As Leis nº1-A/2020, de 19 de março e nº4-B/2021, de 1 de fevereiro, não são aplicáveis à suspensão dos prazos de prescrição, relativamente aos processos penais cujos factos ilícitos ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor.
Como tal, para efeitos de contagem dos prazos de prescrição só poderão ser atendidas as normas definidoras dos seus limites (início da contagem, causas da sua interrupção, de suspensão e períodos temporais máximos) vigentes ao momento da prática do ato ilícito. A única exceção será a introdução de normas que em concreto se mostrem mais favoráveis – art. 2º, nº4, do Cód. Penal e 29º, nº4, da CRP. Entende-se assim que a nova causa de suspensão da prescrição, relativamente ao procedimento criminal, apenas poderá ser aplicável aos factos praticados após a sua entrada em vigor e não àqueles que (como ocorre no caso em apreço) foram praticados em datas anteriores. Solução contrária significaria violar o princípio da legalidade e admitir a aplicação retroativa de lei penal que não se mostra mais favorável ao agente. Por outro lado, o art. 19º, nº6, da CRP, estabelece, naquilo que nos interessa, que a declaração do estado de emergência em nenhum caso pode afetar a não retroatividade da lei penal.
1.1 Decisão recorrida
Por decisão de 16 de outubro de 2024, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra AA.
1.2 Recurso
Inconformada com tal decisão, a assistente, BB interpôs recurso, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O Tribunal a quo por douta decisão considerou que à data da sua constituição como arguida, em 17.06.2024, já o prazo de prescrição havia alcançado o seu termo, pelo que o presente procedimento criminal prescreveu, declarando-se o mesmo extinto, com tal fundamento.
2. Entendeu-se não ser de aplicar as causas de suspensão dos prazos de prescrição previstas nos arts. 7º/3 da L. 1-A/2020 de 19.03 e 6º-B/3 da L. 4-B/2021 de 01.02, temos que o prazo de prescrição do procedimento criminal instaurado contra a aqui arguida AA iniciou-se em 23.03.2019, data da prática dos factos e decorreu, ininterruptamente, até 24.03.2024, sem que se tenham observado quaisquer das causas de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição a que aludem os arts. 120º e 121º do Código Penal.
3. Todavia, a assistente não se conforma com a douta decisão.
4. O Ministério Publico, em sede de Inquérito, também já se tinha se pronunciado sobre esta questão e considerou que devido à situação epidemiológica do Coronavírus - COVID 19, foram criados normativos legais que visaram criar medidas excecionais e temporárias relativas à mesma, tendo sido estabelecido um regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que vigorou sem alterações desde o dia 09-03-2020 (artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020) até ao dia 03-06-2020 (artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020) – num total de 87 dias – bem como, foi estabelecido um outro regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22-01-2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4- B/2021) até ao dia 05-04-2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021) – num total de 74 dias. Nos presentes autos, tendo em consideração a data da prática dos factos (23-03-2019) e considerando que, entre 09-03-2020 e 03-06-2020 e entre 22-01-2021 e 05-04-2021, vigoraram as sobreditas Leis, que determinaram a suspensão dos prazos de prescrição nos aludidos períodos, constata-se que a prescrição do presente procedimento criminal apenas se dará a 30-08-2024.
5. os prazos de prescrição visam sancionar lapsos de tempo consideráveis e injustificados sem andamento do processo, não sendo de todo exigível que os visados estejam, por tempo irrazoável, sob procedimento administrativo ou criminal ou à espera do cumprimento de uma contraordenação ou pena. Há um tempo razoável para fazer justiça, consagração de um processo justo e equitativo, previsto no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
6. Nos presentes autos, à arguida é imputado de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10.º, 14.º, 26.º e 143.º, n.º 1, todos do Código Penal, pelo que, no caso em concreto a pena abstractamente aplicável é pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
7. Nos termos do artigo 118.º do Código Penal conjugado com o artigo 143.º n.1, no caso em apreço o prazo prescricional do procedimento criminal é de 5 anos, que tem início no dia em que o facto tiver consumado.
8. e, nos termos do preceituado nos artigos 120º e 121º do CP, os prazos de prescrição encontram-se sujeitos às causas de suspensão e interrupção previstas nestas disposições legais.
9. Foi notório que, a situação epidemiológica do Coronavírus - COVID 19 provocou uma grave questão de saúde publica que atingiu proporções globais que levaram à paralisação da vida em sociedade, mormente dos Tribunais foi fundamento para a implementação de legislação excepcional.
10. Foi num particular e especialíssimo contexto, que foram implementadas causas de suspensão da prescrição dos procedimentos criminais.
11. Foram transitórias.
12. Somente vigoram durante o período em que se manteve o condicionalismo à actividade dos tribunais devido à situação excepcional de emergência sanitária.
13. A implementação das leis n.º 1-A/2020, de 19 de março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, sucedeu num período particularmente severo da pandemia, obrigou as pessoas a permanecerem em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as excepções em que dela podiam sair.
14. Os cidadãos estiveram impedidos de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência.
15. Pelo que se entende que, a singular execpcionalidade e o fundamento da causa de suspensão do prazo prescricionoial em causa, justifica que a mesma se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores.
16. Não foi uma qualquer situação que originou a implantação de um regime de excepcionalidade.
17. Mas sim uma situação sanitária de extrema excepcionalidade.
18. Que justificou a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) e que se aplica a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos.
19. “não estamos perante uma retroactividade directa ou de primeiro grau, no sentido de aplicação de regra noca a contexto passado, mas face a aplicação de preceito a quadro temporal futuro relativo a realidade contemporânea – a pendência processual; Não há arbitrariedade, surpresa, desproporção ou um gorar de expectativas, logo não há inconstitucionalidade”, in Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.03.2021
20. A lei n.º 1-A/2020, de 19 de março implementou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e no seu art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, versão primitiva, determinou que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
21. Também a lei n.º 4-B/2021, de 01.02, no seu art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio outrossim determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
22. Esta situação sanitária de singular e extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores.
23. Compulsados os autos verifica-se que, os factos foram praticados pela arguida em 23.03.2019.
24. Esta foi constituida a arguida e prestou TIR em 17.06.2024.
25. E, foi notificada da acusação em 13.07.2024.
26. Ora, entre 09.03.2020 e 03.06.2020, por força do regime excepcional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal implementado pelo artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que vigorou sem alterações desde o dia 09-03-2020 (artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020) até ao dia 03-06-2020 (artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020) – num total de 87 dias.
27. Implementou-se um outro regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, implementado pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22-01-2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4- B/2021) até ao dia 05-04-2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021) – num total de 74 dias.
28. Ou seja, o prazo de prescrição do presente procedimento criminal esteve suspenso no total de 161 dias, em virtude dos regimes excepcionais de suspensão dos prazos de prescrição acima referidos, pelo que a prescrição do presente procedimento criminal ocorreria em 30.08.2024.
29. Tendo a arguida sido notificada da acusação em 13.07.2024 que interrompeu o prazo de prescrição.
30. Pelo que se entende, que o prazo de prescrição não se verificou e, consequentemente, o procedimento criminal não deve ser considerado extinto, uma vez que, com todo o devido respeito, se entende que desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição, perfilhando-se a jurisprudência que vem neste sentido.”
1.3. Respostas/Parecer
A arguida AA apresentou resposta da qual, pronunciando-se pela manutenção da decisão recorrida, extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“1 – O nº. 2 do artigo 400º. do C.P.P. que coincide com o artigo 629º. nº. 1 do C.P.C., impõe 2 critérios cumulativos de admissisbilidade de recurso, relativamente a matéria cível:
- “o recurso é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido”, (5.000,00 €) e
- “a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada” (2.500,00 €);
2 – Ora, no caso concreto dos autos consta um pedido de indemnização civil na importância de 3.750,00 €, inclusivamente a assistente (ora recorrente) propôs a suspensão provisória do processo, mediante o pagamento de 300,00 € à APAV e de 1.000,00 € à assistente, no período de 10 meses.
3 – Nesta conformidade, não se verificam as condições de admissibilidade (critérios gerais) do recurso estabelecidas no artigo 400º. nº. 2, do C.P.P..
4 – Por outro lado à data de constituição de arguida em 17 de junho de 2024, como foi reconhecido pelo douto despacho “já o prazo de prescrição havia alcançado o seu termo, declarando-se o mesmo extinto com tal fundamento.”
5 – Acresce que a intervenção ´da “Assistente” é “limitada ao papel de colaborador do Ministério Público” o que acaba por significar que “ os seus concretos interesses no processo só são atendíveis enquanto coincidirem com o interesse coletivo na realização da justiça penal”.
6 – Obviamente que meras razões de vindicta privada não podem servir como interesse do Assistente para recorrer, pois, esse interesse só existe, como ressulta do Assento nº. 8/99 , de 30 de outubro de 1997 e do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº. 2/20 de 26 de março de 2020, quando em concreto, o assistente possa retirar para si, uma vantagem da agravação da pena.
7 – Na realidade, o Assistente no seu papel de colaborador do Ministério Público e a cuja atividade está subordinado (69º. nº. 1 do C.P.P.), pois é ao Ministério Público que compete o exercício do jus puniendi (artigo 219º. nº. 1 da C.R.P.),com ressalva das exceções previstas na lei, só pode assumir no processo posições compatíveis com as assumidas pelo Ministério Público.
8 – É reconhecido pela jurisprudência maioritária e pela doutrina que as situações de suspensão de prescrição do procedimento criminal estabelecida nas chamadas “leis covid” apenas de aplica aos factos praticados durante a sua vigência, pois caso contrário existiria violação do artigo 19º. nº. 6 da C.R.P..
9 – O artigo 19º. nº. 6, consagra o princípio da não retroatividade da lei penal, como um direito intangível, que não pode ser afetado pela declaração de estado de emergência. Assim, é a própria Constituição da República Portuguesa que “não autoriza que o estado de emergência possa ser usado como “via verde” para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei penal (e contraordenacional), através do alargamento de prazos de perscrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência” – Actualid jurídica Uría Menéndez nº. 55 enero-abril 2021, Squilacce, Adriano; Nunes, Raquel Cardoso (2021) “A suspensão dos prazos de prescrição em processo penal e contraordenacional por efeito da legislação COVID-19” pags 232-239.
10 – Nestas condições e atendendo à situação concreta dos autos, o despacho em causa, não admite recurso, devendo concluir-se pela sua inadmissibilidade, por irrecorribilidade e em consequência ser rejeitado o recurso (artºs 400º. nº. 2, 414º. nºs 2 e 3, 417º. nº. 6 alíneas a),b) e c) e 420º. nº. 1 alíneas a) e b) do C.P.P..
11 – Deve assim manter-se o douto despacho do tribunal “a quo” dada a prescrição na data de constituição como arguida em 17 de junho de 2024, declarando-se o mesmo extinto, com tal fundamento.”
Também o Ministério Público apresentou resposta, pedindo a revogação da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Por decisão proferida a 16.10.2024, a Mma. Juíz do Tribunal “a quo” declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra AA, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples.
2. A Mm.º Juiz considerou, então, que:
“A previsão dos arts. 7º/3 da L. 1-A/2020 de 19.03 e 6º-B/3 da L. 4-B/2021 de 01.02, na parte concernente aos prazos de prescrição, só poderá, assim, a nosso ver, vigorar para o futuro, ou seja, para factos praticados durante a sua vigência”.
3. Não podemos, de todo, concordar com essa decisão, à semelhança da Recorrente.
4. Os factos imputados à arguida na acusação, configuram o cometimento do crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art.º 143.º do Cód. Penal e punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
5. Dispõe o art.º 118º, n.º 1, al. c) do Código Penal que nos crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano e inferior a 5 anos de prisão o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime, tiverem decorrido 5 anos.
6. No caso dos autos, é, pois, de 5 anos, o prazo de prescrição aplicável, correndo o mesmo desde o dia em que o facto se tiver consumado (art.º 119.º, n.º 1 do CP).
7. Acontece que, sobre tal prazo ocorreram as causas de suspensão de prescrição do procedimento criminal operadas por força dos regimes excecionais de suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais relativos à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARSCOV-2 e da doença COVID-19.
8. Por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º, vigorou um primeiro prazo de suspensão desse procedimento, entre o dia 09 de março de 2020 até ao dia 03 de junho de 2020, num total de 87 dias (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio).
9. Posteriormente, voltou a vigorar um novo regime de suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais introduzido pelo n.º 3 do art.º 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que vigorou entre 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
10. Não obstante alguma divergência jurisprudencial quanto à aplicação deste regime de suspensão de prazos de prescrição quanto a factos praticados anteriormente à sua vigência, defendemos aqui aquela que assim o considera.
11. A título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/2024, proc. 4/20.7GDMFR.L1-5I, in ww.dgsi.pt, o qual sufragamos.
12. Aquando da entrada em vigor de tais regimes excecionais, foram razões de superior interesse público que se sobrepuseram ao andamento dos prazos processuais, implicando a publicação de leis e diplomas, com a aplicação de medidas destinadas a conter o risco de contágio e propagação de doenças excecionais, como foi a da suspensão temporária dos prazos de prescrição do procedimento criminal.
13. Assim, não se aplicar no caso dos autos os referidos regimes excecionais de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento criminal, seria atentar contra a razão de ser da sua publicação e a intenção do legislador, prejudicando, em grande medida, os direitos das vítimas.
14. Deste modo, considerando-se, no presente caso, aplicáveis os aludidos regimes excecionais de suspensão, não ocorreu de todo qualquer prescrição do procedimento criminal do crime de ofensa à integridade física de que a arguida foi acusada, porquanto:
15. Remontando os factos a 23.03.2019, e tendo em consideração que o prazo de prescrição suspendeu-se por força dos aludidos regimes excecionais entre 09.03.2020 e 03.06.2020, e entre 22.01.2021 até 05.04.202, constata-se que a prescrição do presente procedimento criminal apenas se daria a 30.08.2024.
16. No entanto, em 17.06.2024, com a constituição de arguida interrompeu-se o prazo de prescrição (art. 121º, n.º 1, al. a) do Código Penal), começando a correr novo prazo de prescrição (n.º 2 do referido normativo).
17. E em 13.07.2024, voltou a interromper-se o prazo de prescrição (art. 121º, n.º 1, al. b) do CP), com a notificação da acusação à arguida, iniciando-se novo prazo prescricional.
18. Pelo que, entendemos, tal como a Recorrente, que o presente procedimento criminal não se encontra prescrito.”
O Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no qual, no essencial, acompanhou a posição assumida pelo Ministério Público, junto do tribunal recorrido.
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2. Questões a decidir no recurso
A única questão a apreciar e a decidir no presente recurso é a de saber se a Lei nº1-A/2020, de 19 de março e a Lei nº4-B/2021, de 1 de fevereiro, são aplicáveis à suspensão dos prazos de prescrição, relativamente aos processos penais cujos factos ilícitos ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor – e consequentemente se a decisão recorrida deve subsistir ou substituída por outra que não declare a prescrição do procedimento criminal e determine o prosseguimento dos autos, de acordo com a normal tramitação processual.
*
3. Fundamentação
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“(…) Impõe-se que o Tribunal se pronuncie relativamente à prescrição do procedimento criminal, questão que é, como sabido, de conhecimento oficioso.
O Ministério Publico tomou posição anteriormente, em despacho proferido em 02.05.2024.
Sem prejuízo de, em anterior despacho, proferido em turno, ter a signatária considerado que os autos não estavam prescritos, por força da suspensão dos “prazos covid”, cumpre uma melhor ponderação relativamente à questão de fundo que a mesma encerra, de natureza substancial.
Ora,
Os factos imputados a AA, que integram, em abstracto, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, datam de 23.03.2019, tendo sido esta pessoalmente constituída arguida em 17.06.2024 e, posteriormente, notificada da acusação em 13.07.2024.
Preceitua o legislador no art. 118º do mesmo diploma legal que “o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:
(…) c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;
d) Dois anos, nos casos restantes”.
Considerando a pena abstractamente aplicável ao crime de ofensa à integridade física simples – prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias –, é, pois, de 5 anos o prazo prescricional do procedimento criminal, prazo este que se inicia no “dia em que o facto de tiver consumado” (art. 119º/1 do C.Penal).
O referido prazo prescricional encontra-se, no entanto, sujeito às causas de suspensão e interrupção previstas nos arts. 120º e 121º do mencionado diploma legal, na redacção que lhe foi dada pela L. 19/2013 de 21.02, por lhe ser mais favorável (art. 2º/4 do C.Penal).
Assim, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que:
a) “o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) vigorar a declaração de contumácia;
d) a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) a sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) o delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”
Sendo que, no caso da alínea b) a suspensão não pode ultrapassar 3 anos e no caso da alínea c) “não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição”.
Por seu turno, interrompe-se:
a) “com a constituição de arguido;
b) com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) com a declaração de contumácia;
d) com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.”
Todavia, visando estabelecer um limite máximo de duração da prescrição do procedimento criminal, o legislador estipulou no art. 121º/3 do C.Penal, que a prescrição “tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”.
Este é, em traços gerais, o regime da contagem dos prazos de prescrição do procedimento criminal.
Todavia, na sequência do estado de emergência em matéria de saúde pública (pandemia) decretado pela Organização Mundial de Saúde, foi publicada a L. 1-A/2020 de 19.03, embora com efeitos reportados a 09-03-2020, que aprovou medidas excepcionais e temporárias de
resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e a doença COVID-19.
No referido diploma legal, estipulou-se, no art. 7º, uma norma genérica de suspensão dos prazos processuais e procedimentais (nº 1), mais se prevendo que a “situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos” (nº 3), acrescentando-se, ainda, no seu nº 4 que o disposto no nº 3 “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”.
Entretanto, a L. 4-A/2020 de 06.04 veio alterar a redacção do referido preceito, com produção de efeitos, nesta parte, a 07.04.2020, que no seu nº 7 passou a consagrar, como regra genérica, que os “processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências”.
O mencionado preceito foi revogado pelo art. 8º da L. 16/2020 de 29.05, que entrou em vigor a 03.06.2020.
Sucede que,
Com a publicação da L. 4-B/2021 de 01.02, foi aditado à L. 1-A/2020 de 19.03, o art. 6º-B – cujos efeitos retroagiram a 22.01.2021 –, no qual, para além de se consagrar, novamente, uma norma genérica de suspensão das diligências e prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos (nº 1), se estatui que são “igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.” (nº 3), acrescentando-se, no nº 4 que o disposto no nº 3 “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão”.
À semelhança do que se verificou anteriormente, também este artigo 6º-B veio a ser revogado, desta feita pelo art. 3º da L. 13-B/2021 de 05.04, que entrou em vigor a 06.04.2021.
O que cumpre aferir é se estas (novas) causas de suspensão dos prazos de prescrição, previstas no art. 7º/3 da L. 1-A/2020 de 19.03 e no art. 6º-B/3 da L. 4-B/2021 de 01.02, que vigoraram respectivamente nos períodos compreendidos entre 09.03.2020 e 02.06.2020 e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 e que, pese embora, não alterem, directamente, o prazo de prescrição, o acabam por protelar no tempo, se aplicam à contagem dos prazos de prescrição do procedimento criminal relativamente a processos já em curso aquando do momento da sua entrada em vigor, i.e., nos quais tal prazo já se tenha iniciado mas ainda se não mostre extinto.
Após cuidada análise e ponderação, e revendo a posição adoptada no despacho proferido em 16.08.2024, em turno, adiantamos que, em nosso entendimento e salvo o devido respeito por posição diversa, a resposta deverá ser negativa.
Com efeito,
As normas que regem sobre os termos, os prazos, as causas de interrupção e de suspensão, os efeitos e a legitimidade para invocar a prescrição do procedimento criminal e das penas, condicionando a responsabilidade penal, ainda que tenham também um cunho processual configuram normas de direito penal substantivo.
Por outro lado, a sucessão de leis processuais penais é regulada pelos princípios basilares da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável, que têm assento constitucional no art. 29º da Constituição da República Portuguesa e se mostram consagrados no art. 2º/4 do C.Penal.
Por fim, o momento decisivo para a determinação da lei processual material aplicável é o do tempus delicti, em conformidade com o preceituado no art. 2º/1 do C.Penal – independentemente de, no que às penas respeita, o prazo de prescrição começar a correr no dia em que transitar em julgado a sentença que as aplica.
Ora,
Tal como estabelece o art. 119º do C.P.Penal o prazo de prescrição do procedimento criminal inicia-se com a consumação do crime, pelo que, em obediência aos citados princípios, da legalidade e da irretroactividade da lei penal desfavorável, é o mesmo determinado pela lei vigente a essa data, da prática dos factos.
Entender, diversamente, ou seja, que uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição – quer do procedimento criminal, quer das penas – se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, já se encontravam em curso, seria atribuir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no art. 29º/4 da C.R.Portuguesa, porquanto é mais gravoso para a situação processual do arguido, protelando, no tempo, a possibilidade da sua perseguição e punição criminal.
Convirá salientar, conforme, expressamente, decorre do art. 19º/6 da C.R.Portuguesa, que o estado de emergência e o regime das leis temporárias de modo algum, poderá atingir o escopo do principio da não retroatividade da lei criminal, sendo que a especialidade do regime destas reside, precisamente, na sua aplicabilidade às condutas nelas previstas e praticadas durante a sua vigência, independentemente de, atento o carácter excepcional da situação que determina a sua publicação, no momento do julgamento as mesmas já não se encontrarem em vigor. Reporta-se Taipa de Carvalho a tal situação, como um regime de ultraactividade desfavorável constitucionalmente assumido (in Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 2.ª Ed. Revista, pág. 199).
A previsão dos arts. 7º/3 da L. 1-A/2020 de 19.03 e 6º-B/3 da L. 4-B/2021 de 01.02, na parte concernente aos prazos de prescrição, só poderá, assim, a nosso ver, vigorar para o futuro, ou seja, para factos praticados durante a sua vigência.
A questão em análise vem dividindo a doutrina e a jurisprudência portuguesas, encontrando, a posição agora defendida, acolhimento em vários artigos (como Rui Cardoso e Valter Baptista in E-book do Centro de Estudos Judiciários, “Estado de Emergência – COVID 19 – Implicações na Justiça”, 2.ª edição, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19_2Edicao.pdf e Germano Marques da Silva in Ética e Estética do Processo Penal em Tempo de Crise Pandémica, Revista do Ministério Público, Número especial COVID-19, Jun. 2020, págs. 114-115), como, bem assim, em inúmeros acórdãos dos nossos Tribunais superiores.
Vejam, designadamente, os Acs. da Relação de Lisboa de 24.07.2020 (Proc. 128/16.5SXLSB.L1-5), de 21.07.2020 (Proc. 76/15.6SRLSB.L1-5), de 09.03.2021 (Proc. 207/09.5PAAMD-A.L1-5), de 15.02.2022 (Proc. 804/03.2PCALM-A.L1-9) e no voto de vencido de 20.02.2024 (Proc. 4/20.7GDMFR.L1-5), da Relação do Porto de 14.04.2021 (Proc. 300/19.6Y9PRT), da Relação de Évora de 23.02.2021 (Proc. 201/10.3GBVRS.E1), de 26.10.2021 (Proc. 28/06.7IDFAR-A.E1) de 10.05.2022 (Proc. 1407/18.2TLAG.E1) e da Relação de Coimbra de 07.12.2021 (Proc. 200/09.8TASRE-C3), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Optamos por reproduzir, pela sua clareza e lucidez, o decidido pelos Venerandos Desembargadores da Relação de Guimarães, no recente Ac. de 15.12.2022 (Proc. 31/20.4IDVRL.G1):
“I - As causas de suspensão da prescrição integram, ainda que tenham também um cunho processual (isto é, ainda que a sua natureza seja mista e não puramente material), o direito penal substantivo, o qual tem como princípio fundamental, entre outros, a não retroactividade da lei penal in pejus.
II - A Lei nº 1-A/2020 de 19-03, e posteriores alterações operadas no âmbito do Estado de Emergência, que integram a legislação Covid, estabelece uma nova causa de suspensão da prescrição penal.
III - As normas provenientes da Lei nº 1-A/2020 de 19-03, e da restante legislação que foi sucessivamente alterando e adequando aquela lei, têm como limite as imposições referidas no artº 19º da CRP, mormente as constantes dos seus nºs 3 e 6.
IV - A Lei nº 1-A/2020 de 19-03 está sujeita ao limite constitucional da não retroactividade da lei penal in pejus.
V - O artigo 19º da CRP, embora regulando uma situação excepcional, não a define e, por isso, constitui uma norma geral e abstracta aplicável a qualquer situação nela enquadrável, pelo que a pandemia em torno da Covid 19 traduziu apenas uma de um sem número de situações potencialmente susceptíveis de enquadrar um Estado de Emergência.
VI - A excepcionalidade das situações previstas no artº 19º CRP já se mostra acautelada pelo facto de poder ser decretado um Estado de Sítio ou um Estado de Emergência com a suspensão de alguns direitos constitucionais.
VII - Pretender ir para além disso e considerar que, dentro da excepcionalidade que o artº 19º CRP já contempla, há ainda situações mais excepcionais do que outras, é cair num subjectivismo muitas vezes ditado pelo pânico, receio ou trauma que resultou do evento que determinou o decretamento do Estado de Emergência.
VIII - Não se pode dizer que o decretamento do Estado de Emergência tem de obedecer à Constituição enquanto se afirma que, mesmo em caso de guerra, grave perturbação da ordem constitucional ou de uma calamidade pública (ou seja os fundamentos do Estado de Emergência), se pode decidir em cada momento, e perante circunstâncias específicas, que alguns fenómenos subjacentes ao decretamento do Estado de Emergência podem escapar àquele controle constitucional.
IX - Isso seria, transformar leis que já são, de per se, excepcionais e transitórias na ordem jurídica (porque decretadas por causa de um Estado de Emergência) em arbitrárias quanto aos seus efeitos porque subtraídas ao controle constitucional.
X - A aplicação das salvaguardas da nossa Constituição, desenhadas para manter incólume aquele núcleo fundamental de direitos que foram sendo conquistados ao fim de muitos séculos e convulsões políticas e sociais, e que são os alicerces de um Estado de Direito Democrático, não pode ficar sujeita ao que cada um, em cada momento, e de acordo com a sua própria sensibilidade perante o fenómeno que determinou o decretamento do Estado de Emergência, possa considerar de excepcional dentro da excepcionalidade que o artº 19º da CRP já consagra.”
Revertendo, agora, estas considerações para os presentes autos…
Arredada a aplicação das causas de suspensão dos prazos de prescrição previstas nos arts. 7º/3 da L. 1-A/2020 de 19.03 e 6º-B/3 da L. 4-B/2021 de 01.02, temos que o prazo de prescrição do procedimento criminal instaurado contra a aqui arguida AA iniciou-se em 23.03.2019, data da prática dos factos e decorreu, ininterruptamente, até 24.03.2024, sem que se tenham observado quaisquer das causas de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição a que aludem os arts. 120º e 121º do Código Penal.
Pelo exposto importa concluir que, à data da sua constituição como arguida, em 17.06.2024, já o prazo de prescrição havia alcançado o seu termo, pelo que o presente procedimento criminal prescreveu, declarando-se o mesmo extinto, com tal fundamento.
Notifique. (…)”
*
3.2 – Da prescrição
A questão centra-se essencialmente em saber se a Lei nº1-A/2020, de 19 de março e a Lei nº4-B/2021, de 1 de fevereiro, são aplicáveis à suspensão dos prazos de prescrição, relativamente aos processos penais cujos factos ilícitos ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor – e, como tal, se encontravam já pendentes. Se não o forem, o procedimento criminal aqui em causa mostra-se extinto por prescrição, o que ocorreu no dia 24/3/2024 (momento em que decorreram 5 anos sobre a data da prática dos factos sem que tenham ocorrido quaisquer causas de suspensão ou interrupção do prazo, previstas nos arts. 120º e 121º, do Cód. Penal), tal como consta da decisão proferida em sede de 1ª instância e que, nessa parte - a data da prescrição sem aplicação das ditas “Leis Covid” – não é sequer questionada.
Cumpre apreciar.
Tal legislação surgiu, como é sabido, devido à pandemia denominada Covid-19 que, por motivos de saúde pública, obrigou a um confinamento generalizado de toda a comunidade, o qual se traduziu na impossibilidade prática do prosseguimento de uma vida dita normal no que se incluía, entre o mais, as deslocações a Tribunais e a regular prática dos atos judiciais.
Assim, a Lei nº1-A/2020, de 19/3, que aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação de pandemia (art. 1º), determinou, no seu art. 7º,nº1, nº3 e nº4 e, no que agora nos interessa, a suspensão dos prazos para a prática dos atos processuais estabelecendo também a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos – o que “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”. Tal suspensão vigorou desde 9 de março de 2020 – já que apesar de publicada a 19/3 os seus efeitos se produziram a partir daquela data - e até 3 de junho de 2020 (Lei nº 16/2020 de 29 de maio). Por seu turno, a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cujos efeitos se produziram a partir de 22 de janeiro, com o mesmo objeto da anterior, e que a altera, estabelece nos seus arts. 6º-B e 6ºC, idêntico regime quanto aos prazos de prescrição. Tais preceitos mantiveram-se em vigor até 5 de abril de 2021 (Lei nº 13-B/2021 de 5-4). Assim, com tais diplomas, foi criada uma nova causa de suspensão da prescrição. A questão é saber se esta é aplicável aos processos criminais. Os prazos de prescrição criminal revestem natureza essencialmente substantiva (tal como tem sido entendido pela maioria da doutrina e jurisprudência). Estabelecem os limites do poder punitivo do Estado, sendo em função deles que se apura, considerando o tempo decorrido desde a prática dos factos e conjugando-os com as causas de interrupção e de suspensão, se o agente deve ser punido e até quando.
Não subsistem desta forma dúvidas de que tais prazos estão vinculados ao princípio da legalidade criminal, nas suas diversas vertentes, designadamente a da não retroatividade da lei penal. Resultante dos arts. 1º a 3º do Cód. Penal e constitucionalmente consagrado (art. 29º, nº1, da CRP), tal princípio significa: «(…) que não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poene sine lege). O princípio da legalidade exige que uma infração esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respetivas consequências» – Ac. STJ de 28/9/2005, Relator Henriques Gaspar.
Como tal, para efeitos de contagem dos prazos de prescrição só poderão ser atendidas as normas definidoras dos seus limites (início da contagem, causas da sua interrupção, de suspensão e períodos temporais máximos) vigentes ao momento da prática do ato ilícito. A única exceção será a introdução de normas que em concreto se mostrem mais favoráveis – art. 2º, nº4, do Cód. Penal e 29º, nº4, da CRP. Entende-se assim que a nova causa de suspensão da prescrição, relativamente ao procedimento criminal, apenas poderá ser aplicável aos factos praticados após a sua entrada em vigor e não àqueles que (como ocorre no caso em apreço) foram praticados em datas anteriores. Solução contrária significaria violar o princípio da legalidade e admitir a aplicação retroativa de lei penal que não se mostra mais favorável ao agente. Por outro lado, o art. 19º, nº6, da CRP, estabelece, naquilo que nos interessa, que a declaração do estado de emergência em nenhum caso pode afetar a não retroatividade da lei penal. E, tal foi expressamente consignado nos Decretos do Presidente da República - nº14º-A/2020, de 18 de março, nº17-A/2020, de 2 de abril e 20-A/2020, de 17 de abril, respetivamente nos seus arts. 5º, nº1, 7º, nº1 e 6º, nº1 – que declarou e renovou o Estado de emergência e na decorrência do que as normas aqui em apreciação foram aprovadas.
E, considera-se, tal consagração nos Decretos Presidenciais, não pode ter qualquer outro sentido que não aquele que aqui se entende: as causas de suspensão da prescrição aí indicadas, no que diz respeito à prescrição criminal, apenas são aplicáveis aos factos praticados após a sua entrada em vigor, não sendo aplicável aos anteriores – caso em que ocorreria a retroatividade da lei criminal. Mais, as próprias Leis aqui em análise estabelecem a produção dos seus efeitos em data anterior à da sua publicação. Em concreto, a primeira é publicada a 19/3 e retroage os seus efeitos a 9/3 e a segunda delas é publicada em 1/2 e retroage os seus efeitos a 22/1. A entender-se que se aplicam aos casos de prescrição criminal, tal consubstanciaria uma violação absolutamente flagrante do princípio da não retroatividade criminal.
Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião contrária, outro entendimento apenas é possível ignorando totalmente o teor dos mencionados Decretos Presidenciais ou considerando que os mesmos se limitaram a, sem qualquer critério crítico, reproduzir a Constituição, o que não se pode, em circunstância alguma, admitir como possível.
Assim, é nosso entendimento que o legislador, e em conformidade com a CRP, não quis efetivamente violar os princípios aí previstos. As normas em causa referem-se genericamente a todos os tipos de processos e procedimentos e, como tal, o seu aplicador deverá proceder à sua correta aplicação em função da matéria concreta que trata sendo que, no âmbito criminal, apenas a interpretação que já se deixou expressa se mostra conforme os princípios penais constitucionalmente consagrados.
O argumento de que a razão de ser da prescrição tem também presente a ideia de inércia do Estado e que esta não se verifica no caso concreto pois foi por motivos excecionais e de saúde pública, alheios à sua responsabilidade, que não foi possível o exercício do poder punitivo atempado, não é, na nossa perspetiva, razão válida para infirmar tudo o que se deixa dito. Desde logo porque se é verdade que essa responsabilidade não recaí sobre o Estado não é menos verdade que também não recai sobre qualquer outra entidade ou pessoa, designadamente o agente, não sendo por isso razoável impor-lhe o ónus (ou o sacrifício) da situação.
Aliás, a este argumento pode-se também objetar com outra das razões inerentes ao instituto da prescrição e que se prende com a finalidade das penas. Estas não têm, no nosso ordenamento jurídico, natureza retributiva, assentando antes em razões de prevenção e visando a ressocialização do agente. E, de tal resulta que as penas perdem a utilidade, tornando-se desnecessárias e até injustas se, desde a prática dos factos e até à sua aplicação, decorrer tempo excessivo – entendendo-se este como aquele que é fixado pelas normas relativas à prescrição. Ora, o prolongamento desses prazos, tidos como adequados, ainda que por motivos excecionais, também não se mostra ajustado, nem conforme às finalidades das penas.
Mas, sobretudo o que está aqui em causa é o facto de nos encontrarmos perante princípios fundamentais que não podem ceder perante a impossibilidade do Estado atuar em tempo útil. Mostram-se consagrados e têm por função, entre o mais, delimitar a linha de atuação do Estado no âmbito da jurisdição criminal, não permitindo a sua interferência além dos limites fixados. Aceitar tal ingerência permitiria, em abstrato, entre muitas outras situações e no limite, a criação de leis com vista a casos concretos pendentes. Tal mostra-se inadmissível. E, argumentar que uma determinada lei é criada com “boas intenções” e com o intuito de não criar situações injustas – como no caso, evitar as prescrições criminais por impossibilidade de atuação e da prática de atos – não se mostra motivo suficiente para afastar princípios como aqueles de que falamos. Seria sempre abrir uma porta proibida e perigosa. Quem e como se definiria, em cada momento, o que é admissível e até que limite? Quem determina qual é a lei boa e honesta e aquela que não o é? Quando estão em causa princípios – e sobretudo inerentes e essenciais ao Estado de Direito - esses não podem ser critérios.
Admite-se como certo que para situações verdadeiramente excecionais deveriam existir normas igualmente excecionais. A questão é que a Constituição não as prevê – pelo menos em relação à matéria ora em apreciação – e, como tal, não existem. E não se podem criar essas leis passando por cima de regras previamente definidas, consagradas e que se mostram essenciais em qualquer estado de direito.
Assim, em conclusão, entende-se que o regime de suspensão dos prazos de prescrição previstos nas Leis nº1-A/2020 de 19/3 e nº4-B/2021, de 1/2 não é aplicável aos processos criminais cujos factos ilícitos ocorreram em data anterior à sua entrada em vigor (acompanhando-se, no essencial as posições expressas em: Ac. TRG de 25/1/21; Ac. TRL de 9/3/21; Ac. TRL de 24/7/20, Ac. do TRE de 26.10.2021, todos em www.dgsi.pt; “Suspensão da Prescrição do Procedimento Contra Ordenacional e COVID-19: Retrospectiva sobre o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2021”, Nuno Brandão, Separata Da Revista Portuguesa de Direito Constitucional; “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - uma primeira leitura e notas práticas” e em “Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19”, José Martins, Julgar online”; E-book do Centro de Estudos Judiciários, “Estado de Emergência – COVID 19 – Implicações na Justiça”, 2.ª edição, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid192Edicao.pdf). Em sentido contrário e que, pelos motivos já expressos não acompanhamos, pode-se consultar, entre outros: Acórdão nºs 500/2021, 660/21 e 798/21, do Tribunal Constitucional, Ac. Ac. TRP, de 9/3/22, TRL de 16/3/21 em www.dgsi.pt.
Desta forma, no caso concreto, inexistindo qualquer causa de suspensão ou interrupção, o procedimento criminal mostra-se efetivamente prescrito, nos moldes definidos na decisão recorrida.
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4 - DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal em causa nestes autos.
Custas, a cargo da assistente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 515º, nº1, al.b), do Cód. Proc. Penal e art.8º, nº9, do Reg. Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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Évora, 9 de abril de 2025
Carla Oliveira (relatora por vencimento)
Jorge Antunes (2º Adjunto)
Carla Francisco (com voto de vencido)
Processo nº 456/19.8PAPTM.E1
No presente recurso está em causa saber se se encontra ou não prescrito o procedimento criminal.
A prescrição do procedimento criminal existe para que um crime não possa ficar ad aeternum sem julgamento, não obstante se tenham definido determinadas circunstâncias e atos processuais que influenciam a contagem dos prazos da prescrição.
De acordo com o disposto nos arts.º 118º, nº 1, alínea c) e 121º, nº 3 do Cód. Penal o prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime em apreço nos autos é de cinco anos, com o limite máximo de sete anos e meio, descontados os eventuais períodos de suspensão da prescrição.
As causas de suspensão e de interrupção da prescrição são as previstas nos arts.º 120º e 121º do Cód. Penal, prevendo-se no nº 1, alíneas a) e b) deste último preceito, que a prescrição se interrompe com a constituição de arguido e com a notificação ao arguido da acusação.
No caso da interrupção, quando se verifique uma das causas elencadas no art.º 121º, nº 1 do Cód. Penal, começa a correr novo prazo de prescrição, até ao prazo máximo correspondente ao prazo normal, acrescido de metade, ressalvado o período de suspensão, nos termos dos nºs 2 e 3 do mesmo preceito.
No caso da suspensão, o prazo deixa de correr durante os períodos máximos estabelecidos no art.º 120º do Cód. Penal, reiniciando-se após a sua cessação, conforme previsto no nº 6 desta norma.
Compulsados os autos, verificamos que os factos ocorreram a 23/03/2019, pelo que neste dia iniciou-se o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do art.º 119º, nº 1 do Cód. Penal.
Porém a constituição como arguida de AA só ocorreu a 17/06/24, passados mais de cinco anos da data da prática do crime que lhe é imputado.
Verifica-se também que a arguida foi notificada da acusação a 13/07/24, ocorrendo nesta data nova causa de interrupção da prescrição.
Uma vez que aquando da constituição de arguida já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data da prática dos factos, importa saber se o prazo de prescrição em apreço se suspendeu por efeito da aplicação do regime previsto nas Leis nº 1-A/2020, de 19/03 e nº 4-B/2021, de 1/02, dado que os factos foram praticados em data anterior e os presentes autos haviam entrado em juízo também em data anterior à da entrada em vigor daquelas leis.
Relativamente a esta questão existe grande divergência na doutrina e na jurisprudência.
Quem defende a inaplicabilidade das causas de suspensão da prescrição previstas nas Leis nº 1-A/2020, de 19/03 e nº 4-B/2021, de 1/02 aos factos praticados em data anterior e aos processos entrados em juízo em data anterior à data da entrada em vigor destas leis, fundamenta-se na inaplicabilidade retroactiva das leis penais menos favoráveis ao arguido, prevista no art.º 29º, nº 4 da CRP e no art.º 2º, nº 4 do Cód. Penal.
Sucede, porém, que o art.º 120º, nº 1 do Cód. Penal, ressalva a possibilidade de existirem outras causas de suspensão da prescrição previstas em lei especial, para além das causas ali elencadas.
Por outro lado, é do conhecimento geral que as Leis nº 1-A/2020, de 19/03 e nº 4-B/2021, de 1/02 surgiram, como as próprias indicam, face à necessidade de adopção de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, pelo que as causas de suspensão e de interrupção dos prazos de prescrição aí previstas decorrem de assumidas medidas de política legislativa para fazer face a uma situação inesperada de saúde pública.
Prevê-se no art.º 7º, nº 3 da Lei nº 1-A/2020, de 19/03, que:
“A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos”.
E no nº 4 do mesmo diploma legal que:
“O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”.
Por seu turno, a Lei n.º 4-B/2021, de 1/02, no seu art.º 6º-B, nºs 3 e 4, determinou que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no nº 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020, num total de 87 dias, e de 22 de janeiro 2021 a 5 de abril de 2021, num total de 74 dias, conforme resulta dos art.º 5 da Lei nº 4-A/2020, de 6/04, art.ºs 8º, 9º e 10º da Lei nº 16/2020, de 29/05, art.º 4º da Lei nº 4-B/2021, de 1/02 e art.ºs 6º e 7º da Lei nº 13-B/2021, de 5/04.
Relativamente a esta questão é maioritária a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de não ser inconstitucional a aplicação do regime de suspensão e interrupção dos prazos de prescrição previsto nas referidas Leis aos processos entrados em juízo em data anterior à da entrada em vigor das mesmas Leis, relativos a factos praticados antes dessa data ( cf., entre outros: Acórdão nº 500/2021, datado de 9/06/2021, proferido no processo n.º 353/2021, 3ª Secção, em que foi relatora Joana Fernandes Costa, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, Acórdão nº 660/2021, datado de 29/07/2021, proferido no processo n.º 367/2021, 1ª Secção, em que foi relator José João Abrantes, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, Acórdão nº 798/2021, 21/10/21, proferido no processo nº 164/2021, 1.ª Secção, em que foi relator José António Teles Pereira, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, Decisão Sumária nº 256/2023, datada de 24/04/2023, proferida no processo nº, 362/2023, 3.ª Secção, em que foi relatora Joana Fernandes Costa, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20230256.html.)
Na verdade, vedar a aplicação das normas dos arts.º 7º, nº 3 da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 e 6º-B, nº 3 da Lei nº 4-B/2021, de 1/02 aos processos entrados em juízo em data anterior à da sua vigência, relativamente a factos praticados anteriormente, equivaleria a esvaziá-las de conteúdo.
Tais normas surgiram num contexto de Estado de Emergência, em que foram proibidas ou restringidas as deslocações dos cidadãos para fora das suas residências, com o intuito de prevenir e conter a propagação do surto de COVID-19.
Numa situação de paralisação quase geral da sociedade, exceptuando o funcionamento dos serviços básicos e de caracter urgente, designadamente de saúde, assistência a terceiros e abastecimento de bens e serviços, não foi possível aos cidadãos exercerem alguns dos seus direitos, como a liberdade de circulação, a fim de se poderem deslocar aos Tribunais e a outros serviços públicos para defesa de tais direitos.
Assim sendo, impõe-se a conclusão de que o legislador pretendeu que os períodos de suspensão e de interrupção de prazos previstos nas Leis em apreço visassem maioritariamente os processos já existentes em Tribunal, pois relativamente a esses não era possível a sua normal tramitação e o normal cumprimento dos prazos em curso, em consequência das restrições ao funcionamento dos Tribunais e às deslocações das pessoas aos mesmos.
Caso a suspensão dos prazos de prescrição prevista nestas leis se aplicasse exclusivamente aos factos ocorridos após a sua entrada em vigor, este universo de aplicação seria necessariamente muito diminuto e desprovido de sentido, face às restrições à circulação de pessoas e, em consequência, às restrições à capacidade do exercício dos direitos de queixa e de denúncia de novos crimes praticados em período de confinamento.
Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro a 5 de abril de 2021 se aplique a todos os processos, mesmo aos já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores.
(No sentido do decidido, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/24, proferido no processo 4/20.7GDMFR.L1-5, em que foi relatora Sandra Ferreira, de 23/01/24, proferido no processo nº 143/17.1GLSLB.L1, em que foi relatora Sara Reis Marques, de 7/03/24, proferido no processo nº 7/24.2YTLSB.L1-9, em que foi relatora Maria João Ferreira Lopes, de 5/12/24, proferido no processo nº 3049/19.6T9CSC.L1-5, em que foi relator Paulo Barreto, todos in www.dgsi.pt.
Em sentido contrário decidiram, entre outros, os acórdãos do TRE datado de 23/01/24, proferido no processo nº 6/23.1T8FTR.E1, em que foi relator Nuno Garcia, e datado de 18/12/23, proferido no processo nº 279/22.7Y4LSB.E1, em que foi relatora Filipa Lourenço, ambos in www.dgsi.pt.)
Voltando ao caso dos autos, verificamos que:
- o prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime em apreço é de cinco anos, com o limite máximo de sete anos e meio, descontados os eventuais períodos de suspensão da prescrição;
- os factos ocorreram a 23/03/2019, iniciando-se neste dia o prazo de prescrição do procedimento criminal;
- o prazo de prescrição do procedimento criminal esteve suspenso de 9/03/20 a 3/06/20, durante 87 dias;
- o prazo de prescrição do procedimento criminal voltou a estar suspenso de 22/01/21 a 5/04/21, durante 74 dias;
- AA foi constituída arguida a 17/06/24, verificando-se a interrupção da prescrição;
- AA foi notificada da acusação a 13/07/24, verificando-se nova interrupção da prescrição.
Em face desta factualidade, constata-se que aquando da constituição de AA como arguida o procedimento criminal ainda não se encontrava prescrito, tendo nessa data começado a correr novo prazo, o mesmo sucedendo com a notificação à arguida da acusação.
Assim sendo, o prazo de prescrição de cinco anos voltou a iniciar-se a 13/07/24, pelo que, descontados os períodos de suspensão de 161 dias, o mesmo ainda não decorreu, tendo como limite máximo 23/09/2026.
Em face de todo o exposto, entendemos que o recurso interposto pela assistente deveria merecer provimento e em consequência deveria ser revogado o despacho recorrido que considerou prescrito o procedimento criminal e substituído por outro que ordenasse o prosseguimento dos autos.
Carla Francisco