PRISÃO PREVENTIVA
DECISÃO DE REEXAME
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

A fundamentação da decisão de reexame, quando não haja qualquer alteração das circunstâncias desde a última decisão, satisfaz-se com a remissão para os fundamentos, de facto e de direito, do despacho que aplicou a medida de coação ou que a manteve.
Não ocorre qualquer falta de fundamentação no despacho proferido em 17.12.2024 – tratando-se de despacho sobre a possibilidade de alteração do regime coativo, o dever de fundamentação mostra-se cumprido com a indicação concreta de que “(…)Não ocorreram quaisquer alterações nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a prolação do despacho que decretou a prisão preventiva do arguido, em ordem a atenuar ou eliminar os fundamentos de perigo de fuga, continuação da atividade criminosa e para a aquisição e conservação ou veracidade da prova, uma vez que os elementos indiciários entretanto recolhidos não infirmam os fundamentos daquela decisão.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

1. No Inquérito n.º 444/24.2GFLLE, que corre termos nos Serviços do Ministério Público da Procuradoria da Comarca de … – Departamento de Investigação e Acção Penal – … ª Secção de …, após primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, foi proferido despacho judicial de aplicação de medidas de coação, no qual a Mma. Juíza de Instrução do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Instrução Criminal de … – Juiz …, decidiu aplicar aos arguidos AA e BB, com os demais sinais dos autos, a medida de prisão preventiva, por terem sido considerados fortemente indiciados da prática, em coautoria material, de dois crimes de roubo agravados, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal.

2. Inconformados com esse despacho, os sobreditos arguidos interpuseram recurso peticionando que a medida de coação de prisão preventiva aplicada fosse revogada e que os mesmos ficassem apenas sujeitos a termo de identidade e residência.

3. Tal recurso subiu a este Tribunal da Relação de Évora e foi julgado improcedente por Acórdão proferido em 16 de dezembro de 2024 – cfr. decisão proferida no apenso de recurso nº 444/24.2GFLLE-A.E1.

4. Por despacho judicial proferido no Processo de Inquérito nº 444/24.2GFLLE no dia 17 de dezembro de 2024 foi reexaminado o estatuto coativo dos arguidos sujeitos a prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 213º do Código de Processo Penal, tendo sido mantida essa medida de coação, com os seguintes fundamentos:

“Da revisão do estatuto coativo:

Nos presentes autos, por decisão de 18 de setembro de 2024, foi determinado que o arguido AA e o arguido BB aguardassem os ulteriores termos sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º 194.º, 195.º, 202.º e 204.º do Código de Processo Penal., por se encontrarem indiciados pela prática de dois crimes de roubo, agravados, previstos pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2 da alínea b) do Código Penal.

Tal medida de coação foi ordenada atentos os fundamentos de facto e de direito constantes do despacho supra identificado, para os quais se remete e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente atento o perigo de fuga, de continuação da atividade criminosa, o perigo de aquisição e manutenção da veracidade da prova e de perturbação do inquérito bem como o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública.

Consigna-se que não se encontra ainda esgotado o prazo de duração máxima da medida de coacção de prisão preventiva (artigo 215.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código de Processo Penal).

Sem prescindir, não se entende ser necessário, nesta fase, proceder à audição dos arguidos, desde logo, porque não há qualquer alteração ao quadro fáctico verificado e apresentado em sede de primeiro interrogatório que, de alguma forma, atenuassem as exigências cautelares que estiveram subjacentes à aplicação aos arguidos da medida de coacção mais gravosa.

Assim, inexistindo qualquer alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que fundamentaram a aplicação aos arguidos da medida de coacção de prisão preventiva, decide-se que AA e BB devem permanecer preventivamente presos– cfr. artigos 204.º e 213.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal.

Notifique.

Comunique ao TEP.”.

5. Notificados do despacho proferido em 17.12.2024, vieram os arguidos apresentar requerimento em 2 de janeiro de 2025, a arguir a nulidade daquele despacho por omissão de pronúncia, nos seguintes termos:

AA e BB, arguidos melhor identificados nos autos, tendo sido notificados do despacho que manteve a medida de coação de prisão preventiva dos arguidos, vêm arguir a irregularidade daquele Despacho por omissão de pronuncia, nos termos do art. 123º do CPP e com os seguintes fundamentos:

Como sabemos, a omissão de pronúncia a que se refere artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal constitui uma nulidade da sentença e quanto a estas nulidades não existe norma de conteúdo idêntico à do n.º 3 do artigo 380.º do mesmo código.

Não sendo a decisão de manutenção da medida de coacção uma sentença, a eventual omissão de pronúncia de que tal despacho padeça tem que ser decidida à luz do princípio geral enunciado no n.º 4 do artigo 97.º do Código de Processo Penal.

O que a lei exige no n.º 4 do artigo 97.º do Código de Processo Penal é que o juiz indique, de forma compreensível, os factos e o direito relevantes para o que decidiu, relativamente à questão concreta apreciada no acto decisório, sendo esta questão concreta que deve ser objecto do seu [do juiz] discurso argumentativo, sob pena de irregularidade, sujeita ao regime do artigo 123.º do mesmo código, arguível no prazo de três dias previsto no seu n.º 1, sob pena de sanação.

Motivo pelo qual os arguidos vêm, aqui, arguir a irregularidade do despacho que os manteve em prisão preventiva com a fundamentação cliché de que “inexistiu qualquer alteração” apesar das muitas diligências investigatórias realizadas desde da aplicação da MC de PP até à presente data e sem que nada se dissesse quanto a elas no despacho agora impugnado.

Fazendo-o os arguidos no 2º dia após o prazo, juntam o comprovativo de pagamento da respetiva multa.

Como sabemos, também, as medidas de coacção visam assegurar as exigências processuais de natureza cautelar, devendo ser, em concreto, necessárias e adequadas a tais exigências e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (artigos 191.º, n.º 1, e 193.º, n.º 1) e tendo, necessariamente, natureza temporária.

Sabemos, ainda, que depois de decretada e transitada a respectiva decisão, a medida de coacção fica sujeita à cláusula rebus sic stantibus, o que vale dizer que só pode ser revogada se tiver sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei, ou se tiverem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação, e que só pode ser substituída por outra medida, menos grave, se e quando tenha ocorrido uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, nos termos do n.º 3 do artigo 212.º do Código de Processo Penal.

Que é precisamente isso que entendem os arguidos ter acontecido através das diligências de inquérito determinadas e realizadas após a aplicação da PP aos arguidos, até por requerimento dos próprios arguidos ou da sua sujeição, voluntária, a tais diligências probatórias, a saber:

1. testemunhas ouvidas após a aplicação da MC de prisão preventiva, nomeadamente a inquirição das testemunhas CC e DD,

2. informação prestada pelo Hotel …

3. informações prestadas pela Companhia aérea ….

4. Resultado das perícias efectuadas nos presentes autos a que o MP fez referência no seu Despacho … de 26/11/2024.

5. Perícia efectuada ao ADN encontrado na garrafa de água apreendida nos presentes autos e a comparação deste com o ADN extraído aos arguidos através da Zaragatoa bocal a que os mesmos, voluntariamente, se sujeitaram no passado dia 16 de dezembro de 2024.

Sobre tais meios de prova que constam dos autos o despacho que manteve a prisão preventiva dos arguidos nada diz, nenhuma referência é feita a tais meios de prova recolhidos em inquérito após a aplicação da MC de PP aos arguidos e de que forma os mesmos infirmam ou mantém a forte indiciação dos factos que lhe são imputados na decisão que lhes aplicou ab início a prisão preventiva. O despacho que manteve a PP dos arguidos actuou como se os mesmos não existissem!

Nestes termos e nos melhores de direito deve o Despacho que manteve a PP dos arguidos ser revogado e substituído por outro no qual seja analisada a prova trazida aos autos após a aplicação da MC de PP, requerendo-se a este Tribunal que explicite, de forma clara e lógica, em que medida tais meios de prova fundamentam ou não uma alteração da forte indicação verificada na decisão que aplicou tal MC e o seu relevo na reconfiguração dos perigos a que alude o artigo 204.º do Código de Processo Penal.

O Tribunal tem a obrigação, sob pena de omissão de pronuncia e de fundamentação, de no despacho de reavaliação dos pressupostos da manutenção da PP, de avaliar as circunstâncias novas que foram trazidas, entretanto ao processo e de reavaliar a manutenção ou não da forte indicação dos factos que constam da decisão que aplicou a PP, assenta sempre num juízo de probabilidade de verificação de uma situação futura que altera as exigências cautelares até então existentes.

E esse juízo nunca pode ser feito em termos abstratos, antes terá de assentar em factos concretos, existentes nos autos à data da respetiva ponderação, donde se possa concluir, como séria, a probabilidade de ocorrência de um facto futuro que coloque em causa a adequação e proporcionalidade da medida de coação pré-existente, enquanto garante das exigências cautelares, aplicáveis no caso em apreço.

Nada disto foi feito no despacho a que nos referimos. O Despacho agora em crise nada mais é do que um despacho matriz que nada diz em concreto sobre as novas provas que, entretanto, foram recolhidas em sede de inquérito e que, sem dúvida, alguma depauperam a conclusão de forte indiciação a que se chegou na decisão que aplicou a medida de coação de prisão preventiva aplicada aos arguido a 18 de setembro de 2024, até porque tais novos elementos de prova demonstram que os arguidos à data dos factos em causa nos presentes autos encontravam-se noutro local, noutro pais”.

6. Sobre esse requerimento de arguição de nulidade recaiu, após promoção do Ministério Público, o seguinte despacho judicial, proferido em 8 de janeiro de 2025:

“Vêm os arguidos AA e BB arguir a irregularidade do despacho que procede ao reexame das medidas de coação que lhe foram aplicadas por falta de fundamentação no que toca à apreciação das diligências investigatórias realizadas desde a aplicação da medida de coação de Prisão Preventiva.

Foi dado o contraditório ao Digno Magistrado do Ministério Público tendo o mesmo promovido o indeferimento do requerido dado que inexiste qualquer invalidade do despacho proferido a 17.12.2024.

Cumpre decidir.

Com efeito, nos termos do artº 97º nº 5 CPP, “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. A exigência de fundamentação das «decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente» constitui aliás imposição constitucional - artº 205º nº 1 da CRP.

Sem prescindir, também é certo que a apreciação do reexame dos pressupostos da prisão preventiva é um ato judicial decisório que, como tal, tem de ser fundamentado. Contudo, como tem sido entendido de forma unânime pela jurisprudência e pela doutrina, as exigências de fundamentação do despacho que procede ao reexame da aludida medida de coação são menores que as exigíveis ao despacho que as aplicou, sobretudo quando não se verificaram alterações relativamente aos factos que fundaram os pressupostos da aplicação da medida em causa.

Com efeito, destinando-se o despacho apenas a proceder à reapreciação dos pressupostos constantes do despacho que anteriormente determinou a aplicação da medida de coação e que a justificaram, a sua fundamentação tem apenas por objeto a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação daquela medida de coação, alterando-os e, por essa via, levando à sua substituição ou revogação.

Ora, no caso concreto e conforme foi referido no despacho proferido a 17.12.2024 entendemos que inexistiu qualquer alteração ao quadro fático verificado e apresentado em sede de primeiro interrogatório que, de alguma forma, atenuasse as exigências cautelares que estiveram subjacentes à aplicação aos arguidos da medida de coação mais gravosa. E, a tal conclusão se chegou face à investigação realizada até ao momento e bem espelhada na promoção proferida a 16.12.2024 pela Digna titular do presente inquérito, a qual se passa a transcrever: « pese embora os arguidos invoquem que não se encontravam em território nacional, pelo menos no dia 25/07/2024, e as testemunhas DD e CC tenham declarado que se encontravam com os mesmos, em período de férias, não consideramos tais declarações credíveis. Verifica-se que as testemunhas alegam ser companheiras dos arguidos, o que sempre revela um interesse directo em confirmar as versões daqueles, ao que acresce que a documentação fornecida pelas mesmas se tratam de meras cópias.

Por outro lado, verifica-se que ambos os arguidos foram presencialmente reconhecidos e que existem imagens de videovigilância nas quais é visivelmente identificado o arguido BB, em território nacional, no dia 23/08/2024, o que coloca em crise as declarações prestadas quer pelos arguidos, quer pelas testemunhas acima referidas.»

Ora, louvando-nos na apreciação imediata de quem presidiu às inquirições das citadas testemunhas e na prova documental junta aos autos conclui-se que, até ao momento, não existe qualquer alteração factual ao quadro apresentado aquando do interrogatório judicial e consequentemente não houve qualquer atenuação dos perigos que estiveram subjacentes na decisão de aplicar a medida de coação de prisão preventiva.

Assim, tendo-se concluído que inexistiram quaisquer alterações consideramos um ato inútil “copiar” o despacho que aplicou a medida de coação e descrever a investigação realizada até ao momento. Nestes casos, salvo melhor opinião, tal despacho basta-se em declarar apenas que não se mostram alteradas as circunstâncias de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coação.

No mesmo sentido, Cons. Maia Costa ( In Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, 3ª ed., 2021, pág. 829) refere que: “A fundamentação da decisão de reexame, quando não haja nenhuma alteração das circunstâncias desde a última decisão, satisfaz-se com a remissão para os fundamentos, de facto e de direito, do despacho que aplicou a medida de coação ou que a manteve”.

Pelo exposto, consideramos que inexiste qualquer irregularidade do despacho proferido a 17.12.2024, sendo de o manter na integra.

Notifique”.

7. Inconformados com os despachos judiciais proferidos em 17 de dezembro de 2024 e 8 de janeiro de 2025 (despacho de manutenção da medida de coação de prisão preventiva e despacho de indeferimento da arguição de irregularidade daquele despacho), os arguidos AA e BB interpuseram o presente recurso, peticionando a revogação dos referidos despachos e da medida de coação de prisão preventiva a que se acham sujeitos. Da motivação do recurso extrairam as seguintes conclusões (transcrição):

“1. Objecto do presente recurso: Despacho proferido no passado dia 17 de dezembro de 2024 com a ref. … e, ainda, o despacho do dia 8 de janeiro de 2025, através dos quais – o segundo em complemento do primeiro - foi decidido manter os arguidos ora recorrentes sujeitos à MC de Prisão Preventiva,

2. Aos Recorrentes foi-lhes aplicada, a 17 de setembro de 2024, a MC de prisão preventiva, por se ter entendido que os autos indiciavam fortemente, a prática pelos recorrentes, de dois crimes de roubo agravado P. e P. pelos art. 210º, nº 1 e 2 alínea a) do CP e por se ter entendido, ainda, que se verificavam – em concreto - os perigos de fuga, perigo de continuação da actividade criminosa e, ainda, o perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas.

3. Foram levadas a cabo, após a prisão preventiva dos recorrentes, várias diligências probatórias, algumas delas até a pedido dos recorrentes que sempre afirmaram não terem sido os autores dos factos e que à data dos mesmos, encontravam-se de férias fora de Portugal.

4. Desde então, os arguidos juntaram prova testemunhal e documental, requereram a realização de diligências investigatórias e até se submeteram a exame pericial para provarem a sua inocência.

5. Decorridos três meses desde a aplicação dessa medida de coacção, houve lugar ao reexame dos pressupostos subjacentes à mesma, em cumprimento do disposto no artigo 213.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal,

6. Tendo concluído o Tribunal recorrido que inexistia quaisquer elementos no processo que tornassem necessária a prévia audição dos arguidos, que não se encontravam esgotados os prazos máximos da prisão preventiva dos arguidos e que atentos os fundamentos de facto e de direito constantes do despacho que lhes aplicou a prisão preventiva inexistia qualquer alteração em termos atenuativos daquelas mesmas circunstâncias, pelo que se decidiu manter os recorrentes sujeitos à mesma medida de coação de prisão preventiva.

7. Decisão com a qual os recorrentes não podem concordar por vários motivos:

8. Primeiro o Despacho que manteve os arguidos em prisão preventiva é irregular por total falta de fundamentação irregularidade que foi arguida pelos recorrentes a 30 de dezembro de 2024 e que foi julgada improcedente por Despacho de 18/01/2024.

9. Vieram os arguidos requerer a irregularidade do Despacho que os manteve em prisão preventiva, por entenderem que – como tantos outros - se tratava de um Despacho geral e abstracto sem fazer qualquer análise do caso em concreto e das (muitas provas) que foram recolhidas após primeiro interrogatório.

10. Ora, no caso dos autos, e após a aplicação da MC de PP muitas provas foram recolhidas que exigiam que o Tribunal recorrido as analisasse e as tivesse em conta no momento em que decidisse da manutenção ou não da MC de prisão preventiva a que os recorrentes estão sujeitos e determinasse, antes de mais, se os factos outrora julgados como fortemente indiciados, hoje (com essas novas provas) se encontram igualmente fortemente indiciados.

11. Sobre a realização e resultado de tais meios de prova a decisão recorrida nem uma palavra. Temos apenas o tal despacho padrão que nada diz de concreto.

12. No despacho de 8 de janeiro de 2025, apesar de julgada improcedente a irregularidade arguida, o Tribunal vem agora, neste novo despacho, fundamentar a decisão anteriormente transcrevendo, sem mais, uma promoção do MP (nunca notificada aos arguidos). – Despacho que aqui damos por integralmente reproduzido.

13. O MP nada fez para confirmar da (in)veracidade das cópias juntas aos autos pelos arguidos.

14. A testemunha CC disponibilizou-se para entregar o seu telemóvel para perícia para que o MP pudesse determinar, através de perícia ao seu telemóvel, se as fotografias juntas e respetiva localização, data e hora foram alteradas, ou se correspondem à verdade. O MP não quis.

15. Foi requerida informação às companhias aéreas e hotéis para prova de que os arguidos à data dos factos não se encontravam em Portugal – o Despacho em causa não fez qualquer referência a tais informações.

16. Desconhecemos de onde o MP, e o despacho proferido pelo JIC, retirou a conclusão que das imagens de videovigilância é visivelmente identificado o arguido BB.

17. O que sabemos é que os reconhecimentos presencias de fls. 67 e 73 e realizado pela testemunha EE foram realizados no âmbito do processo nº 444/24.2GFLLE, não havendo qualquer outro elemento de prova que coloque os arguidos no local dos factos, nomeadamente as imagens de vigilância do parque do … e da entrada do … a fls. 36 e 56. Por outro lado, da inquirição desta testemunha de fls. 18 e 19 resulta que a testemunha foi abordada por trás apenas conseguindo identificar a roupa que os assaltantes traziam vestido e que um deles teria entre os 20 e 30 anos de idade não conseguindo especificar mais nenhum detalhe. A fls. 20 esta mesma testemunha voltou a ser inquirida confirmando que foi abordada por trás, descrevendo a indumentária que os assaltantes traziam e que um deles teria entre os 20 e 30 anos não tendo conseguido reter mais nenhuma característica dos assaltantes. Pergunta-se: como pode esta testemunha, depois, fazer um reconhecimento presencial dos indivíduos que a assaltaram?

18. Depois temos o reconhecimento feito por FF de fls. 92 e seguintes, já no âmbito do NUIPC 487/24.6…, em que identifica o arguido AA.

19. Ora, segundo o MP, este arguido nem sequer aparece nas imagens de vigilância da Marina …, sendo que quem é captado por essas câmaras segundo o MP será o arguido BB. Todas as testemunhas falam em 3 indivíduos, são três os indivíduos que aparecem nas câmaras de vigilância e nenhum deles é o arguido reconhecido pela testemunha.

20. Mais: segundo as testemunhas inquiridas no âmbito deste NUIPC o individuo assaltante tinha na mão uma garrafa de água que atirou para um chão. Essa garrafa de água foi apreendida a fls. 28 e sujeita a exame pericial. Terminado o Exame e junto o respectivo relatório pericial o mesmo concluiu que o perfil de ADN masculino encontrado na garrafa de água não tem identidade com os perfis dos arguidos BB e AA. Segundo o MP o individuo que se vê nas câmaras com a garrafa de água na mão é o arguido BB, mas afinal o exame pericial diz que o ADN encontrado na garrafa não é seu.

21. Posto isto, nenhuma credibilidade podem merecer os reconhecimentos efectuados e a conclusão (não sabemos de quem) de que nas imagens de vigilância de … é “visivelmente identificado o arguido BB” ?

22. A promoção do MP, e consequentemente o Despacho recorrido, não faz qualquer referência à prova pericial junta aos autos, até porque esta presume-se subtraída à livre apreciação quer do MP quer do julgador. Não poderia o MP dizer que a mesma não é credível ou que se trata de mera cópia. Então o MP, e o JIC, agiu como se a mesma não existisse.

23. Por sua vez o despacho do dia 8 (que mais não é do que a fundamentação do despacho do dia 30), como é uma transcrição pura e dura da promoção do MP, também não faz qualquer referência à prova pericial existente nos autos.

24. Assim, e aqui chegados, entendemos, salvo melhor opinião que as provas entretanto coligidas para os autos enfraquecem a forte indiciação dos factos imputados aos arguidos quer no âmbito do NUIPC 444/24.2GFLLE, quer os factos que lhes são imputados no NUIPC 487/24.6… DE TAL FORMA QUE PERMITEM HOJE AFIRMAR A MERA INDICIAÇÃO E NÃO MAIS A SUA FORTE INDICIAÇÃO, deixando de subsistir as circunstâncias que justificaram a aos arguidos a MC de PP tendo ocorrido uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, nos termos do n.º 3 do artigo 212.º do Código de Processo Penal, pelo que deveria o JIC de … ter proferido decisão que revogasse a MC de prisão preventiva a que os arguidos se encontram sujeitos, substituindo-a por outra não privativa da liberdade e que entende como adequada à situação concreta e actual dos arguidos.

25. Por todo o exposto, entendemos que a decisão recorrida para além de não fundamentada inicialmente e depois, com o despacho do dia 8 de janeiro de 2025 limitar-se a transcrever uma promoção do MP não sendo uma verdadeira decisão do JIZ, não atendeu à situação concreta em causa nos presentes autos, e às provas coligidas após o primeiro interrogatório judicial dos arguidos e o necessário e acentuado enfraquecimento na forte indiciação dos factos outrora determinada.

26. O Tribunal limitou-se na decisão recorrida e no despacho subsequente a despir-se da sua função de decidir, de agir como o Juiz das liberdades, com o pretexto de que se louva na apreciação que foi feita, não pelo Tribunal, mas que outros fizeram, no caso, que o MP fez aquando presidiu às inquirições das testemunhas e da prova documental junta aos autos, desconhecendo – ou pelo menos desconsiderando – a prova pericial também ela junta aos autos, reproduzindo as meras considerações/conjeturas que resultam da promoção do MP, que não se inserem no pressuposto referenciado no art.º 204.º, al. a), do CPP pelo que este condicionalismo não se verifica.

27. Aqui chegados, é de se concluir que a MC mantida pelo despacho recorrido não respeita os princípios da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade..”.

8. Admitido o recurso, a subir de imediato, em separado e sem efeito suspensivo, ao mesmo respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.

Formulou as seguintes conclusões:

“1. Por decisão proferida, em 17 de Dezembro de 2024, foi determinada a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada aos arguidos AA e BB, porquanto se considerou inexistir qualquer alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que fundamentaram a aplicação aos arguidos da medida de coacção de prisão preventiva.

2. Em 8 de Janeiro de 2025, face ao requerimento de irregularidade apresentado pelos arguidos, foi proferido novo despacho pela Mmª Juiz de Instrução Criminal no qual, em síntese, se concluiu “que inexistiu qualquer alteração ao quadro fático verificado e apresentado em sede de primeiro interrogatório que, de alguma forma, atenuasse as exigências cautelares que estiveram subjacentes à aplicação aos arguidos da medida de coação mais gravosa. E, a tal conclusão se chegou face à investigação realizada até ao momento”.

3. Não se conformando com tal decisão, os arguidos vieram da mesma recorrer, alegando em síntese que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto aos elementos probatórios recolhidos nos autos entre a data da realização do 1.º interrogatório e a data do reexame das medidas de coacção e que, perante os mesmos deveria ter considerado que os arguidos não se encontravam fortemente indiciados da prática dos ilícitos em apreço e, em consequência procedido à alteração da medida de coacção aplicada aos mesmos.

4. Em sede de reexame dos pressupostos de aplicação da medida de coação, esta deve ser alterada caso se verifique uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação – art.º 212º CPP -, pelo que em conformidade com tais normativos a fundamentação resumir-se-á á apreciação da existência ou não de factos novos/ alteração das circunstancias que determinem uma atenuação das exigências cautelares.

5. Ora, no caso em concreto os elementos probatórios recolhidos, entre a data da sujeição dos arguidos à medida de coacção e à data do seu reexame, não se afiguram susceptíveis de alterar que a forte indiciação da autoria dos factos pelos arguidos, quer as exigências cautelares sentidas em concreto.

6. Os elementos documentais juntos pelos arguidos, tratando-se de meras cópias de reservas de alojamento e de voos e de fotografias (ficheiros que podem ser alterados e manipulados) e o teor do depoimento das testemunhas DD e CC, não revelam aptidão para infirmar o que resulta fortemente indiciado com base na prova existente nos autos, designadamente dos reconhecimentos pessoais efectuados e das imagens de videovigilância recolhidas.

7. Note-se que quer quanto a regularidade e quer quanto à credibilidade dos reconhecimentos presenciais realizados nos presentes autos, o Venerando Tribunal da Relação de Évora já se pronunciou, conforme consta do arresto em apenso aos autos

8. Assim, considerando a prova existente nos autos, não se pode considerar que se suscitem quaisquer dúvidas quanto à autoria dos factos pelos arguidos, nem os elementos probatórios carreados até à data do reexame das medidas de coacção colocam em crise ou invalidam os elementos probatórios já constantes dos mesmos.

9. Assim, considera-se que inexistiu qualquer alteração ao quadro fático verificado e apresentado em sede de primeiro interrogatório que, de alguma forma, atenuasse as exigências cautelares que estiveram subjacentes à aplicação aos arguidos da medida de coacção, não se verificando qualquer irregularidade ou invalidade das decisões proferidas.”.

9. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, vertendo no mesmo o seguinte:

“Em síntese, os arguidos invocam que o despacho ora em crise é irregular, por falta de fundamentação, alegando que após a realização de primeiro interrogatório judicial foram trazidos aos autos elementos probatórios acerca dos quais o Tribunal a quo não se pronunciou, nem alterou a medida de coação aplicada correspondentemente. Defendem que em presença de tais elementos probatórios, designadamente o teor dos depoimentos das testemunhas DD e CC e o resultado da prova pericial realizada, deveria o Tribunal recorrido ter considerado que não se encontrava fortemente indiciada a prática dos ilícitos em apreço e, em consequência, deveria ter procedido à alteração da medida de coação aplicada aos arguidos recorrentes.

A tais argumentos respondeu o Ministério Público na primeira instância de forma acertada, alegando, em síntese, o seguinte:

• Os elementos apresentados pelos arguidos, incluindo reservas de alojamento, voos e depoimentos testemunhais, não foram considerados idóneos para abalar a prova constante dos autos, sustentada em reconhecimentos pessoais e imagens de videovigilância;

• A regularidade e a substituição dos reconhecimentos já foram apreciadas pelo Tribunal da Relação de Évora;

• Conclui o Ministério Público inexistirem factos novos que justifiquem a alteração da medida de coação ou que afirmem a forte indicação existente, pelo que pugna pela total improcedência do recurso e manutenção do estatuto processual a que se encontram sujeitos os arguidos.

Ponderando os termos da decisão recorrida, a motivação do recurso interposto pelos arguidos e a resposta do Ministério Público na primeira instância, com a qual se concorda, endereçamos agora a estes autos o nosso parecer de que não deve o recurso obter provimento, por não merecer reparo a decisão recorrida, devendo os arguidos manter-se sujeitos à medida de coação de prisão preventiva.”.

10. Cumprido o contraditório, não foi apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.

11. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

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II – QUESTÕES A DECIDIR.

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com as decisões impugnadas, as questões a examinar e decidir correspondem às seguintes:

- se ocorre irregularidade do despacho de reexame do regime de medidas de coação por omissão de pronúncia / falta de fundamentação;

- se sobrevieram ao inquérito razões que alterem as circunstâncias em que foi determinada a prisão preventiva e se ocorre fundamento para revogação dessa medida.

*

III – FUNDAMENTAÇÃO

Para além dos elementos que já resultam do relatório supra, revelam interesse para a apreciação do recurso os seguintes elementos que se mostram documentados nos autos e que deles faziam já parte nas datas em que foram proferidos os despachos recorridos:

i. No dia 11 de outubro de 2024, o arguido AA requereu a junção aos autos de documentos que apresentou com as seguintes referências:

a. Documento comprovativo de reserva de estada no “Hotel …”, sito na Avenida …, em … (Espanha) no hiato temporal compreendido entre 22/07/2024 e 25/07/2024.

b. Documento comprovativo de passagem aérea da companhia … datada de 31/07/2024 com partida do aeroporto de … (Espanha) e chegada a … (Itália), pertencente ao Arguido.

c. Documento comprovativo de passagem aérea da companhia … datada de 31/07/2024 com partida do aeroporto de … (Espanha) e chegada a … (Itália), pertencente a CC.

d. Fotogramas com metainformação datada de 23/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

e. Fotogramas com metainformação datada de 24/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

f. Fotogramas com metainformação datada de 25/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

g. Fotogramas com metainformação datada de 26/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

h. Fotogramas com metainformação datada de 27/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

i. Fotogramas com metainformação datada de 28/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

j. Fotogramas com metainformação datada de 31/07/2024 e geolocalização detalhada (… – Itália).

ii. No dia 19 de novembro de 2024, o arguido AA requereu a junção aos autos de documento que referenciou como comprovativo de estadia de BB no Hotel …, em …, na data dos factos em causa no NUIPC444/24.2GFLLE e requereu que seja solicitado ao referido Hotel que informe os autos se o arguido BB esteve ali hospedado entre os dias 23/07/2024 e 28/07/2024, com a indicação do dia do check in e do dia do check out;

iii. No dia 19 de novembro de 2024, deu também entrada nos autos outro requerimento em nome do arguido AA tendo, para além do mais, o seguinte conteúdo:

“(…) vem dizer e requerer a V. Exa. o seguinte:

A. Relativamente à reserva, em que é referido no Despacho em causa que se tratam de meras reservas e que não comprovam que o arguido ali esteve, vimos agora dizer e requerer a junção aos autos dos seguintes documentos:

1. No dia 25 de julho de 2024, data em que ocorreram os factos em causa no NUIPC 444/24.2GFLLE, o arguido consegue estabelecer e provar a seguinte sequencia de acontecimentos na sua vida:

a) viajou de … para … na companhia da sua namorada CC no dia 25 de julho de 2024, tendo saído de … nesse dia pelas 12 horas e 35 minutos e aterrado em … pelas 14 horas 15 minutos – Doc. 1

b) às 10 horas e 35 minutos o arguido já se encontrava no aeroporto de … para viajar para … – doc. 2

c) e às 15 horas e 19 já se encontrava a passear pelas ruas de … – doc. 3

d) tendo permanecido em … – doc. 4 a doc. 8

e) o arguido ficou em … e … nos dias seguintes até ao dia 31/07/2024, data em que viaja para … – Doc. 9 a 19 e doc. 20.

Face ao exposto e tendo em conta os documentos agora juntos e os outrora, e a data dos factos que deram origem ao NUIPC 444/24.2GFLLE, requer-se que seja oficiada a companhia aérea … para saber se o arguido AA embarcou ou não no dia 25 de junho de 2024 de … para …, qual a hora em que realizou o check in, qual o voo e respectivo horário de embarque e hora de chegada a … e, ainda, a companhia aérea … para saber se o arguido viajou ou não no dia 31 de julho de 2024 para …, em que voo, e respectivo horário de embarque e chegada a ….

B. Quanto às fotografias juntas, as mesmas foram tiradas pela namorada do arguido, a partir do seu telemóvel, pelo que o arguido requer que a mesma seja notificada para entregar à ordem dos presentes autos o seu telemóvel para que o mesmo possa ser sujeito a uma perícia para se determinar – sem dúvidas para ninguém – “a forma da sua obtenção, datas e locais onde as mesmas foram tiradas”, entrega com a qual a mesma já concordou.

C. Quanto à inquirição da testemunha CC, namorada do aqui arguido AA, e tal como solicitado, somos a identificar da seguinte forma:

CC

Contacto telemóvel: …

Endereço: …

Email: …”

iv. No dia 26 de novembro de 2024, a Digna Magistrada do Ministério Público que dirige o inquérito proferiu despacho a solicitar as seguintes informações, na sequência do requerido pela defesa:

“Elabore ofício, que assinarei, previamente traduzido para língua francesa, a remeter através do email …@hotmail.fr, solicitando ao “Hotel … que, em 10 dias, informe se BB, nascido em …/…/1990, documento de identificação n.º …, esteve hospedado nesse hotel, entre 23/07/2024 e 28/07/2024.

Em caso afirmativo solicita-se o envio de documentação existente.

(…)

Elabore ofício que assinarei, previamente traduzido para língua espanhola, a enviar através do email …@....com, solicitando à Companhia área … que, em 10 dias, informe se AA, nascido em …-…-1990, documento de identificação francês …, efectuou embarque no voo … – …, no dia 25 de Julho de 2024, pelas 12h35.

Em caso afirmativo, solicite o envio de toda a documentação existente e disponível.”

Tendo sido solicitadas tais informações, não foi obtida nos autos qualquer resposta;

v. No dia 11 de dezembro de 2024 foram inquiridas na qualidade de testemunhas DD e CC;

vi. No dia 16 de dezembro de 2024 a Digna Magistrada do Ministério Público que dirige o inquérito proferiu despacho a solicitar as seguintes informações, na sequência do requerido pela defesa:

“Elabore ofício, que assinarei, previamente traduzido para língua espanhola, a enviar através do email .. @....com, solicitando à Companhia área … que, em 10 dias, informe se AA, nascido em …-…-1990, documento de identificação francês …, efectuou embarque no voo … – …, no dia 25 de Julho de 2024, pelas 12h35.

Em caso afirmativo, solicite o envio de toda a documentação existente e disponível.”

Tendo sido solicitadas tais informações, não foi obtida nos autos qualquer resposta;

vii. No dia 16 de dezembro de 2024, este Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão no Apenso nº 444/24.2GFLLE-A.E1, que julgou improcedente o recurso interposto do despacho que aplicou aos ora recorrentes a medida de prisão preventiva, tendo nesse Acórdão sido apreciada a questão da verificação de fortes indícios do cometimento pelos arguidos dos crimes imputados, nos seguintes termos:

“3.4. No despacho recorrido a Mma. Juíza de Instrução entendeu que os autos indiciam a prática, pelos arguidos AA e BB, em coautoria material, de dois crimes de roubo agravados, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal.

Baseou-se para tanto nos elementos do processo, indicados na promoção do Ministério Público de apresentação a primeiro interrogatório judicial, que reproduziu no despacho recorrido, os quais entendeu sustentarem a indiciação dos factos imputados, tendo a Mma. Juíza de Instrução assinalado que ambos os arguidos prestaram declarações, negando, em suma, os factos, dizendo que, para além de não os terem praticado, não estiveram em território nacional nas datas apontadas, ou seja, no dia 25 de julho e no dia 23 de agosto de 2024. Porém, analisada toda a prova indicada pelo Ministério Público não é isso que resulta.

Ora, no que concerne ao NUIPC 444/24.2GFLLE, a Mma. Juíza de Instrução começou por referir os depoimentos prestados por EE e GG que, na sua globalidade, são consentâneos entre si e credíveis à luz das regras da experiência comum.

EE, no dia dos factos – 25 de julho –, foi inquirida na GNR declarando que, pelas 14h30m, após efetuar compras no supermercado “…”, dirigiu-se ao seu veículo tendo sido abordada por um indivíduo que descreveu que trajava calções de cor clara, t-shirt branca e boné e que a agarrou pelo braço esquerdo puxando-lhe o seu relógio de marca “…”. Ato contínuo, descreve que esse indivíduo se fazia acompanhar por um outro cidadão que trajava calças pretas e t-shirt e que ambos se colocaram em fuga.

Também no dia 25 de julho, GG foi inquirida como testemunha, uma vez que presenciou dois indivíduos a correr para a parte de trás do estabelecimento “…”, um deles vestindo uns calções e um boné de cor clara e simultaneamente viu uma senhora a correr atrás deles gritando “Help! Help! They steal my wacth”.

Por outro lado, analisando as imagens de videovigilância de fls. 55 a 57, é visível que a ofendida naquele dia, hora e local se deslocou ao “…” munida de um relógio no pulso esquerdo.

Por outro lado, as suas declarações são corroboradas, não só pelo depoimento da testemunha GG, como também pela análise das imagens de videovigilância de fls. 36 a 50. É certo que não se conseguem identificar os indivíduos que se encontram a correr, porém, das imagens é percetível que estamos perante dois cidadãos no local dos factos e que se encontram vestidos tal como descritos pela ofendida, ou seja, um com cores claras e outro com cores negras.

Sem prescindir, a Mma. Juíza de Instrução assinalou ainda que atendeu aos autos de reconhecimento pessoal juntos a fls. 67 a 68 e fls. 73 a 75, onde se constata que a ofendida não teve dúvidas a identificar os arguidos BB e AA, especificando que o primeiro indivíduo foi quem lhe puxou pelo braço e subtraiu o relógio e que o segundo o acompanhava e também se colocou em fuga.

Quanto às lesões da ofendida, a Mma. Juíza de Instrução atendeu às suas declarações bem como à fotografia junta a fls. 63, sendo que, no que diz respeito ao valor do relógio, nesta fase e sem dispor de outros meios de prova, atendeu às últimas declarações que aquela prestou.

Ora, analisados os elementos indicados e ouvido o registo gravado das declarações que os arguidos prestaram em sede de primeiro interrogatório judicial, a Relação não pode deixar de estar de acordo com o juízo de forte indiciação do cometimento, pelos arguidos AA e BB, em coautoria material, do imputado crime de roubo na pessoa da ofendida EE, ocorrido no dia 25 de junho de 2024.

O despacho recorrido é suficientemente elucidativo, elencando os elementos de prova considerados decisivos e efetuando um exame crítico dos mesmos, em função do que sustentou de modo fundamentado a existência de fortes indícios da prática do imputado crime.

Neste contexto, salienta-se a relevância dos reconhecimentos pessoais efetuados pela ofendida EE, constantes dos autos já indicados, dos quais resulta que a ofendida não teve dúvidas em identificar AA e BB como autores dos factos, valoração que se encontra fundadamente apoiada na referida prova e é consentânea com os demais elementos do processo, conforme entendeu a Mma. Juíza de Instrução.

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Aqui chegados, há que assinalar que os arguidos AA e BB centraram a sua motivação recursória na alegada circunstância de os elementos de prova que lhe foram disponibilizados pelo Ministério Público não serem suficientes para suportar a forte indiciação da factualidade suscetível de consubstanciar a prática dos crime de roubo agravado que lhes é imputada.

Isto no pressuposto, invocado pelos recorrentes, de que os reconhecimentos feitos por EE e FF não podem valer como prova, o que, como já vimos e se concluiu em 3.3., não procede.

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A este respeito, alega-se ainda no recurso que o reconhecimento feito pela ofendida EE não merece qualquer credibilidade tendo em conta que esta testemunha identifica o recorrente AA como sendo um dos autores dos factos, quando, conforme resulta dos documentos juntos pela defesa no requerimento apresentado em 10 de outubro de 2024, o mesmo, na data em questão – 25 de julho de 2024 – não se encontrava, sequer, em Portugal, estando, então, em …, Espanha [ponto 10, alínea f), do aludido requerimento].

Como se observa, o requerimento apresentado pelo arguido AA, em 10 de outubro de 2024 (ref.ª Citius …), é posterior à decisão de aplicação da prisão preventiva, aqui sob recurso, proferida em 18 de setembro de 2024.

Os documentos que foram juntos com o referido requerimento, conforme indicado no ponto 10, alínea f), da peça processual, são, segundo o requerente, fotogramas com metainformação datada de 25-07-2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

Ora, tratando-se de um documento posterior à decisão sindicada, o mesmo não pode ser atendido por este tribunal, pois de outro modo estaria a permitir-se a apreciação, pela instância de recurso, de elemento que não foi do conhecimento da instância recorrida, o que é manifestamente contrário à função legalmente cometida à Relação, em sede de recurso penal ordinário.

Na segunda instância reaprecia-se a decisão recorrida, tendo por base os elementos de que a primeira instância dispunha, à data em que a decisão foi tomada (18 de setembro de 2024), sendo unicamente estes a considerar no recurso que a Relação aqui decide.

A utilização de novas provas pelo arguido, de forma a que sejam assegurados, na plenitude, os seus direitos de defesa, não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de segunda instância, que está a decidir sobre a procedência de um recurso ordinário, que analise e pondere, em primeira mão, essas provas supervenientes ao juízo realizado em primeira instância, sendo que, em matéria de medidas de coação, essa utilização é conseguida através de outros mecanismos processuais, mormente os previstos nos artigos 212.º e 213.º do CPP.

O que, no fundo, vai ao encontro da tramitação levada a cabo nos presentes autos, quando, na sequência da apresentação do referido requerimento de 10 de outubro de 2024, o Ministério Público proferiu despacho (ref.ª Citius …) no qual determinou que a pretendida realização de interrogatório subsequente do arguido AA seja oportunamente tida em consideração, face à necessidade de produzir outros elementos probatórios, tais como a conclusão das perícias já ordenadas. Em relação aos documentos juntos pelos arguidos, o Ministério Público fez constar que se trata de meras cópias, de meras reservas, as quais só por si não atestam que em tais datas o arguido efetivamente esteve em tais locais, sendo que, em relação aos documentos com alegadas fotografias do arguido AA, desconhece a forma de obtenção dos mesmos e se correspondem às datas e locais ali indicados. Por fim, quanto à inquirição, como testemunha, de CC, companheira de AA, a decisão foi no sentido de solicitar à Ilustre Mandatária do requerente que forneça a identificação completa da mesma, contacto telefónico e email, por forma a diligenciar para que tal tenha lugar por meios de telecomunicação à distância.

Seja como for, em nome da prossecução das garantias de defesa, incluindo o direito de recurso, e do princípio da presunção de inocência, sempre se dirá neste acórdão que os documentos em questão, incorporando alegadas fotografias do arguido AA nas cidades espanholas que indica, tal como se apresentam, não revelam aptidão para infirmar o que resulta fortemente indiciado com base na prova dos autos, mormente do reconhecimento pessoal já referido, no sentido de que aquele foi coautor dos imputados factos perpetrados contra Jacqueline Smith, em 25 de julho de 2024.

A junção de documentos efetuada, não permite verificação ou validação da sua autenticidade, particularmente da informação neles contida, quando é sabido que os ficheiros de gravação de metadados relativos a uma fotografia digital (é o caso dos arquivos “Exchangeable Image File Format”, ou apenas EXIF, utilizados nas máquinas digitais e nas câmaras dos smartphones e tablets), como os que dizem respeito à localização e à data da respetiva captura, são facilmente manipuláveis e editáveis, pelo que nesta fase se suscitam fundadas objeções à atribuição de relevância aos apontados documentos, nos termos pretendidos pelo recorrente.

Assim, atendendo ao acima exposto, a pretensão que a este respeito foi deduzida no recurso não merece acolhimento.

Diga-se, ainda, que a estadia no país vizinho, particularmente em cidades como … e …, que distam cerca de 420 e 450 km do local dos factos, respetivamente, com o fácil acesso, por via terrestre, que é conhecido, permitindo grande mobilidade, é compatível com o cometimento, em Portugal, de atos delituosos como os aqui indiciados e o regresso a terras de Espanha, para estadia. De resto, é de recordar que, conforme consta indicado no auto de visionamento de fls. 36 a 50, do que é observável nas imagens de videovigilância aí reproduzidas, o veículo em que os arguidos se fizeram deslocar aquando dos factos de 25 de julho de 2024, de marca …, modelo …, teria matrícula espanhola (cf. fls. 50).

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No que diz respeito NUIPC 487/24.6…, a Mma. Juíza de Instrução começou por referir que atendeu às inquirições das testemunhas HH, II e FF conjugadas, não só pelas regras da experiência comum, como também pelo auto de reconhecimento pessoal de fls.92 a 94 e as imagens de videovigilância e CD anexo, constantes de fls. 100 a 102 e 103 a 108.

FF, namorada do ofendido, não teve dúvidas em reconhecer o arguido AA como o autor da subtração do relógio do seu companheiro.

Tal ocorrência foi presenciada e confirmada pelas testemunhas HH e II, as quais não só corroboraram a subtração, como também a violência que foi exercida pelo arguido e por mais dois acompanhantes, descrevendo que um deles trajava uma t-shirt de cor branca.

Também a testemunha FF descreve que um desses indivíduos trajava um polo de cor creme e calças escuras e o outro vestia uma camisa de manga curta escura e calças escuras.

Ora, segundo a Mma. Juíza de Instrução, analisando as imagens de videovigilância retiradas minutos antes da subtração e perto do local dos factos, podemos constatar dois indivíduos trajando o descrito pelas testemunhas e que se encontravam a caminhar atrás do ofendido e da respetiva companheira (testemunha FF).

Assim, não teve a magistrada judicial dúvidas de que foram estes dois indivíduos que empurraram o corpo de JJ, causando a sua queda no solo e que o arguido AA agarrou o braço esquerdo de JJ, exercendo força sobre o mesmo e retirando-lhe o relógio certificado a fls. 37.

Por último, a Mma. Juíza de Instrução assinala que não teve dúvidas em identificar BB como um dos indivíduos que seguiram o ofendido e a testemunha FF, analisadas que foram as imagens de videovigilância referidas, em comparação com o arguido que esteve presente no interrogatório judicial.

Concluindo, deste modo, que todos os factos apresentados pelo Ministério Público se encontram indiciados.

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Analisados os elementos indicados e tendo ainda em conta as declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, a Relação não pode, também aqui, deixar de estar de acordo com o juízo de forte indiciação do cometimento, por AA, em coautoria material com outros dois indivíduos, do imputado crime de roubo agravado na pessoa do ofendido JJ, ocorrido no dia 23 de agosto de 2024, estando sustentada de modo fundamentado a existência de fortes indícios da prática do crime, pelo referido arguido.

A este respeito, salienta-se a relevância do reconhecimento pessoal efetuado por FF, constante do auto de fls. 92 a 94 (NUIPC 487/24.6…) dos quais resulta que esta testemunha, que, conjuntamente com o ofendido JJ, vivenciou os factos na primeira pessoa, não teve dúvidas em identificar AA como um dos seus autores, valoração que se encontra fundadamente apoiada na referida prova e é consentânea com os demais elementos dos autos, conforme entendeu a Mma. Juíza de Instrução.

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Se isto é assim quanto à conduta de AA, também o mesmo se conclui quanto à participação de BB no ilícito referido, se bem que com base noutros elementos de prova que, de igual modo, permitem formular um juízo de existência de fortes indícios do cometimento dos factos.

Vejamos.

Em primeiro lugar, cumpre referir que os indícios se retiram de todas as provas válidas que podem ser utilizadas para formar a convicção sobre a existência do crime (que aqui ninguém questiona, mostrando-se assente) e a responsabilidade dos agentes. Podendo, assim, resultar de prova indireta, para a qual a demonstração dos factos pressupõe que a factualidade conhecida permite adquirir ou alcançar a realidade de um facto não diretamente demonstrado, por via de um procedimento lógico de indução, apoiado nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que determinados factos são a consequência de outros, tendo presente que a conexão causal entre o que se conhece e o que se apurou de uma forma indireta [numa relação factos-base → factos-consequência] pressupõe uma consistência apta a validar a inferência efetuada.

Juízo de inferência que deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida. Dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.

É certo que, no acervo de elementos que serviram de prova para o juízo de indiciação formulado na decisão recorrida, não há o reconhecimento por parte da testemunha FF, relativamente à pessoa de BB.

Contudo, certo é também que, no depoimento que prestou a fls. 85 a 88 (NUIPC 487/24.6…), FF descreve que um dos indivíduos que participou no roubo do relógio de JJ trajava um polo de cor creme e calças escuras.

O que, conjugado com a análise das imagens de videovigilância retiradas minutos antes da subtração, perto do local dos factos, permitiu à Mma. Juíza de Instrução, em comparação com o arguido que esteve presente no interrogatório judicial, não ter dúvidas em identificar BB como um dos indivíduos que seguiram o ofendido e a testemunha FF.

Existe, efetivamente, uma determinada sucessão de eventos circunstanciais que convergem no sentido da ocorrência do roubo perpetrado contra JJ e de onde se extrai, à luz das regras da experiência, a inferência segura de que o arguido BB participou nos factos, sendo coautor do ilícito.

Expliquemos.

Aquando da denúncia que apresentou do roubo, cerca de 45 minutos depois de o mesmo ter sido perpetrado, o ofendido JJ relatou à GNR que, no dia 23 de agosto de 2024, pelas 23h15m, quando regressava à sua viatura, na Rua …, em frente à Farmácia …, …, um indivíduo estava atrás da viatura. Assim que foi abrir a porta, sentiu um homem nas suas costas e pensou que este iria subtrair a chave do seu carro, tendo começado a se defender enquanto o suspeito o agarrava no braço esquerdo. Nesse momento, outros dois suspeitos aparecem para o empurrar e também empurram a sua namorada, Sr.ª FF, que estava lá a chegar para o ajudar, e um deles atirou água com uma garrafa e depois atirou-a para o chão, seguindo fuga a pé.

Os suspeitos eram romenos ou indostânicos e um deles tinha cabelo preto, barba aparada, musculado e cerca de 1,75m. Outro tinha cabelo encaracolado castanho claro curto, musculado e cerca de 1,73m e o terceiro era magro, com cabelo preto, bigode, nariz grande pontiagudo e cerca de 1,90m.

Após os suspeitos terem encetado fuga, verificou que tinha algumas escoriações no braço esquerdo e que o seu relógio, marca …, modelo …, com bracelete castanha, pelo qual pagou cerca de 60 000,00 €, tinha desaparecido.

Questionado sobre onde esteve anteriormente, JJ informou que, entre as 20h00m e as 22h15m, esteve no “…” e, após sair desse estabelecimento, estacionou a sua viatura em frente da Farmácia … e foi sempre acompanhado pela Sr.ª FF, caminhando a pé até à Marina …, onde esteve entre as 22h30m e as 23h15m, tendo voltado para o carro por volta dessa hora (fls.26 a 27-v.º do NUIPC 487/24.6…).

Temos, assim, que, entre as 22h30m e as 23h15m do referido dia 23 de agosto, o ofendido JJ andou a pé na Marina …, na companhia de FF.

O que é confirmado pelas imagens capturadas pelo equipamento de videovigilância existente no local, juntas a fls.104 a 107 do NUIPC 487/24.6…, nas quais se pode ver o casal JJ e FF, a caminhar pelo passeio da referida marina e, uns metros atrás, entre outras pessoas que por ali também caminhavam, seguia o arguido BB, na companhia de dois indivíduos, nos termos acima referidos.

Nas citadas imagens consta a indicação de 22h52m e 22h53m do dia 23 de agosto de 2024.

No interrogatório judicial, o arguido BB optou por prestar declarações e, a este respeito, negou ter estado em Portugal na data em questão, dizendo que chegou ao nosso país, por via área, proveniente de …, no dia 31 de agosto, tendo aqui permanecido em gozo de férias e contando ir embora perto da data em que foi detido.

Tendo-lhe sido exibidos os referidos fotogramas de fls.105 a 107 (NUIPC 487/24.6…), o arguido BB disse que não é ele que figura nos mesmos nem reconhece ninguém.

Isto quando, recorde-se, a Mma. Juíza de Instrução, analisando as imagens de videovigilância retiradas minutos antes da subtração e perto do local dos factos, constatou tratar-se de dois indivíduos trajando o descrito pelas testemunhas e que se encontravam a caminhar atrás do ofendido e da respetiva companheira (testemunha FF), sendo que, comparando o teor das imagens de videovigilância referidas, com a pessoa do arguido que esteve presente no interrogatório judicial, não teve a magistrada judicial dúvidas em identificar BB como um dos indivíduos que seguiram o ofendido e a testemunha FF.

Nos fotogramas pode ver-se que BB trajava um polo de cor creme e calças que, embora de uma cor que aparenta ser creme ou castanha clara, é seguramente de tom mais escuro do que o do polo que na altura envergava.

Atente-se, ainda, ao modus operandi revelado pelos factos fortemente indiciados de 25 de julho de 2023, em que sobressai a preparação, organização e forma articulada de os coautores agirem na prossecução do propósito delituoso comum – neste caso, os arguidos AA e BB, os únicos que, por ora, estão identificados.

Também aqui, o arguido negou ter estado em Portugal nessa data, afirmando que, em 25 de julho de 2024, se encontrava em …, com a irmã e os quatro filhos desta.

Ora, tudo isto, aliado à circunstância de, em 23 de agosto de 2024, se encontrarem os dois, AA e BB, no mesmo local, precisamente na janela temporal em que ocorreram os factos de que foi vítima JJ (tendo já sido confirmado por nós que AA está fortemente indiciado de ter participado no roubo contra JJ), quando é certo que não se divisa uma explicação lógica e racional para tamanha coincidência espácio-temporal relativamente a AA e BB, nacionais de outro país que aqui não residem nem lhes é conhecida qualquer conexão com o território nacional, a que acresce que, em 13 de setembro de 2024, estavam de volta a Portugal e à zona em causa, alegadamente de visita, em férias, nos leva a concluir que os elementos de prova existentes nos autos à data em que foi proferida a decisão recorrida suportam pela apontada via indireta a forte indiciação de que BB participou nos factos perpetrados contra JJ, tendo sido um dos dois indivíduos que empurraram o corpo ofendido e causaram a sua queda no solo, ao passo que o arguido AA agarrou o braço esquerdo de JJ, exercendo força sobre o mesmo e retirando-lhe o relógio certificado a fls. 37.

Não é crível nem razoável ou plausível, pois desafia as regras da lógica e do normal acontecer, que perante os acontecimentos de 23 de agosto, espácio-temporalmente a convergir para a inferência sustentada de que BB participou no roubo a JJ, nos termos descritos, o arguido fosse mais um dos muitos turistas em férias no … que, na ocasião, se encontrava apenas a passear na Marina …, quando é certo que o mesmo nem admite ter estado em Portugal na referida data e nega até uma evidência observável nos fotogramas juntos ao processo.

*

Assim, considerando os fortes indícios da prática dos factos imputados aos arguidos e as necessidades cautelares verificadas no caso concreto, é de concluir que a opção pela prisão preventiva se encontra legitimada pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, a que acresce que, feita a devida ponderação à luz do princípio da subsidiariedade, é também de concluir que qualquer outra medida de coação que não a prisão preventiva se mostra insuficiente para garantir as indicadas exigências processuais de natureza cautelar (artigo 193.º, n.os 2 e 3 do CPP).

De notar que, no caso em análise, a factualidade fortemente indiciada é reveladora de persistência delituosa por parte de AA e BB, evidenciando o domínio do modus operandi, no contexto de uma prática caracterizada por alguma organização e método como a que se indiciou nos autos, o que permitiu aos arguidos concluir com êxito a realização dos delitos. (…)”.

*

APRECIANDO.

Consideram os recorrentes que o despacho proferido em 17 de dezembro de 2024, no qual foi reexaminado o estatuto coativo dos arguidos sujeitos a prisão preventiva, padece de irregularidade, por se tratar de “um Despacho geral e abstracto sem fazer qualquer análise do caso em concreto e das (muitas provas) que foram recolhidas após primeiro interrogatório”, acrescentando que “no caso dos autos, e após a aplicação da MC de PP muitas provas foram recolhidas que exigiam que o Tribunal recorrido as analisasse e as tivesse em conta no momento em que decidisse da manutenção ou não da MC de prisão preventiva a que os recorrentes estão sujeitos e determinasse, antes de mais, se os factos outrora julgados como fortemente indiciados, hoje (com essas novas provas) se encontram igualmente fortemente indiciados”.

Concluiram que o despacho “nada diz de concreto”.

Tem assento na Lei Fundamental — artigo 205°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa — a imposição da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, devendo esta ser feita na forma prevista na lei.

Por sua vez, estabelece-se no artigo 97°, n° 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

A falta de fundamentação da sentença integra nulidade, conforme resulta dos artigos 374°, n° 2 e 379°, n°1, alínea a), do CPP, mas a omissão de fundamentação de despacho decisório que não seja de mero expediente (com excepção da situação prevista no n° 6, do artigo 194° e da decisão instrutória, esta face ao disposto nos artigos 308°, n° 2 e 283°, n° 3, do mesmo diploma) constitui mera irregularidade.

Os arguidos arguiram essa irregularidade e, na sequência disso, veio a ser proferido o segundo despacho recorrido, datado de 8 de janeiro de 2025, que indeferiu a arguição.

E indeferiu bem, diremos nós.

Não ocorre qualquer falta de fundamentação no despacho proferido em 17.12.2024 – tratando-se de despacho sobre a possibilidade de alteração do regime coativo, o dever de fundamentação mostra-se cumprido com a indicação concreta de que “(…)Não ocorreram quaisquer alterações nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a prolação do despacho que decretou a prisão preventiva do arguido, em ordem a atenuar ou eliminar os fundamentos de perigo de fuga, continuação da atividade criminosa e para a aquisição e conservação ou veracidade da prova, uma vez que os elementos indiciários entretanto recolhidos não infirmam os fundamentos daquela decisão”. Tendo em consideração que se trata de despacho que procede ao reexame dos pressupostos do regime coativo, com vista à apreciação da possibilidade de substituição da medida vigente, o dever de fundamentação reporta-se às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos dessa anterior decisão que constituem o objecto de reexame, pois que só essa alteração constitui objecto do despacho de reexame”1. Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 23.11.2022: «Ao proceder ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, não existe qualquer dúvida que o juiz profere um ato judicial decisório que, como tal, tem de ser fundamentado. Contudo, como tem sido entendido de forma unânime pela jurisprudência e pela doutrina, as exigências de fundamentação do despacho que procede ao reexame das aludidas medidas de coação são menores que as exigíveis ao despacho que as aplicou, sobretudo quando não se verificaram, entretanto, alterações relativamente aos factos que fundaram os pressupostos da aplicação da medida em causa. Com efeito, destinando-se o despacho proferido ao abrigo do disposto no artº 213º do C.P.Penal, como é o caso do despacho recorrido, apenas a proceder à reapreciação dos pressupostos constantes do despacho que anteriormente determinou a aplicação da medida de coação e que a justificaram, a sua fundamentação tem apenas por objeto a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação daquela medida de coação, alterando-os e, por essa via, levando à sua substituição ou revogação. Como se refere no Ac. Rel. Guimarães de 19.10.2009[4] "Satisfaz as exigências de fundamentação, o despacho que, reexaminando os pressupostos da prisão preventiva, se limita a declarar que não se mostram alteradas as circunstâncias de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coação. Seria inútil exigir que nesses casos o juiz copiasse o despacho para o qual remete, o qual é do conhecimento dos interessados." No mesmo sentido se pronuncia o Cons. Maia Costa[5], quando, em anotação ao artº 213º, a esse propósito, afirma: “A fundamentação da decisão de reexame, quando não haja nenhuma alteração das circunstâncias desde a última decisão, satisfaz-se com a remissão para os fundamentos, de facto e de direito, do despacho que aplicou a medida de coação ou que a manteve”. Também Paulo Pinto de Albuquerque[6], citando o Ac. Rel. Lisboa de 04.11.2004, in CJ, XXIX, Tomo 5, pág. 128, expende: “Se aquando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação não se verificarem circunstâncias supervenientes que modifiquem as exigências cautelares ou alterem os pressupostos da medida de coação, basta a referência à persistência do condicionalismo que justificou a medida para fundamentar a decisão da sua manutenção”»2.

E não se diga que na decisão recorrida se deixaram por apreciar questões concretas suscitadas pela defesa e que, por isso, tal decisão enferma de omissão de pronúncia.

No caso concreto, impunha-se que na decisão recorrida se apreciasse a possibilidade de substituição de uma medida de coação por outra, por constatação superveniente de circunstâncias que o justificassem.

Impõe-se, pois, concluir que o despacho proferido em 17.12.2024 não carecia de mais aprofundada fundamentação, constituindo apreciação concretizada e suficiente da questão que o Tribunal devia resolver.

Não ocorre irregularidade alguma.

Questão diferente é a de saber se a decisão tomada constitui uma decisão correta e, por isso, de manter.

Importa, pois, apreciar se, tal como se decidiu no despacho proferido em 17.12.2024, estamos perante a inexistência de qualquer alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que fundamentaram a aplicação aos arguidos da medida de coação de prisão preventiva.

Neste domínio, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/1996, fixou jurisprudência no seguinte sentido: “A prisão preventiva deve ser revogada ou substituída por outra medida de coacção logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos do artigo 212º do Código de Processo Penal, independentemente do reexame trimestral dos seus pressupostos, imposto pelo artigo 213º do mesmo Código.”3.

Como de há muito se vem assinalando, o reverso lógico dessa jurisprudência fixada é o da imodificabilidade do regime coativo (maxime da prisão preventiva) enquanto permanecerem as circunstâncias que determinaram a sua aplicação.

Nesse sentido podemos encontrar, desde logo e entre muitos outos arestos, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de dezembro de 2003, em cujo sumário se lê: “1- Reverso lógico da jurisprudência fixada pelo Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/96, é que a decisão que aplicar a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável enquanto subsistirem os pressupostos que a determinaram, isto é enquanto não houver alterações das circunstâncias que fundamentaram a prisão preventiva.

(…) Como tem sido entendimento uniformemente perfilhado pelos nossos tribunais, a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.

Com isto, deixamos a afirmação, respaldada na orientação jurisprudencial pacífica dos nossos Tribunais Superiores, de que a decisão que determina a prisão preventiva, se não for objeto de recurso ou, tendo-o sido, mas mantida nos seus precisos termos, adquire força de caso julgado formal, sem prejuízo do princípio rebus sic stantibus, condição a que, pelas contínuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas as medidas de coação. No caso concreto, o recurso interposto do despacho que aplicou a medida de prisão preventiva foi julgado improcedente, por Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora proferido em 16.12.2024. Tendo presente o que se decidiu no momento da aplicação da prisão preventiva e as razões apresentadas por este Tribunal da Relação de Évora para manter tal decisão de imposição dessa medida de coação, importa aferir se aos autos foram trazidos elementos novos que possam ter o efeito pretendido pela defesa – enfraquecer a indiciação dos crimes imputados aos arguidos. A defesa entende que a documentação apresentada e a inquirição das testemunhas DD e CC constituem elementos novos com relevância atenuativa capazes de afastar a forte indiciação dos crimes. Mas não têm razão. Como bem considerou o Ministério Público nos autos, embora as referidas testemunhas tenham declarado que se encontravam com os arguidos fora do território nacional nas datas da prática dos factos em causa, tais depoimentos não são credíveis. “Verifica-se que as testemunhas alegam ser companheiras dos arguidos, o que sempre revela um interesse directo em confirmar as versões daqueles”. Sobre a relevância dos documentos juntos aos autos após a prolação do despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva, foram já claras as indicações vertidas no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 16 de dezembro último (apenso A). Como ali se escreveu:

“Como se observa, o requerimento apresentado pelo arguido AA, em 10 de outubro de 2024 (ref.ª Citius …), é posterior à decisão de aplicação da prisão preventiva, aqui sob recurso, proferida em 18 de setembro de 2024.

Os documentos que foram juntos com o referido requerimento, conforme indicado no ponto 10, alínea f), da peça processual, são, segundo o requerente, fotogramas com metainformação datada de 25-07-2024 e geolocalização detalhada (… – Espanha).

Ora, tratando-se de um documento posterior à decisão sindicada, o mesmo não pode ser atendido por este tribunal, pois de outro modo estaria a permitir-se a apreciação, pela instância de recurso, de elemento que não foi do conhecimento da instância recorrida, o que é manifestamente contrário à função legalmente cometida à Relação, em sede de recurso penal ordinário.

Na segunda instância reaprecia-se a decisão recorrida, tendo por base os elementos de que a primeira instância dispunha, à data em que a decisão foi tomada (18 de setembro de 2024), sendo unicamente estes a considerar no recurso que a Relação aqui decide.

A utilização de novas provas pelo arguido, de forma a que sejam assegurados, na plenitude, os seus direitos de defesa, não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de segunda instância, que está a decidir sobre a procedência de um recurso ordinário, que analise e pondere, em primeira mão, essas provas supervenientes ao juízo realizado em primeira instância, sendo que, em matéria de medidas de coação, essa utilização é conseguida através de outros mecanismos processuais, mormente os previstos nos artigos 212.º e 213.º do CPP.

O que, no fundo, vai ao encontro da tramitação levada a cabo nos presentes autos, quando, na sequência da apresentação do referido requerimento de 10 de outubro de 2024, o Ministério Público proferiu despacho (ref.ª Citius …) no qual determinou que a pretendida realização de interrogatório subsequente do arguido AA seja oportunamente tida em consideração, face à necessidade de produzir outros elementos probatórios, tais como a conclusão das perícias já ordenadas. Em relação aos documentos juntos pelos arguidos, o Ministério Público fez constar que se trata de meras cópias, de meras reservas, as quais só por si não atestam que em tais datas o arguido efetivamente esteve em tais locais, sendo que, em relação aos documentos com alegadas fotografias do arguido AA, desconhece a forma de obtenção dos mesmos e se correspondem às datas e locais ali indicados.

(…)

Seja como for, em nome da prossecução das garantias de defesa, incluindo o direito de recurso, e do princípio da presunção de inocência, sempre se dirá neste acórdão que os documentos em questão, incorporando alegadas fotografias do arguido AA nas cidades espanholas que indica, tal como se apresentam, não revelam aptidão para infirmar o que resulta fortemente indiciado com base na prova dos autos, mormente do reconhecimento pessoal já referido, no sentido de que aquele foi coautor dos imputados factos perpetrados contra EE, em 25 de julho de 2024.

A junção de documentos efetuada, não permite verificação ou validação da sua autenticidade, particularmente da informação neles contida, quando é sabido que os ficheiros de gravação de metadados relativos a uma fotografia digital (é o caso dos arquivos “Exchangeable Image File Format”, ou apenas EXIF, utilizados nas máquinas digitais e nas câmaras dos smartphones e tablets), como os que dizem respeito à localização e à data da respetiva captura, são facilmente manipuláveis e editáveis, pelo que nesta fase se suscitam fundadas objeções à atribuição de relevância aos apontados documentos, nos termos pretendidos pelo recorrente.

(…)

Diga-se, ainda, que a estadia no país vizinho, particularmente em cidades como … e …, que distam cerca de 420 e 450 km do local dos factos, respetivamente, com o fácil acesso, por via terrestre, que é conhecido, permitindo grande mobilidade, é compatível com o cometimento, em Portugal, de atos delituosos como os aqui indiciados e o regresso a terras de Espanha, para estadia. De resto, é de recordar que, conforme consta indicado no auto de visionamento de fls. 36 a 50, do que é observável nas imagens de videovigilância aí reproduzidas, o veículo em que os arguidos se fizeram deslocar aquando dos factos de 25 de julho de 2024, de marca …, modelo …, teria matrícula espanhola (cf. fls. 50).” (destacados nossos)

As considerações tecidas naquele Acórdão desta Relação de Évora merecem a nossa total adesão. Nenhuma garantia de fidedignidade das informações constantes dos documentos juntos se mostra adquirida, não podendo dar-se simplesmente como verdadeiro o conteúdo dos documentos quando se sabe que os ficheiros de gravação de metadados relativos a uma fotografia digital, como os que dizem respeito à localização e à data da respetiva captura, são facilmente manipuláveis e editáveis. Na internet, em fontes abertas, colhem-se informações divulgadas para qualquer interessado, acerca da simplicidade dos procedimentos necessários para alterar os ficheiros de gravação de metadados. Veja-se a título de exemplo o que se indica em https://www.adobe.com/pt/creativecloud/file-types/image/raster/exif-file.html: “Os EXIFs são criados automaticamente pela sua câmera digital quando você tira fotografias. A informação é salva dentro das propriedades da sua foto. Para editar um EXIF ou ocultar as informações que você não quer que outros acessem, você precisará de uma ferramenta que permita editar e remover metadados de imagem. Há várias ferramentas online gratuitas e pagas que podem ajudá-lo com isso. Por exemplo, o Adobe Bridge não só permite editar metadados de imagens, mas também escolher quais informações você quer que sejam exibidas ou redigidas quando a foto for publicada. É fácil editar metadados de imagem. Basta abrir a imagem no Adobe Bridge. Em seguida, selecione Editar > Preferências antes de escolher a caixa suspensa de metadados. Depois, você poderá editar e remover suas opções de metadados”.

Posto isto, importa deixar claro que o Ministério Público, ao contrário do que afirmam os recorrentes, não se dispensou de desenvolver diligências no sentido de apurar se os arguidos efetivamente se encontravam fora do território nacional, nas datas em questão. Como se consignou supra, foram solicitadas informações às indicadas unidade hoteleira e companhia de aviação. Sucede que tais solicitações não se mostravam satisfeitas à data em que foram proferidos os despachos recorridos. Nenhum elemento de prova fidedigno se mostrava junto aos autos a infirmar a presença dos arguidos nos locais dos factos e nas circunstâncias de tempo em que os crimes foram cometidos. Porque igualmente invocado pelos recorrentes o exame pericial comparativo dos vestígios de ADN deixados na garrafa apreendida, importa mencionar que o respetivo relatório só chegou aos autos depois de proferidos os despachos recorridos, não constituindo, por isso, elemento que o Tribunal a quo devesse ter tido em consideração. Sempre diremos que o resultado negativo desse exame pericial, não se mostra apto a afastar a forte indiciação da prática dos crimes pelos arguidos assente nos elementos que foram considerados aquando da aplicação da prisão preventiva.

Nesta conformidade, resta concluir pelo acerto do decidido – a permanência das circunstâncias que determinaram a aplicação da prisão preventiva, torna imodificável a situação dos arguidos, até sobrevir alteração das circunstâncias. O que ao Tribunal recorrido se impunha na prolação da decisão recorrida era aferir da existência de circunstâncias novas que justificassem a alteração da medida. A condição “rebus sic stantibus” limitava a margem do Tribunal recorrido, impondo-lhe o parâmetro que efectivamente foi seguido - enquanto não ocorrerem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi determinada a prisão preventiva, não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios. Nenhuns elementos novos com relevo atenuativo surgiram nos autos, sendo óbvio que a isso não se reconduz a mera junção dos documentos apresentados pela defesa ou a colheita dos depoimentos das testemunhas DD e CC, companheiras dos arguidos.

Por isso, as decisões recorridas não enfermam de qualquer omissão de pronúncia, mostrando-se irrepreensível o juízo de que não ocorreram quaisquer alterações nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a prolação do despacho que decretou a prisão preventiva dos arguidos.

Improcede, assim, o recurso.

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V - Decisão.

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em jugar improcedente o recurso interposto pelos arguidos AA e BB, confirmando os despachos recorridos e, consequentemente, a manutenção da medida de prisão preventiva aplicada aos mesmos.

Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça a suportar por cada um.

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D.N. (comunicando-se de imediato a decisão ao Processo de Inquérito nº 444/24.2GFLLE)

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

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Évora, 9 de abril de 2025

Jorge Antunes (Relator)

Carla Oliveira (1ª Adjunta)

Manuel Ramos Soares (2º Adjunto)

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1 Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 18.11.2009 – Relator: Jorge Dias – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/8fd11c1f71c56ae480257682003522d0?OpenDocument

2 Cfr. Ac. Rel. Porto de 23.11.2022 – Relatora Eduarda Lobo – acessível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/37338810203c889880258925003f7dd5?OpenDocument

3 Acórdão de fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/96, acessível em: https://data.dre.pt/eli/ac/3/1996/03/14/p/dre/pt/html

4 Cfr. a Decisão Sumária datada de 12/09/2020 (Tribunal da Relação de Lisboa – 9ª Secção) – Relatora Desembargadora Maria do Carmo Ferreira, acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e6851f30454ee52c802585e5002c5c84?OpenDocument, onde se referencia o Ac. Rel. Porto de 21 de Junho de 2006, relatado por Isabel Celeste Alves Pais Martins, o Ac. do TC de 30/07/2003, proferido no P.º 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004, o Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.º 5558/04-3 e, bem assim, o Acórdão do STJ de 07/01/1998 in BMJ 473, pág. 564, onde se lê: “A decisão que impõe a prisão preventiva apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é enquanto não houver alteração das circunstâncias que fundamentaram a prisão preventiva”. No sentido dessa jurisprudência encontramos ali também as seguintes referência: “cf. Ac. da RE de 27/11/2007, relatado por Ribeiro Cardoso, in www.gde.mj.pt processo 2720/07-1, donde citamos: “1. O princípio "rebus sic stantibus", válido para frequentemente se indeferir o pedido de substituição da prisão preventiva por medida mais favorável, é também de seguir nas situações inversas, em que está em causa a aplicação ao arguido de medida mais gravosa que a anterior, o que impedirá qualquer alteração para situação mais desfavorável, sem alteração superveniente das circunstâncias tidas em conta pelos despachos anteriores já transitados.”; Ac. da RL de 23/11/2005, relatado por Clemente Lima, in www.pgdlisboa.pt, processo 10691/05-3, donde citamos: “I - As medidas de coacção, na medida em que se encontram sujeitas à condição rebus sic stantibus, só podem ser comutadas em presença de materialidade sobreveniente ao momento da decretação da medida, ainda que tal materialidade se traduza em não mais do que a passagem do tempo – desde que esta circunstância, por si, atenue ou altere as exigências cautelares que se pretendeu salvaguardar com a primitiva decisão. …”; Ac. RL de 31/01/2007,relatado por Ricardo Silva, in www.gde.mj.pt processo 10919/2006-3, do qual citamos: “…II - Contudo, estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic standibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação. III - A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação. …”; Ac. da RL de 19/07/2002, relatado por Goes Pinheiro, in www.gde.mj.pt processo 0044879, do qual citamos: “O tribunal não pode alterar a posição já tomada sobre a subsistência dos pressupostos determinativos da prisão preventiva, na ausência de alteração factual, se aquela medida tiver sido tomada no respeito da lei, sob pena de instabilidade jurídica e desprestigio do mesmo tribunal.”. Ainda neste sentido, cf. os Ac. da RL de 29/09/1998, relatado por Franco de Sá, in www.gde.mj.pt processo 0056405; Ac. da RL de 14/08/2001, relatado por Trigo Mesquita, in www.gde.mj.pt processo 0080099; Ac. da RL de 27/09/2000, relatado por Miranda Jones, in www.gde.mj.pt processo 0069723; Ac. da RL de 12/07/2001, relatado por Alberto Semedo, in www.gde.mj.pt processo 0071549; Ac. da RL de 28/08/2000, relatado por Cotrim Mendes, in www.gde.mj.pt processo 0077833; Ac. da RP de 28/04/2004, relatado por Coelho Vieira, in www.gde.mj.pt processo 0441521; Ac. da RP de 20/03/1991, relatado por Castro Ribeiro, in www.gde.mj.pt processo 9120194; Ac. da RC de 24/02/1999, relatado por Serafim Alexandre, in www.gde.mj.pt processo 171/99; Ac. da RG de 08/05/2006, relatado por Estelita de Mendonça, in www.gde.mj.pt processo 783/06-1; Ac. da RE de 28/02/2012, relatado por Ana Bacelar Cruz, in www.gde.mj.pt, processo 16/11.1PEBJA-A:E1; Ac. da RE de 26/06/2012, relatado por António João Latas, in www.gde.mj.pt, processo 506/11.6GFLLE-A.E1, e Ac. da RC de 10/09/2012, relatado por Fernando Monterroso, in www.gde.mj.pt processo 48/12.2GAVNF-B.G1.