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PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
COMPROPRIEDADE
ONERAÇÃO
DIREITO DE EXIGIR A DIVISÃO
Sumário
Sumário (artº 663º nº 7 do CPC) 1- Relativamente à prática de actos, pelos consortes sobre a coisa, há certa categoria de actos relativamente aos quais a lei exige a unanimidade dos comproprietários: de acordo com o artº 1412º nº 1, 2ª parte, o comproprietário “…não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar ou onerar parte especificada da coisa comum.”. 2-Assim, a oneração de parte especifica da coisa comum, sem o consentimento unânime de todos os comproprietários, afecta a própria essência da coisa e, não conduz à sua divisão, antes, tem como consequência a aplicação do regime de venda ou oneração de bem alheio (artº 1408º nº 2 do CC): a venda ou oneração de bens alheios é nula, conforme estatuem os artº 892º e 956º do CC, entre as partes que celebraram o contrato que onerou parte especificada de coisa comum e, no que respeita os restantes comproprietários, essa oneração de coisa de parte especificada de coisa comum é ineficaz. 3- O direito de exigir a divisão é inerente à qualidade de comproprietário: apenas cada um dos consortes tem direito a não permanecer na indivisão (artº 1412º do CC). A requerente, não sendo comproprietária, não pode requerer a divisão da coisa, nem tem poder para obrigar os comproprietários a procederem á divisão.
Texto Integral
Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
1-AA, instaurou procedimento cautelar comum, contra BB e CC, pedindo:
a) - A proibição das requeridas de vender, doar ou onerar o imóvel, sem que seja previamente garantida a preservação do direito de uso da habitação da requerente que foi determinado por transação homologada por sentença, em 2009;
b) - Caso a alienação vier a ocorrer, seja reconhecida a ineficácia da transmissão em relação à requerente, impedindo-se que o novo adquirente possa promover a sua desocupação;
c)- Que qualquer alienação futura, após a divisão da coisa comum, respeite o direito de uso e habitação da requerente, nos termos do acordo judicial de 2009.
d)- Que se proceda ao registo da acção para impedir qualquer transmissão enquanto não for realizada a divisão da coisa comum e garantida a proteção do direito da requerente;
e)- Que seja decretada a inversão do contencioso e, em conformidade, seja dispensado à requerente o ónus da propositura da ação principal.
Alegou, em síntese, que vive em habitação existente no prédio misto, que identifica, que seus pais construíram; por óbito dos pais, em processo de partilhas, o prédio foi adjudicado às requeridas, irmãs germanas da requerente. Em 2009, em processo judicial pendente, a requerente celebrou transacção, com a requerida BB, em que ficou estabelecido que a requerente teria direito de uso e habitação vitalício sobre o referido imóvel; essa transacção foi homologada por sentença; as requeridas vêm permitido que a requerente e os seus irmãos vivam nas habitações existentes no prédio. As requeridas comunicaram à requerente que iriam vender o prédio e que tinha de desocupar a habitação onde vive. A venda do prédio não salvaguarda o direito de uso e habitação da requerente; o modo de salvaguardar o direito de uso e habitação da requerente passa por se determinar que as requeridas procedam à divisão prévia do prédio e, somente após essa prévia divisão de coisa comum poderão vender cada uma das partes individualizadas respeitando os direitos previamente constituídos.
2- Por despacho de 05/03/2025, foi convidada a requerente a esclarecer se apenas uma das requeridas pretendia vender o prédio e, esclarecer com base em que direito real funda a sua pretensão.
3- A requerente respondeu que ambas as requeridas pretender vender o prédio; baseia a sua pretensão cautelar no direito real de uso e habitação que lhe foi concedido na transacção homologada judicialmente.
4- Com data de 06/03/2025, foi proferido decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar, com o seguinte teor decisório:
“Por todo o exposto e ao abrigo do disposto nos artºs.226º, nº.4, al. b) e 590º, nº.1 ambos do CPC, indefiro liminarmente o requerimento inicial e, em consequência, absolvo as requeridas da instância.”
A 1ª instância fundamentou a sua decisão – para além de elencar factos do requerimento inicial – escrevendo:
“Dispõe o artº.362º, nº.1, do CPC, que quando "...alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado". Características fundamentais dos procedimentos cautelares, e com relevância para a presente análise, são o da aparência do direito e a do periculum in mora, isto é, para o decretamento das providências basta que sumariamente se conclua pela séria probabilidade da existência do direito invocado (aparência do direito) e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação (perigo de insatisfação desse direito). Ora, desde já se refere não ter a requerente alegado factualidade que permita aferir da existência aparente do direito que invoca…e isto passando por cima da circunstância de o acordo alcançado e homologado no processo 2039/10.9TBPDL ter sido assinado por CC que, na realidade não se sabe se corresponde a qualquer uma das requeridas que estão identificadas como BB e CC. Como ressalta do artº.1305º do CC o direito de propriedade atribui ao proprietário e ao comproprietário por aplicação do que decorre do artº.1405º do CC, o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, de fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas, impondo-se, desta forma erga omnes. Na compropriedade, como já se apontou, essas atribuições cabem, conjuntamente, aos comproprietários. Nos termos da lei, artº.1306º, não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei e toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional. Aqui chegados…das normas citadas, logo vemos que o proprietário ou comproprietário não pode, salvo nos casos apontados na lei, ser impedido ou condicionado quanto ao destino que quer dar ao seu bem…nem podendo os comproprietários, que pretendam manter a compropriedade, serem forçados a darem-na por finda, tal como decorre do artº.1412º do CC, no qual é atribuída a faculdade de divisão exclusivamente aos consortes. Doutra banda o direito que a requerente reclama não é um direito real porque a isso se opõe a letra do artº.1306º do CC…pois, a ser direito real, haveria de estar registado e com esse registo garantir-se o direito de sequela, ou seja, o adquirente do bem haveria de recebê-lo devidamente onerado por esse direito, coisa que não existe. Assim…o direito a requerente é um direito obrigacional e, como tal, impeditivo de levar ao deferimento de qualquer um dos pedidos formulados. Para lá disso, sendo um direito obrigacional, quadra-se na previsão do artº.1129º do CC…porque, efetivamente a requerente obteve de uma das requeridas a casa onde habita para dela se servia, de forma gratuita e sempre com a obrigação de a restituir àquela findo o contrato como resulta da al.h) do artº.1135º do CC. Não se diga que a requerente não tinha o dever de restituir a coisa porque ela foi-lhe entregue sem prazo…porque para resolver essa questão temos o que decorre do artº.1137º do CC. Aqui chegados e com base no que se de apontar, logo vemos quer a requerente não tem, nem um assomo, do direito real que com a providência quer garantir, tal como não podem, por impossibilidade legal, serem deferidos. Do que se mencionou resta concluir que o pedido é manifestamente improcedente.”
5- Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1ª- O Tribunal a quo indeferiu a providência cautelar requerida com base na ausência de
um direito real da Apelante, bem como na liberdade das Apeladas em alienar o imóvel sem divisão prévia.
2ª- O direito de uso e habitação da Apelante foi constituído através de transação judicial
homologada por sentença, vinculando pelo menos uma das comproprietárias.
3ª- O registo predial não é constitutivo do direito de uso e habitação, sendo este plenamente válido e eficaz mesmo sem registo.
4ª- A alienação do imóvel sem prévia divisão da coisa comum coloca em risco imediato o direito da Apelante.
5ª- A decisão recorrida viola o princípio da boa-fé e da segurança jurídica.
6ª- A alienação total do imóvel não pode ocorrer sem que os direitos e obrigações preexistentes estejam devidamente acautelados.
7ª- A alienação do imóvel não pode ser usada como meio de escapar ao dever de divisão da coisa comum, de modo a evitar que uma das comproprietárias se desfaça do bem sem garantir o acordo alcançado entre a apelante e uma das comproprietárias,
8ª- Acordo esse que, segundo alegado em 14. ° e 15. ° da petição inicial, a outra comproprietária sempre teve conhecimento do mesmo e nunca exerceu qualquer ato contrário ao direito da apelante reconhecido no âmbito do tal acordo, facto que comprova o seu reconhecimento desta situação consolidada.
9ª- A divisão da coisa comum é condição prévia para uma alienação válida e eficaz do imóvel, garantindo que todas as partes envolvidas possam exercer os seus direitos de forma plena.
10ª- A venda do imóvel sem que o obrigado a respeitar o direito à habitação que por sentença constituiu excede os limites impostos pela boa fé e, como tal, viola o artigo 334.°, do Cód. Civil,
11ª- O artigo 1412.° do Cód. Civil não pode ser interpretado no sentido de, ao permitir que nenhum dos seja obrigado a permanecer na indivisão, a divisão seja feita com violação de acordos pré-existentes.
12ª- Para que esta providência seja decretada basta a alegação e prova (sumária, porque estamos ainda na providência cautelar), que foi feita, que existe o direito da apelante de habitar na moradia e que ambas as comproprietárias dele têm conhecimento e com ele se
conformam.
13º- Trata-se de uma situação verdadeiramente excecional pois a venda está iminente e, face à matéria de facto alegada e à prova que será produzida, é absolutamente necessário
decretar esta providência cautelar para garantir o efeito útil da sentença condenatória a ser proferida numa ação principal.
14ª- A sentença recorrida viola os artigos 1412. ° e 1484. °, do Cód. Civil, e 5. ° do Código
do Registo Predial.
Termos em que deve ser proferida decisão que defira a providência cautelar requerida, impedindo-se a alienação do imóvel sem a prévia divisão e sem respeito pelo direito de uso e habitação da apelante.
6- Notificadas para o efeito, as requeridas contra-alegaram, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Recorrente interpôs recursou da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial da providência cautelar contra as ora Recorridas.
2. A douta sentença proferida não merece qualquer censura, como veremos.
3. Para que seja decretada providência cautelar não especificada, nos termos do artigo 362.º do CPC, é necessário que exista um fundado receio de que outrem cause lesão grave ao seu direito.
4. As Recorridas são as únicas proprietárias do prédio misto, constituído por 9.154 m2 de terra, sito na ..., na freguesia de Rosto do Cão (São Roque), concelho de Ponta Delgada, descrito na conservatória do registo predial de Ponta Delgada sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz, quanto à parte rústica sob artigo ..., tudo conforme consta da certidão permanente e caderneta predial que contam dos presentes autos.
5. O direito que a Recorrente se arroga é o direito real de uso e habitação, que segundo aquela foi adquirido por acordo no âmbito do processo judicial n.º 2039/10.9TBPDL, onde somente uma das proprietárias, ora Recorrida BB, cedeu uma das habitações para aquela habitar.
6. O acordo referido nunca poderia ser subscrito somente por uma das comproprietárias, por falta de legitimidade, pelo que o mesmo é nulo.
7. A Recorrente não é titular de nenhum direito real sobre o prédio.
8. Ainda que não se considere, sempre se dirá que aquele direito real nunca foi registado pelo que, no limite, nos termos do artigo 5.º n.º 1 do CRP, não poderá produzir efeitos contra terceiros adquirentes.
9. Assim, mesmo que o imóvel seja vendido, o alegado direito de que a Recorrente se arroga nunca poderá ser respeitado.
10. Também como é referido na douta sentença proferida pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 1306.º do CC, não é permitida a constituição, com caráter real de restrições ao direito de propriedade e todas as restrições que não estejam em conformidade com a lei e que resultem de negócio jurídicos têm natureza obrigacional.
11. As Recorridas não podem ser obrigadas a cessar a compropriedade, nem tão pouco a Recorrente pode obriga-las, pois não tem legitimidade, nos termos do artigo 1412.º do CC.
12. Acresce que mesmo que por mera hipótese fosse interposta uma ação de divisão de coisa comum, se o prédio for indivisível, com a possível venda, o direito alegado pela Recorrente não poderia ser respeitado, pois não é oponível a terceiros.
13. Assim, não pode ser decretada a providência cautelar naqueles termos pois a mesma seria ilegal
14. Face ao exposto deve ser mantida a sentença do douto tribunal a quo, por não merecer qualquer censura.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve negar-se provimento ao presente recurso, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida.
*** II- FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar o despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar.
*** 2- Factos Relevantes:
Para além da factualidade referida no RELATÓRIO acima, consideram-se ainda provados os seguintes factos, constantes de documentos e não impugnados pelas requeridas:
a)-Pela Ap. 30 de 2007/03/21, mostra-se registada a aquisição, por partilha, a favor de CC e de CC, do prédio misto, sito em ..., com área de 9154 m2, descrita na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº...6.../1986, freguesia de Rosto de Cão.
b)- No Processo 2039/10.9TBPDL, entre a requerente, AA e CC, foi celebrado acordo do qual consta, além do mais:
“A A desiste do pedido de pagamento da quantia de 11 250€ e juros de mora;
Em contrapartida…a R cede, sem ónus e encargos, à A uma das habitações construídas no interior do prédio misto sito na ... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº .../São Roque, para esta usar e habitar.”
c)- Esse acordo terá sido homologado por sentença.
*** 3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar o despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar.
Como vimos acima, a 1ª instância indeferiu liminarmente o procedimento cautelar, argumentado, em síntese que:
- São pressupostos do procedimento cautelar comum: a aparência do direito e o periculum in mora;
- Os comproprietários não podem ser forçados a por fim à compropriedade e somente eles têm legitimidade para optarem pela divisão;
-O direito que a requerente reclama não é um direito real porque não se mostra registado, sendo antes um mero direito obrigacional de comodato e a comodante está obrigada a restituir a coisa.
Já a requerente/apelante defende, em síntese:
- Ter um direito real de uso e habitação constituído por transacção homologada judicialmente;
- A alienação do imóvel sem a prévia divisão coloca em causa o direito da requerente a continuar a habitar a casa;
- A divisão da coisa comum é condição prévia para a alienação válida e eficaz do prédio.
Será assim? A principal questão que se coloca é a de saber se a requerente pode ser tida como titular de um direito real de habitação, relativa a uma concreta habitação construída no prédio.
Adiantando, diremos que a resposta é negativa.
Na verdade, está foram de dúvida que as requeridas são comproprietárias do prédio: isso resulta directamente da certidão do registo predial do prédio e, é pacificamente aceite pelas partes.
Em termos simples, resulta da noção de compropriedade do artº 1403º nº 1 do CC que ela existe quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa; e que os direitos dos comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais; e, na falta de indicação em contrário do título constitutivo, presume-se que as quotas dos comproprietários são quantitativamente iguais (1403º nº 2). Relativamente à prática de actos, pelos consortes sobre a coisa, há certa categoria de actos relativamente aos quais a lei exige a unanimidade dos comproprietários.
Assim, de acordo com o artº 1412º nº 1, 2ª parte, do CC, o comproprietário “…não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar ou onerar parte especificada da coisa comum.”.
E a lei especifica qual a consequência, para a alienação ou oneração, sem acordo unânime de todos os consortes, de parte especificada da coisa: “…é havida como oneração ou disposição de coisa alheia.”
Compreende-se que assim seja: nenhum dos comproprietários tem um direito real próprio sobre parte especifica da coisa comum visto que os direitos de todos se têm por qualitativamente iguais e se presumem, na falta de título em contrário, como quantitativamente iguais.
A ser assim, a alienação ou oneração de parte especifica da coisa sem o consentimento unânime de todos os comproprietários afecta a própria essência da coisa e, não conduz à sua divisão. Antes, tem como consequência a aplicação do regime de venda ou oneração de bem alheio (artº 1408º nº 2 do CC): a venda ou oneração de bens alheios é nula conforme estatuem os artº 892º e 956º do CC. (Cf. Elsa Sequeira Santos, CC anotado, AAVV, coord. Ana Prata, 2017, pág. 220).
De resto, já Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, Vol. III, 2ª edição, 1984, pág. 365) assim entendiam: “Equiparando, porém, a disposição ou oneração de parte especificada de coisa comum, sem consentimento dos consortes, à disposição ou oneração de coisa alheia, o novo Código Civil acabou por considerar esses actos não apenas anuláveis ou nulos, mas ineficazes em ralação aos restantes condóminos.”.
No mesmo sentido, Bonifácio Ramos (Manual de Direitos Reais, 2017, AAFDL, pág. 341) “No que respeita à disposição ou oneração de parte especificada da coisa, o comproprietário necessita de consentimento dois restantes consortes, sob pena de nulidade, nos termos do artº 1408 CC”.
Carvalho Fernandes (Lições de Direitos Reais, 4ª edição, 2006, pág. 345) “O valor dos actos de disposição ou de oneração praticados por algum dos consortes, com violação da norma contida na segunda partes do nº 1 do artº 1408º, vem fixada no nº 2 do preceito. Determina-se aí a subordinação de tais actos ao regime de disposição ou oneração de coisa alheia (…) comina a primeira parte do artº 892º a nulidade do acto, por falta de legitimidade do alienante. A moderna doutrina portuguesa vem, porém, entendendo, sem discrepância de vulto, ser essa nulidade restrita às relações entre as partes. No que respeita ao verdadeiro titular – in caso os restantes comproprietários – a alienação é ineficaz.”
Ora, transpondo estas considerações e ensinamentos para o caso dos autos, é fácil concluir que a concessão, apenas por uma das comproprietárias, sem consentimento da outra comproprietária, do direito de habitação sobre uma das habitações construídas no prédio constitui uma oneração de parte especificada de imóvel comume, por conseguinte, essa oneração pelo direito de habitação da casa é nula e, de resto, ineficaz em relação à outra comproprietária que não interveio no acto. O mesmo é dizer que a requerente não é titular de um direito de habitação sobre casa existente no prédio.
Tanto basta para considerar que as pretensões cautelares solicitadas pela requerente são manifestamente improcedentes.
Acrescentem-se mais duas notas. Primeira. O direito de exigir a divisão é um direito inerente à qualidade de comproprietário: apenas cada um dos consortes tem direito a não permanecer na indivisão (artº 1412º do CC). A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes e, por isso, o direito de exigir a divisão é exclusivo de cada comproprietário e apenas pode ser exercido em face de todos os restantes. Isto, quer se trate de divisão extrajudicial, quer de divisão judicial.
Facilmente se percebe que a requerente, não sendo comproprietária, não pode requerer a divisão da coisa; nem, tem poder para obrigar os comproprietários a procederem á divisão. Segunda.
O pedido deduzido na al. b) do petitório - caso a alienação vier a ocorrer, seja reconhecida a ineficácia da transmissão em relação à requerente, impedindo-se que o novo adquirente possa promover a sua desocupação – jamais poderia ser concedido pela simples razão de não se poder impor a um terceiro (que, de resto se desconhece quem possa ser) que se abstenha da prática de um acto sem que a acção ou o procedimento seja contra ele dirigido.
A esta vista, resta concluir que o recurso improcede.
Finalmente. É de manter a decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar, mas, sem que se “absolvam as requeridas da instância” pela singela razão de, aquando do indeferimento liminar, ainda não existem partes passivas (artº 259º nº 2 do CPC).
*** III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantêm a decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar. Custas na fase de recurso, pela apelante, por ter decaído totalmente.
Lisboa, 24/04/2025
Adeodato Brotas
Anabela Calafate
João Paulo Brasão