I - Ambos os procedimentos – embargo de obra nova e restituição provisória da posse – são facultados “ao possuidor ou ao titular de um direito real de gozo”.
II - Incumbe ao requerente, ou em última análise ao tribunal (por via do mecanismo da convolação – vide artigo 376º nº 4 do CPC) optar/enquadrar a pretensão de acordo com o meio que se revelar mais adequado à concreta situação de perigo causada pelos atos materiais imputados ao requerido, em respeito pelos princípios da legalidade e da especialidade.
III - O embargo de obra nova é mais adequado a obras, trabalhos ou serviços que ofendam a posse do lesado e cuja suspensão se pretende imediata, por contraposição à restituição provisória de posse, dirigida especialmente aos atos que representem esbulho acompanhado de violência.
IV - Está vedado à parte, com base nos mesmos factos e visando a tutela do mesmo direito, instaurar um segundo procedimento cautelar de restituição provisória da posse, com o qual pretende obter a reversão de acordo estabelecido por via de transação homologada por sentença proferida num primeiro procedimento cautelar instaurado de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova.
V - Não tendo o acordo celebrado definido os direitos das partes, terão estes de ser agora apreciados em sede da ação principal que ao interessado requerente incumbe instaurar.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunta –Eugénia Cunha
Adjunta –Teresa Pinto da Silva
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Central Cível da Póvoa de Varzim
Apelante/ CONDOMÍNIO do prédio sito na Avenida ..., ..., Vila do Conde,
Apelados/ “A..., LDA.” e MUNICÍPIO ....
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
O CONDOMÍNIO do prédio sito na Avenida ..., ..., Vila do Conde, propôs o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra “A..., LDA.” e MUNICÍPIO ..., peticionando pela sua procedência:
“A) Deve ser determinada a restituição do Condomínio Requerente à plena posse e fruição do direito de propriedade sobre o seu supra identificado prédio, com toda a área exterior existente a nascente que o compõe, tudo conforme supra invocado, com as demais consequências legais;
B) Deve ser determinada às 1ª e 2ª Requeridas a retirada de imediato do posto de transformação bem como de todos os cabos, passeios e jardins do espaço exterior em que se encontra implantado, pertencente ao prédio do Requerente, bem como todos os seus componentes, equipamentos e tudo o mais que o compõe, que impeça, dificulte ou de alguma forma perturbe o exercício da plena posse da Requerente sobre essa parcela de terreno que integra o espaço exterior do seu prédio urbano, bem como reconstruindo o muro nos termos em que existia, repondo de imediato esse espaço e muro no mesmo estado em que se encontravam antes do esbulho e da construção desse posto de transformação aí implantado, refazendo a zona ajardinada que antes aí se encontrava;
C) Fixar-se, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 365º do C.P.C., uma sanção pecuniária compulsória a pagar pela 1ª e 2ª Requeridas, como previsto no artº 829º-A do C.C., em montante unitário e diário não inferior a 500,00 € (quinhentos euros) por cada dia de atraso na restituição e integral reposição bem como pela ofensa ou perturbação do direito e posse da Requerente e ainda de 5.000,00 € (cinco mil euros) por cada ato de violação do seu dever de abstenção, traduzido na turbação e lesão da sua posse sobre a referida parcela de terreno pertencente ao prédio da Requerente;”
Para tanto alegou, em suma:
i- O prédio urbano constituído em propriedade horizontal por escritura de 2003 e que forma um conjunto habitacional nos termos melhor descritos nos artigos 1º e 2º e 4º do RI foi edificado sobre uma parcela de terreno com as caraterísticas identificadas em 3º do RI.
Dessa parcela de terreno fazendo parte uma faixa de terreno descrita em 6º do RI, tendo a dita parcela de terreno as confrontações identificadas em 7º e 8º do RI, incluindo com o prédio da 1ª requerida.
Sobre a totalidade do prédio, incluindo a faixa de terreno descrita em 6º exercendo o condomínio requerente há mais de 50 anos todos os atos de manutenção e conservação da mesma, atuando como verdadeiro dono e legítimo possuidor, de forma continuada e sem qualquer interrupção, à vista e com o conhecimento de todos, com exclusão de outrem na convicção de exercer um direito próprio e exclusivo sem lesar direitos de terceiros. Pelo que também pela via originária da usucapião adquiriu o imóvel com a descrição pelo requerente efetuada;
ii- A 1ª requerida na execução das obras de construção que está a levar a cabo no prédio urbano a ser instituído em regime de propriedade horizontal que em parte confronta com o prédio da requerente, destruiu o muro que delimitava a nascente o limite físico do prédio do requerente e invadiu o seu prédio pelo lado nascente, integrando a faixa de terreno já descrita no seu prédio para ali implantar um PT (posto de transformação), cuja construção levou a cabo – construção descrita no artigo 36º do RI.
O que fez sem o conhecimento e consentimento do requerente;
iii- A atuação da 1ª requerida é ilícita, violando a posse e o direito de propriedade exclusivo do requerente, para além do direito de vistas e de insolação de que gozam os condóminos, atento o disposto no artigo 73º do RGEU;
iv- O requerente está esbulhado de forma violenta, abusiva e ilícita por parte da requerida com a atuação descrita, o que lhe acarreta significativos prejuízos patrimoniais;
v- A obra de construção do PT foi pelo requerente embargada extrajudicialmente no passado dia 10 de dezembro de 2024 e que judicialmente ratificou em procedimento cautelar intentado no dia 16 de dezembro de 2024, o qual correu termos sob o nº 2025/24.1T8VCD do Juiz 2 do Juízo Local Cível de Vila do Conde, embargo esse que a 1ª Requerida reconheceu, mas que caucionou para efeitos de continuação da obra;
vi- O município 2º requerido invoca a transmissão da faixa de terreno em causa para o domínio público, sem qualquer dos títulos legalmente previstos para o efeito: escritura púbica e/ou alvará de licença de loteamento, que na verdade nunca existiram nem existem. Em violação do atual RJUE;
vii- A 1ª requerida, em conluio com o 2º requerido, pretende apossar-se e usurpar ao requerente uma parcela de terreno com pelo menos 36 m (trinta e seis metros) de comprimento por 3,20 m (três metros e vinte centímetros) de largura, ou seja com pelo menos a área de 116,0 m2 (cento e dezasseis metros quadrados), a qual tem um valor comercial nunca inferior a 58.000,00 € (cinquenta e oito mil euros), atento o preço de venda do m2 de construção na zona em que a mesma se insere, a poucas dezenas de metros de zona balnear de Vila do Conde;
viii- Face ao alegado, a 1ª Requerida e o 2º Requerido violaram, de forma ilícita e abusiva, a posse e o direito de propriedade legítimos de que o condomínio Requerente é titular sobre a supra identificada parcela de terreno.
E destruíram o muro de vedação que delimitava essa mesma parcela e impedia o acesso àquela por terceiros, causando o dano correspondente à destruição dessa vedação e à necessidade da sua reposição no mesmo estado em que se encontrava antes do esbulho,
ix- Justifica-se obviar ao periculum in mora, como forma de minorar os danos que o requerente vem sofrendo com a lesão do seu direito e obviar a que os Requeridos afetem a área exterior do prédio daquele, que estava vedada, aos referidos trabalhos de construção, que implicarão elevados meios materiais para o repor no estado anterior ao do esbulho da sua posse.
x- O Requerente encontra-se impedido de exercer a sua legítima posse, pelos trabalhos de destruição do muro de vedação que existia, de forma violenta, - por parte de trabalhadores da 1ª Requerida, a mando dos órgãos da 2ª Requerida e também pela ilegítima apropriação dessa área de terreno.
Mostrando-se assim reunidos os requisitos legais para que ao Requerente seja restituída a posse e livre fruição da totalidade do espaço exterior do seu identificado prédio,
Justificando-se que seja decretada a providência de restituição provisória de posse e ordenada a reposição da parcela e do muro de vedação do prédio do Requerente, que deverá ser reposto nos mesmos termos e condições em que existia.
Termos em que concluiu o requerente nos termos acima assinalados.
Inconformado quanto ao assim decidido, interpôs o requerente recurso de revista per saltum, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes
“CONCLUSÕES
1ª. A decisão do Mmº Sr. Juiz a quo de indeferir liminarmente o procedimento cautelar de restituição provisória de posse, é que viola claramente a transação celebrada no procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova, onde a Requerida, aceitou a ratificação do embargo, mas prestou caução para poder prosseguir nos termos do art.º 401º do C.P.C.
2ª. Não é inconciliável a permissão que a prestação de caução dá à Requerida para poder continuar a obra, com o pedido de restituição provisória da posse do terreno, a retirada dessa obra e a reconstrução do muro e reposição do espaço no estado anterior ao esbulho.
3ª. A prestação de caução pela Requerida no procedimento de ratificação de embargo de obra nova não é impeditiva da propositura da ação principal, pois que, se assim fosse, a homologação dessa transação equivaleria a conter em si os efeitos de uma inversão de contencioso, ou seja, a questão principal logo aí teria ficado decidida de mérito e cristalizada entre as partes de forma global, o que não ocorreu nem corresponderia à vontade das partes.
4ª. A inevitável decisão de decretamento do Embargo determinou que a Requerida o aceitasse sob a condição de poder requerer a prestação de caução para lhe permitir a continuação dos trabalhos da obra embargada, com fundamento na segunda parte do disposto no art.º 401º do CPC.
5ª. A Requerida, sem qualquer título quanto à parcela em causa, sufragou-se do putativo cumprimento de ordens dos órgãos do Município, no sentido de usar uma pretensa “parcela de terreno cedida ao domínio público municipal no processo nº 998/99”, o do licenciamento do Requerente, facto esse falso.
6ª. A Requerida apesar de não concordar com os fundamentos, quis a autorização do Tribunal para a continuação da obra embargada, uma vez que o prejuízo resultante da paralisação seria consideravelmente superior ao da futura demolição.
7ª. O valor da caução foi correspondente às despesas de demolição total da obra embargada, bem sabendo que o Recorrente iria intentar a ação principal, bem como o presente procedimento de restituição provisória de posse, como consta das gravações das sessões para inquirição de testemunhas.
8ª. No alegado processo de licenciamento não ocorreu nenhuma cedência de terreno, nem de facto, nem de Direito, porque não foi emitido qualquer alvará de licença que a titulasse, nem foi celebrada qualquer escritura pública de transmissão, nem a parcela foi abandonada e, por esta via, perdida a posse.
9ª. Nenhuma outra questão foi abrangida ou conhecida de mérito na transação que deu origem ao despacho aqui recorrido, designadamente, nada se decidiu ou conheceu quanto aos fundamentos do embargo, nem quanto à titularidade da propriedade e posse do terreno onde a obra estava em curso.
10ª. O aqui Recorrente apenas ficou potestativamente vinculado a não se opor ao prosseguimento da obra de construção do posto de transformação porque a caução prestada pela Requerida e judicialmente validada, garante as despesas de repristinação do seu prédio ao estado anterior.
11ª. Nenhum Juízo de mérito foi proferido sobre qualquer direito real ou sobre a posse correspondente a esse direito real, que foi causa de pedir do procedimento de ratificação do embargo, nem foi proferido nenhum Juízo de mérito sobre qualquer direito de propriedade e posse sobre a parcela de terreno onde estava em curso a obra caucionada pela Requerida.
12ª. A Recorrente está obrigada a ver a obra continuar não por sua vontade, mas por via do art.º 401º do CPC, mas nos estritos limites em que transigiu, que não na sua conformação, para que esse posto de transformação permaneça no local em que se encontra.
13ª. A Recorrente sempre alegou e reclamou ser dona, proprietária e legítima possuidora da parcela de terreno onde o posto de transformação foi implantado pela Requerida e desses direitos não abdicou na transação a que o Mmº. Sr. Juiz a quo alude ao proferir o despacho aqui recorrido.
14ª. Nenhuma contradição existe na reclamação da restituição provisória de posse deduzida no procedimento dos autos a que este recurso se reporta que imponha sobre ele o indeferimento liminar, a que foi sujeito e que deve ser revogado.
15ª. Devem, pois, ser recebidos, os presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse e seguir os mesmos os seus ulteriores termos legais, uma vez que permanecem incólumes o direito real de propriedade e a posse legítima da Recorrente sobre a parcela onde foi implantada a obra embargada e caucionada e pelos quais a mesma pugna nestes autos.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Excias., deve o presente recurso merecer total provimento, com a consequente revogação do despacho recorrido e a prolação de decisão de admissão do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, para que o mesmo prossiga os seus ulteriores termos legais, assim se fazendo Justiça!”
Apreciando o requerimento, não admitiu o tribunal a quo, por inadmissibilidade, o recurso de revista. Após o que, e na sequência de convite para tal tendo o requerente declarado pretender que o recurso subisse a este tribunal, foi admitido o recurso interposto como de apelação, com efeito suspensivo da decisão.
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Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar se o tribunal a quo errou na subsunção jurídica dos factos alegados ao direito, ao entender ser a pretensão pelo requerente formulada manifestamente improcedente.
As vicissitudes processuais a considerar são as acima elencadas.
A que acresce o seguinte:
1- Previamente à instauração do presente procedimento cautelar, o requerente instaurou um outro procedimento cautelar contra a aqui 1ª requerida sociedade “A..., Lda.” – de ratificação judicial de embargo de obra nova (apenso B) – no qual e com base no mesmo circunstancialismo alegado peticionou:
“a ratificação do embargo extrajudicial efetuado em 10 de dezembro de 2024, pelas 11,05 horas, da obra nova constituída pelo posto de transformação de eletricidade identificado supra nos itens 9º a 19º, lavrando o competente auto, tudo com as demais consequências legais.”
O PT (posto de transformação) identificado neste pedido formulado no procedimento de ratificação judicial de obra nova é precisamente o mesmo PT em causa nestes autos, construído na mesma parcela e com recurso à ocupação desta também descrita nos autos e que o requerente alegou ali, como aqui, fazer parte do terreno em que está implantado o seu prédio.
Neste mencionado procedimento cautelar, em que a 1ª requerida foi citada e deduziu oposição, agendada audiência final, foi nesta celebrada transação entre as partes, devidamente homologada por sentença, nos seguintes termos:
“A) A requerida, embora não concorde com os fundamentos constantes do requerimento inicial atinentes ao pedido de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova, aceita a ratificação do embargo, nos termos do ponto seguinte:
B) As partes declaram que a obra em discussão nos presentes autos poderá prosseguir mediante a devida prestação de caução pela Requerida, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória deste acordo, mediante seguro caução ou garantia bancária à primeira solicitação do tribunal no valor de 25 000,00€ (vinte e cinco mil euros).
C) A Requerida não poderá prosseguir com a obra até à apresentação da caução em tribunal nos termos acima acordados.
(…)”
2- A caução aludida no mencionado termo, foi por decisão de 17/2/2025 (apenso B) julgada regularmente prestada, nos termos que constam de tal decisão e que aqui em parte se deixa reproduzida:
“Perante o exposto, desde já se determina que a DUC prestada fique à ordem dos presentes autos, servindo como caução para cumprimento do acordado e do que vier a ser determinado em sede dos autos principais.
Consequentemente, e nos termos que foram acordados entre as partes, poderá a Requerida prosseguir as obras.”
***
Conforme resulta do relatório supra, o requerente instaurou o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse, peticionando pela sua procedência:
“A) Deve ser determinada a restituição do Condomínio Requerente à plena posse e fruição do direito de propriedade sobre o seu supra identificado prédio, com toda a área exterior existente a nascente que o compõe, tudo conforme supra invocado, com as demais consequências legais;
B) Deve ser determinada às 1ª e 2ª Requeridas a retirada de imediato do posto de transformação bem como de todos os cabos, passeios e jardins do espaço exterior em que se encontra implantado, pertencente ao prédio do Requerente, bem como todos os seus componentes, equipamentos e tudo o mais que o compõe, que impeça, dificulte ou de alguma forma perturbe o exercício da plena posse da Requerente sobre essa parcela de terreno que integra o espaço exterior do seu prédio urbano, bem como reconstruindo o muro nos termos em que existia, repondo de imediato esse espaço e muro no mesmo estado em que se encontravam antes do esbulho e da construção desse posto de transformação aí implantado, refazendo a zona ajardinada que antes aí se encontrava;
C) Fixar-se, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 365º do C.P.C., uma sanção pecuniária compulsória a pagar pela 1ª e 2ª Requeridas, como previsto no artº 829º-A do C.C., em montante unitário e diário não inferior a 500,00 € (quinhentos euros) por cada dia de atraso na restituição e integral reposição bem como pela ofensa ou perturbação do direito e posse da Requerente e ainda de 5.000,00 € (cinco mil euros) por cada ato de violação do seu dever de abstenção, traduzido na turbação e lesão da sua posse sobre a referida parcela de terreno pertencente ao prédio da Requerente;”
Para o efeito tendo em suma alegado o requerente ser proprietário da parcela de terreno ocupada pela 1ª requerida para a construção de um PT. Ocupação que esta 1ª requerida executa em conluio com o 2º requerido que para tanto invoca pertencer tal parcela ao domínio público.
Previamente à instauração deste procedimento, propôs o requerente um procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova. Ali invocando para o pedido que formulou de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova efetuado a 10/12/2024, precisamente a execução dos mesmos trabalhos levados a cabo pela aqui 1ª requerida e nestes autos descritos como fundamento para o pedido formulado.
E naquele procedimento celebrou o requerente transação com a 1ª requerida, permitindo nos termos que a seguir se reproduzem a continuação da obra em questão:
“A) A requerida, embora não concorde com os fundamentos constantes do requerimento inicial atinentes ao pedido de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova, aceita a ratificação do embargo, nos termos do ponto seguinte:
B) As partes declaram que a obra em discussão nos presentes autos poderá prosseguir mediante a devida prestação de caução pela Requerida, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória deste acordo, mediante seguro caução ou garantia bancária à primeira solicitação do tribunal no valor de 25 000,00€ (vinte e cinco mil euros).
C) A Requerida não poderá prosseguir com a obra até à apresentação da caução em tribunal nos termos acima acordados.
(…)”
Caução que foi prestada.
A pretensão neste procedimento formulada visa em última análise obstar à permanência do PT que terá sido construído / permitida a continuação da sua construção, nos termos da transação celebrada e continuação da prévia ocupação da faixa de terreno que a 1ª requerida levou a cabo para o efeito, nos termos descritos em ambos os procedimentos cautelares.
Permanência/ocupação que, nos termos da transação celebrada, o requerente permitiu até à decisão a obter no processo principal de que aquele e também este procedimento são/serão dependência.
Sabido que o procedimento cautelar é dependência de uma ação principal a instaurar (sob pena de caducidade – vide artigo 373º ex vi artigo 376º do CPC ambos), assim só não ocorreria caso as partes tivessem celebrado acordo relativo ao direito substantivo questionado subjacente à providência cautelar concretamente peticionada.
Basta analisar o clausulado da mencionada transação, para e recorrendo à denominada “teoria da impressão do destinatário” - de acordo com a qual o tribunal interpreta as declarações negociais / contratuais recorrendo para tal ao critério de interpretação do declaratário normal colocado na posição do real declaratário, consagrada no artigo 236º do CC, conformada pela limitação da correspondência mínima entre o texto e o sentido da declaração a que se reporta o artigo 238º do CC para os negócios formais – se concluir que as partes delimitaram os termos da transação à concreta pretensão que em sede cautelar se discutia, ficando a definição do concreto direito relegada para a competente ação a instaurar.
Assente a amplitude da transação celebrada, resulta ainda do relatório supra elaborado que o direito que o requerente/recorrente pretende salvaguardar/proteger através da instauração de ambos os procedimentos cautelares é precisamente o mesmo.
Ambos os procedimentos – embargo de obra nova e restituição provisória da posse – são facultados “ao possuidor ou ao titular de um direito real de gozo”, podendo “verificar-se uma sobreposição parcial na medida em que alguns dos factos determinativos da dedução do embargo podem revelar-se simultaneamente atos de esbulho, máxime quanto aos trabalhos, obras ou serviços determinem o apossamento de bens alheios ou a impossibilidade de exercer a posse.”
Incumbindo ao requerente, ou em última análise ao tribunal (por via do mecanismo da convolação – vide artigo 376º nº 4 do CPC) optar/enquadrar a pretensão de acordo com o meio que se revelar mais adequado à concreta situação de perigo causada pelos atos materiais imputados ao requerido, em respeito pelos princípios da legalidade e da especialidade, é o embargo de obra nova mais adequado a obras, trabalhos ou serviços que ofendam a posse do lesado e cuja suspensão se pretende imediata, por contraposição à restituição provisória de posse, dirigida especialmente aos atos que representem esbulho acompanhado de violência[1].
In casu o requerente optou e bem – atento o enquadramento factual que oportunamente aduziu – pela ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova.
Feito este enquadramento, resulta pretender o requerente com o agora segundo procedimento cautelar de restituição provisória de posse, reverter o acordo que estabeleceu no anterior procedimento cautelar instaurado.
Acordo que foi homologado por sentença transitada em julgado, obrigando as partes nos seus precisos termos. E que tutelou provisoriamente os interesses das partes e, no que ora releva, do requerente.
Realça-se que nenhuma alteração dos pressupostos subjacentes ao acordo antes celebrado foi invocado.
Tal como o tribunal a quo assinalou, verifica-se “uma incompatibilidade entre o que as partes transigiram e o que é pedido neste procedimento. Na verdade, é inconciliável a permissão dada ao requerido para continuar a obra com o pedido de restituição do terreno com a retirada dessa mesma obra e a reconstrução do muro e do espaço ao estado anterior.
O requerente está obrigado pela transação que firmou. Não pode agora reclamar algo contraditório.”
A assinalada incompatibilidade resulta, de forma mais concreta, da dedução de uma injustificada pretensão na medida em que o requerente, nos termos da transação celebrada e homologada por sentença transitada, aceitou a manutenção da ocupação do terreno em causa e até da finalização da construção do PT até à decisão da ação principal. Ação onde o direito que ora de novo vem invocar carecer de tutela jurídica, será apreciado.
O mesmo é dizer que está vedado à parte, com base nos mesmos factos e visando a tutela do mesmo direito, instaurar um segundo procedimento cautelar com o qual pretende obter a reversão de acordo estabelecido por via de transação homologada por sentença proferida no primeiro procedimento cautelar instaurado. Repete-se, o direito que o recorrente visa acautelar é o mesmo – o direito de propriedade que reclama e pretende ver reconhecido sobre a parcela em questão, com a consequente desocupação de tal parcela e sua restituição no estado em que estava antes da atuação da 1ª requerida, em alegado conluio com o 2º requerido.
Não tendo o acordo celebrado definido os direitos das partes, terão estes de ser agora apreciados em sede da ação principal que ao interessado requerente incumbe instaurar.
Pelo que a argumentação aduzida pelo recorrente no sentido de não ter sido apreciada a existência do seu direito de propriedade sobre a parcela em questão, como justificação da pretensão nestes autos formulada, é desprovida de utilidade para o que se aprecia.
Através deste procedimento cautelar o requerente pode obter uma tutela provisória do direito ameaçado, enquanto não é definitivamente apreciado na ação principal. Ora tal tutela provisória foi já previamente reclamada no primeiro procedimento cautelar instaurado e ali entenderam requerente e 1ª requerida chegar a um acordo quanto aos termos em que tal direito ficaria em sede cautelar salvaguardado.
E precisamente por dos termos da transação resultar que as partes visaram apenas pôr termo ao procedimento cautelar de ratificação antes instaurado, permitindo a continuação da obra que estava em curso, subordinado à prestação de uma caução que o recorrente alega visaria cobrir as despesas da demolição – demolição que terá lugar caso a ação principal onde a propriedade da parcela terá de ser discutida proceda e assim a decisão o determine – é que a pretensão agora nestes autos formulada se apresenta injustificada e incompatível com o acordo ali celebrado, tal qual o tribunal a quo o afirmou.
O direito do recorrente terá agora de ser discutido e apreciado na ação principal que na sequência do anterior procedimento instaurado cabia ao mesmo intentar. Sendo tal procedimento dependência da causa principal.
Nenhuma censura merece assim o decidido.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Porto, 2025-04-28.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Teresa Pinto da Silva
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