INVENTÁRIO
TAXA DE JUSTIÇA
COMPROVATIVO DE PAGAMENTO
APOIO JUDICIÁRIO
LITISCONSÓRCIO
Sumário

1- A petição inicial que não seja acompanhada pelo comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida ou do comprovativo da concessão de apoio judiciário deverá ser recusada pela secretaria.
2- Mas, se no formulário junto com a petição inicial, que tem três requerentes, se mencionar que as duas primeiras requerentes têm apoio judiciário e na própria petição inicial se mencionar que são juntos, no plural, os comprovativos de pedido de apoio judiciário, sendo afinal junto apenas o comprovativo de concessão de apoio judiciário relativo à primeira requerente, após distribuição, deverá o tribunal, ao abrigo do artigo 6º do CPC, notificar os requerentes para esclarecer se os demais têm ou não apoio judiciário e, sendo junto o comprovativo do apoio judiciário relativo à segunda requerente, concedido antes da propositura da acção, deverá atender-se ao mesmo, por cumprir o disposto no artigo 18º nº2 da Lei 34/2004 de 29/7, o qual impõe que o apoio judiciário seja requerido antes da primeira intervenção processual.
3- No caso de litisconsórcio, nos termos do artigo 530º nº4 do CPC, deverá ser o litisconsorte que figura como parte primeira a pagar a totalidade da taxa de justiça, sem prejuízo do direito de regresso sobre os litisconsortes, mas, se o mesmo beneficiar de apoio judiciário, a obrigação de pagamento não se transmite para o primeiro litisconsorte que tem apoio judiciário.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO.
D…, L… e M… intentaram acção especial de inventário para partilha de bens da herança aberta por óbito de MJ…, alegando, em síntese, que são herdeiros habilitados do falecido, mas não lograram obter acordo para partilha devido à oposição de uma outra herdeira habilitada. Concluíram com o pedido de partilha judicial.
Foi proferido despacho que, constatando que não foi junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça e que apenas foi junto o deferimento do pedido de apoio judiciário relativamente à requerente D… e entendendo que, nos termos do artigo 530º nº4 do CPC, caberia à requerente L… o pagamento da taxa de justiça, concluiu com o seguinte dispositivo:
“(…) Notifique, assim, os requerentes do presente despacho e de que deverão juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias, sob pena de o Tribunal assacar as consequências processuais da omissão daquele pagamento por parte do autor, mais esclarecendo que não terá o efeito de dispensa do pagamento dessa taxa de justiça qualquer pedido de apoio judiciário dos demais requerentes que seja agora efectuado ou invocado (ainda que tenha data de apresentação anterior, contemporânea ou posterior à da apresentação do requerimento inicial)”.
Notificados os requerentes, veio a autora L… juntar comunicação da Segurança Social, datada de 10/2/2023, de deferimento de apoio judiciário que lhe foi concedido antes da data da entrada da presente acção em juízo, alegando que não dispõe de meios de pagamento da taxa de justiça e que foi feita indicação no formulário da isenção de isenção/deferimento do apoio judiciário para ambas as requerentes, requerendo que seja reconsiderada a decisão proferida no despacho anterior, atendendo-se ao deferimento do apoio judiciário que já lhe foi concedido e prosseguindo o processo os seus trâmites legais.
Sobre este requerimento recaiu despacho entendendo que, existindo desconformidade quanto à ordem dos requerentes entre o que consta no formulário inicial e o que consta no requerimento inicial, deveria essa desconformidade ser corrigida nos termos do nº3 do artigo 7º da Portaria nº280/2013 de 26/8 e também que, não tendo o requerente M… junto qualquer documento de deferimento de apoio judiciário, sempre haveria de ser paga a taxa de justiça por este requerente, por força do disposto no artigo 530º nº4, caso se viesse a considerar o deferimento junto pela requerente L…. Concluiu então com a seguinte decisão:
“(…) Destarte, notifique-se os requerentes para, em 10 dias:
A. Corrigirem a desconformidade entre o formulário e o requerimento inicial, nos termos do disposto no artigo 7º nº3 da Portaria nº280/2013 de 26 de Agosto
B. Efectuarem o pagamento da taxa de justiça inicial com acréscimo de multa de igual montante, com o limite máximo de 5 UC (como é o caso dos presentes autos), nos termos do disposto o artigo 570º, nº3 do Código de Processo Civil”.
Na sequência deste despacho foi emitida guia em nome da requerente L…, para pagamento da taxa de justiça acrescida da multa nos termos determinados.
Notificados deste despacho, vieram os três requerentes corrigir a desconformidade do formulário no sentido de a ordem dos requerentes ser a que consta na petição inicial, ou seja, primeiro a autora D…, em segundo lugar a autora L… e em terceiro lugar o autor M…, requerendo a respectiva rectificação pela secretaria.
Requereram ainda que a guia que foi emitida em nome da requerente L…, fosse rectificada e emitida em nome do requerente M…, mais pedindo este requerente que, devido às suas dificuldades que descriminou e ao valor da guia – 1 020,00 euros – fosse reconsiderado o valor da multa atribuída, sendo que iria reunir o valor do pagamento da taxa de justiça até ao dia 29 do presente mês e, caso tal não fosse concedido, que fosse deferida a possibilidade de realizar o pagamento total da guia em três prestações.
Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:
Vêm os autores requerer a emissão de nova guia a favor do requerente M…, informar que irão reunir o valor para pagamento da taxa de justiça devida até dia 29 do mês de fevereiro, bem como solicitar que seja reconsiderado o valor da multa ou, em alternativa, o pagamento total da guia em 3 prestações.
Cumpre apreciar.
Conforme despacho de 20.10.2023, relativamente ao facto de apenas ter sido junto comprovativo de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo quanto à requerente D…, foi determinado que “não terá o efeito de dispensa do pagamento dessa taxa de justiça, qualquer pedido de apoio judiciário dos demais requerentes que seja efetuado ou invocado (ainda que tenha data de apresentação anterior, contemporânea ou posterior à da apresentação do requerimento inicial)”, razão pela qual foi emitida guia a favor de L…, que figura como segunda requerente nos presentes autos.
Por outro lado, o valor da multa aplicada resulta do disposto no artigo 570.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e inexiste previsão legal para o seu pagamento em 3 prestações.
Face ao exposto, indefere-se o requerido.
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Não se verificando comprovado qualquer pagamento, notifique nos termos e para os efeitos do artigo 570.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, com acréscimo de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
Se o A. nada fizer, então será ponderado se o efeito será o de aguardarem os autos que o faça, sem prejuízo do prazo de deserção da instância, ou eventualmente, o desentranhamento da pi.
Notifique”.
Na sequência deste despacho foi emitida nova guia em nome da requerente L…, para pagamento da taxa de justiça acrescida de multa, nos termos determinados.
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Inconformada, a autora L… interpôs recurso juntando documentos e alegou, formulando as seguintes conclusões:
49. Apresentadas as Motivações pela apelante, a mesma entende que o tribunal ad quo procedeu erradamente ao desconsiderar o seu apoio judiciário, já comprovado nos autos;
50. Se existiam dúvidas relativamente ao deferimento ou não do referido apoio judiciário, deveria o tribunal ad quo notificar a apelante para vir nos autos comprovar o alegado no formulário inicial apresentado
51. Sendo que conforme indica o próprio tribunal ad quo, (...) em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários (sendo que no mesmo conta claramente a indicação do deferimento do apoio judiciário), cfr. disposto no artigo 7.º, n.º 2 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, (sublinhado nosso).
52. Ora se tem tal entendimento relativamente a alguns dos conteúdos inicialmente apresentados, qual a justificação para não aceitar o indicado no mesmo formulário, relativamente ao deferimento do apoio judiciário da ora apelante?!!
53. Isto porque, conforme se poderá constar do formulário inicialmente apresentado, a indicação de que a ora apelante tem isenção do pagamento da taxa de justiça.
54. Igualmente carece de fundamento o alegado pelo tribunal ad quo, quando afirma (sem justificação) que não terá o efeito de dispensa do pagamento dessa taxa de justiça, qualquer pedido de apoio judiciário dos demais requerentes que seja agora efetuado ou invocado (ainda que tenha data de apresentação anterior, contemporânea ou posterior à da apresentação do requerimento inicial). Sublinhado nosso.
55. Igualmente conforme entendimento direto e expressivo, do Tribunal da Relação do Porto a definição do obrigado ao pagamento não pode estar dependente do acaso ou à aleatoriedade de se estar posicionado em 1º, 2º ou 3º lugar e muito menos à regra de “se o 1º não pagar, paga o segundo… e assim sucessivamente”. Dir-se-á que, a não ser assim, isso permite a manipulação da tributação, levando a que se coloque em 1º lugar, a encabeçar o articulado, exatamente a pessoa que beneficia de apoio judiciário, levando a que os restantes litisconsortes nada paguem também.
E, há que o assumir, efetivamente tal pode acontecer. Mas, entendemos, o legislador assim o quis. Não podendo ignorar a existência de isenções e dispensas de pagamento de taxas, ter-lhe-ia bastado prevenir essa situação no nº 4º do art.º 530º do CPC. (sublinhado e negrito nosso).
56. Considera ainda a apelante que não está de todo a ser cumprido o princípio da economia processual.
Vejamos:
57. De acordo com o princípio da economia processual entre duas alternativas, se deve escolher a menos onerosa às partes e ao próprio Estado. Sendo evitada a repetição inconsequente e inútil de atos procedimentais, a concentração de atos em uma mesma oportunidade é critério de economia processual.
58. Ora foram proferidos vários despachos e em nenhum o tribunal ad quo solicitou concretamente esclarecimentos relativamente à indicação do deferimento do apoio judiciário relativamente à apelante.
59. O tribunal ad quo se limitou a solicitar o pagamento da taxa de justiça e mesmo tendo sido feita a prova do deferimento, preferiu recusar a existência do mesmo e proferir condenações sucessivas em multa.
60. Igualmente o direito à proteção jurídica da ora apelante está a ser violado, uma vez que teve o deferimento do apoio judiciário, no entanto apesar de comprovar o mesmo nos autos logo no início do processo, o tribunal ad quo mantém o entendimento de recusa do referido apoio sem qualquer fundamento legal.
61. Sendo que com tal recusa, a principal prejudicada é a ora apelante que está a ser condenada em sucessivas multas.
62. Em suma, entende a ora apelante que o tribunal ad quo agiu mal em recusar o referido apoio judiciário, bem como agiu mal quando a condenou em sucessivas multas pelo não pagamento da taxa de justiça, uma vez que a mesma efetivamente se encontra isenta de tal pagamento.
Nestes termos e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, deverá ser dado provimento ao recurso interposto com procedência das Motivações e Conclusões de apresentadas, com alteração do despacho recorrido, devendo ser considerada válida e legitimo o deferimento do apoio judiciário a favor da ora apelante, sendo ainda anuladas as sucessivas multas emitidas pelo tribunal ad quo contra a mesma, bem como e em conformidade com o entendimento do Tribunal da Relação do Porto, as demais custas serem exigidas no final do processo, prosseguindo assim os autos os seus tramites.
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Não existem contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
As questões a decidir são:
I) Documentos juntos pela apelante.
II) Se deverá ser atendido o deferimento de apoio judiciário à 2ª autora, ora apelante.
III) Se estará o terceiro autor obrigado a pagar a taxa de justiça inicial.
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FACTOS.
Os factos a atender são os que constam no relatório deste acórdão e ainda:
- No formulário entregue com a petição inicial os autores, no quadro “Custas judiciais”, indicaram, a seguir aos nomes das autoras L… e D…, “Taxa de justiça-Isenção do pagamento” e, a seguir ao nome do autor M…, “Taxa de justiça-Dispensa de pagamento prévio” e, no quadro “Requerente”, indicaram, a seguir à identificação de cada uma das autoras L… e D…, “Apoio jud.-Dispensa total”, nada indicando a seguir à identificação do autor M….
- Na petição inicial os autores declararam juntar três documentos e comprovativos dos pedidos de apoio judiciário, tendo juntado assento de óbito do falecido MJ…, escritura de habilitação de herdeiros e participação da transmissão à AT, juntando também uma comunicação da Segurança Social, datada de 10/2/2023, de deferimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos à autora D….
- A comunicação da Segurança Social que a requerente veio a juntar posteriormente, que lhe deferiu o apoio judiciário tinha igualmente a data de 10/2/2023 e o apoio concedido foi de dispensa de taxa de justiça e demais encargos.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Documentos juntos pela apelante.
Com as alegações de recurso, a apelante juntou três documentos.
Dois deles são cópias de documentos já juntos aos autos (comunicação da Segurança Social que deferiu o apoio judiciário à apelante na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e a segunda guia emitida em nome da apelante para pagamento da taxa de justiça e a multa agravada), pelo que não há que os admitir.
O terceiro documento, com a data de 19 de Setembro de 2016, parece visar demonstrar as dificuldades económicas do terceiro requerente. Contudo, além de estar em língua inglesa e não traduzido, este documento não é relevante para o presente recurso, pois nas conclusões das alegações, oferecidas apenas pela segunda requerente, não é pedida a revogação da decisão recorrida na parte em que foi indeferido o pagamento da taxa de justiça inicial em prestações, não se podendo, por outro lado, atender à situação económica para dispensa da taxa de justiça do terceiro requerente fora do âmbito do apoio judiciário. Não se admite, pois, este documento.
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II) Se deverá ser atendido o deferimento de apoio judiciário à 2ª autora, ora apelante.
Nas suas alegações de recurso, a apelante pretende que seja atendido o benefício de apoio judiciário, nomeadamente para efeitos do não pagamento da taxa de justiça cujo comprovativo é exigido aquando da apresentação da petição inicial.
Como impõe o artigo 552º nº7 do CPC, deverá o autor juntar com a petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida, ou a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa do mesmo, estatuindo o artigo 558º alínea f) do CPC que a petição deverá ser rejeitada pela secretaria quando não for comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário.
No caso dos autos a petição inicial não foi rejeitada na secretaria, sendo certo que não foi acompanhada do comprovativo de pagamento da taxa de justiça e só foi junto comprovativo de concessão do apoio judiciário relativamente à autora D… e não relativamente aos restantes autores.
O artigo 560º do CPC, faculta ao autor a possibilidade de poder apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 588º (comprovativo do pagamento da taxa) dentro dos 10 dias subsequentes à rejeição ou à distribuição da petição inicial, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira foi apresentada em juízo.
Contudo, na redacção actual, introduzida pelo DL 97/2019 de 26/7, o benefício do artigo 560º passou a ter aplicação apenas às causas que não importem a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial tenha sido apresentada nas formas previstas nas alíneas a) a c) do nº7 do artigo 144º do CPC, ou seja, através de entrega na secretaria judicial ou de remessa pelo correio de registo, pelo que não tem aplicação no presente caso, pois a petição inicial foi apresentada electronicamente através de mandatária constituída.
Por seu lado, o artigo 145º do CPC, no seu nº1, manda que, quando a prática de um acto processual exigir o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deverá ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício de apoio judiciário, excepto se, neste último caso, essa concessão já se encontre comprovada nos autos.
Manda ainda este artigo 145º, no seu nº3, que, sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no nº1 ou da concessão do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequente, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º do CPC (nº3).
Deste modo, prevê o artigo 145º nº3 uma diferença de tratamento entre a apresentação da petição inicial, ao ressalvar a imposição de recusa da mesma pela secretaria, e entre a apresentação das demais peças processuais, em que não é imposta a recusa pela secretaria e às quais é aplicável o regime do artigo 570º do CPC, que regula a apresentação da contestação e admitindo-se a peça processual mediante pagamento da taxa de justiça devida acrescida de multas e só impondo o desentranhamento se não for paga a taxa acrescida das multas.
No âmbito da anterior redacção do artigo 560º do mesmo CPC, (que antes do DL 97/2029 tinha aplicação a todas as causas, sem restrição), a jurisprudência vinha entendendo de forma consistente ser o referido artigo 570º aplicável por analogia à apresentação da petição inicial, quando esta não era rejeitada pela secretaria.
Com a nova redacção do artigo 560º a jurisprudência tem-se dividido.
Numa corrente jurisprudencial, tem-se entendido que, se a petição inicial não cumprir os requisitos do artigo 552º nº7 e não for rejeitada pela secretaria nos termos do artigo 558 f) sendo distribuída, deverá ser extinta a instância, com a absolvição do réu da instância, no despacho liminar, face à imperatividade destas normas – mas já não no despacho pré-saneador do artigo 590º, convidando-se, nesse caso, o autor para corrigir a irregularidade, face ao princípio da economia processual e da tutela da confiança, só sendo extinta a instância com a absolvição da instância se a mesma não for corrigida (cfr ac. RP de 17/4/2013, p. 12988/22 e jurisprudência e doutrina aí citada, em www.dgsi.pt).
Noutra corrente jurisprudencial, manteve-se o entendimento de que deverá continuar a ser aplicado o regime do artigo 570º do CPC por analogia, ou então, não se aplicando o artigo 570º, de que se deverá notificar o autor para apresentar o comprovativo em falta, sob pena de desentranhamento da petição inicial, tendo em atenção que a parte não deverá ser penalizada pela erro da secretaria em não admitir a petição inicial (ac. RL de 1/2/2023, p. 148/22 e jurisprudência aí citada, também em www.dgsi.pt).
Independentemente da posição a adoptar, no caso dos autos, tendo sido recebida e distribuída a petição inicial, haveria que atender ao facto de os requerentes terem indicado no formulário que estavam isentos de pagamento (no local reservado a custas judiciais, embora com redacção diferente quanto às duas primeiras requerentes e quanto ao terceiro requerente) e terem indicado ainda que as duas primeiras requerentes beneficiavam de apoio judiciário (no local reservado à identificação dos requerentes).
Acresce que, no final da petição inicial, os autores declararam que, para além de três documentos – que efectivamente juntaram – juntavam ainda, no plural, os comprovativos dos pedidos de apoio judiciário – tendo, porém, junto apenas uma decisão de concessão efectiva de apoio judiciário da requerente D….
Perante estas declarações constantes no formulário e na petição inicial e ao facto de, contraditoriamente, ter sido junto apenas um comprovativo de concessão de apoio judiciário, cabia ao tribunal, antes de decidir sobre a aplicação das normas quanto à eventual responsabilidade de pagamento da taxa de justiça e eventuais sanções acrescidas, esclarecer esta imprecisão e apurar quem afinal beneficiava de apoio judiciário, promovendo, no uso do dever de gestão processual previsto no artigo 6º do CPC, as diligências necessárias para o efeito, ordenando notificação dos requerentes para esclarecerem se os restantes requerentes beneficiavam ou não de apoio judiciário.
Esta notificação não foi ordenada, tendo sido ordenado a notificação para pagamento da taxa de justiça em dez dias, ainda sem cominação de sanção.
Notificada deste despacho, a requerente L… veio juntar a comunicação da Segurança Social com o deferimento do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, com data de 10/2/2023, ou seja, com a mesma data da decisão relativa à requerente D…, anterior à propositura da acção.
Sendo assim, terá de se atender ao benefício de apoio judiciário também deferido à requerente L…, deferimento este igualmente anterior à propositura da acção, na mesma modalidade de dispensa de taxa de justiça e que cumpre o imposto pelo artigo 18º nº2 da Lei 34/2004 de 29/7, no sentido de que o apoio judiciário deverá ser requerido antes da primeira intervenção processual.
Não está, pois, a apelante obrigada a proceder ao pagamento de qualquer das duas guias que foram emitidas em seu nome para pagamento da taxa inicial e multas acrescidas e que deverão ser dadas sem efeito.
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III) Se estará o terceiro autor obrigado a pagar a taxa de justiça inicial.
Para além do pedido de anulação das guias de pagamento emitidas em seu nome, a apelante defende – e termina as suas conclusões de recurso formulando pedido em conformidade – que apenas devem vir a ser exigidas a final as custas que forem devidas, não se devendo exigir o pagamento da taxa de justiça inicial, no caso de litisconsórcio como o dos autos, a quem, de entre os litisconsortes, não figurar na petição inicial como parte primeira.
A questão reconduz-se a saber se o terceiro requerente, que não tem apoio judiciário, está obrigado a pagar a taxa de justiça, uma vez que já está estabelecido que as duas primeiras requerentes estão dispensadas de o fazer, por lhes ter sido concedido tal benefício.
No presente caso estamos perante um litisconsórcio facultativo, pois o inventário pode ser requerido por qualquer dos herdeiros do falecido, não necessitando de ser intentado por todos, já que os restantes herdeiros terão necessariamente intervenção.
Sobre esta matéria, o artigo 530º do CPC estabelece, no seu nº1, que “A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, estatuindo, o seu nº4, que “Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes”.
O nº4 do artigo 530º tem sido objecto de duas interpretações diferentes, uma delas entendendo que está obrigado a pagar a totalidade da taxa de justiça o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial e não esteja dispensado do pagamento por beneficiar de apoio judiciário, do que resulta que, se o primeiro beneficiar de apoio judiciário, o responsável será o seguinte se não beneficiar de tal benefício e assim sucessivamente (cfr acs RE 14/3/2019, p. 378/18, RC 28/5/2019, p. 6770/18 e RG 23/11/23, p. 20/23, todos em www.dgsi.pt).
Já a outra interpretação entende que só o litisconsorte que figura como parte primeira na petição inicial é o responsável pelo pagamento da taxa, pelo que se o mesmo beneficiar de apoio judiciário, a responsabilidade não passa para o seguinte, interpretação esta que tem como fundamento que a obrigação do nº4 do artigo é uma obrigação tributária e, como tal, sujeita à respectiva tipicidade legal, não podendo a mesma ser transferida para outra pessoa que não seja a que está expressamente prevista na lei (ac. RP 26/1/2023, p.356/22, citado pela apelante e também em www.djsi.pt).
As partes responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça são aqueles que vêm indicados no artigo 528º do CPC – no caso do inventário os indicados no artigo 1130º do mesmo código – e nos artigos 529º, também do CPC, e 6º do RCP, segundo os quais “a taxa de justiça corresponde ao montante processual de cada interveniente”, sendo estas disposições legais que definem a obrigação dos litisconsortes.
Não acompanhamos, pois, o argumento do ac. RP de 26/1/23 citado pela apelante, porque não é o artigo 530º nº4 que define o responsável pelo pagamento da taxa de justiça, limitando-se este artigo, no caso de litisconsórcio, a fixar o critério de quem deverá proceder ao pagamento da taxa inicial pela qual são todos responsáveis, como resulta da salvaguarda do direito de regresso sobre os litisconsortes, pelo que a obrigação tributária respeita a todos os litisconsortes e não só àquele que é referido no referido nº4 do artigo 530º.
Contudo, a posição dos restantes acórdãos, da RE, RC e RG acima citados, ao entenderem que, se o primeiro litisconsorte beneficiar de apoio judiciário, a obrigação do pagamento da taxa de justiça passará para o primeiro litisconsorte que tem apoio judiciário, assume um carácter aleatório que deixa ao acaso a sanção processual a aplicar consoante estivermos perante um litisconsórcio facultativo ou perante um litisconsórcio obrigatório.
Com efeito, conforme acima se referiu, no presente caso estamos perante um litisconsórcio facultativo, porque o inventário pode ser intentado por qualquer dos interessados na partilha, não havendo razão pela qual, na falta de pagamento da taxa pelo litisconsorte que não tem apoio judiciário, a acção não possa prosseguir apenas relativamente às autoras que beneficiam desse benefício, mas já o mesmo não poderá ocorrer numa acção em que o litisconsórcio é obrigatório e em que o processo não prosseguirá sem a presença de todos os litisconsortes.
Não poderão, assim, os autores que, numa situação de litisconsórcio têm apoio judiciário, ficar dependentes de a acção prosseguir ou não consoante o litisconsórcio é facultativo ou obrigatório, havendo, pois, que interpretar o nº4 do artigo 530º como sendo a regra fixada pelo legislador para, quando há litisconsortes, definir quem pagará a taxa de justiça devida com a petição inicial, assumindo o risco de a mesma não ser paga nesse momento processual se os litisconsortes indicarem como parte primeira aquela que tem apoio judiciário, ficando a falta de pagamento da taxa acertada a final na conta de custas pela parte ou partes que vierem a ser consideradas responsáveis pelo pagamento.
Conclui-se, portanto, que o terceiro requerente não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça, não se lhe transmitindo a obrigação prevista no artigo 530º nº4 do CPC.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, devendo ser dadas sem efeito as guias de pagamento emitidas em nome da apelante e não se transmitindo o pagamento da taxa de justiça devida com a petição inicial para o terceiro requerente.
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Sem custas.
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2025-04-24
Maria Teresa Pardal
Jorge Esteves
Anabela Calafate