SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CUMPRIMENTO DE DEVERES
Sumário

Dispõe o art. 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal que a suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente a pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o Tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado.
Está em causa, com a fixação de deveres de “reparação do mal do crime”, repor a situação da vítima antes do crime, concomitantemente com o reforço da censura do facto e da ameaça da prisão, podendo a mesma ocorrer independentemente da dedução de pedido de indemnização, mas sendo dedutível no valor desta, caso arbitrada.
Estamos perante o arbitramento de reparação autónomo, independente do quadro do pedido de indemnização, como complemento penal, especificamente como componente de pena de substituição.

Texto Integral

Acórdão deliberado em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – RELATÓRIO
No âmbito dos presentes autos, foi deduzido pela assistente/demandante AA, em representação de sua mãe BB, pedido de indemnização civil, requerendo a condenação das arguidas/demandadas CC e DD a pagar-lhe:
- a quantia de 12.070,00€ (doze mil e setenta euros), referente ao montante que lhe foi furtado pelas arguidas;
- a quantia de 216,56€ (duzentos e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), referente às deslocações ida e volta … -… efetuadas aos órgãos de polícia criminal (108,28€ x 2) e ainda nas futuras deslocações de … ao Tribunal de …, calculados à taxa legal em vigor ao ano e ainda dos vincendos até efetivo e integral pagamento à mesma taxa;
- os honorários à advogada, em quantia nunca inferior a 500,00€ (quinhentos euros);
- todos os prejuízos não patrimoniais que o ato ofensivo das arguidas lhe causou, na importância total de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros).
Realizou-se o julgamento, tendo o Tribunal, proferido sentença, em 03.04.2024, da qual se transcreve o respetivo segmento decisório:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a acusação e parcialmente procedentes ainda os pedidos cíveis e, em consequência, decido:
a) Absolver a arguida DD pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de recetação, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal.
b) Condenar a arguida CC em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al. c) do Código Penal, na pena parcial de 2 anos e 2 meses de prisão.
c) Condenar a arguida CC em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. c), n.º 2, al. a) e n.º 3 do Código Penal, na pena parcial de 2 anos e 10 meses de prisão.
d) Operando o cúmulo jurídico das penas parciais b) e c), na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
e) Suspender a execução da pena de prisão aplicada na al. d) pelo período de 5 anos, sujeita ao cumprimento pela arguida CC da obrigação de entregar a quantia de € 1800,00, ao ofendido EE e de € 3.200, à ofendida BB, juntando os respetivos documentos comprovativos, no prazo máximo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da sentença.
a) Absolver a demandada DD dos pedidos de indemnização civis formulados nos autos;
b) Condenar a arguida CC a pagar ao demandante cível EE a quantia de € 4800,00 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, a que há que deduzir a quantia paga referida em e);
c) Condenar a arguida CC a pagar à demandante cível BB a quantia de € 8.320,00 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, a que há que deduzir a quantia paga referida em e);
d) Condenar a arguida CC no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (cfr. arts. 513.º e 514.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e artigo 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III a este anexa).
e) Determinar a perda dos objectos e valores apreendidos nos autos a favor do Estado, devendo o Sr. Secretário providenciar pelo destino dos mesmos.
f) Absolver a arguida a arguida CC do demais peticionado.»
Discordando da decisão final, na parte referente ao pedido de indemnização civil formulado e condição de suspensão da pena de prisão aplicada à arguida CC, veio a demandante/assistente interpor recurso, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que subordine a suspensão da pena aplicada à arguida ao período de 5 (cinco) anos e à satisfação da totalidade da indemnização arbitrada, bem como condene a mesma ao pagamento do valor da deslocação e honorários da advogada e do peticionado a título de danos não patrimoniais.
Extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões:
«(…)
II. A aqui recorrente discorda e não se conforma com a sentença recorrida, requerendo a sua sindicância à Veneranda Relação, com os seguintes fundamentos:
a) erro na indicação do valor indemnizatório na condição da suspensão da pena de prisão e quanto à aplicação da sua suspensão;
b) erro na não valoração dos documentos do pedido cível juntos ao mesmo;
c) erro da não atribuição do peticionado por danos não patrimoniais.
III. Principiando, o Tribunal a quo na sentença recorrida, tal como resulta do iter decisório, deu como provado que o Tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que se verificou tudo o descrito nos pontos 15 a 48 dos factos provados e já referidos em 2 da motivação acima descrita.
IV. Resulta, portanto, somente e atendendo ao iter decisório que o Tribunal a quo deu, como provado e decidido nas alíneas do ponto I das presentes conclusões.
V. A existência do apontado vício é de conhecimento oficioso pelo Tribunal sendo tal violação subsumível ao disposto no n.º 1 do artigo 410.º do CPP.
VI. Relativamente ao erro na indicação do valor indemnizatório tendo em conta a condição da suspensão da pena de prisão e quanto à aplicação da suspensão na execução da mesma, sempre se dirá que sendo a mesma pelo período de 5 anos, só com a condição da arguida CC proceder ao pagamento no valor total da indemnização em que foi condenada, correspondente à quantia de €8.320,00, se fará a devida justiça.
VII. Só assim e parafraseando o disposto no artigo 51º nº1 al. a) do Código Penal - a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres, dentro dos quais, o pagamento de indemnização devida ao lesado -.
VIII. Pois só assim a suspensão da execução da pena de prisão, a que foi condenada a arguida CC, permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se a ela estiver associada a devida reparação do dano causado à lesada BB, traduzida no pagamento da indemnização total em que a arguida foi condenada, mais se evidencia a natureza desse dever.
IX. Deverá a Veneranda Relação de Évora alterar a sentença recorrida, proferindo a seguinte decisão:
Suspender a execução da pena de prisão de 3 anos e 6 meses pelo período de 5 anos, sujeita ao cumprimento pela arguida CC da obrigação de entregar a quantia de € 8.320,00, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, à ofendida BB, juntando o respetivo documento comprovativo, no prazo máximo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da sentença.
X. Quanto ao erro na não valoração dos documentos do pedido de indemnização cível juntos ao mesmo, tais documentos estão justificados, foram aceites, não foram impugnados, tendo sido juntos ao PIC da assistente e identificados como Doc. 9 (portagens da autoestrada 5,45€ X 2 = 10,90 € + gasóleo 43,24€; total = 54,14€), correspondendo a 3 deslocações de ida e volta, … – … GNR e Tribunal de …, a importância total de 216,56€.
XI. Pelo que deverá ser alterada a decisão do Tribunal a quo e ser a arguida CC condenada ao pagamento da importância de € 216,56, correspondentes a 3 deslocações (ida e volta) de … - … à GNR e ao Tribunal de ….
XII. Assim como deve a mesma arguida ser condenada no pagamento de €500,00, referentes a honorários de constituição de advogado.
XIII. Os mesmos não teriam existido se a arguida a eles não lhes desse causa.
XIV. Quanto ao erro da não atribuição do peticionado por danos não patrimoniais pelo Tribunal a quo, pois foi demostrado em audiência de julgamento que a ofendida e assistente BB, nos dias seguintes ao furto, andava muito agitada e dizia repetida e constantemente: “- Onde é que estão as minhas coisas? Elas levaram as minhas coisas.”; com esta frase repetidamente dita demonstra o sofrimento e a dor que a ofendida BB teve.
XV. Não é por padecer de demência que não sofre, não tem dor e não manifesta sentimentos.
XVI. Pelo que também aqui se requer à Veneranda Relação de Évora a correção do erro cometido pelo Tribunal a quo, fixando como danos morais a importância requerida de € 2.500,00.
XVII. A indemnização compreenderá, assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483º,496.º e 497.º ,562º do C. Civil, os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes dos factos, sendo que nos termos do artº 483.º do C. Civil está consagrado o princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual, estabelecendo que aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
XVIII. A responsabilidade extracontratual assenta na ideia da culpa - responsabilidade subjetiva (cfr. arts. 499.º a 510.º do C. Civil).
XIX. Na perspetiva da responsabilidade civil, pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
XX. A indemnização compreenderá, assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 496.º nº1 e 497.º do C. Civil, os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes dos factos.
XXI. O art.º 496.º nº1 determina que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
XXII. Tal como sendo ainda objecto de reparação aquele danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indiretamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos (Vaz Serra, RLJ, ano 105.º e 108.º, p 37 sgs. e223; Ac STJ de 27-12-69, BMJ, 141.º, 331; Ac STJ de 22-11-78, BMJ, 204.º, 262)», in Ac. TRP 11 /07/2007(Proc. 0711856), www.dgsi.pt;
XXIII. Não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização é fixada em dinheiro ao abrigo do n.º 1 do art. 566.º do C. Civil,
XXIV. Sendo que nos termos do art. 562.º doCCivil: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, tal com refere o STJ no seu acórdão de 02.05.2018 (pr. 156/16.0PALSB.L1.S1).
XXV. Pelo que, o Tribunal a quo violou, deste modo, as disposições constantes dos artigos 50°, 71.º, n.ºs 1 e 2, 77.º, 129.º , 130º, todos do Código Penal, 483º, 496.º e 497.º , 499.º a 510.º 562º,566º do Código Civil, assim como o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»
O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
A arguida/demandada não apresentou resposta ao recurso interposto.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência, concluindo:
«1º
O Tribunal a quo, condenou a arguida CC em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artºs 217º, nº 1 e 218º, nº 1 e 2, alínea c) do Código Penal, e pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artº 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea c), nº 2, alínea a) e nº 3 do Código Penal, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, a qual, foi suspensa na execução pelo período de 5 anos, sujeita ao cumprimento pela arguida da obrigação de entregar a quantia de 1.800,00 € (mil e oitocentos euros), ao ofendido EE e de 3.200,00 € (três mil e duzentos euros), à ofendida BB, juntando os respetivos documentos comprovativos, no prazo máximo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da sentença.

Mais foi a arguida condenada, a pagar ao demandante cível EE a quantia de 4.800,00 € (quatro mil e oitocentos euros) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, a que haverá que deduzir a quantia paga acima referida, e, a pagar à demandante cível BB a quantia de 8.320,00 € (oito mil trezentos e vinte euros) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, a que haverá que deduzir a quantia acima referida.

Inconformada, a recorrente interpôs o presente recurso, e de harmonia com as suas conclusões, pretende a mesma:
- Que a pena de prisão aplicada à arguida seja suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sujeita ao cumprimento pela mesma da obrigação de entregar a quantia de 8.320,00 € (oito mil trezentos e vinte euros) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, à ofendida BB;
-Que a arguida ser condenada no pagamento da quantia de 216,56 € (duzentos e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de despesas, bem como no pagamento da quantia de 500,00 € (quinhentos euros), referentes a honorários de constituição de advogado;
- Que a arguida seja condenada a pagar a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) à ofendida, a título de danos não patrimoniais.

A arguida foi condenada a pagar ao demandante cível EE a quantia de 4.800,00 € (quatro mil e oitocentos euros) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, a que haverá que deduzir a quantia paga, acima referida, isto é 1.800,00 € (mil e oitocentos euros), e, ainda, a pagar à demandante cível BB a quantia de 8.320,00 € (oito mil trezentos e vinte euros), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da condenação, a que haverá que deduzir a quantia paga, acima referida, isto é 3.200,00 € (três mil e duzentos euros).

Ora, face às condições pessoais da arguida CC, dadas como provadas, e ao valor que a mesma auferiu, da venda das joias, andou bem a Douta sentença, ao decidir como decidiu, não padecendo a mesma, de qualquer erro ao vício, tanto mais que a arguida foi condenada em sede de pedido cível ao pagamento do montante, efetivamente peticionado, pela assistente.

No que tange às quantias peticionadas a título de despesas e de honorários, uma vez que não foram apresentados quaisquer comprovativos pela recorrente, que permitam comprovar as quantias peticionadas, não poderá a arguida ser condenada no pagamento das mesmas.

Quanto aos danos não patrimoniais peticionados, não resultando provado que a ofendida BB, tenha tido conhecimento do desaparecimento das joias, não se vislumbra, em que medida é que a mesma possa ter padecido de desgosto com uma situação que não era do seu conhecimento.

A Douta decisão recorrida, mostra-se conforme às regras e princípios do direito probatório, sendo consistente e coerente, não apenas com todos os elementos probatórios carreados para o processo, como ainda, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, pelo que não incorreu no vício de erro na apreciação da prova, nem em qualquer outro.

Tudo sopesado, não merece a Douta sentença recorrida qualquer reparo, devendo ser confirmada.»
O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, também pugnando pela improcedência do recurso, a que a recorrente e recorrida não responderam.
Teve lugar a conferência.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância (artigos 403.º, 410.º e 412.º, n.º 1, do Cód. Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (AUJ de 19/10/1995, D.R. 28/12/1995).
No presente caso, tendo em conta o modo como a recorrente escolheu delimitar as respetivas alegações e procurando uma ordem de precedência lógica, cumpre apreciar e decidir da verificação dos invocados erros no que respeita:
a) à não valoração dos documentos juntos com o pedido cível;
b) à não atribuição do peticionado por danos não patrimoniais; e
c) à indicação do valor da obrigação de reparação como condição da suspensão da pena de prisão.
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III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO
«(…)III - Fundamentação
A) Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão de mérito:
1. Desde, pelo menos, o ano de 2015 até 06 de julho de 2022, que a arguida CC era trabalhadora da Santa Casa da Misericórdia da …, tendo como função prestar apoio domiciliário a idosos, mais precisamente a nível da higiene e alimentação.
2. Desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde janeiro de 2018 até abril de 2022, que os ofendidos FF e EE recebiam apoio domiciliário por parte da Santa Casa da Misericórdia da …, estando dependentes de alimentação e medicação diária.
3. A ofendida FF padecia de doença neuro degenerativa crónica de Alzheimer, em fase avançada, doença que a impossibilitava de reger a sua pessoa e património.
4. A ofendida FF não tinha noção do valor económico dos bens e não conseguia tomar decisões conscientes, tendo por base um pensamento e vontade esclarecida, nomeadamente celebrar contratos ou quaisquer actos negociais relacionados com a gestão ou disposição dos seus bens ou dinheiro de forma autónoma.
5. Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre o período temporal que medeia os dias 03/01/2021 e 28/03/2021, a arguida CC deslocou-se até ao imóvel sito na Rua …, n.º…, …, local onde residem os ofendidos EE e FF, para prestar assistência a esta última.
6. Em determinado momento, aproveitando das debilidades cognitivas da ofendida FF e a situação de estar sozinha com a mesma, a arguida CC começou a lamentar-se, dizendo que “não tinha dinheiro”.
7. De seguida, a arguida CC solicitou à ofendida FF, em número de vezes não concretamente determinado, que lhe entregasse alguma quantia monetária como forma de a auxiliar.
8. Porém, a ofendida FF recusou-se a tal.
9. Em resposta, e como forma de persuadir a ofendida FF, a arguida CC insistiu com a mesma, dizendo-lhe que “não tinha dinheiro para os seus filhos”, o que não correspondia à verdade.
10. Fazendo fé nas declarações da arguida CC e por estar convencida da sua veracidade, a ofendida FF entregou à mesma um fio de ouro, de dimensões consideráveis, avaliado em 1.100,00€ e uma pulseira de ouro, no valor de 450,00€, bens que eram propriedade da ofendida.
11. Nas mesmas circunstâncias de tempo e de local, a ofendida FF entregou à arguida CC, um fio de ouro, no valor de 4.800,00€ e que era propriedade do ofendido EE.
12. Devido à sua condição de saúde, ofendida FF não possuía as aptidões mentais para se aperceber do artificio ardiloso utilizado pela arguida CC que a levaram a entregar os bens supra referidos.
13. De seguida, a arguida CC ausentou-se da residência para local incerto levando consigo os bens entregues pela ofendida FF, dessa forma fazendo deles seus, integrando-os no seu património.
14. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida CC, a ofendida FF sofreu um prejuízo patrimonial avaliado 1.550,00€ e o ofendido EE no valor de 4.800,00€.
15. Desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde janeiro de 2021, que os ofendidos BB e GG residiam na Rua …, n.º …, em … e recebiam apoio domiciliário por parte da Santa Casa da Misericórdia da …, estando dependentes de alimentação e medicação diária.
16. A ofendida BB padecia de doença neuro degenerativa crónica, de Alzheimer, em fase avançada, doença que a impossibilitava de reger a sua pessoa e património.
17. A ofendida BB não tinha noção do valor económico dos bens e não conseguia tomar decisões conscientes, tendo por base um pensamento e vontade esclarecida, nomeadamente celebrar contratos ou quaisquer actos negociais relacionados com a gestão ou disposição dos seus bens ou dinheiro de forma autónoma.
18. O ofendido GG actuava como cuidador da ofendida BB, sendo o responsável por diligenciar pelas necessidades pessoais da mesma.
19. Porém, em 04/06/2021, o ofendido GG ficou internado no Hospital de … e impossibilitado de prestar assistência à ofendida BB.
20. Devido a tal facto, foi entregue a chave da residência dos ofendidos BB e GG aos responsáveis da Santa Casa da Misericórdia da … de forma que os funcionários dessa instituição prestassem os cuidados necessários à ofendida BB.
21. Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre o período temporal que medeia os dias 04/06/2021 e 06/06/2021, pelas 13:30 horas, a arguida CC, juntamente com mais duas colegas, entraram na residência da ofendida BB, com a finalidade de lhe prestar os devidos cuidados.
22. Em determinado momento, aproveitando a situação de se encontrar no quarto apenas com a ofendida BB, a arguida CC disse-lhe que a mesma “tinha uma aliança muito bonita no dedo”.
23. Em resposta, a ofendida BB declarou que “tinha mais joias do que aquela”, tendo, de seguida, aberto a gaveta da mesa de cabeceira que se encontrava ao lado da cama.
24. Nesse instante, a arguida CC viu que a ofendida BB guardava no interior da gaveta um saco.
25. De seguida, e sem que a ofendida BB se apercebesse, a arguida CC retirou o saco da gaveta e colocou numa bolsa que usava à cintura os seguintes bens que eram propriedade da ofendida BB:
a) 1 fio em ouro de 19,2 quilates, com pendente em coração, com peso de 24,11g e no valor de 2050,00€;
b) 1 pendente em ouro de 19,2 quilates, com bolas de várias cores, com peso de 1,87g e no valor de 160,00€;
c) 1 pulseira em ouro de 19,2 quilates, com elos retangulares trabalhados, com peso de 4,92g e no valor de 420,00€;
d) 1 pendente em ouro de 19,2 quilates, em flor rendado, com peso de 8,28g e no valor de 700,00€;
e) 1 pendente em ouro, de coração em flores, trabalhado com pequenas pedras de cor rosa artificiais, com peso de 6,70g e avaliado em 570,00€;
f) 1 fio em ouro de 19,2 quilates, com eles redondos ligados entre si, trabalhados, com peso de 12,31g e no valor de 1050,00€;
g) 1 pulseira em ouro de 19,2 quilates, malha entrelaçada, ligada por elos redondos, com peso de 22g e no valor de 1870,00€;
h) 1 fio em ouro de 19,2 quilates, comprido, malha achatada, com peso de 17,82g e no valor de 1.500,00€;
i) 1 anel em ouro de 19,2 quilates, com pedra retangular de cor branca, com peso de 5,3g, e no valor de 450,00€;
j) 1 anel em ouro de 19,2 quilates, com pedra retangular de cor rosa, com peso de 1,8g e no valor de 150,00€;
k) 1 anel em ouro de 19,2 quilates, com pedra oval de cor rosa, com peso de 3,6g e no valor de 300,00€;
l) 1 anel em ouro de 19,2 quilates, com onda e uma cruz preenchida com pedras, com peso de 8,4g e no valor de 700,00€;
m) 1 anel em ouro de 19,2 quilates, com forma oval, com peso de 2,1g e no valor de 180,00€;
n) 1 anel em ouro de 19,2 quilates, com pedra oval de cor preta, com peso de 2,4g e no valor de 200,00€;
o) 1 aliança em ouro de 19,2 quilates, liso, com peso de 3,5g e no valor de 300,00€;
p) 1 aliança em ouro de 19,2 quilates, liso, com n.º 50 bordado, com peso de 3,2g e no valor de 270,00€;
q) 1 fio em ouro de 19,2 quilates, trabalhado em forma de gotas, com peso de 20,8g e no valor de 1.800,00€;
r) 1 cordão em ouro de 19,2 quilates, malha fina, contendo um medalhão com ½ libra ao centro, cordão, com o peso de 49g e no valor de 4.170,00€ e o medalhão com peso de 10,8g e no valor de 780,00€;
s) 1 pulseira em ouro de 19,2 quilates, malha fina, com peso de 6,1 gramas e no valor de 520,00€;
t) 1 fio em ouro de 19,2 quilates, com pasta rameada composto por pérola branca, duas pedras pequenas de cor rosa, uma pedra pequena de cor azul, uma pedra grande de cor rosa e 3 pendentes, com peso de 20,3g e no valor de 1.730,00€;
u) 1 par de brincos em ouro de 19,2 quilates, com peso de 3,5 gramas e no valor de 300,00€;
v) 1 par de brincos de ouro, modelo “…”, com esmalte azul e no valor de 700,00€;
w) 1 par de brincos pendentes, com pedra de cor vermelha e no valor de 300,00€;
x) 1 par de brincos pequenos com pedra azul escura e 3 peças pequenas em outro com formato em bico e no valor de 300,00€; e,
y) 2 pulseiras em ouro grosso, com várias bolas em formato pontiagudo, de valor não concretamente apurado.
26. O conjunto de bens identificados em 25 pertencentes à ofendida BB tinha um valor total não inferior a 21.470,00€.
27. Após, pelas 14:00 horas, a arguida CC saiu da residência levando consigo os bens da ofendida BB e ausentando-se para local incerto, dessa forma fazendo deles seus, integrando-os no seu património.
28. Como consequência directa e necessária da arguida CC, a ofendida BB sofreu um prejuízo patrimonial avaliado em 21.470,00€.
29. Em momento não concretamente determinado, mas seguramente anterior a 06/07/2021, a arguida CC disse à arguida DD, sua filha, que possuía um conjunto de joias preciosas que pretendia vender.
30. A arguida CC formulou então um plano que passava pela venda dos objectos de ouro em estabelecimentos comerciais de venda e compra de ouro sediados em ….
31. Em cumprimento desse plano, em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 06/07/2022, a arguida CC deslocou-se até um estabelecimento comercial não concretamente apurado, mas localizado em …, e que tinha como actividade a compra e venda de ouro.
32. Nesse estabelecimento comercial, a arguida CC procedeu à venda dos bens entregues pela ofendida FF descritos nos pontos 10 e 11, tendo recebido a título de preço, o valor de 2.000,00€, que foi transferido para uma conta bancária não concretamente identificada, mas titulada pela arguida CC, tendo esta feito de tal quantia sua, integrando-a no seu património.
33. No dia 06/07/2021, as arguidas CC e DD deslocaram-se ao estabelecimento comercial “…”, sito na Rua …, n.º …, em … e que tem como actividade comercial a compra e venda de ouro.
34. Aí chegadas, a arguida CC entregou à arguida DD as joias identificadas no ponto 25, als. a) a h).
35. De seguida, a arguida DD entrou no interior do estabelecimento comercial “…” e negociou com o funcionário desse local a venda dos bens pela quantia de 3.200,00€.
36. Porém, devido à falta de liquidez da loja, foi combinado que o negócio se iria realizar no dia seguinte.
37. Assim, no dia 07/07/2021, a arguida DD deslocou-se novamente ao estabelecimento …” e entregou os bens identificados no ponto 25, als. a) a h) pelo preço de 3.200,00€.
38. Nesse mesmo dia, o pagamento do preço foi efectuado para a conta bancária com o NIB …, sediada na … e titulada pela arguida DD, tendo o valor de 3.200,00€ sido creditado nessa conta bancária.
39. Com os fundos provenientes da prática da atividade supra, a arguida CC adquiriu, pelo menos, os seguintes bens, de valor não concretamente apurado:
a) Uma batedeira, marca …;
b) uma torradeira, marca …;
c) Um comando Wireless, marca …, para a consola …; e,
d) uma trotinete eléctrica, marca ….
40. Posteriormente, no decurso do inquérito, os militares da Guarda Nacional República conseguiram recuperar as joias identificadas no ponto 25, als. i) a u), tendo-os entregue à assistente AA, filha dos ofendidos BB e GG
41. A arguida CC sabia que as joias que estavam no saco da ofendida BB e das quais se apropriou não lhe pertenciam, de actuava sem o consentimento e contra a vontade do seu legítimo proprietário e de que da sua conduta resultaria necessariamente um prejuízo económico para a ofendida, tendo agido com o propósito concretizado de fazer de tais bens seus, o que representou, quis e conseguiu.
42. Sabia também a arguida CC que o valor total das joias da propriedade da ofendida BB e das quais se apropriou tinham um valor superior a 20.400,00€.
43. A arguida CC agiu da forma descrita nos pontos 5 a 13, bem sabendo que a sua conduta era apta e susceptível de criar um artificio ardiloso que consistia em levar a ofendida FF a acreditar da seriedade do seu pedido de auxílio desesperado e que não correspondia à realidade, tudo com o objectivo de levar a ofendida a efectuar a entrega das peças de ouro que recebeu, o que representou, quis e conseguiu, bem sabendo que tais actos implicariam um benefício patrimonial indevido para si de montante equivalente ao prejuízo patrimonial acartado pela ofendida bem como que não obteria tal vantagem patrimonial se não tivesse agido como agiu.
44. Sabia também a arguida CC que ambas as ofendidas eram de idade avançada e padeciam de doença neuro degenerativa crónica de Alzheimer, bem como que, devido ao estado avançado da doença, não dispunham de capacidades mentais e cognitivas suficientes para reger a sua pessoa e património ou tomar decisões conscientes, tendo por base um pensamento e vontade esclarecida, aproveitando-se da especial vulnerabilidade das suas vítimas para agir como agiu, tendo perfeita consciência da especial censurabilidade da sua conduta.
45. A arguida CC agiu de forma livre, voluntária, consciente e deliberada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, não se coibindo de agir como agiu.
Mais se provou:
46. Relativamente às condições pessoais da arguida CC apurou-se que:
«CC reside atualmente na morada constante do processo, na …, em habitação que lhe foi cedida, por contrapartida ao apoio que presta a idoso acamado, por parte do filho deste, residente noutro concelho. A habitação reúne boas condições de habitabilidade.
Para além do quarto do seu proprietário, o beneficiário da prestação de cuidados de higiene, alimentação e administração de medicação, dispõe de mais quatro quartos, destinados à arguida e respetivo agregado, o qual se constitui por dois filhos, DD e HH, de … anos de idade e pela neta, II, de … anos de idade, de quem detém as responsabilidades parentais desde os dois meses de idade da menor.
A atual condição habitacional da arguida, verificou-se pela impossibilidade de manutenção do espaço habitacional anteriormente arrendado, em face da respetiva incapacidade económica resultante do seu despedimento, pela Santa Casa da Misericórdia de …, entidade para a qual trabalhava na valência do Apoio Domiciliário, em resultado da abertura dos presentes autos.
A atual situação económica de CC é precária e assenta nos abonos relativos aos menores e a na pensão de alimentos de ambos, num total de € 350,00. Recebe € 300,00 da família do idoso de que cuida, quantia destinada às despesas daquele.
É a filha, DD, quem assume o pagamento da eletricidade. A arguida refere que a despesa relativa aos consumos de água está em dívida há largos meses, por não ter condições económicas para a liquidar.
Ainda que ultrapassando significativas dificuldades económicas, CC não solicitou apoio alimentar, ou, outro, junto das entidades concelhias competentes, porquanto assume falta de coragem e grande embaraço/vergonha da respetiva situação jurídico–penal, a qual é do conhecimento público.
Voltou a frequentar consulta de psiquiatria e psicologia no Departamento de Saúde Mental - Serviço de Psiquiatria do Hospital …, em …, consulta onde já havia sido seguida aquando do seu ingresso, em setembro de 2012, na Instituição …, vocacionada para o acolhimento de vitimas de violência doméstica, sediada na …, na sequência dos maus-tratos que lhe eram infligidos pelo companheiro de então, o progenitor do seu filho mais novo.
Após alguns meses de permanência na instituição, a arguida iniciou trabalho na valência de apoio domiciliário da Santa Casa da Misericórdia da …, situação que manteve até ao seu despedimento há cerca de dois anos e que acumulava, até à altura do confinamento resultante do COVID 19, com trabalho particular em limpeza de café, que, desde então, e por via do confinamento, cessou.
A arguida viu a respetiva situação laboral alterada, vindo a ser despedida, com reflexos negativos na respetiva situação económica, habitacional, familiar e pessoal/emocional, cujas repercussões tem-se demonstrado incapaz de gerir, sem apoio específico, o que a determinou a procurar acompanhamento em consulta de saúde mental, onde lhe foi prescrita terapêutica medicamentosa - …, sem a qual, refere, não detém condições para se ocupar do trabalho e do cuidado dos menores, filho e neta.
Demonstra capacidade de exercício de autocensura relativamente aos factos pelos quais é acusada, o que faz, reconhecendo o desvalor social da sua conduta, imperando em si, sentimentos de remorsos e incapacidade de se perdoar pelo ocorrido, agravado pelo impacto que a sua atuação está a ter na sua filha DD, a qual vivencia um sofrimento e tristeza, que não manifesta, mas é percecionado por si, incapaz de reverter.»
47. A arguida CC não averba condenações no seu CRC.
48. A arguida CC confessou os factos.
B) Factos Não Provados
Lograram-se provar todos os factos com exceção dos seguintes:
Da Acusação
1. A arguida CC narrou à DD como tinha conseguido obter tais bens, designadamente através das condutas supra descritas, e solicitou assistência na venda de tais pertences.
2. Para além do que se contém nos factos provados a arguida DD teve intervenção no plano concebido por CC para vender as joias supra identificadas.
3. Em 22/07/2021, a arguida DD forneceu à arguida CC um cartão de débito da conta bancária já mencionada e com o n.º … de forma a permitir que a mesma tivesse acesso aos valores correspondentes da venda dos bens, o que aconteceu.
4. Durante o período temporal que medeia os dias 07/07/2021 e 02/09/2021, a arguida DD utilizou o valor de 3.200,00€ onde bem entendeu, gastando-o em proveito próprio na aquisição de bens, realizando transferências para terceiros e procedendo a levantamentos em ATMs.
5. A arguida DD sabia que as joias que a arguida CC detinha e solicitou auxílio para vender a terceiros provinham da prática de ilícitos criminais contra o património, nomeadamente por terem sido desapossadas dos seus efectivos donos com desconhecimento dos mesmos ou através de um meio ardiloso, tendo, mesmo assim, decidido colaborar na venda de tais bens, dissimular a sua proveniência e aproveitar-se do seu benefício económico, assegurando a recepção desses fundos na sua conta bancária e a sua posterior utilização tanto por si como pela arguida CC, resultado que representou, quis e conseguiu.
6. Agiu a arguida DD com o propósito de introduzir as quantias monetárias adquiridas com a venda dos bens obtidos pela prática de ilícito criminal contra o património no circuito económico-financeiro como se tratassem de verbas obtidas de forma lícita, dificultando a ação da justiça, designadamente no que respeita à sua ilegítima proveniência, com o objetivo de obter um benefício económico para si e para arguida CC em prejuízo de terceiros, o que também representou, quis e conseguiu.
7. A arguida DD agiu de forma livre, voluntária, consciente e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo de agir como agiu.
Dos pedidos de indemnização civil:
1. A arguida apoderou-se da aliança de casamento, de 2 fios de ouro 1 deles com coração, duas coroas de ouro com dentes, e uma pulseira de ouro e ainda de 1 par de brincos com pedra grande vermelha no valor de € 150,00, da ofendida BB, no valor de € 1.450,00 e quaisquer outras joias identificadas em 16.º do PIC, para além dos objetos descritos em 25. dos factos provados,
2. O valor das joias de BB de que a arguida se apropriou perfaz a quantia de € 22.920,00.
3. Em consequência da conduta das arguidas AA despendeu o valor de € 216,56, em deslocações ao posto da GNR e ao Tribunal.
4. Os custos com os honorários da advogada suportados pela assistente ascendem a € 500,00.
5. O comportamento adotado pelas arguidas causou na ofendida mágoa, dor e sofrimento.
C) Motivação
Decorre do art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que da fundamentação da sentença deve constar a enumeração dos factos provados e não provados “bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Assim, a decisão do Tribunal deve de assentar na convicção da verdade dos factos apurados em audiência de julgamento, convicção essa formada apenas com os elementos probatórios de que é lícito recorrer-se (cfr. artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e artigos 125.º, 126.º e 355.º do Código de Processo Penal).
Impondo-se ainda que tal prova seja plena, sem factos incertos, porquanto, em caso de dúvida, prevalece sempre o princípio in dubio pro reo, enformador do direito processual penal e com consagração constitucional (cfr. art. 32.º n.º 2 da C.R.P.).
O Tribunal fundou a sua convicção no apuramento do conjunto dos factos objecto da acusação no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento e da documental junta aos autos, em particular: autos de notícia – fls.142-143v e 198-201v; fotogramas – fls. 209-214; aditamento – fls. 23-24v, 120-121, 152-153v, 215-218; autos de apreensão – fls. 46-47v, 62-64. declaração – fls. 55-57v.; o relatório fotográfico – fls. 68-80; o termo de entrega – fls. 126; o email – fls. 130-132v; os autos de exame e avaliação – fls. 127-128v; o auto de reconhecimento – fls. 122, a resposta da PJ – fls. 320-322v, a documentação – fls. 191-192, e a documentação bancária fls. 337-345.
Assim, a prova das circunstâncias de tempo e lugar resultou dos autos de notícia, os objectos concretamente subtraídos resultaram do auto de apreensão e de entrega e o seu valor da demais supra referida prova documental, conjugada com as declarações confessórias da arguida CC e depoimentos prestados pelas testemunhas, fazendo de todos esses meios uma análise crítica, livremente apreciados de harmonia com as regras da experiência comum de acordo com os critérios estabelecidos pelo art.º 127.º do Código de Processo Penal.
Com efeito, a prova documental foi complementada pela prova produzida em audiência de julgamento, em concreto as declarações confessórias da arguida CC, no que concerne aos factos que lhe foram imputados e que o Tribunal valorizou, donde a prova dos factos 1 a 42 da acusação.
No que concerne à atuação da arguida DD quer esta quer a arguida CC negaram que a mesma tivesse conhecimento de que as joias que lhe foram entregues para venda haviam sido subtraídas por CC da casa da ofendida BB.
Versão que foi ainda corroborada pelo depoimento de JJ que se afigurou isento e credível e que o Tribunal valorizou.
Face ao que, no que se refere aos factos indicados na acusação de 30 a 42., no que concerne à atuação de DD, a prova produzida em audiência relativamente aos mesmos e pelos motivos já indicados, gerou uma dúvida que apenas por apelo ao princípio do in dubio pro reo pode ser resolvida.
O Tribunal ficou com dúvida intransponível depois de toda a prova produzida, inexistindo qualquer diligência probatória que pudesse ordenar em ordem à sua superação.
A dúvida sobre os factos resolve-se sempre a favor da arguida, em cumprimento do princípio “in dubio pro reo”, como consequência do princípio da presunção de inocência, segundo o qual enquanto não for demonstrada a culpabilidade de uma pessoa não é admissível a sua condenação (artigo 32.º, nº 2 da C.R.P.).
A dúvida fundamentadora do apelo ao princípio do in dubio pro reo é objetiva, razoável, concreta e real sobre os factos submetidos à apreciação do Tribunal e não baseada em meras suposições ou pressentimentos, o que acarreta necessariamente a não prova de tais factos quanto a DD.
Os factos descritos nos pontos 41 a 45 quanto a CC, foram dados como provados, conjugando as regras da experiência comum e os restantes factos dados como provados.
A arguida não podia ignorar que os referidos bens não lhe pertenciam e que ao apropriar-se dos mesmos como o fez, agia contra a vontade dos seus proprietários.
Nada resulta dos autos que a sua vontade de saber e querer estivesse de algum modo coartada naquele momento, atuando de forma livre, deliberada e consciente.
E sabia, como não podiam deixar de saber, que a sua conduta era proibida e punida por lei, o que é do conhecimento comum de qualquer pessoa medianamente formada.
Os factos atinentes às condições pessoais das arguidas basearam-se no teor dos relatórios sociais elaborados pela D.G.R.S.P, a solicitação do Tribunal, devidamente conjugado com o que foi referido pelas mesmas e que o Tribunal considerou.
No que respeita aos antecedentes criminais atendeu-se ao teor dos certificados do registo criminal juntos aos autos.
*
No que se refere à seleção da matéria de facto não provada a mesma decorreu quer da existência de meios de prova que a infirmasse, quer da ausência de meios de prova que a provasse, como supra se referiu.
Donde não é possível afirmar com segurança que a arguida DD tenha praticado os factos em questão – venda das joias - com conhecimento da sua proveniência ilícita e que foi beneficiária do produto da venda de tais valores, excluindo, em consequência, a possibilidade de a mesma ser apenas um mero instrumento da arguida CC a quem ademais facultou a utilização da sua conta, a pedido de sua mãe.
Assim, e na falta de prova que permitisse ao Tribunal comprovar a participação da arguida DD nos aludidos factos, não é possível afirmar que a mesma tivesse cometido o crime.
Quantos aos pontos 5. a 7., a prova do elemento subjetivo e da culpa faz-se por inferência dos factos relativos ao elemento objetivo.
Pelo que, atento o descrito em 1 a 4, necessariamente se dão como não provados os factos 5 a 7 relativos à intenção subjetiva da arguida ao praticar os mesmos.
O CRC e o relatório social relativos à arguida DD foram analisados, mas, considerando o sentido da decisão, optou-se por nada consignar.
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Quanto ao pedido de indemnização civil formulado pela assistente AA, em representação da ofendida BB, e no que concerne à prova da existência de outras joias para além das que foram vendidas e das que foram apreendidas indicadas em 25. a CC, não logrou o Tribunal formar uma convicção segura quer quanto à sua efetiva existência à data do furto quer quanto a ter sido a arguida quem efetivamente subtraiu tais joias, a existirem.
Isto porque, por um lado a arguida negou ter retirado outros valores para além dos constantes no saco ali existente, não tendo sido a mesma a única a ter entrado na casa no período em causa, tanto mais que quem detinha as chaves da habitação era o lar para quem trabalhava e que outras pessoas ali também se deslocaram como o confirmou KK, assistente social do lar.
Por outro lado, ainda que a assistente AA afirmasse ter visto tais joias no mês anterior certo é que a mesma não se desloca a casa dos pais todos os dias e entre o período que mediou o internamento do pai e a sua deslocação a casa para assistir à mãe terão decorrido pelo menos 2 dias, como a mesma admitiu.
Donde, no período em causa podendo qualquer funcionário do lar deslocar-se aquela casa, outras pessoas, que não a arguida, podiam ter subtraído as demais joias em falta.
Quanto às despesas com honorários e deslocações importa ressalvar que não foi possível apurar quaisquer custos em concreto com tais despesas, por não ter sido apresentada prova nesse sentido pela demandante, como sejam: comprovativos de via verde e talões de combustível e recibos de honorários, cuja prova se lhe impunha, como suprarreferido, razão pela qual não se considerou o mesmo, cujo ónus de prova a si competia (cfr. 342.º n.º 1 do CC e 414.º do CPC).
Ademais, desconhecendo-se a forma de cálculo do valor indicado por quilómetro, considerando que se ignora a viatura utilizada pela demandante, o que não foi alegado pela mesma, não constitui facto notório, nem resulta das regras de experiência comum.
Por fim, e quanto ao alegado sofrimento causado à ofendida com a situação em causa nos autos, das declarações prestadas pela assistente não se apurou que a mesma tivesse referido sequer à mãe o desaparecimento das joias, precisamente como forma de a poupar a tal sofrimento, pelo que ignorando a mesma a situação em causa, não se afigura possível que a mesma tivesse padecido de desgosto com a mesma.
(…)
DA PENA
Cumpre agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar, tendo presente o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida e, como ponto de partida, que a moldura penal abstracta aplicável ao crime de burla qualificada é de 2 a 8 anos e que ao crime de furto qualificado é também de 2 a 8 anos, mas considerando que a acusação foi deduzida perante tribunal singular (artigo 16.º, n.º3, do CPP), a pena em concreto apenas poderá ser fixada entre 2 e 5 anos de prisão.
Preceitua o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Cotejando os factos do caso sub judice, e tendo em conta os princípios supra referidos, importa determinar a pena em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, não olvidando a necessidade de reprovação do crime.
A culpa constitui o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta. Forçoso é, assim, concluir que não há pena sem culpa, não podendo a medida da pena ultrapassar a da culpa, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal.
A arguida tem capacidade para avaliar a ilicitude dos factos e devia ter agido de acordo com essa avaliação, o que optou por não fazer, pelo que a sua culpa é, pois, elevada.
O aumento da criminalidade patrimonial, nos quais se inserem os crimes em análise, constitui uma das principais causas do sentimento crescente de insegurança da população portuguesa, em particular nesta comarca, onde tais crimes têm elevada expressão, pelo que aos tribunais compete punir adequadamente esse tipo de crimes.
As exigências de prevenção geral são assim significativas, com a necessidade de manutenção da confiança da colectividade nas normas que protegem o património, impondo-se, efectivamente, a “tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto.”
Importa, assim, ter presente a função de prevenção geral positiva da pena no sentido de restabelecer e fortalecer a confiança jurídica da comunidade no bem jurídico violado, na reposição da ordem jurídica e social e na efectiva existência de tutela penal.
No caso em apreço, as necessidades de prevenção especial são moderadas, porquanto a arguida não tem averbada a prática de qualquer crime no seu registo criminal, o que revela que este foi um acto isolado na sua vida, a mesma está social, profissional e familiarmente integrada, e confessou os factos, colaborando com a descoberta da verdade.
Estabelece, ainda, o artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Atendendo às circunstâncias previstas no art. 71.º n. 2 do Código Penal, nomeadamente:
-- A ausência de antecedentes criminais;
-- O grau de ilicitude da sua atuação é elevado, atento o modo de execução, em duas ocasiões distintas aproveitando-se dos cuidados a prestar em casa de pessoas de que dela dependiam, e o valor dos bens que apenas foram parcialmente recuperados.
-- O dolo direto, na sua modalidade mais intensa, pois a arguida representou claramente os factos criminosos e actuou com intenção de os realizar;
-- A sua inserção sociofamiliar.
-- A confissão dos factos.
Tudo ponderado, considera-se justa e suficiente, pelas exigências de prevenção geral e especial e pelo princípio da necessidade da pena, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 71.º e tendo em consideração o disposto no artigo 47.º, nº 1 do Código Penal, o cumprimento de uma pena de:
- 2 anos e 2 meses para o crime de burla qualificada;
- 2 anos e 10 meses para o crime de furto qualificado.
Diferenciação justificada pelo valor dos bens e pela renovação do propósito delitivo na segunda ocasião conforme a factualidade provada.
A arguida vai condenada pela prática de dois crimes.
De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, que se refere às regras de punição de concurso, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”.
A pena aplicável tem como limite máximo a pena das somas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se em pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal).
Donde, a moldura da pena de multa aplicada à arguida oscila agora entre o mínimo de 2 anos e 10 meses e o máximo de 5 anos.
«Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.»
Importa, pois, considerar as circunstâncias espácio-temporais em que os factos ocorreram (diversas ocasiões e locais com um hiato temporal entre si de 3 meses), o respectivo enquadramento e a gravidade dos comportamentos.
Os crimes foram praticados em dias diferentes com hiato temporal entre eles, relativamente a pessoas distintas, a gravidade dos factos é elevada atendendo ao contexto em que ocorreram, o modo de execução e o valor dos bens apenas parcialmente recuperados.
Quanto à personalidade da arguida, a mesma colaborou com a descoberta da verdade e confessou a prática dos crimes.
Não reparou os ofendidos.
Não tem antecedentes criminais.
Nesta conformidade o cúmulo jurídico deve englobar as penas de prisão aplicadas pelos dois crimes de furto qualificado e de burla qualificada.
Ponderando todos estes factos, o tribunal considera adequado aplicar à arguida uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
*
Nos termos do artigo 50.º, n.1, do Código Penal, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Verificados que sejam, pois, os pressupostos expressamente formulados pelo dispositivo em análise, o Tribunal tem o poder-dever de decretar a suspensão.
Na base de tal decisão, está em causa a ponderação, não de razões atinentes à culpa, mas apenas de razões ligadas às finalidades preventivas da punição, especialmente as que respeitam à prevenção especial de ressocialização, acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral.
A finalidade política criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é, pois, o afastamento do agente, no futuro, da prática de novos crimes.
Por conseguinte, a suspensão da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, sendo que, a ser determinada constituirá numa crença fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida.
O Tribunal poderá, pois, "correr o risco" fundado e calculado sobre a manutenção do agente em liberdade, a não ser que haja razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, devendo neste caso o juízo de prognose ser desfavorável e a suspensão negada.
Em tal juízo de prognose, há que ter em conta a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior ou posterior ao facto punível e as circunstâncias desse mesmo facto.
A arguida não possui passado criminal, esta social e familiarmente integrada.
Do exposto, pese embora a gravidade dos crimes em causa, entende o Tribunal que as exigências de prevenção especial serão suficientemente asseguradas neste caso se as penas de prisão aplicadas à arguida forem suspensas na sua execução.
Acresce que, a confiança da comunidade na norma violada é, no presente caso, alcançada com a ameaça da aplicação de uma pena de prisão efetiva.
O Tribunal conclui assim por um juízo de prognose favorável à arguidas, afigurando-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual, as penas de prisão aplicadas são suspensas na sua execução por 5 anos (cfr. artigo 50º, nº 5, do Código Penal).
O Tribunal, se julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 2 do Código Penal.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, 53.º, n.ºs 1, do CP, o Tribunal opta, assim, por suspender a execução da pena de 3 anos e 6 meses, pelo período de 5 anos, sujeita à obrigação de pagar, a cada um dos assistentes (cfr. artigo 51.º, n.º 1, al. c) ex vi 54.º n.º 3 do Código Penal), pelo tempo de duração da suspensão:
- Ao ofendido EE o valor de € 1.800,00.
- E à ofendida BB o valor de € 3.200,00.
Valores que correspondem, proporcionalmente, ao valor da venda das joias de cada um dos ofendidos, tendo por base o seu valor real apurado nos autos.
Salienta-se que, no caso de a arguida não cumprir as obrigações impostas e/ou cometerem qualquer crime, a suspensão da execução da pena de prisão poderá ser revogada, determinando o cumprimento da pena de prisão aplicada originariamente (artigos 56.º e 40.º do Código Penal).
*
Do Pedido de Indemnização Civil:
Concluindo-se pela condenação da arguida CC, vejamos da procedibilidade do pedido de indemnização cível deduzido pelos lesados.
Nos termos do artigo 77.º do C.P.P., o lesado tem o direito de formular pedido de indemnização civil, destinado a ressarci-lo dos prejuízos sofridos com a acção delituosa.
Dispõe o art.º 129.º do C. Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Por seu turno, o art.º 483.º do Código Civil consagra o princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual, estabelecendo que aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, só existindo obrigação de indemnizar independentemente de culpa, nos casos especificados na lei.
A responsabilidade extracontratual assenta na ideia da culpa - responsabilidade subjectiva (cfr. arts. 499.º a 510.º do C. Civil.
São assim requisitos cumulativos da obrigação de indemnizar para além da culpa: o facto voluntário, a ilicitude, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Na perspetiva da responsabilidade civil, pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
A indemnização compreenderá, assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 496.º e 497.º do C. Civil, os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes dos factos sendo que, nos termos do art. 562.º do C. Civil: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
O artigo 496.º, n.º 1, do C. Civil determina que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito , referindo o n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do C. Civil.
Sempre que a reconstituição natural não for possível, a indemnização é fixada em dinheiro ao abrigo do n.º 1 do art. 566.º do C. Civil, calculada equitativamente se tal valor não puder ser averiguado com exatidão (art. 566.º, n.º 2 do C. Civil).
No entanto, não poderá esquecer-se que a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada.
Por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Posto isto, ambos os assistentes deduziram pedidos de indemnização civil, ainda que no caso de EE limitado ao preciso valor do bem que lhe foi subtraído, i.e. de € 4.800,00.
Já BB peticiona a condenação das arguidas no pagamento dos seguintes valores, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros:
i. € 12 786,56 de danos patrimoniais; e
ii. € 2.500,00 por danos não patrimoniais;
Vejamos.
Danos não patrimoniais da ofendida BB:
Diferentemente do que sucede com os danos patrimoniais, a indemnização do dano não patrimonial não reintegra, nem restitui algo que causou prejuízo no património do lesado, prejuízo este eliminável in natura ou por equivalente.
Nos danos não patrimoniais não existe propriamente uma indemnização (no sentido em que existe para os danos patrimoniais), mas sim uma espécie de reparação, no sentido de tentar, através da soma de dinheiro que se entrega, minorar a dor e proporcionar alguma satisfação e conforto.
Assim, esta reparação, ao contrário do que sucede com os danos patrimoniais, não colmata uma lacuna patrimonial. Esta lacuna não existe: existe um património intacto, que é aumentado tendo em vista facultar ao lesado ou lesados certa compensação para a dor e sofrimento sentidos.
O artigo 496.º, n.º 1, do C. Civil determina que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, referindo o n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do C. Civil.
Tem-se entendido que merecem a tutela do direito os danos que “espelhem uma dor, angústia, desgosto ou sofrimento, que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornem inexigíveis em termos de resignação”.
A gravidade do dano mede-se por um padrão objetivo, embora tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso concreto e aprecia-se em função de tutela do direito.
Ademais, não poderá esquecer-se que a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada. Por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Face à factualidade provada nos autos não se apurou que a ofendida BB tivesse ficado abalada psicologicamente com a situação, tanto mais que a mesma não lhe foi revelada pela filha, precisamente para a poupar a tal sofrimento.
Pelo que improcede nesta parte o pedido.
Danos patrimoniais dos demandantes:
Os demandantes civis e assistentes demandaram as arguidas peticionando ainda a condenação destas no pagamento de determinada quantia pecuniária, correspondente ao valor das joias subtraídas, e ainda no caso da Assistente AA, das despesas em que incorreu com os autos: deslocações e I. Advogada.
A lei portuguesa limitou a possibilidade de indemnização de danos patrimoniais de terceiros aos casos do artigo 495.º, nºs 2 e 3 do Código Civil, o que não se verifica ser o caso em apreço.
Sendo certo que, tampouco resultaram demonstradas nos autos as despesas em causa.
Pelo que improcede nesta parte o pedido.
Quanto aos demais danos patrimoniais e que se cingem ao valor das joias conforme descritas na factualidade provada.
Ora, sempre que a reconstituição natural não for possível, a indemnização é fixada em dinheiro ao abrigo do n.º 1 do art. 566.º do C. Civil, calculada equitativamente, se tal valor não puder ser averiguado com exatidão.
Concluindo-se pela possibilidade da indemnização ser realizada por via do pagamento de quantia em dinheiro, a mesma deverá ser fixada nos termos do disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566º todos do Cód. Civil, que consagram a teoria de diferença, nos termos da qual se faz uma avaliação do dano em sentido patrimonial, mediante a apreciação concreta das alterações verificadas no património do lesado.
Em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Relativamente ao quantum indemnizatório, preceitua o n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Além disso, os danos assinalados apresentam o indispensável nexo de causalidade entre o facto voluntário praticado pelas arguidas e os danos, manifestado na teoria da causalidade adequada, expressamente acolhida no artigo 563º do Código Civil, segundo a qual “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Nos termos do disposto nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil, a obrigação de reparação de danos provocados a outrem consiste, em princípio, na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesante.
Não sendo possível proceder à reconstituição natural, deve o tribunal fixar uma indemnização em dinheiro.
No caso dos autos, provou-se que o valor do fio de ouro de EE correspondia a € 4.800,00, e no caso das joias de BB vendidas pela arguida CC, as mesmas valiam, pelo menos, € 8.320,00.
Está, assim, provado o nexo entre os danos e a lesão que vem imposta na referida norma legal, pelo que nessa parte o pedido dos demandantes deve proceder e, consequentemente, deverá a demandada ser condenada a pagar tal indemnização.
Sobre esse montante serão devidos juros de mora à taxa legal desde a condenação, conforme peticionado (artigo 805.º, nº 1 e 3, e 806.º n.º 1 do Código Civil).
O mesmo não se podendo determinar quanto aos invocados danos com as despesas e honorários, por nenhuma prova ter sido efetuada quanto à existência destes danos em concreto, improcedendo, assim, nesta parte, o pedido, como referido.
*
Relativamente à arguida/demandada DD não se demonstrando a integralidade dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos (cumulativos) resta concluir pela irresponsabilidade da mesma.
Pelo exposto, julgo improcedente por não provado o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes contra a arguida DD e, consequentemente, absolvo-o do peticionado.(…)»
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
A) Erro na determinação do valor da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais - vícios da decisão quanto à matéria de facto:
Invoca a recorrente que a decisão recorrida padece de erro previsto no art. 410.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal ao não valorar os documentos juntos com o pedido cível, pelo que deverá ser a arguida condenada no pagamento da importância de 216,56€, correspondente a três deslocações (ida e volta) entre … e …, e 500,00€ referentes a honorários de advogado.
Mais sustenta a evidência de erro por ter ficado demonstrada, em audiência, pelo depoimento da assistente, a existência de danos não patrimoniais, que devem ser reembolsados.
Mau grado, verificamos que o Tribunal a quo deu como não provado que, em consequência da conduta das arguidas, AA tenha despendido o valor de 216,56€, em deslocações ao posto da GNR e ao Tribunal, que tenha suportado custos com os honorários da advogada em valor que ascende a 500,00€ e que o comportamento adotado pelas arguidas causou na ofendida mágoa, dor e sofrimento.
A recorrente não integra juridicamente a existência dos vícios que assaca à decisão recorrida, limitando-se a almejar a respetiva subsunção ao n.º 1, do art. 410.º, do Cód. Processo Penal, que determina que sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
Alegando que a decisão recorrida padece de erro, ao não ter condenado no pagamento dos apontados valores (deslocações e honorários de advogado) e reconhecido a existência dos peticionados danos não patrimoniais, não optou a recorrente pela impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, ns. 3, 4 e 6, do mesmo Código (não observando os requisitos do recurso nesta matéria, quer na motivação, quer nas conclusões).
Também não invoca nenhum dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do Cód. Processo Penal, única via alternativa pela qual a matéria de facto pode ser sindicada em recurso (chamada revista alargada).
Como estamos perante matéria de conhecimento oficioso, vejamos se as razões invocadas podem subsumir-se a algum dos vícios aqui elencados.
De acordo com o art. 410.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) e o erro notório na apreciação da prova (al. c).
Estes vícios formais podem ser arguidos pela parte, delimitando o recurso, mas “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” – AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in D.R. 28/12/1995.
Na chamada revista alargada, a indagação da existência de vícios tem de resultar da decisão recorrida, em si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, nomeadamente excertos de prova testemunhal produzida em julgamento.
Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, evidentes para o denominado homem médio. «Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos mesmo que objeto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento da matéria de facto. Porque se trata aqui se uma tarefa de direito, os tribunais superiores, procedem oficiosamente à detecção dos vícios aqui enunciados, atendo-se imperativamente apenas e só ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum».1
Estão em causa vícios endógenos, que permitem atacar a decisão na sua regularidade formal (e que não se confundem com o erro de julgamento em matéria de facto, a que se reporta o art. 412.º do mesmo diploma).
A verificação da ocorrência de algum destes vícios determina a necessidade do seu suprimento podendo, em última ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1.ª instância.
Vejamos, assim, se o alegado poderá subsumir-se à previsão de qualquer um destes vícios.
a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
Que se verifica quando no texto da decisão, os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Assim, tal insuficiência – definida por MANUEL SIMAS SANTOS e MANUEL LEAL-HENRIQUES, in Recursos Penais, 9.ª Edição 2020, Rei dos Livros, página 74, precisamente, como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” – tem de existir internamente, no âmbito da decisão.
Está em causa a omissão de pronúncia aferida de acordo com o objeto do processo. Ocorre quando o Tribunal não aprecia toda a factualidade levada perante si.
Nenhum dos argumentos invocados pela recorrente se subsumem a este concreto vício (nada do por si alegado contorna a insuficiência probatória em que o Tribunal recorrido fundou a sua convicção, negativa, quanto à factualidade em causa, alegada no pedido de indemnização civil, não tendo por suficientes os meios de prova apresentados).
E a sentença não padece do vício em apreço, uma vez que o Tribunal se debruçou sobre toda a matéria factual aportada pela acusação e pela defesa (inexistindo qualquer obrigação legal de o Tribunal emitir pronúncia sobre o teor integral de documentos apresentados pela defesa).
b) Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão:
Aqui estamos perante dois vícios intrínsecos da sentença, um da própria fundamentação e outro decorrente da relação desta com a decisão. Ocorre o primeiro quando, de acordo com uma análise lógica, se tenha de concluir que a decisão não fica suficientemente esclarecida, dada a contradição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou em sede de fundamentação da matéria de facto e o segundo quando essa fundamentação determina uma decisão precisamente oposta à prolatada.
Teremos de estar perante contradições e inconciliabilidades reportadas aos factos e entre si ou enquanto fundamentos, mas que não se limitem a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos2.
Não ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quando o resultado a que o juiz chegou na sentença decorre, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados, podendo verificar-se aqui, sim, um eventual erro de subsunção dos factos ao direito (questão de direito).
Revertendo ao caso concreto, do texto da decisão não ressaltam posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva da lógica interna da decisão. Pelo texto da decisão consegue-se perceber o motivo pelo qual se chega à factualidade provada e à não provada, não existindo contradições entre estes segmentos e entre os mesmos e a fundamentação, sendo a factualidade consentânea entre si e com a respetiva decisão.
c) Erro notório na apreciação da prova:
Verifica-se perante uma falha grosseira, ostensiva, na análise da prova. Tendo este vício, como os anteriores, que resultar do texto da decisão, ocorrerá quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado; quando se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência, as legis artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos.
Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a eventual discordância dos recorrentes quanto ao modo como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, em audiência, em conformidade com o disposto no art. 127.º do Cód. Processo Penal.
Este vício distingue-se, assim, do erro de julgamento da matéria de facto pois que este último apenas é percetível através da análise da prova produzida.
Ao invés, o erro-vício reconduz-se a um erro de raciocínio na apreciação das provas, que ressalte da simples leitura do texto da decisão, que revelará por si, e sem necessidade de apelo ao conteúdo de meios probatórios, um sentido contrário ao daquela. Também aqui, nada do alegado pela recorrente é passível de configurar este vício decisório.
E não se deteta na decisão recorrida uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum (sem análise das provas sobre as quais aquele se fundamenta).
Do texto da decisão recorrida não se deteta qualquer erro de raciocínio, conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória. Na verdade, a recorrente faz apelo a uma leitura antagónica da prova.
Não concorda com o juízo probatório do Tribunal a quo. Mas tal constitui uma discordância da recorrente face ao resultado da apreciação da prova. Nessa medida, já não nos movemos no âmbito do erro notório na apreciação da prova, que tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, o que no caso não se verifica, mas antes em contexto de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do preceituado no art. 412.º n.º 3 e 4, do Cód. Processo Penal, a que a recorrente não apelou.
Resta, assim, concluir que a decisão recorrida não padece de qualquer dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal.
Não merecendo provimento qualquer uma das questões suscitadas e que interferiam com a matéria de facto, resta dar a mesma como assente.
Nesse conspecto, nenhuma censura merece a decisão que julgou parcialmente improcedente o pedido de indemnização civil por danos patrimoniais (reembolso de viagens e honorários de advogado) bem como por danos não patrimoniais, em face da ausência de suporte factual que possa fundamentar o preenchimento dos pressupostos da indemnização civil, como refere o Tribunal a quo.
B) Da suspensão da pena de prisão – obrigação de reparação:
O Tribunal recorrido aplicou à arguida CC a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada e 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado.
Em cúmulo jurídico, foi aplicada à arguida a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Esta pena única veio a ser substituída pela pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos.
Considerou-se que as exigências de prevenção, nomeadamente especial (ausência de antecedentes e integração social e familiar) serão suficientemente asseguradas com a ameaça de uma pena de prisão efetiva.
A fixação da pena de substituição mostra-se consolidada pela ausência de recurso, quer do M.º P.º, quer da arguida.
Importa apenas verificar da condição a que o Tribunal a quo entendeu subordinar esta suspensão.
Formulando um juízo de prognose favorável, optou-se pela suspensão da pena, pelo período de cinco anos, mas subordinada ao pagamento, na parte que releva (pois a referente ao assistente EE, mostra-se transitada), do valor de 3.200,00€ (três mil e duzentos euros), à recorrente, correspondente ao valor obtido pela venda das joias.
Conhecendo do pedido de indemnização formulado pela assistente, o Tribunal recorrido julgou o mesmo parcialmente procedente e condenou a arguida a pagar a quantia de 8.320,00€ (oito mil, trezentos e vinte euros), valor apurado das joias, acrescido de juros contados à taxa legal e desde a condenação, deduzindo deste valor aquele a que subordinou a suspensão (valor efetivo recebido pela arguida aquando da venda).
A recorrente sustenta que o Tribunal recorrido incorreu em erro na interpretação do art. 51.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, pois deveria a suspensão da pena ter sido subordinada ao pagamento da totalidade da quantia atribuída a título de indemnização (8.320,00€), pois só assim se realizam de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.
Optando o Tribunal, como foi o caso, pela aplicação da pena de substituição, pode entender subordinar a mesma ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, como disposto nos arts. 51.º e 52.º do Código Penal.
No caso concreto, o Tribunal entendeu subordinar a suspensão da execução ao cumprimento pela arguida do dever de efetuar o pagamento de valor equivalente ao que recebeu com a venda das joias de que se apropriou indevidamente, abrangido, parcialmente, na indemnização total.
Dispõe o art. 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal que a suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente a pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o Tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado.
Está em causa, com a fixação de deveres de “reparação do mal do crime”, repor a situação da vítima antes do crime, concomitantemente com o reforço da censura do facto e da ameaça da prisão, podendo a mesma ocorrer independentemente da dedução de pedido de indemnização, mas sendo dedutível no valor desta, caso arbitrada.
Estamos perante o arbitramento de reparação autónomo, independente do quadro do pedido de indemnização, como complemento penal, especificamente como componente de pena de substituição.
Para MÁRIO FERREIRA MONTE3, trata-se de um instituto autónomo, uma “terceira via” relativamente à indemnização de natureza civil, e às consequências jurídico-penais do crime.
Assim concebida, a reparação penal pode não coincidir com a indemnização civil nem com a pena.
Configura, sim, uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias no restabelecimento da paz jurídica.
Por isso, o montante arbitrado não tem de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (artigos 483.º e segs. e 562.º e segs. do Código Civil).
Em caso de condenação pela prática de crime contra o património, como aqui ocorre, a satisfação das finalidades da punição exige, por regra, que a suspensão da execução da pena deva ser subordinada ao pagamento da indemnização devida ao ofendido.
Mas nesta ponderação não podemos esquecer que a reparação também se orienta pela necessidade de ressocialização, pelo que não se pode olvidar a condição sócio-económica do agente do crime.
O esforço reparador, ainda que o pressupondo, não visa apenas o interesse da vítima.
Interfere, aqui, um juízo de prognose da razoabilidade de satisfação desta condição por parte do condenado, tendo em conta a sua condição económica, presente e futura e ponderando que o incumprimento da pena de substituição pode determinar a revogação da suspensão e o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56.º do Código Penal).
Tendo a fixação deste dever de reparação uma função adjuvante na realização das finalidades da punição, a mesma não pode, sob pena de desproporcionalidade, elevar-se a valores que comprometam o mínimo necessário à subsistência do condenado. É o que resulta do disposto no n.º 2, do art. 51.º, do Código Penal, quando refere que os deveres impostos não podem, em caso algum, representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de se lhe exigir.
Como o refere o STJ no AUJ n.º 8/20124 «Ao impor a condição de pagamento de quantia ou outra, o juiz deve averiguar da possibilidade de cumprimento dos deveres impostos, ainda que, posteriormente, no caso de incumprimento, deva apreciar da alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a revogação da suspensão.
Não devem ser impostos ao arguido deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres.
Como pondera Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, p. 208, prática contrária significaria apenas adiar a execução da pena de prisão.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 533, p. 350, antes da revisão de 1995, que introduziu o n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, observava que a imposição de deveres e regras de conduta haveria forçosamente de sofrer uma dupla limitação: «[A] de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto.» Acrescentava, a p. 351, § 535: «Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir -se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar -se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados.» Quanto à obrigação do condenado de pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado enquanto condição de suspensão da execução da pena consagrada no artigo 49.º, n.º 2, alínea a), da versão originária [actual artigo 51.º, n.º 1, alínea a)] entendia o mesmo Professor, a p. 352, § 537, que «Conexionando esta obrigação com a cláusula de exigibilidade contida no artigo 49.º, n.º 3, parece dever concluir-se que a suspensão é ainda compatível com um pagamento parcial, se o tribunal concluir que só este é concretamente exigível».
Por isso, revertendo ao caso concreto, para além da ponderação do real valor das joias, importa atender ao montante que corresponde ao benefício que a arguida obteve com a sua atuação (equivalente ao valor que lhe foi entregue na venda das joias e correspondente ao da subordinação da suspensão da execução da pena), bem como à situação sócio-económica da condenada. Esta foi despedida na sequência dos factos em causa nos presentes autos e perdeu a habitação arrendada onde residia. Vive em habitação cedida por contrapartida dos cuidados que presta a idoso acamado, tem a seu cargo dois filhos de … anos e uma neta de … anos de idade, recebendo os abonos dos menores e pensão de alimentos dos mesmos, um total de 350€, contando, ainda com 300€ pagos pela família do idoso de que cuida, com os quais tem também de fazer face às despesas daquele. Conta com o apoio da filha para pagamento da eletricidade, tendo em dívida o pagamento da água.
Em face da comprovada condição económica da condenada, a decisão do Tribunal recorrido, ao subordinar a suspensão da execução da pena ao pagamento do valor que a arguida recebeu pela venda das joias (e não ao valor destas) pautou-se por critérios de razoabilidade, não padecendo de qualquer erro, pelo que não merece censura.
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V. DECISÃO
Pelo exposto acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela demandante/assistente AA, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 9 de abril de 2025
Mafalda Sequinho dos Santos
Carla Francisco
Anabela Simões Cardoso

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1Pereira Madeira, Art. 410.º Código Processo Penal Comentado, p. 1327, 4.ª ed. Revista, Almedina.
2Acórdão do STJ 2008/11/19, Proc. n.º 3453/08-3, SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, obr. cit. p. 80.
3«Da reparação penal como consequência jurídica autónoma do crime», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pp. 129 -155
4«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»