A nulidade da sentença, por falta ou deficiência de fundamentação, apenas se verifica quando inexistem, ou são ininteligíveis, as razões do tribunal a quo, não, também, quando as conclusões a que o mesmo chegou forem incorrectas, ou passíveis de censura.
Realizado o julgado, foi proferida decisão, nos termos da qual se fez constar no respectivo dispositivo final:
“Pelo exposto, condena-se o arguido AA como autora material e na forma consumada, 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e 143.º, n.º 1, todos do Código Penal numa pena de 80 (oitenta dias) de multa à taxa diária de 8€ (oito Euros).
Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil e condena-se a pagar ao Centro Hospitalar do … o montante peticionado.
Custas a cargo do arguido.
Deposite e notifique.
Boletim à DSIC..”
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2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu a arguida, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:
“A- A douta sentença é nula, porquanto deixa de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, deixou de pronunciar-se sobre a questão- vertida na douta acusação- de que a arguida teria desferido pontapés nas pernas da ofendida;
B- Não deu como não provado o facto de a arguida ter dado vários pontapés, atingindo as pernas da ofendida, e não expôs os motivos que fundamentaram a decisão de ter dado este facto como provado, contrariamente às evidências do relatório da perícia da avaliação do dano corporal, e da prova testemunhal.
C- A douta sentença deixou de pronunciar-se sobre o montante condenatório do pedido civil, pois julgou-o parcialmente provado, omitindo decisão sobre o quantum.
D- A douta sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, de insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
E- No douto Relatório é dado como provado, no ponto 5. “deu-lhe vários pontapés, atingindo-a nas pernas”, inexistindo qualquer evidência de que a arguida tenha dado qualquer pontapé à ofendida, inexistindo prova dessas lesões, quer da perícia de avaliação de dano corporal, quer da prova testemunhal e do depoimento da ofendida;
F- Não ficou provado que a arguida tenha dado vários pontapés, atingindo a ofendida nas pernas, e, disso, deve ser absolvida.
G- Há, pois, insuficiente, ou melhor, inexistente prova, para a decisão da matéria de facto dada como provada, no que concerne ao facto referido em 5. dos factos provados, que, outrossim, deveria constar de factos não provados.
H- Existe contradição insanável entre a fundamentação e a douta decisão, porquanto da fundamentação resulta que a acusação foi totalmente provada, e da leitura da sentença, a 24/09/2024, resultou que a acusação tinha resultado parcialmente provada.
I- E tanto assim foi, que o pedido de indemnização civil também ficou parcialmente provado.
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3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando no sentido de o mesmo não merecer provimento, devendo manter-se integralmente a sentença recorrida.
Extraiu as seguintes conclusões:
“- a douta sentença recorrida não é nula, não tendo sido violado o art. 379º do CPP.
- analisada a douta sentença recorrida resulta que dela constam enumerados, como provados, todos os factos em apreciação, ou seja, os que constavam da acusação pública.
- tendo apresentado contestação, a recorrente não alegou qualquer factualidade que cumprisse apreciar, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos.
- do que decorre que em face da enumeração dos factos dados como provados, nenhum facto existia para ser enumerado como não provado.
- designadamente, foi dado como provado que a recorrente deu vários pontapés na ofendida, como decorre do facto nº 5, sobre o qual a sentença se pronunciou, ao invés do que pretende a recorrente.
- assim sendo, a douta sentença recorrida não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, não padecendo da nulidade prevista no o art. 379º, nº 1, al. c) do CPP.
- a motivação da decisão de facto não é nem poderia ser um substituto do princípio da oralidade nem pode ser transformada em documentação da oralidade da audiência.
- desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao seu conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação.
- assim sendo e no que se refere à douta sentença recorrida, afigura-se que foi adequadamente analisada toda a prova produzida o que resulta da motivação.
- aí consta, de forma a não merecer reparo, a apreciação feita da prova testemunhal e a especificação dos motivos que determinaram a dar credibilidade às declarações e depoimentos prestados e a formar a convicção.
- pelo que, a douta sentença recorrida não é nula por falta do requisito previsto no art. 374º, nº 2 do CPP.
- a douta sentença recorrida fez correcta apreciação da prova produzida e do seu texto não resulta, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, insuficiência desta para a decisão ou erro na sua apreciação.
- existe contradição insanável da fundamentação quando esta esteja em oposição à decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, levar a uma decisão diversa daquela que foi tomada na sentença.
- no presente caso, não se afigura que que os factos dados por provados se mostrem contraditórios com a fundamentação.
- os factos dados como provados integram a prática pela ora recorrente do crime pelo qual foi condenado não se verificando qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa.
- deve ser negado provimento ao recurso e a douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.
No que concerne ao pedido de indemnização civil, verifica-se no dispositivo da sentença recorrida um evidente lapso de escrita que em nada afecta a sua validade e é passível de correcção nos termos do art. 380º, nº 1, al. b) CPP o que desde já se requer.
Este lapso de escrita resulta patente da leitura da sentença pois que após aí se referir que “Da matéria de facto provada e do enquadramento jurídico-penal precedente, resulta que o arguido, com o seu comportamento doloso, violou o disposto no art. 143º CP e que, de tal violação, resultou um prejuízo patrimonial para o demandante cível no montante peticionado, no dispositivo fez-se constar “Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil e condena-se a pagar ao Centro Hospitalar do … o montante peticionado”.
Ou seja, o quantum indemnizatório é o peticionado pela demandante, ocorrendo lapso de escrita no segmento “julgar-se parcialmente procedente” quando, em harmonia com o demais, deveria constar “julgar-se procedente”.”
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4. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos do qual concluiu no sentido de ser negado provimento ao recurso e de se manter a sentença recorrida.
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5. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.
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6. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:
- Saber se a sentença é nula, nos termos previstos no art. 374º nº 2 do CPP, por omissão de pronúncia;
- Saber se se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos da alínea a) do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal;
- Saber se existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal;;
- Saber se ocorreu erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c), do nº 2 do mesmo preceito legal.
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7. Observemos o que consta da decisão recorrida, quanto à factualidade provada e não provada e sua fundamentação:
“FACTOS PROVADOS:
1. No dia 08/07/2022, pelas 20H00, no hall do prédio sito na Avenida …, n.º …, em …, AA dirigiu-se a BB e desferiu uma chapada, atingindo-a na face do lado esquerdo.
2. Ato contínuo, agarrou BB pelos cabelos, puxando-os,
3. Arranhou-a na face e no pescoço,
4. Desferiu bofetadas, acertando-lhe na cara,
5. Deu-lhe vários pontapés, atingindo-a nas pernas
6. E, desse modo, provocou o embate da cabeça de BB numa parede do hall.
7. Como consequência direta e necessária da conduta da arguida, BB sofreu mau estar físico e dores nas zonas atingidas, escoriações na hemiface esquerda e na região direita do pescoço e ainda as seguintes lesões:
a. Na cabeça: ténue equimose arroxeada e amarelada, na região mandibular esquerda, medindo 0,6 cm x 0,3 cm; e equimose amarelada, oblíqua ínfero-anteriormente, na região bucal esquerda, medindo 4,5 cm x 0,5 cm; e
b. No pescoço: ténue equimose arroxeada e amarelada, na metade direita da região cervical, medindo 3 cm x 0,5 cm.
8. Tais lesões determinaram para BB um período de doença de quatro dias, sem afetação da capacidade de trabalho geral.
9. Com as descritas condutas, a arguida agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de BB, sabendo que, desse modo, lhe causava dores físicas e ferimentos.
10. A arguida agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Motivação:
Para a formação da convicção do Tribunal foi essencial a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida, mormente testemunhal: depoimentos de 1. BB, m. i. a fls. 29; 2. CC, m. i. a fls. 31; 3. DD, m. i. a fls. 84; 4. EE, m. i. a fls. 81. conjugados com a prova Pericial: − Relatório da perícia de avaliação do dano corporal sofrido por BB, a fls. 13 e 14; e Documental: constante dos autos, nomeadamente: Auto de denúncia, a fls. 16; e Diário clínico do CH…, fls. 10 e 11.1.
Com efeito a ofendida descreveu de forma coerente e credível os factos descritos na acusação os quais conjugados com a prova pericial, que atesta as lesões sofridas, dúvidas não soçobram quanto ao cometimento pelo arguido dos factos pelos quais vinha acusado.
O DIREITO:
Vem o arguido acusado da prática do crime de ofensa à integridade física previsto no artigo 143º CP que estatui: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.“
O bem jurídico protegido por este tipo legal é a integridade física da pessoa humana. A lei distingue duas modalidades de realização do tipo: a) ofensas no corpo; b) ofensas na saúde
Impõe-se analisar o caso sub judice à luz das considerações precedentes.
O arguido com a sua conduta preencheu os elementos objectivos e subjectivos deste tipo legal, sendo que inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa se conclui que cometeu este crime de que vinha acusado.
Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
Como já se referiu, este crime é punível com pena de prisão até anos ou pena de multa.
Em sede de critério de escolha da pena postula o artigo 70º do Código Penal que: “ Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, consagrando-se, deste modo, o princípio da preferência pelas reacções criminais não detentivas ( “A pena privativa da liberdade só deve ser aplicada como última ratio da política criminal “ Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime pag. 113).
No caso em apreço optamos pela pena de multa por entendemos que esta se mostra adequada a realizar as exigências de prevenção geral e especial (art. 40.º do C.P).
A determinação concreta da pena deverá ser feita dentro dos limites das molduras abstractas, em função da culpa do agente (limite inultrapassável - artigo 40º nº 2 do Código Penal) e das exigências de prevenção geral e especial (artigo 71º nº1 do Código Penal).
Deverá ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, de alguma forma se revelem como susceptíveis de depor contra ou a favor do arguido – artigo 71º nº2 do Código Penal.
O comportamento do arguido é merecedor de um juízo de censura, na medida em que actuou com dolo.
Deverá ter-se em conta que, no caso dos autos, o grau de ilicitude é mediano, atendendo às lesões causadas, mas cumpre enfatizar o modus operandi.
As necessidades de prevenção geral são prementes, dada a frequência com que este crime é praticado no nosso país e as necessidades de prevenção especial (a prevenção especial prende-se com a necessidade de conformação do agente com o quadro de valores vigentes, em particular com aqueles que tutelam o bem jurídico atingido) são reduzidas atendendo a boa integração da arguida.
Ponderado tudo o que foi referido, entende-se por justo e adequado aplicar ao arguido uma pena de 80 dias de multa e, no que concerne ao quantitativo diário, fixa-se o mesmo em 8 €.
PEDIDO CIVIL:
Cumpre, por último, apreciar a peticionada indemnização por danos não patrimoniais. A responsabilidade civil e consequente indemnização por perdas e danos que resultem da prática de um crime é regulada, quantitativamente e nos pressupostos pela lei civil (artigo 129º do Código Penal).
Da matéria de facto provada e do enquadramento jurídico-penal precedente, resulta que o arguido, com o seu comportamento doloso, violou o disposto no art. 143º CP e que, de tal violação, resultou um prejuízo patrimonial para o demandante cível no montante peticionado.”
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8. Apreciando:
Veio a recorrente alegar que a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 374º nº 2 do CPP, porquanto o tribunal não se pronunciou:
- Quanto à matéria criminal, ao não ter enumerado, como não provado, o facto de a arguida ter dado vários pontapés, atingindo as pernas da ofendida, e de não ter exposto os motivos que fundamentaram a decisão de ter dado este facto como provado, contrariamente às evidências do relatório da perícia da avaliação do dano corporal e mesmo da prova testemunhal e do depoimento da ofendida.
- Quanto à matéria civil, por não se ter pronunciado sobre o montante condenatório do pedido civil, pois, embora o tenha julgado parcialmente provado, não decidiu sobre o quantum da parte provada.
Apreciando:
Como bem se refere no Acórdão do STJ de 12.02.09, proferido no Processo nº 131/11.1YFLSB, mencionado por António Henriques Gaspar e outros, na anotação ao art. 379º no “Código de Processo Penal, Comentado”, Almedina, 2014, p. 1185: “A nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte, tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidas pela parte na defesa da sua pretensão.”
Lê-se no Ac. do STJ de 30-01-02, proferido no Proc. n° 3063/01, disponível in www.dgsi.pt: que o exame crítico das provas deverá consistir "na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção."
A nulidade da sentença, por falta ou deficiência de fundamentação, apenas se verifica quando inexistem, ou são ininteligíveis, as razões do tribunal a quo, não, também, quando as conclusões a que o mesmo chegou forem incorrectas, ou passíveis de censura.
Percebidas as razões do julgador, assiste aos sujeitos processuais, com recurso ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada. Aqui, porém, já se está em sede de impugnação da matéria de facto, e não de nulidade da sentença, como se salienta no Ac. R. de Guimarães de 12/07/2010, Proc. nº 4555/07.0OTDLSB.G1, disponível em www.dgsi.pt.
O exame crítico das provas deverá, em síntese, permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, do processo lógico que lhe serviu de suporte, de modo a poder o mesmo tribunal de recurso concluir se sim, ou não, na decisão posta em causa, se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, se a decisão sobre a matéria de facto não foi arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência comum, ou da lógica.
No caso, observada a decisão recorrida, resulta claro que a mesma se pronunciou sobre todos os factos vertidos na acusação, designadamente sobre o facto aludido pela recorrente [a arguida ter dado vários pontapés, atingindo as pernas da ofendida], tendo-o incluído nos factos provados, de forma devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, incluindo as provas que fundamentaram a decisão da matéria de facto provada e não provada, de modo que não suscitou dúvidas ao tribunal a quo, ao mesmo tempo que fez uma análise crítica de tal prova, com explicitação da credibilidade, ou não, dos meios probatórios existentes, a saber: prova testemunhal produzida em audiência de julgamento conjugada com a prova pericial e prova documental, sendo perceptível o raciocínio lógico e dedutivo no exame crítico das provas.
A circunstância de se ter dado tal facto como provado, contrariamente ao entendimento da recorrente, que pretende ver o mesmo como facto não provado, não constitui qualquer nulidade, por omissão de pronúncia, mas sim uma mera discordância sobre o operado julgamento da matéria de facto, levado a cabo pelo tribunal recorrido, questão a discutir em sede de impugnação da matéria de facto, e não como invocação da suscitada nulidade.
Foi, assim, amplamente explicado, pela Mmº Juíza a quo, os motivos de ter valorado devidamente os depoimentos das testemunhas, para concluir pela culpabilidade da arguida, articulado com a demais prova pericial e documental dos autos e, portanto, provou, para além de qualquer dúvida razoável, as circunstâncias da acção provada, como fundamentado em sede de sentença.
Pode, pois, a recorrente discordar do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, mas carece de razão quando afirma que a sentença enferma da nulidade, pois aquele tribunal foi lógico e congruente, consistente e suficiente, enumerando todos os factos que lhe competia conhecer e explicando as razões pelas quais se convenceu que os mesmos haviam (ou não) decorrido, nos exactos termos fixados.
Pelo exposto, não se verifica a suscitada nulidade, por violação do art. 374º nº 2, com referência ao art. 379º nº 1 al. a) e c), ambos do CPP, nesta parte, improcedendo o recurso.
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Vem, ainda, a recorrente invocar que a Mmª Juíza a quo, em sede de matéria cível, deixou de se pronunciar sobre o montante condenatório do pedido de indemnização civil, deduzido pelo Centro Hospitalar do …, pois, embora o tenha julgado parcialmente provado, não decidiu sobre o quantum da parte provada.
Observados os autos, verificamos que o Centro Hospitalar do …, veio deduzir pedido de indemnização civil contra a arguida, nos termos do qual peticionou a sua condenação no pagamento da quantia de € 270,49, pelas despesas com os tratamentos da ofendida, bem como em juros de mora vincendos à taxa legal em vigor aplicáveis aos juros civis, desde a notificação do pedido em causa até efectivo e integral pagamento. Juntou um documento (fatura referente às despesas hospitalares peticionadas).
Contudo, na decisão recorrida, no relatório refere-se que “Foi deduzido pedido de indemnização civil pelo CH…”, mas, nos factos provados, nada se refere quanto a esta matéria, o mesmo sucedendo na fundamentação da matéria de facto, onde não se faz qualquer alusão ao documento (fatura) apresentado pela demandante cível. Por sua vez, na fundamentação de direito, refere-se, a propósito:
“PEDIDO CIVIL:
Cumpre, por último, apreciar a peticionada indemnização por danos não patrimoniais. A responsabilidade civil e consequente indemnização por perdas e danos que resultem da prática de um crime é regulada, quantitativamente e nos pressupostos pela lei civil (artigo 129º do Código Penal).
Da matéria de facto provada e do enquadramento jurídico-penal precedente, resulta que o arguido, com o seu comportamento doloso, violou o disposto no art. 143º CP e que, de tal violação, resultou um prejuízo patrimonial para o demandante cível no montante peticionado.”
Ora, como já vimos, na matéria de facto provada, nada se refere quanto à matéria do pedido de indemnização civil, formulado nos autos, ocorrendo, por isso, omissão de apreciação de tal pedido, o que gera nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1 al. c) do CPP.
Estabelece-se no nº 3 do art. 379º do CPP que “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do art. 414º”.
Não obstante, e como defende Paulo Pinto Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, p. 966, em anotação ao art. 379º, posição com a qual se concorda, pelos fundamentos expostos e que aqui se reproduzem:
“O tribunal de recurso tem o poder de “suprir” as nulidades da sentença. Mas este poder é muito reduzido na prática, porque ele só poderá ser exercido negativamente. Isto é, o tribunal de recurso só pode exercer o poder de suprir a nulidade nos casos em que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões de que não podia conhecer (nulidade da 2ª parte da alínea c) do nº 1). Neste caso, o tribunal superior exerce o seu poder de suprimento da nulidade simplesmente declarando suprimida na sentença recorrida a parte atinente à questão que não deveria ter sido conhecida. Em todos os outros casos, o tribunal, o tribunal de recurso não pode exercer o seu poder de suprimento, pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição (acórdão do TRL, de 14.03.2003, in CJ, XXVIII, 2, 143, e acórdão do TRE, de 08.07.2003, in CJ, XXVIII, 4, 252). A sentença deve ser anulada e os autos devem baixar ao tribunal a quo para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, completando-se a sentença com as “menções” em falta (nulidade da alínea a) do nº 1) ou conhecendo-se nela das “questões” que o tribunal deveria ter apreciado (nulidade da 1ª parte da alínea c) do nº 1). Não deve, pois, nestes casos anular-se o próprio julgamento (acórdão do STJ de 31.05.2001, in SASTJ, 51, 97). Do exposto resulta também evidente a inaplicabilidade no processo penal da disposição do art. 715º nº 1 do CPC”. [sublinhados nossos].
Em face do exposto, e nos termos do preceituado no art. 379º nº 1 al. c) do CPP, cumpre anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, onde se conheça do pedido de indemnização civil, deduzido nos autos, pelo Centro Hospitalar do …, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no interposto recurso.
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- Decisão:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores, da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida e, em consequência, nos termos do preceituado no art. 379º nº 1 al. c) do CPP, anula-se a sentença recorrida e determina-se a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que nele, e pela mesma Mmª Juíza que a preferiu, se proceda à elaboração de nova sentença, onde se conheça, de facto e de direito, do pedido de indemnização civil, deduzido nos autos, pelo Centro Hospitalar do ….
Sem custas.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, 9 de Abril de 2025
Os Juízes Desembargadores
Anabela Simões Cardoso [relatora]
Laura Maurício [1ª Adjunta]
Manuel Ramos Soares [2º Adjunto]