CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA
APLICAÇÃO NÃO AUTOMÁTICA
PRINCÍPIO DA CULPA
EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO
Sumário

O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
A proibição de condução de veículos motorizados dispõe de uma moldura legal própria e autónoma, cujos limites mínimo e máximo correspondem, respetivamente, a três meses e três anos, encontrando-se subordinada, como verdadeira pena que é, quer às finalidades que o artigo 40.º do Código Penal assinala às penas em geral, quer aos critérios que relevam na determinação da respetiva medida concreta, tal enunciados no respetivo artigo 71.º. Quer isto significar que, à semelhança do que sucede com a pena principal, o juiz fixará a respetiva medida tendo em conta, dentro do limite consentido pela culpa, a defesa retrospetiva da ordem jurídica e as exigências de ressocialização do condenado, evidenciadas a partir das circunstâncias concretas do caso sub judice, designadamente daquelas que para o efeito se encontram elencadas no n.º 2 do referido artigo 71º, pelo que não estamos perante uma aplicação automática, por mero efeito da lei, de uma pena, mas à sua aplicação, no caso concreto, por intervenção de um tribunal, dentro dos limites consentidos pelo princípio da culpa e de acordo com as exigências, gerais e especiais, da prevenção.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 203/24.2GDSTR, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Especial Sumário, foi o arguido AA condenado, por sentença de 15/11/2024, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros.

Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses e 20 dias.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

I. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, quanto á condenação do arguido na pena acessória de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias, nos termos do art.º 69 n.º 1 alínea a) e 3. e art.º 292 do Código Penal e art.º 500 n.º 2 e 3 do CPP.

II. O tribunal a quo deu, designadamente, como provado:

V. Os factos constantes na douta acusação, em virtude de o arguido ter confessados os mesmos;

VI. O testemunho e declarações do arguido mostraram credíveis;

VII. Mostrou arrependimento;

VIII. Não tem hábitos alcoólicos;

IX. O arguido é motorista internacional de pesados;

X. Aufere cerca de €2000,00 (dois mil euros), mensais;

XI. Vive com os pais;

XII. Tem como encargos fixos os valor de €600,00 (seiscentos euros);

XIII. Contribui para as despesas da casa, no valor variável entre €200 e €400;

XIV. Não tem filhos;

XV. Não tem antecedentes criminais;

XVI. Atuou com negligência e não com dolo;

XVII. Tem suporte familiar, pessoal e económico;

XVIII. O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena acessória de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias, de proibição de conduzir veículos motorizados.

XIX. De acordo com o princípio do caráter não automático dos efeitos das penas, expressamente consagrado no art. 65º, nº 1, do CP, “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”.

XX. Assim, para que se justifique a aplicação de uma pena acessória é necessário que o juiz comprove um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação da pena acessória.

XXI. No caso concreto e uma vez que o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram moderados não existe justificação para a pena acessória aplicada.

XXII. Na verdade, a conduta do arguido foi negligente e não dolosa;

XXIII. Da conduta do arguido não resultou qualquer perigo concreto para o transito, veículos ou pessoas.

XXIV. O arguido nunca cometeu nenhuma contraordenação grave ou muito grave, sendo, por isso, um condutor exemplar.

XXV. O arguido está inserido profissional e socialmente.

XXVI. Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria dada como provada, o período de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias, aplicado é manifestamente excessivo.

XXVII. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, nº 1, do CP, apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo (3 meses) e um limite máximo (3 anos).

XXVIII. A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção (art. 71º, do CP).

XXIX. Ora, para além dos factos já referidos, o arguido é motorista internacional de pesados, utilizando o automóvel como instrumento de trabalho.

XXX. Acresce que, a pena aplicada, causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de absoluta carência económica, e até de desemprego, atento o período de privação do seu trabalho e o facto da empresa não ter outro trabalho para lhe oferecer.

XXXI. A pena acessória de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias, aplicado, é sustentado nos mesmos argumentos que o tribunal invocou para a determinação da pena principal e não tem de ser obrigatoriamente dessa forma, tendo o tribunal a quo, o livre arbítrio para determinar a pena acessória, atendendo ao caso concreto, e ás finalidades da prevenção;

XXXII. Por outro lado, as exigências de prevenção geral, no caso concreto não justificam a pena acessória de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias, aplicada, a qual é manifestamente excessiva, para o caso concreto.

XXXIII. Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses).

XXXIV. Cumprindo dessa forma, proporcionalmente as exigências de prevenção geral que no caso se pretendem fazer valer.

XXXV. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, entre outros, os arts. 65º, 69º e 71º, todos do CP.

Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

i – Ser reduzida a pena acessória aplicada para o seu limite mínimo (3 meses).

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu improvimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos, em síntese (transcrição):

A questão colocada à alta apreciação de Vossas Excelências, Ilustres Desembargadores prende-se em saber se deve ser imposta ao arguido a título de pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, um período inferior mormente de 3 (três) meses.

Sempre se dirá, desde já, que a razão está, por inteiro, com a Mme Juiz “a quo” bem como com o nosso Ex.mo Colega junto da 1ª instância.

A medida da(s) pena(s) – acessória - no caso concreto.

Na douta sentença ora posta em crise ficou a constar “… Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias.

Resulta do despacho de acusação lavrado nos autos o seguinte:

1. No dia 2 de Novembro de 2024, pelas 5 horas, na Rua …, …, …, o arguido conduzia o veículo automóvel de marca “…” e matrícula “…”.

2. O arguido ao conduzir na via pública, fê-lo após ter ingerido bebidas alcoólicas, as quais lhe determinaram uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 2, 309 g/l (taxa a que se chegou após a dedução da margem erro máximo relativa aos 2, 43 g/l do aparelho alcoolímetro de marca “Dräger”, modelo “7110 MKIII P”, com o n.º de série ARAN-0015).

3. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente

Nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, entre outros, por crime previsto no artigo 292º do Código Penal.

Os critérios legais previstos para as penas principais são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa. E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção1.

A pena acessória “corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária. …

Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, háde efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral 2 3.

Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei.

Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229).

Sobre esta matéria, importa referenciar o Ac. Relação de Évora de 25.10.20224, onde se refere, na parte que aqui releva: “… A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2ª reimpressão § 88 e 232, pags. 95 e 181).”

Assim, na fixação da pena concreta (da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor), há que ter em especial consideração o grau de perigosidade demonstrado pelo agente e essa perigosidade é demonstrada, entre o mais, pelo grau de álcool no sangue detectado.

É consabido que a condução de veículos automóveis é uma actividade extremamente perigosa e essa perigosidade é exponencialmente aumentada quando o condutor a leva a efeito sob a influência do álcool.

Aqui chegados, pode concluir-se, com total segurança, que as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, conhecido que é o crescente número de acidentes de viação que ocorrem em Portugal e o enorme número de vítimas por eles causados, muitas vezes por virtude de condução sob o efeito do álcool 5.

Finalmente, importa prestar atenção à jurisprudência deste Venerando Tribunal da Relação de Évora sobre esta questão e sem procurar ser exaustivo e pedindo antemão desculpa pela não indicação de outros acórdãos tão ou mais valiosos do que abaixo se enumeram atente-se:

- Ac. Relação de Évora – 27.04.2010 – Relator João Amaro – TAS 1,74g/l

(+ anteriores condenações) – 5 meses e 15 dias de inibição;

- Ac. Relação de Évora de 14.02.2013 – Relator Carlos Berguete Coelho –

TAS 1,49g/ - 3 meses e 15 dias

- Ac. Relação de Évora de 25.10.2022, procº 138/22.3PBBJA.E16 –

Relatora Beatriz Marques Borges – TAS 2,134 g/l – 6 meses;

- Ac. Relação de Évora de 28.02.2023, procº 122/22.7GBVVC.E107 –

Relatora Laura Goulart Maurício – TAS de 2,23 g/l – 5 meses8;

- Ac. Relação de Évora de 09.05.2023, procº 388/22.2GBTNV.E1 – Relatora Ana Bacelar – TAS de 2,20g/l – 7 meses;

- Ac. Relação de Évora de 12.07.2023, procº 22/20.5GCABT.E1 – Relator Carlos de Campos Lobo – TAS de 2,79 g/l – 6 meses9;

- Ac. Relação de Évora de 10.10.2023, procº 1802/22.2GBABF.E1 – relator João Carrola – TAS de 2,89 g/l (+ condenações anteriores) 12 meses.

Porém, pelo rigor, relevância e aplicabilidade ao caso concreto segue-se, com a merecida e devida vénia, o doutamente exposto no Acórdão desta Veneranda Relação de Évora de 09.05.2023, relatora Ana Bacelar.

Assim: “Qual o critério, ao cabo e ao resto, para determinar a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal?

Diremos nós que as regras que nos são fornecidas para a determinação de uma qualquer pena.

E, ainda, alguma proporção entre o “universo” da moldura penal e o “universo” da TAS. Este último merece explicitação prévia.

A taxa de álcool no sangue é a quantidade de álcool existente no sangue de um indivíduo em determinado momento e expressa-se em gramas de álcool por litro de sangue [g/l]. A TAS depende (i) do tipo e da quantidade de bebida ingerida, (ii) do momento de absorção dessa bebida – jejum, às refeições, fora das refeições, (iii) ritmo de ingestão, (iv) peso e sexo do indivíduo e (v) estado de saúde e estado de fadiga.

Com os atuais conhecimentos da ciência, pode ter-se como seguro que:

Ø entre 0,1 a 0,3 g/l de álcool no sangue ocorre sobriedade – o álcool ingerido não tem influência aparente;

Ø entre 0,3 a 0,9 g/l de álcool no sangue ocorre euforia, perda de eficiência, diminuição da atenção, diminuição do discernimento e diminuição do controlo;

Ø entre 0,9 a 1,8 g/l de álcool no sangue ocorre excitação, instabilidade das emoções, descoordenação muscular, diminuição da inibição e ausência do julgamento crítico;

Ø entre 1,8 a 2,7 g/l de álcool no sangue ocorre confusão, vertigens, desequilíbrio, dificuldade na fala e distúrbios sensoriais;

Ø entre 2,7 a 4,0 g/l de álcool no sangue ocorre estupor, apatia e inércia geral; também se registam vômitos, incontinência urinária e fecal;

Ø entre 4,0 a 5,0 g/l de álcool no sangue ocorre coma, inconsciência, anestesia;

Ø Acima dos 5,0 g/l de álcool no sangue ocorre morte por paragem respiratória.

Isto posto, vejamos por comparação e com detalhe a moldura penal abstrata que a lei consagra para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez e a TAS desde que é crime até 5,0 g/l

Entre 3 (três) meses e 3 (três) anos, que correspondem à moldura penal abstrata da proibição de conduzir veículos com motor [artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal] decorrem 33 (trinta e três) meses.

Da divisão destes 33 (trinta e três) meses por 2 (dois) resultam 16 (dezasseis) meses e 15 (quinze) dias. Que somados ao limite mínimo da moldura penal abstrata proporcionam o meio da pena abstrata – 19 (dezanove) meses e 15 (quinze) dias.

Idêntico raciocínio se usou para determinar o primeiro e o segundo quartos da moldura penal abstrata, bem como o primeiro, segundo, terceiro e quarto oitavos da mesma, dividindo respetivamente por 4 (quatro) e por 8 (oito) os 33 (trinta e três) meses e adicionando o resultado desta operação ao limite mínimo da moldura penal abstrata.

Numa primeira abordagem e sem o rigor que seria possível, a uma TAS de 2,204 g/l corresponde proibição de conduzir veículos com motor superior a 11 (onze) meses e 7 (sete) dias.

Naturalmente que esta é uma primeira abordagem.

O raciocínio que se lhe segue, com vista à determinação concreta da medida da sanção acessória leva em consideração todas as circunstâncias que rodearam a prática do crime. E a postura em julgamento de quem o cometeu, bem como o seu passado criminal e as suas condições de vida.

Mas os 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor, agora pretendidos pela Recorrente, destinam-se a sancionar delinquentes primários e que adotam postura de reconhecimento do seu comportamento – tal como a Arguida –, mas que apresentem taxa de álcool no sangue igual ou próxima de 1,20 g/l.

Apresentando a Arguida uma TAS de 2,204 g/l, não tem condições para obter o que agora pretende.”

No caso em apreço e ora presente à alta apreciação de Vossas Excelências, o arguido / recorrente no 02.11.2024, encontrava-se a conduzir um veículo automóvel, na via pública, com uma TAS de 2,43 g/l a qual após a dedução do erro máximo admissível ficou fixada em 2,309 g/l.

O arguido nesta sede (recurso) invocou que confessou de forma integral e sem reservas, a prática dos factos.

Porém, a propalada confissão não têm, no nosso modesto parecer, qualquer relevância.

Com efeito, no caso concreto, o arguido foi sujeito a uma fiscalização por parte do OPC que veio a constatar a infracção e a proceder à detenção do arguido pela prática do crime pelo qual veio a ser condenado.

Nesta esteira, importa ressaltar o Ac. Relação de Guimarães de 22.02.2021, relator Armando Azevedo, procº 39/20.0TBBGR.G1, donde se respiga o sumário:

“…I- A confissão que o arguido faça dos factos que lhe sejam imputados pode relevar para efeitos de prova desses mesmos factos – a almejada descoberta da verdade – estando mesmo legalmente prevista a dispensa da prova e a redução das custas, cfr. artigo 344º, nº 2 do CPP.

II- Por isso, a confissão integral e sem reservas no início da audiência de julgamento poderá ter um significativo valor atenuativo da pena, na medida em que o arguido decida colaborar com a justiça e poupar as vítimas (quando existam) a uma vitimização secundária e o Estado a gastos acrescidos de tempo e dinheiro, cfr. artigo 71º, nº 2 al. e) do CP.

III- Nos casos em que a infração é presenciada pelo OPC e o arguido é detido em flagrante delito, a relevância da confissão para efeitos de prova é reduzida, podendo relevar sobretudo na medida em que evidencie arrependimento do arguido. Mas do facto de se verificar confissão, daí não decorre necessariamente que haja arrependimento. Ou seja, a interiorização do desvalor da conduta e o propósito de arrepiar caminho, não voltando a praticar qualquer crime.

Nesta conformidade e tendo por base tudo o que atrás se deixou exposto, podemos concluir com toda a segurança que se entende por justa, sensata e adequada a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias, imposta ao arguido, a qual se mostra em absoluta concordância com a jurisprudência deste Venerando Tribunal da Relação de Évora.

Nessa conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido AA e manter a douta sentença recorrida.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente em que reitera dever o recurso ser julgado procedente.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Não aplicação da pena acessória.

Dosimetria da pena acessória aplicada.

2. A Decisão Recorrida

Ouvida a gravação da audiência, onde consta a sentença oralmente proferida (artigo 389º-A, do CPP), constata-se que o tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

No dia 2 de Novembro de 2024, pelas 05:00 horas, na Rua …, …, …, o arguido conduzia o veículo automóvel da marca “…” e matrícula ….

O arguido ao conduzir na via pública, fê-lo após ter ingerido bebidas alcoólicas, as quais lhe determinaram uma taxa de alcoolemia de 2,309 g/l, após dedução do erro máximo legalmente admissível.

O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.

O arguido agiu com o propósito concretizado de conduzir o mencionado veículo na via pública, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas, concretamente cerveja e aguardente, antes de iniciar a condução e que lhe determinaram necessariamente uma TAS superior a 1,20 g/l e que, por isso, não podia conduzir em tais condições, sendo que, não obstante esse conhecimento, acabou por se conformar com ele e adoptá-lo.

O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou:

O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas e demonstrou arrependimento.

Exerce a actividade de motorista de pesados, pela qual aufere remuneração variável entre os 2.000 e os 2.400,00 euros mensais.

Vive com os pais em casa destes;

Contribui para os encargos domésticos com quantia variável.

Não tem filhos.

Suporta o pagamento de 600,00 euros mensais para amortização de créditos pessoais.

Não tem antecedentes criminais.

Quanto aos factos não provados, inexistem.

Fundamentou a formação da sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido, talão do alcoolímetro de fls. 4 e certificado do alcoolímetro de fls. 6; certificado de registo criminal junto aos autos no que concerne à ausência de antecedentes criminais; declarações do arguido e depoimento da testemunha BB por este arrolada, quanto à restante matéria de facto dada como assente.

Apreciemos.

Não aplicação da pena acessória

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob recurso.

O recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal e, tendo em atenção a factualidade que provada se encontra, preenchidos estão, efectivamente, os respectivos elementos objectivos e subjectivos desse ilícito típico.

Mas, discorda o arguido da aplicação da pena acessória, com fundamento em que, no Direito Penal, vigora o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, pelo que, no seu entender, para que se justifique a aplicação de uma pena dessa natureza cumpre que o juiz comprove um particular conteúdo de ilícito, sendo que no caso em apreço o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram moderados (aduzindo que a sua conduta foi negligente e não dolosa; da mesma não resultou perigo concreto para o trânsito, veículos ou pessoas; nunca cometeu contraordenação muito grave ou grave e está inserido profissional e profissionalmente), pelo que não existe justificação para a pena acessória aplicada.

Vejamos.

A tese sustentada pelo recorrente não merece acolhimento, pois o Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão (então denominado “Assento”) nº 5/99, DR nº 167, I Série-A, de 20/07/1999, entendeu que “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal”.

E, não vemos razão alguma para divergir deste entendimento, sendo certo que “a proibição de condução de veículos motorizados dispõe de uma moldura legal própria e autónoma, cujos limites mínimo e máximo correspondem, respetivamente, a três meses e três anos, encontrando-se subordinada, como verdadeira pena que é, quer às finalidades que o artigo 40.º do Código Penal assinala às penas em geral, quer aos critérios que relevam na determinação da respetiva medida concreta, tal enunciados no respetivo artigo 71.º. Quer isto significar que, à semelhança do que sucede com a pena principal, o juiz fixará a respetiva medida tendo em conta, dentro do limite consentido pela culpa, a defesa retrospetiva da ordem jurídica e as exigências de ressocialização do condenado, evidenciadas a partir das circunstâncias concretas do caso sub judice, designadamente daquelas que para o efeito se encontram elencadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal”, como se refere no Ac. Do Tribunal Constitucional nº 145/2021, que pode ser lido no sítio respectivo, pelo que não estamos perante uma aplicação automática, por mero efeito da lei, de uma pena, mas à sua aplicação, no caso concreto, por intervenção de um tribunal, dentro dos limites consentidos pelo princípio da culpa e de acordo com as exigências, gerais e especiais, da prevenção.

De onde, o recurso improcede neste segmento.

Dosimetria da pena acessória aplicada

Inconformado se mostra também o recorrente com a medida encontrada pelo tribunal a quo para a pena acessória de proibição de conduzir (5 meses e 20 dias), propondo a de 3meses (limite mínimo), apelando, novamente, para as circunstâncias que retro se mencionaram e bem assim que necessita de exercer a condução para o exercício da sua profissão, pelo que a pena aplicada lhe causará “inúmeros prejuízos”, podendo até culminar em desemprego.

Pois bem.

Seguindo a lição de Figueiredo Dias em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 96, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.

Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção geral e especial.

Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a seu favor ou contra.

Ora, as exigências de prevenção geral são bem significativas, verificando-se uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a acentuada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas e para a qual a condução em estado de embriaguez contribui em larga medida.

No que tange ao grau de perigosidade revelado pelo arguido (e, também, nesta perspectiva, de ilicitude dos factos, com a mesma relacionada), dada a factualidade provada, temos de concluir que é muito elevado, tendo em vista a TAS apurada de 2,309 g/l, significativamente superior à que confere significado criminal à conduta (1,2 g/l).

O arguido actuou, como entendeu o tribunal a quo (o que, cabalmente, resulta da audição da sentença proferida oralmente) com dolo e não com negligência, como pretende fazer crer na sua motivação de recurso.

E, quanto à necessidade de conduzir para o exercício de actividade profissional, perfilhamos o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº440/2002, consultável no sítio respectivo (concernente à sanção acessória de inibição de conduzir relativa a contraordenação por condução sob o efeito do álcool, mas cujos fundamentos são perfeitamente aplicáveis, até por maioria de razão, à pena acessória de proibição de conduzir), a saber:

“(…) a objectiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.

Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool. (…) o conteúdo essencial do direito ao trabalho que aquele vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução (posto que é apenas esta sanção que o recorrente questiona e não já a pena de multa que lhe foi aplicada em alternativa à pena de prisão, a título principal) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessória infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.

E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (pena de multa cumulativamente aplicada com a sanção acessória de inibição da condução) - a punição da condução de veículo por quem apresenta uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei - são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.”

Daí que, “a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições, tal como é sustentado pelo recorrente, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.”

Por si depõem a situação profissional estável (ainda que de forma pouco significativa, atento o tipo de crime em causa) e a ausência de antecedentes criminais.

A confissão integral e sem reservas dos factos imputados pende a favor do recorrente, sendo certo, porém, que é patente que esta assunção escassa ou nenhuma relevância revestiu para a descoberta da verdade, pois ocorreu a fiscalização em pleno acto de condução, sendo a verificação da taxa de alcoolemia efectuada pelos meios legais.

Tudo visto, manifesto se torna que esta pena tem de se afastar do seu limite mínimo e, considerando a moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos, não se mostra desadequada ou excessiva a graduação da pena acessória em 5 meses e 20 dias de proibição de condução de veículos com motor decidida pelo tribunal a quo.

Face ao que, cumpre negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Évora, 9 de Abril de 2025

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(J. F. Moreira das Neves)

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(Carla Oliveira)

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1 Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

2 Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165

3 Neste sentido, por todos, Ac. Relação de Coimbra de 08.02.2023, relatora Rosa Pinto

4 Relator Nuno Garcia

5 No site segurança e Ciências Forenses de 01.04.2023, dá-se nota que a condução sob o efeito do álcool continua a ser um dos comportamentos de risco mais detectados no exercício da condução automóvel, disponível para consulta em https://segurancaecienciasforenses.com

6 Disponível em ECLI:PT:TRE:2022:138.22.3PBBJA.E1.D3

7 Disponível em ECLI:PT:TRE:2023:388.22.2GBTNV.E1.32

8 Confirmou a decisão da 1ª instância

9 Neste acórdão estava em apreciação a prática pelo arguido de dois crime de condução de veículo em estado de embriaguez, num com a referenciada TAS de 2,79 g/l e noutro com a TAS de 2,82 g/l, em ambos foi-lhe aplicada a pena de 6 (seis) por cada um e em cúmulo ficou condenado na pena de 10 (dez) meses de inibição