ano fiscal de 2023 declarou um rendimento anual global no valor de € 8.766, 83.

No caso em apreço, não se verificou um benefício económico efectivo, mas apenas potencial, uma vez que os arguidos foram alvo de fiscalização, tendo sido apreendido o pescado e vendido pelo valor de 2.997,75€, conforme Nota de Liquidação (…) junto a fls. 9.

As necessidades de prevenção geral, também se afiguram medianas, atento o elevado número de contraordenações praticadas nesta matéria, capazes de colocar em causa o sistema de comercialização, criando vantagens para os agentes que não cumprem com o regime legal estabelecido, colocando os agentes económicos cumpridores em desvantagem e colocando em crise a conservação dos recursos naturais.

Quanto às necessidades de prevenção especial, não se afiguram as mesmas como prementes, uma vez que os arguidos não apresentam antecedentes contraordenacionais.

Assim sendo, e uma vez que os valores das coimas parcelares aplicadas que se situam nos montantes mínimos previstos pelo art.º 12.º, n.ºs 1, 2, 3 e 6, do DL 35/2019, de 11 de março, entendemos que a condenação dos arguidos em tais valores se mostram justos, adequados e proporcionais, devendo, por isso, serem aqui mantidos.

Caberá, ainda, realizar o respectivo cúmulo jurídico.

Estabelece, nesta sede, o art.º 19.º, do R.G.C.O., que: «1 – Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. 2 – A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. 3 – A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.».

(…)

Ora, no caso sub iudice, houve uma pluralidade de infrações contraordenacionais cometidas por cada um dos arguidos, traduzidas em violações plurimas de normas jurídicas, verificando-se, assim, a existência de um concurso efectivo de contraordenações puníveis segundo os critérios do citado art.º 19.º, do R.G.C.O., pelo que, necessariamente, a coima única a aplicar resultará do quantum a fixar em cúmulo jurídico.

Sendo que, conforme já se explicitou, a coima única aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso, nem pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicáveis, por força do previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 19.º, do R.G.C.O..

Assim os montantes das coimas únicas que, de seguida, irão aplicar-se a cada um dos arguidos, nos termos do citado art.º 19.º, do R.G.C.O., deverão ser justos, adequados e proporcionais ao grau de culpa de cada um deles e, bem assim, às exigências de prevenção geral e especial de práticas infracionais em causa, bem como às exigências de reprovação que as acções concretamente praticadas suscitam.

Neste conspecto, a autoridade administrativa decidiu, ponderando aqueles critérios legais aplicáveis, aplicar a cada um dos arguidos, em cúmulo jurídico das coimas parcelares aplicadas nos termos supra, uma coima única no valor de € 800,00 (oitocentos euros), valor este que se nos afigura outrossim justo, adequado e proporcional, tendo em atenção a gravidade das condutas assumidas por cada um dos arguidos, as suas culpas concretas na realização dos factos, bem como as suas condições económico financeiras e, ainda, o facto de não possuírem antecedentes contraordenacionais, pelo que será de manter a condenação unitária efetuada nos termos já supra descritos, o que se decide para os legais efeitos.

*

Foi ainda aplicada pela autoridade administrativa a sanção acessória de perda a favor do estado, prevista na al. b), do n.º 1, do art.º 14.º, do DL nº. 35/2019, de 11 de março, e para os efeitos do disposto no n.º 4, do art.º 25.º, do citado diploma, pelo valor de € 2.997,75 (dois mil, novecentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos) equivalente à venda do pescado apreendido.

O art.º 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março, estabelece que «simultaneamente com a coima ou nos casos de admoestação podem ser aplicadas ao infrator uma ou mais das seguintes sanções acessórias, em função da gravidade da infração, da culpa e da reincidência: (…); b) Perda dos produtos provenientes da pesca ou do valor equivalente.».

O art.º 15.º, n.º 1, do DL 35/2019, de 11 de março estabelece que: «as sanções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior só podem ser decretadas quando as artes de pesca, instrumentos, objetos ou produtos serviram ou estavam destinados a servir a prática de uma contraordenação ou por esta foram produzidos.». A norma em causa opera, pois, no âmbito das necessidades de prevenção geral e especial, pretendo servir como efeito dissuasor para o agente, ao mesmo tempo que não permite que os arguidos possam beneficiar com a venda de produtos obtidos de modo ilícito.

No caso em apreço, verificam-se todos os pressupostos para que se possa aplicar a sanção acessória, tal como determinado pela autoridade administrativa, pelo que é neste âmbito de manter a condenação aplicada, nos termos supra expostos, não colhendo o invocado pelos arguidos em sede de recurso, quando peticionam pela devolução das quantias que provieram da prática do facto ilícito.

*

Ainda ao abrigo do disposto no art.º 21.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março e respectivo anexo que dele faz parte integrante, foi aplicado ao arguido AA, na qualidade de capitão do navio, de sete (7) pontos pela prática da infração grave p. e p. pela alínea a), do n.º 1.º, do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, de 11 de março.

Consagra o art.º 21.º, n.º 1, do DL 35/2019, de 11 de março, que: «aos capitães de navios de pesca condenados pela prática de uma contraordenação qualificada como infração grave são aplicados os pontos nos termos do disposto no artigo 17.º.». Estabelece o art.º 17.º, n.º 1 que: «são suscetíveis de ser qualificadas como infrações graves, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 92.º do Regulamento (CE) n.º 1224/2009, do Conselho de 20 de novembro de 2009, as contraordenações previstas no n.º 1 e nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 12.º do presente decreto-lei e constantes do anexo que dele faz parte integrante.». O n.º 2.º, do art.º 17.º, refere que: «a qualificação referida no número anterior tem em conta um ou mais dos seguintes critérios: a) O facto de a conduta ter sido praticada em área classificada, bem como o dano significativo aos recursos e ou ao ambiente marinho; b) A repetição da conduta contraordenacional; c) O valor do benefício económico retirado com a prática da conduta seja superior a metade do limite máximo da coima abstratamente aplicável;

Recurso (Contraordenação)

d) A coação, a falsificação, as falsas declarações, a simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de atos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da contraordenação. 3 - A qualificação das contraordenações previstas no n.º 1 como infrações graves determina a aplicação de pontos nos termos previstos no anexo a que se refere o n.º 1.».

No presente caso, foram os arguidos condenados pela prática de uma contraordenação, que se integra na al. a), do art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 35/2019, sendo que se mostra preenchido o critério consagrado na al. a), uma vez que a conduta foi praticada em área classificada, sendo este o Parque …, motivo pelo qual se encontram preenchidos os pressupostos de imputação de pontos ao capitão do navio, devendo manter-se a condenação efetuada pela autoridade administrativa nos moldes supra expostos.

*

DA NÃO APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE ADMOESTAÇÃO

Vejamos ainda se se mostra admissível a aplicação da sanção de mera admoestação e, na afirmativa, se tal sanção se mostra ainda ajustada, adequada e proporcional para salvaguardar as necessidades de punição aqui reclamadas.

Nesta sede, podemos reproduzir o acórdão da Relação de Lisboa, de 2-2-2006, proc. 142/06, disponível em www.pgdlisboa.pt, quando decidiu que: «I – Dispõe o artigo 51.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro – R.G.C.O. – que, quando na gravidade da infracção e a culpa do agente forem reduzidas, pode a entidade competente limitar-se a proferir admoestação.».

(…)

Sem tanger com a óbvia admissibilidade da aplicação da sanção de admoestação a este tipo contraordenacional, afigura-se-nos que a quantidade de bivalves não submetidos ao regime de primeira venda em lota e ao seu transporte e o juízo de gravidade que lhe está ínsito e, bem assim, o grau mediano de culpabilidade verificado no caso, impele este julgador à escolha de uma sanção mais gravosa do que a “mera” sanção de admoestação, e legitima o entendimento de que apenas a aplicação de uma coima, materialmente relevante, poderá impedir o cometimento de novos ilícitos contra-ordenacionais, contribuindo para uma maior pedagogia e responsabilidade de outros operadores na mesma situação.

Vale por dizer que entendemos que in casu a aplicação de coimas no montante em que foram condenados os arguidos se nos afigura justificada, perante a censurabilidade das condutas de cada um deles, atentos os contornos do caso em apreço, rectius sequer os arguidos alguma vez demonstraram ter violado as normas legais em apreço, nem demonstraram qualquer arrependimento.

Assim, considerando todo o supra exposto, devidamente avaliado e ponderado, o tribunal entende que a sanção de admoestação seria manifestamente insuficiente, inadequada e desproporcional para satisfazer e para prevenir a prática pelos arguidos/recorrentes de futuros ilícitos de mera ordenação social.

Destarte, este Tribunal entende que além do grau de culpa demonstrado, a natureza das contraordenações confrontada com as finalidades de prevenção especial negativas e geral positivas e negativas, reveladas na situação em análise, não justificam que se faça uso da sanção de admoestação, crendo-se que a solene censura a proferir oralmente não se reputaria adequada à responsabilização contraordenacional dos arguidos/recorrentes.

Em face do supra exposto, devidamente avaliado e ponderado, o Tribunal entende que a sanção de admoestação não será suficiente, adequada e proporcional para satisfazer as entende que não se verificam no caso em apreço os pressupostos dos artigos 51.º do R.G.C.O. e art.º 60.º do Cód. Penal, ex vi do art.º 32.º do R.G.C.O..”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1.ª questão - A prescrição do procedimento contraordenacional.

2.ª questão – A nulidade / ilicitude das coimas aplicadas aos arguidos BB, CC e DD.

3.ª questão - A valia probatória das fotografias juntas aos autos.

4.ª questão – A alteração substancial dos factos.

5.ª questão – A nulidade da prova obtida por GPS e aparelhos de visão noturna.

B. Decidindo.

1.ª questão - Prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Segundo os recorrentes, o procedimento contraordenacional encontra-se extinto por prescrição, na medida em que o auto de notícia foi levantado em 03.03.2020, a suspensão COVID (09.03.2020 a 03.06.2020 e 22.01.2021 a 05.04.2021), notificado a 30.03.2023 e a decisão proferida a 11.06.2024.

Antes de mais, importa fixar o quadro normativo aplicável. Assim, por força do disposto no regime (específico) do DL 35/2019 (art.º 41.º), de 11.03, aplica-se, nas lacunas que o próprio evidencie, desde logo, o regime geral do ilícito de mera ordenação social. Deste modo:

(i) Regime Geral das Contraordenações1 (RGCO)

Artigo 27.º

Prescrição do procedimento

O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

Artigo 27.º-A

Suspensão da prescrição

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Artigo 28.º

(Interrupção da prescrição)

1-A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

Artigo 32.º

(Do direito subsidiário)

Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.

(ii) Leis COVID 19

(ii-1) Lei n.º 1-A/2020 de 19.03 (redação à data em que entrou em vigor)

Artigo 7.º

Prazos e diligências

(...)

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

(...)

Artigo 10.º

Produção de efeitos

A presente lei produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.

(ii-2) Lei n.º 4-A/2020 de 06.04

Artigo 5.º

Norma interpretativa

O artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

(ii-3) Lei n.º 16/2020 de 29.05

Artigo 6.º

Prazos de prescrição e caducidade

Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.

Artigo 8.º

Norma revogatória

São revogados o artigo 7.º e os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual.

Artigo 10.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação.

(ii.4) Lei n.º 4-B/2021 de 01.02

Artigo 6.º-B n.ºs 1 e 3

(aditado à Lei 1-A/2020 pela Lei 4-B/2021)

Prazos e diligências

1- São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(...)

3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.

(...).

Artigo 4.º

Produção de efeitos

O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.

(ii-5) Lei n.º 13-B/2021 de 05.04

Artigo 5.º

Prazos de prescrição e caducidade

Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.

Artigo 6.º

Norma revogatória

São revogados os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia 6 de abril de 2021.

(iii) Constituição da República Portuguesa

(Artigo 13.º

(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Artigo 19.º

(Suspensão do exercício de direitos)

1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.

2. O estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.

3. O estado de emergência é declarado quando os pressupostos referidos no número anterior se revistam de menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias susceptíveis de serem suspensos.

4. A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

5. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.

6. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, a capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.

7. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na lei, não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respectivos titulares.

8. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

Artigo 29.º

(Aplicação da lei criminal)

1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.

2. O disposto no número anterior não impede a punição, nos limites da lei interna, por acção ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos.

3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.

4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.

5. Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

6. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

(iiii) Convenção Europeia dos Direitos do Homem

Artigo 7.°

Princípio da legalidade

1. Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.

2. O presente artigo não invalidará a sentença ou a pena de uma pessoa culpada de uma acção ou de uma omissão que, no momento em que foi cometida, constituía crime segundo os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas.

Desde logo, importa sublinhar que, tal como se afirma na decisão recorrida, “a prescrição dos respetivos procedimentos contraordenacionais ocorre [in casu] em 3 (três) anos, uma vez as infrações respeitarem a coimas cujo limite máximo das suas molduras abstractas se situam entre os € 1.000,00 (mil euros) e os € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).”

Atendendo às diversas causas de interrupção de prescrição referidas na decisão referida e que seria ocioso reproduzir (fls. 12/13 da mesma), é de concluir, como ali se faz, que, “uma vez que a prática dos factos terá ocorrido no dia 3-3-2020, e tendo em atenção as causas de interrupção e suspensão que se verificaram nos presentes autos, conclui-se que o procedimento contraordenacional prescreveria no próximo dia 4-3-2025, ou seja, decorrido o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional de 5 (cinco) anos, relativo ao prazo normal de prescrição de 3 (três) anos, acrescido de metade, ou seja, 1 (um) ano e 6 (seis) meses, ao que acresce o período máximo de suspensão de 6 (seis) meses, tudo conforme previsto no art.º 28.º, n.º 3, do R.G.C.O..”

No entanto, como também ali se afirma, há que ter em conta as chamadas Leis COVID, ou seja, como também naquela decisão se conclui, ao mencionado termo do prazo (04.03.2025) “acrescem os prazos de suspensão provocados pela COVID-19, no ano de 2020, entre 9-3-2020 até 3-6-2020, contabilizando um total de 87 (oitenta e sete) dias, e em 2021, desde o dia 22-1-2021 até ao dia 5-4-2021, contabilizando um total de 74 (setenta e quatro) dias, prescrevendo o presente processo na data de 12-8-2025.”2

2.ª questão – A nulidade / ilicitude das coimas aplicadas aos arguidos DD, CC e BB.

Consta da decisão recorrida, a propósito desta questão, o seguinte:

“Vieram os arguidos invocar que nos termos do art.º 9.º, do DL n.º 15/97, de 31 de julho, que define o trabalho nas embarcações de pesca, «a bordo das embarcações de pesca o marítimo está sob a autoridade e direção do comandante mestre ou arrais.».

E que por isso, os pescadores a bordo das embarcações desempenham um papel meramente instrumental, em que os meios de produção são geridos pela entidade empregadora, pelo que no presente caso não se aplica o disposto no art.º 16.º, do DL n.º 433/82, de 27-10, uma vez que estamos no âmbito de relações laborais, só sendo possível estabelecer a responsabilidade solidária entre mestre e proprietário da embarcação.

Terminam pugnando pela nulidade/ilicitude das coimas aplicadas aos arguidos DD, CC e BB, por não serem solidariamente responsáveis pelas infrações da embarcação, devendo apenas responder o mestre, sendo este o arguido AA.

*

A autoridade administrativa pronunciou-se sobre a questão, pugnando pela improcedência do supra alegado pelos arguidos.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Desde já se diga que o DL n.º 35/2019, de 11-3, estabelece no seu art.º 8.º, n.ºs 1 e 6, respectivamente, que:

«É responsável pela prática de contraordenação a pessoa singular ou coletiva que pratique o facto constitutivo da mesma ou, no caso de omissão, que não tenha praticado a ação adequada a evitá-lo, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido», e que «é ainda responsável pela prática de contraordenação prevista no presente decreto-lei, por ação ou omissão, o capitão ou mestre do navio ou embarcação de pesca.».

Por seu turno, o art.º 16.º, n.º 1 do R.G.C.O., sob a epigrafe «comparticipação» que estabelece que:

«se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contra-ordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes.».

Refere neste âmbito António Beça PEREIRA (…) que daqui se retira que com a presente norma, o legislador pretendeu precisamente, consagrar «a comunicabilidade das “qualidades ou relações especiais” aos comparticipantes que, evidentemente, as não tenham, sendo estes responsabilizados nos mesmos termos dos que as têm.». E que: «o Tribunal Constitucional tem já entendido que, no contexto contraordenacional, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contraordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou concausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma” (cf. Frederica Lacerda da Costa Pinto …)..»

As normas em causa não consagram nenhuma exceção para quando estamos perante relações laborais, nem o poderiam fazer, pois tal iria deixar impune uma enormidade de situações, pelo que os argumentos alegados pelos arguidos carecem de fundamento legal.

Ao mesmo tempo, nunca se demonstrou existir entre os arguidos qualquer tipo de relação laboral, carecendo o alegado de qualquer tipo de fundamento atendível. Consta ecfetivamente do auto de noticia de fls. 3 e 4, que no dia 3-3-2020, os arguidos exerceram a atividade de pesca em habitat protegido, sem para tal dispor de licença e sem o uso de luzes de navegação, tendo ainda utilizado o recurso à prática proibida de bater nas águas, cuja conduta cessou no mesmo dia, tendo os factos em causa perdurado durante 60 (sessenta) minutos.

Destarte, e sem necessidade de se aduzirem outras considerações a respeito, deverá concluir-se pela improcedência da alegação invocada pelos arguidos neste conspecto.”

Não poderíamos estar mais de acordo.

Os recorrentes, aliás, e de forma especialmente significativa, alegam “relações de trabalho” (conclusão 13) mas não fazem qualquer prova de tal facto. Assim, para todos os efeitos, devem considerar-se que todos os arguidos cometeram as aludidas contraordenações, inexistindo qualquer nulidade / ilicitude das respetivas e imputadas coimas.

3.ª questão - A valia probatória das fotografias juntas aos autos.

Trata-se de (mais) uma questão sem qualquer fundamento, como a decisão recorrida resume e se subscreve por inteiro:

“[D]os autos não constam quaisquer fotografias onde aparece a embarcação “…”, ou os arguidos, nem se percebendo o que querem os recorrentes referir com tal afirmação, apenas se sabendo que na embarcação iam os quatro arguidos devido ao que consta do auto de noticia e (…) não devido a fotografias dos arguidos, fotografias essas que nem existem.”

Trata-se, assim, de uma questão sem qualquer fundamento factual ou jurídico válido e que se esgota na sua alegação, sendo notoriamente improcedente.

4.ª questão – A alteração substancial dos factos.

Vieram os recorrentes alegar que no auto de notícia e na notificação a embarcação/mestre vem acusada de duas infrações, sendo os arguidos condenados por quatro, e que tal configura uma alteração substancial de factos, que a lei processual penal culmina com a nulidade da sentença.

Alegam ainda que existe desconformidade entre a decisão condenatória e a notificação, quanto às infrações e aos arguidos, pelo que a decisão se encontra ferida de nulidades insanáveis entre a fundamentação subsumida aos factos, assim como entre a decisão e a notificação.

Vejamos.

Como também consta da decisão recorrida (que se subscreve por inteiro),

“[D]a leitura do auto de notícia constante de fls. 3 e 4 e, bem assim, da notificação realizada constante de fls. 16 a 28, observamos que os arguidos vem acusados por todos os artigos dos quais foram posteriormente condenados, do mesmo modo não se observando qualquer discrepância entre a decisão condenatória da autoridade administrativa de fls. 67 a 78 e a notificação de fls. 16 a 28 efetuada quanto às infrações praticadas e à identidade dos arguidos, pelo que o alegado se mostra, por assim dizer, como ininteligível, não colhendo, pois, qualquer sustento atendível.”

Mais uma vez, pelos motivos exemplarmente explicitados na decisão recorrida (que não são colocados em causa) é também esta questão notoriamente improcedente.

5.ª questão – A nulidade da prova obtida por GPS e aparelhos de visão noturna.

Vieram os ora recorrente alegar que o auto de notícia é omisso relativamente ao facto de saber se os aparelhos GPS e de visão noturna, que forneceram as posições GPS da embarcação foram aprovados pelo IPQ, bem como se têm sido ou não aferidos periodicamente nos termos e prazos legais e por que entidade, não tendo sido observadas as formalidades legais, pelo que não podem dar-se como provadas as concretas infrações.

Também aqui, pela clareza da decisão recorrida, a reproduzimos:

“Quanto ao facto de o auto de notícia não fazer qualquer menção à aprovação e verificação periódica dos equipamentos de GPS e de visão noturna utilizados para deteção e determinação da localização da embarcação “…”, não existe nenhum regime jurídico que estabeleça tal obrigatoriedade de certificação/aprovação de tais equipamentos pelo instituto português da qualidade e a sua verificação periódica, muito menos que tal seja exigido no âmbito de um auto de notícia, enfim…

Cumpre por outro lado deixar bem claro que o uso de tais equipamentos não configura nenhum meio de prova proibido previsto no art.º 126.º, do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O., uma vez que o sistema de GPS não foi colocado na embarcação “…”, tendo apenas sido usado pelos agentes fiscalizadores de modo a definir rigorosamente e em termos mais precisos a área marítima em que se encontravam os arguidos a exercer a actividade da pesca ilegal, para lograrem asseverar que aqueles estavam a violar a área interdita à pesca e, ademais, faziam-no à noite e com as luzes da embarcação apagadas para ocultar a sua presença no local, o que, por isso, justificou ainda o uso de equipamento de visão noturna, claro está. Assim sendo, e sem necessidades de outras considerações, é de concluir pela manifesta improcedência do peticionado pelos arguidos.”

Também nada aqui cumpre acrescentar, sendo que aqueles equipamentos apenas complementaram a visualização direta que os OPC efetuaram da atividade em causa, como se alcança do auto de notícia (página 2, § 2.º e 4.º a 7.º) por contraordenação junto aos autos.

*

Improcede, assim, totalmente o recurso.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em não conceder provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um, em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Edgar Valente (relator)

Anabela Cardoso (1.ª adjunta)

Carla Oliveira (2.ª adjunta, vencida conforme voto infra)

09/04/2025

*

Voto de vencido

No que concerne à prescrição:

A questão, no caso, centra-se essencialmente em saber se a Lei nº1-A/2020, de 19 de março e a Lei nº4-B/2021, de 1 de fevereiro, são aplicáveis à suspensão dos prazos de prescrição, relativamente aos processos penais e contraordenacionais (como é o caso nestes autos), cujos factos ilícitos ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor – e, como tal, se encontravam já pendentes. Se não o forem, o procedimento contraordenacional aqui em causa mostra-se extinto por prescrição.

A Lei nº1-A/2020, de 19/3, que aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação de pandemia (art. 1º), determinou, no seu art. 7º,nº1, nº3 e nº4 e, no que agora nos interessa, a suspensão dos prazos para a prática dos atos processuais estabelecendo também a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos – o que “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”. Tal suspensão vigorou desde 9 de março de 2020 – já que apesar de publicada a 19/3 os seus efeitos se produziram a partir daquela data - e até 3 de junho de 2020 (Lei nº 16/2020 de 29 de maio). Por seu turno, a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cujos efeitos se produziram a partir de 22 de janeiro, com o mesmo objeto da anterior, e que a altera, estabelece nos seus arts. 6º-B e 6ºC, idêntico regime quanto aos prazos de prescrição. Tais preceitos mantiveram-se em vigor até 5 de abril de 2021 (Lei nº 13-B/2021 de 5-4). Com tais diplomas, foi criada uma nova causa de suspensão da prescrição. A questão é saber se esta é aplicável aos processos criminais e contraordenacionais. Os prazos de prescrição criminal revestem natureza essencialmente substantiva (tal como tem sido entendido pela maioria da doutrina e jurisprudência). Estabelecem os limites do poder punitivo do Estado sendo em função deles que se apura, considerando o tempo decorrido desde a prática dos factos e conjugando-os com as causas de interrupção e de suspensão, se o agente deve ser punido e até quando. Não subsistem desta forma dúvidas de que tais prazos estão vinculados ao princípio da legalidade criminal, nas suas diversas vertentes, designadamente a não retroatividade da lei penal. Resultante dos arts. 1º a 3º do Cód. Penal e constitucionalmente consagrado (art. 29º, nº1, da CRP), tal princípio significa: “que não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poene sine lege). O princípio da legalidade exige que uma infração esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respetivas consequências” – Ac. STJ de 28/9/2005, Relator Henriques Gaspar.

Como tal, para efeitos de contagem dos prazos de prescrição só poderão ser atendidas as normas definidoras dos seus limites (início da contagem, causas da sua interrupção, de suspensão e períodos temporais máximos) vigentes ao momento da prática do ato ilícito. A única exceção será a introdução de normas que em concreto se mostrem mais favoráveis – art. 2º, nº4, do Cód. Penal e 29º, nº4, da CRP. Entende-se assim que a nova causa de suspensão da prescrição, relativamente ao procedimento criminal e contraordenacional apenas poderá ser aplicável aos factos praticados após a sua entrada em vigor e não àqueles que (como ocorre no caso em apreço) foram praticados em datas anteriores. Solução contrária significaria violar o princípio da legalidade e admitir a aplicação retroativa de lei penal que não se mostra mais favorável ao agente.

Por outro lado, o art. 19º, nº6, da CRP, estabelece, naquilo que nos interessa, que a declaração do estado de emergência em nenhum caso pode afetar a não retroatividade da lei penal. E, tal foi expressamente consignado nos Decretos do Presidente da República - nº14º-A/2020, de 18 de março, nº17-A/2020, de 2 de abril e 20-A/2020, de 17 de abril, respetivamente nos seus arts. 5º, nº1, 7º, nº1 e 6º, nº1 – que declarou e renovou o Estado de emergência e na decorrência do que as normas aqui em apreciação foram aprovadas.

E, considera-se, tal consagração nos Decretos Presidenciais, não pode ter qualquer outro sentido que não aquele que aqui se entende: as causas de suspensão da prescrição aí indicadas, no que diz respeito à prescrição criminal, apenas é aplicável os factos praticados após a sua entrada em vigor, não sendo aplicável aos anteriores – caso em que ocorreria a retroatividade da lei criminal. Mais, as próprias Leis aqui em análise estabelecem a produção dos seus efeitos em data anterior à da sua publicação. Em concreto, a primeira é publicada a 19/3 e retroage os seus efeitos a 9/3 e a segunda delas é publicada em 1/2 e retroage os seus efeitos a 22/1. A entender-se que se aplicam aos casos de prescrição criminal, tal consubstanciaria uma violação absolutamente flagrante do princípio da não retroatividade criminal.

Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião contrária, outro entendimento apenas é possível ignorando totalmente o teor dos mencionados Decretos Presidenciais ou considerando que os mesmos se limitaram a, sem qualquer critério crítico, reproduzir a Constituição, o que não se pode, em circunstância alguma, admitir como possível.

Assim, é nosso entendimento que o legislador, e em conformidade com a CRP, não quis efetivamente violar os princípios aí previstos. As normas em causa referem-se genericamente a todos os tipos de processos e procedimentos e, como tal, o seu aplicador deverá proceder à sua correta aplicação em função da matéria concreta que trata sendo que, no âmbito criminal, apenas a interpretação que já se deixou expressa se mostra conforme os princípios penais constitucionalmente consagrados.

O argumento de que a razão de ser da prescrição tem também presente a ideia de inércia do Estado e que esta não se verifica no caso concreto pois foi por motivos excecionais e de saúde pública, alheios à sua responsabilidade, que não foi possível o exercício do poder punitivo atempado, não é, na nossa perspetiva, razão válida para infirmar tudo o que se deixa dito. Desde logo porque se é verdade que essa responsabilidade não recaí sobre o Estado, não é menos verdade que também não recai sobre qualquer outra entidade ou pessoa, designadamente o agente, não sendo por isso razoável impor-lhe o ónus (ou o sacrifício) de situação.

Aliás, a este argumento pode-se também objetar com outra das razões inerentes ao instituto da prescrição e que se prende com a finalidade das penas. Estas não têm, no nosso ordenamento jurídico, natureza retributiva assentando antes em razões de prevenção e visando a ressocialização do agente. E, de tal resulta que as penas perdem a utilidade, tornando-se desnecessárias e até injustas se, desde a prática dos factos e até à sua aplicação, decorrer tempo excessivo – entendendo-se este como aquele que é fixado pelas normas relativas à prescrição. Ora, o prolongamento desses prazos, tidos como adequados, ainda que por motivos excecionais, também não se mostra ajustado.

Mas, sobretudo o que está aqui em causa é o facto de nos encontrarmos perante princípios fundamentais que não podem ceder perante a impossibilidade do Estado atuar em tempo útil. Mostram-se consagrados e têm por função, entre o mais, delimitar a linha de atuação do Estado no âmbito da jurisdição criminal, não permitindo a sua interferência além dos limites fixados. Aceitar tal ingerência permitiria, em abstrato e entre muitas outras situações, a criação de leis com vista a casos concretos pendentes. Tal mostra-se inadmissível. E, argumentar que uma determinada lei é criada com “boas intenções” e com o intuito de não criar situações injustas – como no caso, evitar as prescrições criminais por impossibilidade de atuação e da prática de atos – não se mostra motivo suficiente para afastar princípios como aqueles de que falamos. Seria sempre abrir uma porta proibida. Quem e como se definiria, em cada momento, o que é admissível e até que limite? Quem determina qual é a lei boa e honesta e que a não o é? Quando falamos de princípios estes não podem ser critérios.

Admite-se como certo que para situações verdadeiramente excecionais deveriam existir normas igualmente excecionais. A questão é que a Constituição não as prevê – pelo menos em relação à matéria ora em apreciação – e como tal não existem. E não se podem criar essas leis passando por cima de regras previamente definidas, consagradas e que se mostram essenciais em qualquer estado de direito.

Assim, em conclusão, entende-se que o regime de suspensão dos prazos de prescrição previstos nas Leis nº1-A/2020 de 19/3 e nº4-B/2021, de 1/2 não é aplicável aos processos criminais e contraordenacionais cujos factos ilícitos ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor (acompanhando-se, no essencial as posições expressas em: Ac. TRG de 25/1/21; Ac. TRL de 9/3/21; Ac. TRL de 24/7/20, Ac. do TRE de 26.10.2021, todos em www.dgsi.pt; “Suspensão da Prescrição do Procedimento Contra Ordenacional e COVID-19: Retrospectiva sobre o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2021”, Nuno Brandão, Separata Da Revista Portuguesa de Direito Constitucional; “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - uma primeira leitura e notas práticas” e em “Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19”, José Martins, Julgar online”; E-book do Centro de Estudos Judiciários, “Estado de Emergência – COVID 19 – Implicações na Justiça”, 2.ª edição, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid192Edicao.pdf).

No caso em apreço, tendo em consideração a data dos factos, decorreu já o prazo máximo de prescrição: 3 anos (prazo de prescrição), acrescido de 1 ano e 6 meses (metade do prazo de prescrição) e de mais 6 meses (tempo máximo de suspensão – arts. 27º, al.b), 27ºA, nº2 e 28º, nº3, do RGCO.

Assim, entende-se que deveria ser declarado extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional.

Por este motivo, votei vencida.

Carla Oliveira

..............................................................................................................

1 Aprovado pelo DL n.º 433/82 de 27.10.

2 De referir que existem (pelo menos) duas posições quanto à contabilização das suspensões “COVID”, como se dá conta em transcrição que se segue:

“Quanto aos prazos da suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional em concreto, importa convocar o decidido no Acórdão do TRL de 26.05.2023 proferido no processo n.º 25.22.5YUSTR.L1-PICRS: “Com efeito, é aplicável às contraordenações em crise a suspensão extraordinária do prazo de prescrição pelo período de 86 dias, entre 9.3.2020 e 2.6.2020, resultante dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 e 10.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril e 8.º e 10.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio, que entrou em vigor em 3 de Junho de 2020. Ao revogar este regime extraordinário de suspensão dos prazos de prescrição, o legislador previu, no artigo 6.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio, que os prazos de prescrição cuja suspensão cessa por força desse diploma legal, são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, ou seja, por mais 86 dias. Adicionalmente, é aplicável às contraordenações em crise a suspensão extraordinária do prazo de prescrição pelo período de 74 dias, entre 22.1.2021 e 5.4.2021, por força do artigo 6.º - B n.ºs 1 e 3 da Lei 1-A/2020, na versão da Lei 4-B/2021, cujo artigo 4.º prevê que artigo 6.º - B n.ºs 1 e 3 da Lei 1-A/2020 produz efeitos a 22.1.2021. Ao revogar este regime extraordinário, o legislador, mais uma vez, no artigo 5.º da Lei 13-B/2021 de 5 de Abril, previu que os prazos de prescrição cuja suspensão cessa por força desse diploma legal, são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, ou seja, por mais 74 dias. A este propósito, convém sublinhar que os prazos de prescrição aqui em causa encontravam-se em curso na data em que entraram em vigor os regimes excepcionais de suspensão da prescrição mencionados nos parágrafos 20 e 21, pelo que se lhes aplica o disposto no artigo 6.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio e, posteriormente, no artigo 5.º da Lei 13-B/2021 de 5 de Abril, que alargam, respectivamente, o prazo de prescrição pelo período correspondente à vigência de cada uma dessas suspensões, no caso de os prazos já estarem em curso quando tiveram início tais suspensões extraordinárias, como foi o caso. Essa interpretação do artigo 5.º da Lei 13-B/2021 resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.5.2022, proferido no processo 16/21.3YFLSB, onde se escreve: “Sublinha-se: naquele artigo 5.º estão apenas em causa os prazos que, encontrando-se em curso à data da suspensão generalizada dos prazos, tenham sido suspensos por via da Lei n.º 1- A/2020 tal como alterada pela Lei n.º 4-B/2021 e, portanto, impedidos de correr na sua totalidade”. Ora foi precisamente o que sucedeu no caso dos autos, sendo tal interpretação igualmente válida para o artigo 6º da Lei 16/2020 cujo texto é idêntico ao do artigo 5.º da Lei 13-B/2021. Na verdade, tal como resulta do ponto 3 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 16/21.3YFLSB, acima citado, a razão de ser das disposições legais que alargam o prazo de prescrição por período igual ao da suspensão, é “(...) assegurar, e justificadamente, a transição (mais) gradual para a retoma da contagem dos prazos que estavam suspensos, evitando o esgotamento abrupto dos que estivessem na iminência de terminar aquando da suspensão”. /…/ Feito este enquadramento, afigura-se então que o prazo de prescrição das contraordenações aqui em causa deve ser contado da seguinte maneira: O prazo de prescrição suspendeu-se pelo período de 86 dias, entre 9.3.2020 e 2.6.2020, por força dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 e 10.º da Lei 1-A/2020, 5.º da Lei 4-A/2020 e 8.º e 10.º da Lei 16/2020, que entrou em vigor em 3 de Junho de 2020; O prazo de prescrição foi alargado por mais 86 dias por força do artigo 6.º da Lei 16/2020; O prazo de prescrição suspendeu-se por 74 dias, entre 22.1.2021 e 5.4.2021, por força do artigo 6.º - B n.ºs 1 e 3 da Lei 1-A/2020, na versão da Lei 4-B/2021, cujo artigo 4.º prevê que artigo 6.º - B n.ºs 1 e 3 da Lei 1-A/2020 produz efeitos a 22.1.2021; O prazo de prescrição foi alargado por mais 74 dias por força do artigo 5.º da Lei 13-B/2021.”

A posição em causa não é pacífica, tratando-se de questão controvertida em sede jurisprudencial, sendo de mencionar o Acórdão do TRG de 16.03.2023 proferido no processo n.º 41/21.4T8CLB.G1 (referindo um entendimento semelhante defendido no Acórdão do TRL de 10.03.2022 proferido no processo 2797/21.5T8FNC-A.L1-2): “Porém, este alargamento do prazo não pode ser interpretado no sentido [de que] «o prazo de caducidade foi alargado pelo período de tempo em que vigorou a suspensão, ou seja, por mais 86 dias, o que perfaz um período total de 172 dias (86 dias de suspensão + 86 dias do alargamento do prazo de caducidade)». Efectivamente, esta interpretação não tem fundamento legal porque não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. art. 9º/2 do C.Civil).”

A esta posição contrapõe-se a inversa que é defendida, nomeadamente, no Acórdão deste TRE de 28.04.2022 proferido no processo n.º 98/20.5T8RMZ.E1 (aliás, referido no ATRG): “Em primeiro lugar, não há dúvida de que a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3.2020 e que ocorreu entre 9 de Março de 2020 e 2 de Junho de 2020, contempla o prazo de caducidade supra enunciado. (…) De facto, estabelecia o nº3 do artigo 7º que: “A situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”; acrescentando o n.º 4 que: “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.” (…) Assim, mercê da suspensão legalmente determinada, o prazo de um ano em curso – que terminaria em 1.4.2020 – não correu no período compreendido entre 9.3.2020 e 2.6.2020. É certo que retomou a sua contagem no dia 3.6.2020. Mas o seu prazo foi, por lei, alargado. Na verdade, o art.º 6.º da Lei nº 16/20, de 29.5. preceitua que os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações pela mesma introduzidas são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão. Como nos dá conta Marco Carvalho Gonçalves, “esta norma tem o seu correspondente no revogado art.º 7.º, n.º 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, o qual estabelecia que o regime de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos prevalecia sobre quaisquer regimes que fixassem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excepcional.”. Isto significa, que o prazo de caducidade em causa retomou a sua contagem, como dissemos, no dia 3 de Junho de 2020 e, ao invés de se completar no dia 25.6.2020, beneficiou do aumento da sua duração pelo período de 86 dias, ou seja, pelo período de tempo em que durou a suspensão do prazo legalmente determinado.” * Salvo o devido respeito pela posição do TRG mencionada, entende-se como asserção no mínimo temerária afirmar-se que a posição contrária (a que aqui se defende) corporiza uma interpretação que não tem fundamento legal porque não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Quando muito, poder-se-á afirmar que ambas as posições são defensáveis em face do texto da lei. No entanto, defender-se que a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão” apenas tem o alcance de reafirmar algo que… a lei anterior revogada já previa (a suspensão da prescrição) e que se justifica apenas porque… a lei foi revogada, corporiza um raciocínio circular que, já que ali se traz à colação o art.º 9.º, n.º 2 do Código Civil, também justificará invocar-se o n.º 3 de tal disposição ou seja, que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Assim, porque razão o legislador, em vez de determinar, singela e simplesmente, a cessação da suspensão da prescrição, teria optado pela solução rebuscada, pouco lógica e, sobretudo, desnecessária (a ser como ali se defende) de primeiro determinar uma revogação da lei e, depois, dizer que os efeitos dessa revogação são apenas… para o futuro, ressalvando-se expressamente os efeitos já produzidos, ou seja, a suspensão pelo período de tempo que durou a suspensão. Deste modo, ainda invocando o Código Civil, cabe referir o teor do seu art.º 12.º, n.º 1, ou seja, a lei só dispõe para o futuro e que, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa (o que, manifestamente, nem sequer é o caso), presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Ou seja, do exposto flui, na nossa opinião, que, caso fosse seguida a tese do TRG, o art.º 6.º da Lei nº 16/20 e o artigo 5.º da Lei 13-B/2021 seriam disposições totalmente inúteis porque já cobertas pelas normas que regulam a sucessão de leis no tempo.

Do exposto flui que, acrescentando-se os aludidos alargamentos do prazo prescricional ao terminus acima mencionado (15.02.2024, ou seja, 86 dias + 86 dias + 74 dias + 74 dias), ainda não ocorreu a prescrição, devendo os atos prosseguir a sua tramitação.” Não cabe aqui, obviamente, tomar partido sobre tal polémica. Cabe apenas recordar que, atenta a posição que se defender, até aquele termo de 12.08.2025 poderá ainda ser acrescentado de 86+74 dias, o que dilatará ainda mais a possibilidade da invocada prescrição.