Não é de crer que a prisão domiciliária (com a consequente ameaça do seu cumprimento em estabelecimento prisional) realize de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão quando o arguido, desde 2018, já foi condenado, pela prática do mesmo tipo de crime, em penas de prisão suspensas na sua execução, sendo que uma delas foi revogada, em pena de prisão que cumpriu em regime de permanência na habitação e, ainda assim, posteriormente, voltou a praticar e a ser condenado, pelo mesmo tipo de crime, em pena de prisão, que cumpriu.
E, pese embora tais condenações e cumprimentos de pena, tal não o inibiu de praticar os factos aqui em causa.
Entende-se assim, que face a tal realidade, não será o cumprimento de mais uma pena de prisão em regime de permanência na habitação (modo de execução muito menos gravoso e que implica menos sacrifícios pessoais do que a última pena que sofreu) que cumprirá as aludidas finalidades. Aliás, considera-se que, dado o historial relatado, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, reforçaria a sensação de impunidade que o arguido – pese embora as condenações sofridas – vem sentindo e manifestando com a prática de novos crimes.
1.1 Decisão recorrida
Por sentença de 15 de julho de 2024, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do D.L. nº 2/98, de 03/01, por referência ao art. 121º, nº1, do Cód. Estrada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efetiva.
1.2 Recurso
O arguido interpôs recurso invocando do qual extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
1-Na apreciação dos fundamentos e da decisão ora atacada desde logo é saliente que não foram tomados em consideração factos Jurídicos-Legais de relevância essencial;
2-Daí que o tribunal “a quo”, na escolha e determinação concreta da pena, devesse atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do arguido;
3-Não foram tomadas em consideração, para o efeito de determinação da escolha concreta da pena as condições de vida- pessoais e familiares- do arguido e a sua situação económica, nem tão pouco o facto do arguido estar inscrito em escola de condução com vista a conseguir a sua habilitação legal para o efeito, pois tais factos poderiam ter sido melhor aferidos se tivessem sido tidos em conta pelo Tribunal “a quo”;
4-Deste modo, cabendo ao intérprete e julgador o encargo de proceder a uma valoração casuística da situação, decerto julgará mais plausível uma medida afim da prisão no caso concreto, mediante os incentivos adequados da reabilitação para que tragam o arguido de volta para o cortejo da vida útil, se possível feliz, no seio da comunidade familiar;
Sendo igualmente certo que,
5- A própria ideia de reeducação não se compadece com a existência de duros e degradantes regimes prisionais;
6- decerto serà mais plausível uma medida afim da prisão no caso concreto, mediante os incentivos adequados da reabilitação, de modo a que não se contribua para empurrar o arguido para becos sem saída, relativamente aos quais as prisões são um convite e não servem de cura;
7- Ainda a esse propósito, convém salientar a resolução do Conselho de Ministros nº 144/2004 publicada no D.R. – I série – B – de 28/10/2004, a qual se reporta à lei nº 122/99, de 20 de Agosto que veio regulamentar a utilização de vigilância electrónica e a sua introdução no sistema sancionatório português apontando para que a utilização dessa dita vigilância electrónica não deverá apenas circunscrever-se à fase pré-sentencial, mas passar também a ser utilizada em sede de execução de penas;
8- E o que, no caso sub judice, se mostra como sendo a solução mais adequada e proporcional face à matéria dos autos, logo, a mais justa a ser aplicada ao arguido;
9- Considerando-se que a censura dos factos e a ameaça de execução da pena de prisão efectiva, numa perspectiva dos fins das penas e da protecção dos bens jurídicos ameaçados, é suficiente e adequada à responsabilização eficaz do arguido, bastante para o afastar dos ilícitos rodoviários e mais satisfazendo as necessidades de reprovação do crime;
10- Vem desde já a propósito invocar aqui qual seja a última “ratio” de toda a norma e sanção punitiva, a qual, “…para ser eficaz e para ser adequada, não deve padecer de dureza excessiva…”;
11- O julgador não se deve limitar a aplicar ao caso concreto o artigo A,B ou C, mas antes a Ordem Jurídica globalmente considerada, com todos os princípios que lhe são imanentes,«maxime» a ideia de justiça e proporcionalidade;
12- Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que o Tribunal “a quo” não apreciou correctamente os factos relevantes em sede de aplicação e escolha concreta da pena;
13- E o que leva a concluir que a pena aplicada ao arguido não revela a melhor adequação e equilíbrio em face das necessidades de prevenção que no caso se fazem sentir;
14- Violou pois a Sentença recorrida as normas dos artigos 70º e 71º do Cód. Penal, escolhendo e aplicando como sanção a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva quando se entende como suficiente, adequada e proporcional à gravidade do caso ( tendo em conta o que já supra se expôs e a moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização do arguido) a aplicação da medida de vigilância electrónica ao ora recorrente para cumprimento e execução da respectiva sanção – v.d. Resolução do C.M. nº144/2004; lei 122/99 de 20/08 e Recomendação R(99)22, do Conselho da Europa.
1.2 Resposta/Parecer
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência. Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
1. No que se retira das conclusões de recurso, o recorrente discorda da sentença proferida na medida em que o condenou pela prática de um crime condução sem habilitação legal, p. e p. nos termos do art.º 3º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, por referência ao art.º 121º, n.º 1 do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efetiva, alegando que tal pena é excessiva e manifestamente desproporcional, pugnando pela sua substituição por regime de permanência na habitação.
2. Salvo melhor entendimento, em nada discordamos da posição assumida pelo Tribunal a quo ao aplicar pena de prisão efetiva, tendo o douto Tribunal na escolha da pena, atendido à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuseram a favor ou contra o arguido.
3. O arguido já possui antecedentes criminais pela prática do mesmo crime, nomeadamente, 9 condenações, com a dos presentes autos, sendo que em sede da última condenação no âmbito do inquérito nº 35/18.7… o arguido foi condenado em pena de prisão efetiva de 8 meses e 15 dias, não tendo o douto tribunal efetuado um prognóstico favorável quanto à suspensão da pena.
4. Atente-se que nem uma pena de prisão efetiva demoveu o arguido da prática de novos factos, o que conduziu à presente condenação.
5. Todas estas condenações foram tidas em consideração em sede de sentença, como bem se lê, na argumentação esgrimida pela Mma Juíza a quo.
6. E, diga-se ainda, que o facto de o arguido se ter inscrito em escola de condução em Junho de 2024, ao fim de nove condenações (com a dos presentes autos), não é propriamente um argumento favorável à sua conduta conforme com o direito, uma vez que o arguido já o deveria ter feito em sede da primeira condenação pela prática do referido crime.
7. Destarte, não poderia o douto Tribunal perante tão longo registo criminal e a reiterada prática do mesmo crime, efetuar um juízo de prognose favorável ao arguido que implicasse a aplicação ao mesmo quer de pena suspensa, quer do regime de permanência na habitação com recurso aos meios de vigilância eletrónica.
8. Bem andou o douto tribunal, que valorizou todos os elementos necessários à determinação da pena que aplicou, decidindo de forma fundamentada (n.º 3, do artigo 71.º do Código Penal), equilibrada e adequada (também por recurso a critérios de uniformidade), não se considerando excessiva a pena de prisão efetiva aplicada ao arguido.
9. Assim sendo, outra decisão não era passível de ser adotada pelo tribunal a quo.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no qual concorda com a resposta apresentada, entendendo que não deve ser concedido provimento ao recurso.
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2. Questões a decidir no recurso
Assim, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
- Contradição entre a fundamentação e a decisão (conhecimento oficioso).
- Medida concreta da pena;
- Forma de cumprimento da pena.
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3. Fundamentação
3.1. Factualidade provada/não provada na sentença
Factos provados:
« 1. No dia 04 de abril de 2024, pelas 23h05m, na Avenida …, nesta cidade de …, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula …, sem ser detentor de título de condução válido.
2. O arguido sabia que, para conduzir o referido veículo na via pública, carecia de habilitação legal, de que não era titular e, ainda assim, atuou com o propósito concretizado de conduzir naquelas condições.
3. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
4. O arguido não é detentor de bens móveis e imóveis registados em seu nome.
5. O arguido não efetua descontos para a segurança social nem é beneficiário da Caixa Geral de Aposentações.
6. À data dos factos em causa neste processo, assim como atualmente o arguido reside sozinho em ….
7. A habitação arrendada pela qual paga 300€ mensais, tem as infraestruturas básicas necessárias.
8. AA é filho único, os progenitores separaram-se durante a sua adolescência, tendo o arguido ficado à guarda da mãe.
9. A nível escolar concluiu o 6º ano de escolaridade e pouco investiu no seu processo educativo formal, interessando-se por desenvolver formas de autonomia a partir dos 13 anos de idade; começou por iniciar tarefas na construção civil.
10. Habituou-se cedo a um modo de vida pouco vincada aos padrões normativos familiares, avaliando como positivo o relacionamento com os pais.
11. A nível profissional o arguido trabalhou sempre em atividades ligadas à construção civil, nos últimos anos como empresário por conta própria, refere um rendimento mensal na ordem dos 1000€.
12. Aos 20 anos iniciou relacionamento afetivo com a primeira companheira da qual tem 1 filha, atualmente com 19 anos e com quem mantém uma relação afetiva consistente, posteriormente iniciou nova relação, que entretanto, terminou e da qual tem uma filha com 14 anos.
13. No meio sócio residencial, AA é conhecido, mas não existem indícios de hostilidade.
14. O arguido apresenta juízo crítico, relativamente ao seu passado criminal, embora o subordine grandemente à necessidade de conduzir para poder trabalhar, verbalizando ser a sua intenção de manter um estilo de vida pró social, perspetivando no futuro, a obtenção do título de condução.
15. Está inscrito na escola de condução “…”.
16. Sobre a natureza criminal dos factos constantes nos presentes auto, AA tem noção da ilicitude em causa, assumindo uma atitude de maior responsabilização face ao comportamento de risco que se envolveu.
17. Do certificado de registo criminal resulta que:
17.1. Por decisão de 1.2.2010, transitada em julgado em 17.2.2010, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 3/10.7…, que correu termos neste Juízo Local Criminal de …, pela prática em 24.1.2010 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 5€, bem como na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 meses.
17.2. Por decisão de 24.1.2013, transitada em julgado em 26.2.2013, foi o arguido condenado no âmbito do processo comum n.º 43/12.1…, que correu termos neste Juízo Local Criminal de …, pela prática em 29.3.2012 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de 6,50€, bem como na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 8 meses.
17.3. Por decisão de 9.1.2018, transitada em julgado em 8.2.2018, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 2/18.0…, que correu termos neste Juízo Local Criminal de …, pela prática em 9.1.2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, sujeita à condição de o arguido entregar 400€ aos Bombeiros Voluntários de ….
17.4. Por decisão de 16.10.2018, transitada em julgado em 15.11.2018, foi o arguido condenado no âmbito do processo sumário n.º 1164/18.2…, que correu termos no Juízo Local Criminal de …, pela prática em 25.8.2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, sujeita à condição de o arguido se inscrever em escola de condução. Por decisão de 1.10.2021, transitada em julgado em 29.11.2021, a pena de prisão suspensa aplicada ao arguido foi revogada e determinado o cumprimento de 4 meses de prisão efetiva.
17.5. Por decisão de 20.12.2018, transitada em julgado em 7.1.2020, foi o arguido condenado no âmbito do processo abreviado n.º 35/18.7…, que correu termos neste Juízo Local Criminal de …, pela prática em 22.7.2018 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
17.6. Por decisão de 2.7.2019, transitada em julgado em 8.7.2020, foi o arguido condenado no âmbito do processo abreviado n.º 423/19.1…, que correu termos no Juízo Local Criminal de …, pela prática em 18.3.2019 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 10 meses de prisão efetiva e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos, sujeita a regime de prova.
17.7. Por decisão de 25.3.2022, transitada em julgado em 25.3.2022, foi o arguido condenado no âmbito do processo abreviado n.º 35/18.7…, em cúmulo jurídico da pena aplicada neste processo com a pena aplicada no processo n.º 1164/18.2…, na pena única de 8 meses e 15 dias de prisão efetiva.
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Factos não provados:
Discutida a causa, e com relevância para os autos, não houve factos que tivessem ficado por provar»
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3.2 – Contradição entre a fundamentação e a decisão
Na sentença recorrida, aquando da fundamentação jurídica relativa à determinação da medida concreta da pena, pode-se ler o seguinte:
«(…) Assim, atenta a globalidade dos elementos acima ponderados que depõem a favor e contra o arguido, entende o Tribunal que a sua conduta deverá ser sancionada com a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.».
Porém, no dispositivo da sentença, o arguido é condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Tal discrepância constitui uma contradição insanável entre a fundamentação (em sentido amplo, que abrange quer a fundamentação de facto, quer a de direito) e a própria decisão, tornando-a incoerente e ilógica, impedindo desta forma a sua clara e integral compreensão. Trata-se do vício previsto no art. 410º, nº2, al.b), do Cód. Proc. Penal, o qual – à semelhança dos demais aí previstos – respeita aos erros formais da sentença e que são aqueles que resultam, de forma clara, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum, do próprio texto da decisão, sendo detetáveis a partir da sua mera leitura.
Tal vício pode ser invocado pelos interessados, mas também pode ser conhecido oficiosamente pelo tribunal de recurso – AUJ nº7/95, de 19/10/1995. Pode ser suprido por este tribunal ou, na sua impossibilidade, poderá determinar a nulidade da decisão recorrida.
No caso concreto, e como se viu, não se suscitam dúvidas sobre a verificação do aludido vício. A imediata declaração de nulidade da decisão implicaria a remessa ao tribunal recorrido para que fosse elaborada nova sentença de onde resultasse de forma clara e evidente qual a pena concreta que o tribunal pretendeu aplicar: 1 ano e 4 meses de prisão ou 1 ano e 6 meses de prisão.
No entanto, em sede de recurso – e sem a invocação do aludido vicio – é impugnada a medida concreta da pena, requerendo o recorrente a fixação de pena inferior. Ora, apreciando tal questão e, nessa sede, caso este Tribunal entenda que a pena aplicada se mostra excessiva, e que a pena adequada deve ser igual ou inferior a 1 ano e 4 meses de prisão (a pena mais baixa das que se mostram em contradição na decisão recorrida), a questão aqui levantada perderá a sua relevância. Ou, por outras palavras, a nulidade decorrente do vício existente ficará sanada, por intervenção corretiva deste Tribunal Superior.
Deste modo, e de forma a evitar a prática de atos eventualmente inúteis, remete-se a apreciação da questão aqui em causa para momento posterior ao da apreciação da fixação da medida concreta da pena.
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3.3 – Da medida da pena
No que respeita à medida concreta da pena, afirma o arguido, que não foram consideradas as suas condições de vida – pessoais, familiares e económicas – nem o facto de se encontrar inscrito em escola de condução com vista a obter habilitação legal para conduzir.
Entende dessa forma que a pena concreta aplicada se mostra exagerada e desadequada.
O tribunal recorrido indicou como elementos de ponderação e fixação da pena, além das demais circunstâncias concretas do caso, as necessidades de prevenção geral e especial, que considerou elevadas em ambos os casos, a intensidade e nível da ilicitude, entendidas como moderadas e ainda o grau elevado da culpa do arguido, decorrente de ter atuado com dolo direto.
Vejamos.
A determinação da medida concreta da pena deve ser efetuada com recurso aos critérios gerais estabelecidos no art. 71º, do Cód. Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. E, o art.40º, do mesmo diploma, estipula, como finalidades das penas:
- a proteção dos bens jurídicos violados, visando a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas em causa;
- a ressocialização do agente o qual, através da sanção, deve ser estimulado a interiorizar a censurabilidade da sua conduta, a necessidade de adotar um comportamento conforme o direito e a abster-se, no futuro, de praticar novos ilícitos
E, tal como estabelece o nº2, do mesmo artigo “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. De tal decorre que a pena deverá ser a necessária, adequada e proporcional à culpa do agente.
Vejamos assim, no caso concreto, a conduta concreta do arguido a fim de apurar a sua culpa.
Resultou provado que no dia 04 de abril de 2024, pelas 23h05m, na Avenida …, em …, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula …, sem ser detentor de título de condução válido. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Além disso, resulta demonstrado que o arguido já sofreu 6 condenações anteriores pela prática de idêntico crime, sendo duas delas em pena de multa, duas em pena de prisão suspensa na sua execução e duas em pena privativa da liberdade. À data encontrava-se inscrito em escola de condução.
No demais, encontra-se social e familiarmente integrado. Exerce atividade laboral permanente e que lhe proporciona rendimento suficiente para assegurar as suas despesas.
De tudo isto resulta que o grau de ilicitude e culpa do arguido, na forma de execução do ilícito, se mostram medianos, sendo os habituais na prática do crime em questão. Com efeito, as circunstâncias que rodearam a sua prática são apenas aqueles factos concretos que integram os seus elementos objetivo e subjetivo e essenciais ao cometimento do crime. A prática do crime em causa na modalidade de dolo direto é, aliás, a habitual sendo residuais as situações em que outro se verifique. Porém, no caso, a circunstância do arguido já ter sofrido várias condenações (incluindo em pena privativa da liberdade) pela prática do mesmo crime, agrava a sua culpa. O recorrente agiu com uma censurabilidade acrescida, decorrente da maior consciência da ilicitude da sua conduta, das suas consequências e da atuação contra a proibição que violou.
Desta forma, a sua culpa deve ser situada num nível elevado.
No que respeita às suas condições pessoais do arguido, as mesmas são adequadas sem que, como se viu, tal tenha servido até ao momento, como fator de contenção. Não é por isso de crer que a situação se altere. Também a circunstância do arguido se encontrar inscrito em escola de condução, embora seja um elemento positivo, certo é que não foi impeditivo da prática dos factos aqui em análise.
Por último, saliente-se, as necessidades de prevenção geral mostram-se bastante elevadas, atenta não só a recorrência do tipo de ilícito, como também a sua gravidade e as suas consequências nefastas, quer para as vítimas diretas, quer para a sociedade em geral. No que respeita às necessidades de prevenção especial, considerando os antecedentes criminais do arguido, é manifesta a sua premência.
De tudo o que se deixa dito decorre que a pena adequada ao caso, tendo como limite um grau de culpa elevado, não pode ultrapassar o segundo terço da penalidade. Com efeito, num raciocínio abstrato, se dividirmos a culpa em 3 graus (moderada, elevada e muito elevada), poderemos fazer corresponder a cada um dos graus, respetivamente, o 1/3, o 2/3 e o 3/3 da pena.
No caso, tendo em conta tudo o que se deixa dito, entende-se como adequada a pena de 1 ano de prisão, a qual, situando-se no 2/3 da penalidade corresponde a uma culpa elevada. Mais, essa culpa elevada não se encontra já próxima do limite máximo a que corresponderia uma culpa moderada (é claramente superior a esta), mas ainda se encontra a alguma distância daquilo que poderemos considerar culpa muito elevada.
Assim, entende-se que a pena fixada – quer se trate de 1 ano e 4 meses de prisão, quer se trate de 1 ano e 6 meses de prisão – excede a culpa do arguido. Mostra-se por isso errada, sendo excessiva e desproporcional face às circunstâncias concretas do caso.
Procede assim, nesta parte e nestes termos a pretensão do arguido.
E, fixando este Tribunal uma nova pena que se mostra inferior à pena mais baixa daquelas que na decisão recorrida se mostram em contradição, o vício que aí se verificava, mostra-se plenamente sanado.
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3.4 – Da forma de cumprimento da pena.
Invoca o recorrente que a pena de prisão a aplicar ao arguido deverá ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
O tribunal recorrido apreciou tal questão e, fundamentadamente, afastou tal possibilidade.
Concorda-se plenamente com tal decisão.
Não é de crer que a prisão domiciliária (com a consequente ameaça do seu cumprimento em estabelecimento prisional) realize de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. Com efeito, e desde 2018, o arguido já foi condenado, pela prática do mesmo crime, em penas de prisão suspensas na sua execução, sendo que uma delas foi revogada (2021). Foi condenado em pena de prisão que cumpriu em regime de permanência na habitação e, ainda assim, posteriormente, voltou a praticar e a ser condenado, pelo mesmo crime, em pena de prisão, que cumpriu.
E, pese embora tais condenações e cumprimentos de pena, tal não o inibiu de praticar os factos aqui em causa.
Entende-se assim, que face a tal realidade, não será o cumprimento de mais uma pena de prisão em regime de permanência na habitação (modo de execução muito menos gravoso e que implica menos sacrifícios pessoais do que a última pena que sofreu) que cumprirá as aludidas finalidades. Aliás, considera-se que, dado o historial relatado, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, reforçaria a sensação de impunidade que o arguido – pese embora as condenações sofridas – vem sentido e manifestando com a prática de novos crimes.
A decisão recorrida mostra-se, nesta parte, totalmente adequada não existindo qualquer fundamento para a sua modificação.
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4 – DECISÃO
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, fixa-se a pena aplicada ao arguido AA, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº2, do DL nº 2/98, de 3 de janeiro, em 1 (um) ano de prisão.
No demais, mantém-se a decisão recorrida.
Sem custas.
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Évora, 9 de abril de 2025
Carla Oliveira (Relatora)
Anabela Cardoso (1ª Adjunta)
Manuel Soares (2º Adjunto)