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EXECUÇÃO
REGULARIDADE DA INSTÂNCIA
EXCEPÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário
I. A verificação judicial da regularidade da instância não se esgota no momento inicial da execução, não ficando precludida com um eventual despacho liminar, ou sequer com a dedução de oposição, ou ausência desta, pelo que o Juiz pode, oficiosamente, fazer uso do disposto no art. 734º do CPC mesmo após a dedução de embargos ou oposição, desde que, por um lado, que a excepção seja de conhecimento oficioso, por outro lado, que resulte inequívoca dos autos. II. A extinção da execução em vista da norma comporta ainda um requisito temporal – só pode ocorrer até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados - “sacrificando” a norma a verificação de alguma excepção, que determinaria uma decisão formal, pelo interesse mais relevante e a que se destina a execução - a ressarcibilidade do crédito da exequente. III. A questão da natureza obrigatória/facultativa do reenvio prejudicial e suas excepções apenas assume cabimento se se verificar o pressuposto de intervenção do referido mecanismo, ou seja, quando se imponha a interpretação e aplicação de norma(s) da UE relevantes para o julgamento da causa. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
Com data de 29/12/2011, foi intentada a presente execução pelo Banco Espírito Santo, S.A.(actualmente Novo Banco, S.A.) contra BB e AA, constando do requerimento executivo que:
«1º No dia 05.02.2007, os executados e a exequente outorgaram escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qual os executados declararam ter recebido da exequente a quantia de 88.200,00 (oitenta e oito mil e duzentos euros)- cfr. certidão se junta como doc. 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2º Ainda por essa escritura os executados declararam constituir hipoteca para garantia do pagamento à exequente das dívidas anteriormente confessadas, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros.
3º A referida hipoteca recai sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao segundo andar, lado direito, do prédio urbano sito na Rua..., freguesia do Cacém e concelho de Sintra, inscrito na matriz sob o artigo 843, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o nº ....
4º Os executados comprometeram-se assim a reembolsar a exequente das quantias emprestadas, acrescida da taxa remuneratória contratualizada, mediante prestações mensais e sucessivas.
5º Mais tendo sido estipulado que o incumprimento de qualquer prestação, implicava o vencimento imediato de todas as restantes - cláusula 12ª do documento complementar anexo à escritura junta como doc. 1.
6º A hipoteca mencionada foi constituída com toda a plenitude legal, abrangendo quaisquer obras ou benfeitorias actuais ou que no futuro fossem realizadas no prédio.
7º Garantindo também, além do capital e dos juros, as despesas judiciais e extra-judiciais inerentes à acção ou à execução necessárias à eventual cobrança judicial.
8º Tendo ainda sido declarado que a hipoteca podia ser executada, reclamando através de tal execução o pagamento imediato de capital e juros que no momento estivesse em dívida, se não fosse cumprida qualquer das obrigações emergentes da escritura.
9º Sucede que o contrato de mútuo supra mencionado foi incumprido pelos executados, tendo a última prestação sido paga em 15.12.2010.
10º Assim, em relação ao contrato de crédito de financiamento para aquisição de imóvel mencionado está em dívida a quantia de € 81.688,05 a título de capital.
11º Ao capital acrescem os juros remuneratórios calculados à taxa de 2.304% entre 15.12.2010 e a presente data, os juros moratórios calculados à taxa de 2% entre 15.01.2011 e a presente data, e o imposto de selo sobre os juros, à taxa de 4% nos termos do Ponto 17.3.1 da TGIS, o que totaliza a quantia de € 3.839,32.
12º A hipoteca encontra-se devidamente registada, conforme se pode verificar através da certidão permanente a que corresponde o código de acesso PP-...4...-2177, acessível através do website www.predialonline.pt (Doc. 2)
13º A liquidação dos juros vincendos devidos até à data do efectivo e integral pagamento, deverá ser feita, a final, pela secretaria, nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 2 do C.P.C..
14º Pelo exposto, a exequente é credora do valor global de € 85.527,37 (oitenta e cinco mil quinhentos e vinte sete euros e trinta e sete cêntimos).
15º A dívida é certa, líquida e exigível.».
Os executados foram citados em 29.02.2012 (cf. comunicação de 01.03.2012), e não deduziram oposição à execução.
Com data de 06/08/2021, a executada AA e a exequente juntaram acordo de pagamento em prestações.
Incumprido tal acordo e efectuadas penhoras (entre as quais: a penhora do imóvel hipotecado, do vencimento da executada AA, bem como um depósito bancário da mesma) e na sequencia das penhoras foram, além do mais, feitos pagamentos à exequente.
Com data de 18/08/2021, foi notificada a extinção da instância, “nos termos do art.º 806.º e alínea f), do n.º 1, do art.º 849.º ambos do CPC.”
Arquivados os autos, com data de 31/01/2025, veio a executada juntar procuração forense. Com data de 1/02/2025, a executada AA, veio dizer “que nunca tendo sido citada e nunca tendo constituído Advogado, o que era obrigatório por força do artº 32º e 60º do Código de Processo Civil”, veio arguir a nulidade da presente execução com base na preterição da excepção dilatória do PERSI, pedindo que: “Termos em que, por se tratar de questão concreta de conhecimento oficioso, deve a presente arguição de nulidade de preterição do PERSI, incluindo a falta de constituição de advogado, serem conhecidas, declarando-se a extinção da instância executiva e o consequente cancelamento da penhora e da hipoteca bem como das vendas já referida inclusive da hipoteca a favor do BPI com reflexos no processo nº 14082/24.6T8SNT, Juizo de Execução de Sintra, J1, com base em inutilidade superveniente da lide, declarando-se que a arguente, com efeitos imediatos, tenha o direito de propriedade exclusiva sob a fração autónoma em causa na sua totalidade fica expurgada de qualquer penhora ou hipoteca passando a ser da propriedade exclusiva da ora arguente, caso o ex-marido, BB uma vez notificado, nada venha dizer contra a nova aquisição do direito de propriedade exclusiva pela arguente.”.
Sobre tal requerimento, com data de 7/02/2025, foi proferido o seguinte despacho: “(…)Apreciando. Compulsados os autos constata-se que o Banco Espírito Santo, S.A. intentou, em 29.12.2011, a presente execução, contra AA e BB, com fundamento no incumprimento de contrato de mútuo, situando o incumprimento em 15.12.2010. Os executados, devida e regularmente citados em 29.02.2012 (cf. comunicação de 01.03.2012), não deduziram oposição à execução, pelo que não resulta impugnado nem excepcionado o alegado no requerimento executivo. Nesta conformidade, à data da entada em vigor do regime previsto no DL nº 227/2012, de 25.10 (entrado em vigor em 01.01.2013), conclui-se que este (regime do PERSI) não era aplicável aos presentes autos. De todo o modo, a falta de cumprimento da obrigação de integração do devedor mutuário no PERSI constitui uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, sendo que o limite temporal para o conhecimento de tal excepção, no processo executivo, é o previsto no artigo 734.º do Código de Processo Civil, ou seja, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados – cf. Ac. RE, de 09.06.2022, relatado por Cristina Dá Mesquita, processo 6388/16.4T8STB-D.E1; Ac. RL, de 14.07.2022, relatado por Carlos Castelo Branco, processo 6804/14.0T8ALM-C.L1-2 (in www.dgsi.pt). No caso, esse limite já se mostra ultrapassado, na medida em que, como resulta do histórico electrónico do processo, já foram efectuadas várias entregas de resultados ao exequente: Estando, inclusive, a execução extinta e arquivada! Decisão: Em face do exposto, decido indeferir liminarmente a pretensão da executada AA, por manifesta extemporaneidade e falta de fundamento legal. Custas do incidente, que se fixam em 3UC, a cargo da executada/requerente.”.
Inconformada veio a executada recorrer, formulando as seguintes conclusões:
“1ª Resulta da sentença recorrida que o regime de proteção do mutuário fraco e desfavorecido só pode ser aplicado ou invocado nos processo executivos instaurados após 1 de janeiro de 2013.
2ª Resulta do DL nº133/2009, artº 20º que se verificar a falta do pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito, e ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso com a expressa advertência da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
3ª Nos termos da Diretiva nº2014/17/EU, aplicável de forma directa e automática a todas as instituições financeiras nacionais directamente dependentes do Banco de Portugal/Banco Central Europeu, para os benefícios e para as obrigações bancárias, que os contraentes mais fracos e menos protegidos numa acentuada crise económica e financeira devem ser salvaguardados desencadeando-se de imediato os procedimentos vg dispensa de pagamento da prestação com pagamento apenas dos juros durante um período limitado.
4ª As instituições financeiras, por força desse Diretiva, estão obrigadas a acompanhar de forma permanente e sistemática a execução do contratos de crédito dos seus clientes, com vista a detetar eventuais indícios/riscos de incumprimento cabendo-lhe implementar um plano de reestruturação ou um modelo de negociação, não estando dependente de qualquer pedido formulado pelo mutuário. Alias nos termos da Lei nº60/2012 a penhora dos imóveis ocorre apenas quando inexistem demais bens no património do executado. Parece tratar-se de uma norma de outro planeta!
5ª Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada por estar em flagrante contradição com o direito constituído em vigor à data da instauração do processo executivo, sendo aplicável o disposto em termos de procedimentos ao processo judiciais pendentes a 1 de Janeiro de 2013.
6ª Num processo em que é suscitada a questão da excepção dilatória de preterição do PERSI, ainda que o processo executivo tenha dado entrada em juízo antes de 1 de Janeiro de 2013 desde que a instituição hipotecária não tenha dado cumprimento ao disposto na lei do consumidor nem ao disposto na Diretiva nº2014/17/EU, de aplicação direta e automática às instituições bancárias tuteladas pelo Banco de Portugal que integra o Banco Central Europeu, podendo entender-se que tal questão prévia pode ser objecto de reenvio do o Tribunal de Justiça da União Europeia;
7ª No que respeita à proibição de aplicação do regime do PERSI e diríamos das mesmas garantias antes da inovação dessa designação, o despacho recorrido ao defender tal proibição, nessa concreta matéria de direito julga em contradição com:
medida em que de tal artigo não resulta que o Juiz só possa conhecer oficiosamente ou a pedido da parte antes do primeiro acto de transmissão do bem penhorado na medida em que o que poderia ter conhecido até esse momento era do indeferimento liminar ou do aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas não foi essa a decisão do Acórdão recorrido.
9ª O que esta em apreço não é o indeferimento liminar nem o aperfeiçoamento do requerimento executivo mas tao só do conhecimento da excepção dilatória e da extinção da instância executiva, naturalmente com consequências na nulidade da adjudicação e/ou da transmissão; estando isso sim em causa aplicar uma sanção à instituição bancária que violou uma norma imperativa, e que não pode, com base na violação ser beneficiada com novas oportunidades dura lex sede lex
10ª Verifica-se assim uma contradição insanável entre o direito aplicável no despacho recorrido também quanto à concreta questão da primeira transmissão do imóvel na medida em que tal proibição não resulta do artº 734º nº 1 do CPC uma vez que não se pode deixar entrar pela janela o que se proibiu entrar pela porta.
11ª Estando ainda em manifesta contradição com o Ac. TRL proferido no processo 6804/14.0T8ALM-C.1-2, nos termos do qual, designadamente na conclusão IV, do sumário resultar claro que afinal o Tribunal pode, entendemos, deve, por se tratar de um sanção que tem de ser aplicada à instituição financeira, admitir e prosseguir com o conhecimento da excepção declarando a extinção da instância e o cancelamento da penhora.
12ª Termos em que se deve ser declarado, que o regime de proteção dos mutuários fracos e desfavorecidos é admissível e não pode ser cerceado nem por causa de uma primeira transmissão do imóvel hipotecado nem por via da cessão de créditos que é absolutamente proibida antes da integração no PERSI.
Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, julgado procedente por provado revogando-se o despacho recorrido, como É de Justiça!
Mais se requer o reenvio a título de questão prejudicial do presente processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia para que declare se a diretiva nº2014/17/EU uma vez publicada, teve ou não aplicação directa e automática às instituições financeiras nacionais, sem necessidade de qualquer transposição, vista a sua integração e dependência directa do Banco de Portugal que por sua vez integra a direção do Banco Central Europeu, quanto aos benefícios e quanto às obrigações.».
Contra alegou a exequente, concluindo da seguinte forma:
A. A Executada interpõe o presente Recurso, tendo por objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo, a 07 de fevereiro de 2025, o qual, decidiu indeferir liminarmente a pretensão da Executada AA, que veio deduzir incidente de nulidade da presente execução com base na preterição da excepção dilatória do PERSI, por manifesta extemporaneidade e falta de fundamento legal.
B. Salvo o devido respeito, o Exequente, ora Apelado, não poderá perfilhar o disposto nas doutas Alegações de Recurso apresentadas pela ora Apelante, - impugnando-se, desde já, todo o seu respectivo teor-, por as mesmas representarem uma interpretação errónea da legislação aplicável aos concretos factos vertidos na presente ação, devendo a douta decisão do Tribunal ad quo manter-se nos seus exactos termos, pelos motivos que infra se explanarão.
I. DA SUPOSTA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INTEGRAÇÃO EM PERSI
C. Foi celebrada Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, com a Executada, ora Apelante, em 05 de fevereiro de 2007, tendo sido mutuado o valor de € 88.200,00 (oitenta e oito mil e duzentos euros), a ser liquidado em 30 (trinta anos).
D. A Executada, ora Apelante, deixou de pagar o empréstimo em 15.12.2010, tendo o Novo Banco, S.A. intentado a presente ação executiva, em 29.12.2011, pelo valor de € 85.527,37 (oitenta e cinco mil, quinhentos e vinte e sete euros e trinta e sete cêntimos), a fim de obter o pagamento coercivo do seu crédito.
Assim sendo,
E. Conforme resulta do disposto no artº. 39º. do D.L. 227/2012 o legislador pretendeu integrar no PERSI todas as situações previstas no diploma que ao tempo da sua entrada em vigor se encontrassem em incumprimento, independentemente da data de tal incumprimento, desde que fosse superior a 30 dias e o contrato se encontrasse em vigor.
F. No caso dos presentes autos, o contrato celebrado entre o Novo Banco, S.A. e a cliente bancária AA foi incumprido, tendo sido resolvido antes da entrada em vigor do supra referido diploma legal.
G. Assim sendo, a Lei (artigo 39.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro), determina que o PERSI é aplicável a todos os contratos que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento das obrigações contratuais, que ainda permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
H. O diploma legal que regula o PERSI entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013 (vide artigo 40.º do referido diploma),
I. Assim sendo, tendo em consideração que o incumprimento do presente Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, é de 15.12.2010 e que em 29.12.2011 foi proposta a presente acção executiva, conclui-se que o presente contrato há muito tempo que se encontrava resolvido aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, não lhe sendo, por isso aplicável o regime PERSI.
J. E o PERSI não é aplicável retroactivamente, isto é, não se aplica a contratos resolvidos antes da entrada em vigor do diploma que regula tal regime.
K. Vem ainda a Executada, ora Apelante, referir que a sentença recorrida não respeita as disposições legais do artigo 20.º do Decreto- Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, contudo, sempre se dirá que no âmbito do Documento Complementar que instrui a Escritura, a cláusula quarta, n.º 5 determina que o Banco poderá considerar o crédito automática e imediatamente vencido se o mutuário deixar de cumprir qualquer obrigação contratual.
L. E as partes encontram-se vinculadas a cumprir os termos do acordo celebrado, tendo de acarretar na sua esfera jurídica as consequências inerentes ao incumprimento, nos exactos termos em que foram contratualizadas, assim, o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de junho não se aplica ao presente contrato, nos artigos que eventualmente sejam incompatíveis com as disposições contratuais previamente estipuladas pelas partes.
M. Acrescendo ainda que, caso assim não se entenda, sempre se dirá que o incumprimento é de 15.12.2010 e a presente execução foi proposta em dezembro de 2011, pelo que, face ao lapso de tempo entretanto decorrido, verifica-se a falta de pagamento de mais do que duas prestações mensais e sucessivas, pelo que, não se encontra desrespeitado, o disposto no supra referido artigo 20.º do Decreto- Lei n.º 133/2009.
N. A Apelante vem ainda referenciar a aplicação, ao caso sub judice, da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, contudo a mesma não se aplica aos contratos de crédito em vigor antes de 21 de março de 2016- vide artigo 43.º- e apenas teve aplicabilidade no ordenamento jurídico português, após a sua transposição, a qual foi feita por meio do Decreto- Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, que entrou em vigor a 01 de janeiro de 2018, ou seja, em momento posterior à resolução do contrato e proposição da presente ação executiva, não sendo aplicável ao presente caso.
Ademais,
O. A Apelante refere ainda que: “(…) a instituição hipotecária, sem averiguar da existência de outros bens no património do executado promoveu a respectiva penhora e venda, contra a legislação em vigor!”
P. Ora, o Banco, aqui Apelado, detinha um direito de garantia sobre o imóvel- hipoteca-, pelo que, não tendo a Apelante cumprido as disposições contratuais às quais se encontrava obrigada, o credor propôs a presente execução, por forma a acionar a garantia associada ao respectivo contrato incumprido.
Q. Ademais, caso a Apelante tivesse a pretensão de se opor à penhora e venda do imóvel, o momento processual para tal já se encontra ultrapassado, não sendo mais possível a dedução de Embargos de Executado e/ou Oposição à Penhora, sob pena de se estar a desrespeitar grosseiramente as disposições legais atinentes à tramitação da ação executiva.
R. Pelo que, por todo o exposto, deve improceder a argumentação esgrimida pela Apelante, que, com o devido respeito, se revela desnecessária e extemporânea face a toda a tramitação processual, nomeadamente, a decisão de extinção dos presentes autos, já decidido pelo Sr. Agente de Execução, em 23.11.2023, por inexistência de bens, nos termos e para os devidos efeitos legais do artigo 750.º e alínea c), do n.º 1, do artigo 849.º do Código de Processo Civil.
II. DA INADMISSIBILIDADE DO PERSI APÓS A EFETIVAÇÃO DO 1.º ATO DE TRANSMISSÃO DO BEM PENHORADO
S. A Apelante vem ainda referir que o que arguiu em sede de nulidade, com base na excepção dilatória de preterição do PERSI não foi a absolvição da instância, mas a extinção da instância e o cancelamento da penhora.
Vejamos,
T. Aquando da prolação do despacho liminar, o Juiz poderá conhecer oficiosamente de todas as vicissitudes legais que podem eventualmente determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo ou o ordenamento do aperfeiçoamento do requerimento executivo- artigo 734.º, n.º 1 CPC-, nomeadamente, o PERSI.
U. O Tribunal poderá ainda conhecer oficiosamente o PERSI, até ao momento da transmissão dos bens penhorados, o que já aconteceu nos presentes autos, há um longo hiato de tempo.
V. Caso tal vicissitude não seja referenciada pelo Tribunal, os Executados sempre têm a faculdade processual de a referenciar em sede de Embargos de Executado, contudo, não o tendo feito, não pode agora a Apelante vir apresentar um requerimento a arguir uma nulidade, quando na realidade pretende deduzir, extemporaneamente, Embargos de Executado,
W. Salvo o devido respeito, não pode a Executada ora Apelante, vir referenciar que pretende (extemporaneamente!) arguir a nulidade referente à excepção dilatória de preterição do PERSI, requerendo a extinção da instância e o cancelamento da penhora,
X. Quando efectivamente, a execução já se encontra extinta e o imóvel outrora penhorado nos autos já foi vendido: não se concebe que a Apelante, de uma forma arbitrária e em claro desrespeito por toda a legislação aplicável, venha querer reverter as consequências legais inerentes à tramitação dos presentes autos.
Y. Assim sendo, não sendo aplicável o PERSI ao contrato que serve de título executivo nos presentes autos, por tal regime ainda não estar em vigor aquando da resolução do mesmo e proposição da presente execução, nunca poderia o Banco, ora Apelado, ter violado normas legais que ainda não se encontravam em vigor, pelo que, deve o despacho ora recorrido ser confirmado, por ser processualmente inadmissível, a apreciação da excepção dilatória de preterição do PERSI.».
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
-É de admitir a arguição excepção de não inclusão do crédito no PERSI, com a consequente procedência da mesma e a extinção da execução, com o cancelamento da penhora e da venda.
- Deverá ser considerado o reenvio a título de questão prejudicial do presente processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
*
II. Fundamentação:
A factualidade a atender para a apreciação do recurso é a que consta do relatório supra, sem necessidade de convocar outra para a apreciação do mesmo.
*
III. O Direito:
A recorrente na sustentação do seu recurso entende que se verifica a excepção, que apelida de peremptória, de falta de cumprimento do PERSI, bem como o incumprimento do previsto no DL nº133/2009, no seu artº 20º, quanto à perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, pois tal só poderia existir se cumulativamente, ocorressem as circunstâncias previstas naquele artigo.
Estabelece o artigo 734.º do Código de Processo Civil que: “1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. 2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.
A extinção da execução em vista da norma comporta um requisito temporal – só pode ocorrer até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – e um requisito substancial – só pode ocorrer pelos mesmos motivos que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo.
Sobre os motivos ou causas de indeferimento o artigo 726.º do CPC prevê o seguinte, na parte que releva: “(…)2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: b) Ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;(…)
4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.
5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo”.
As excepções dilatórias que geram o indeferimento liminar (imediato ou por efeito de não suprimento do vício no prazo marcado), devem decorrer do próprio requerimento inicial da execução e dos documentos que o instruem, ou seja, devem manifestar-se ou evidenciar-se em função destes.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa ( in Código de Processo Civil anotado, vil. 2º, 2ª ed. pág. 75) referem que “embora a lei não exija expressamente que seja manifesta a verificação de tais excepções, cremos também que deverão ser excluídas do indeferimento liminar as situações em que exista alguma polémica acerca da sua configuração.”. Igual entendimento foi sufragado por Rui Pinto ( in “Ação Executiva”, pág. 357) ao aludir que “esse conhecimento não se compadece com a produção de provas, devendo o juiz ater-se apenas aos elementos que já existam nos autos”.
De tal preceito resulta que a verificação judicial da regularidade da instância não se esgota no momento inicial da execução, pois que ela continua a ser possível ao longo da execução, não ficando precludida com um eventual despacho liminar, ou sequer com a dedução de oposição, ou ausência desta. Logo, o Juiz pode, oficiosamente, fazer uso do disposto no art. 734º do CPC mesmo após a dedução de embargos ou oposição, desde que, por um lado, que a excepção seja de conhecimento oficioso, por outro lado, que resulte inequívoca dos autos. Porém, mesmo tal conhecimento oficioso exige o cumprimento do contraditório (neste sentido, entre outros, Acórdão desta Relação de 26/09/2023, proc. nº 7165/22.9T8LSB.L1-7 , publicado in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: I.–A prolação de decisão de rejeição da execução, nos termos previstos no art. 734º do CPC, sem prévia audição das partes, configura uma decisão-surpresa, decorrente da omissão de um acto legalmente prescrito, a saber a observância do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3 do CPC). II.–Quando o Tribunal profere uma decisão depois da omissão de um acto obrigatório, tendo essa omissão relevância para o exame ou decisão da causa verifica-se não só uma nulidade secundária (art. 195º do CPC), mas também a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º, nº1, al. d)), uma vez que, ao proferir tal decisão, conhece de matéria que, naquelas circunstâncias, não podia apreciar).
Na verdade, a omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, conducente à absolvição do executado da instância executiva. Sendo que entendemos que se trata de uma excepção de conhecimento oficioso, e, como tal, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado (tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC), para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – cf. art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC.
Logo, o cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância. Quanto à aplicação do disposto no artº 20º do DL nº133/2009, competia à executada ter formulado em sede de embargos tal incumprimento, sob pena de preclusão, aliás a recorrente ao arguir a nulidade em causa, e o subsequente recurso que julgou a mesma improcedente, assume posição oposta à que assumiu inicialmente nos autos. Não haverá que olvidar que a mesma subscreve juntamente com a exequente acordo de pagamento da quantia objecto da execução em prestações.
Acresce que relativamente à excepção de conhecimento oficioso – falta de cumprimento do PERSI - sem cuidar do limite temporal/processual imposto pelo artº 734º do Código de Processo Civil, sempre teria de se aferir da sua entrada em vigor na data da execução.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, reconhecendo a degradação das condições económicas e financeiras sentidas na maioria dos países europeus e o aumento do incumprimento de contratos de crédito, estabeleceu um conjunto de princípios e de regras a observar pelas instituições de crédito destinadas a promover a prevenção do incumprimento, designado por Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e a regularização das situações já em incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos, chamado de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
Quanto ao seu ambito de aplicação, previu-se que o mesmo é aplicável aos contratos de crédito identificados no n.º 1 do seu art.2.º, onde se incluem os contratos de crédito ao consumo, celebrados com clientes bancários, enquanto consumidores, na aceção dada pelo n.º 1 do art. 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, onde intervenham como mutuários.
Tal diploma entrou em vigor em 01/01/2013, em conformidade com o disposto no seu artº. 40.º, pelo que a partir desta data, passou a ser obrigatório para as instituições de crédito mutuantes incluírem no PERSI os seus clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. E essa obrigação verifica-se mesmo relativamente aos clientes que já estivessem em mora aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, pois que conforme dispõe o n.º 1 do seu art. 39.º, “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”.
Manifestamente na data da interposição da execução, bem como do incumprimento dos executados, tal diploma não estava em vigor, nem seria aplicável.
Insofismável é ainda que tal possibilidade de conhecimento, quer por iniciativa da parte, quer ex officio só poderia ter ocorrido até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos e não depois, tendo “em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes dos bens ou os preferentes” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, in ob. cit. pág. 97).
A propósito de tal questão importa ter presente o decidido pela ora Relatora neste Tribunal, por Acórdão datado de 11/12/2018 ( proc. nº 7686/15 publicado no site www.dgsi.pt) ao referir que “o legislador ao considerar que o juiz pode conhecer oficiosamente, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, estabelece como limite “até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados”, logo, “sacrificando” a verificação de alguma excepção que determinaria uma decisão formal, pelo interesse mais relevante e a que se destina a execução - a ressarcibilidade do crédito da exequente. Na verdade, estabelecendo-se que será até à transmissão dos bens penhorados, tal também já pressupõe que o executado já tenha sido citado e deste modo, tenha tido a oportunidade de, em sede de oposição, invocar os fundamentos que também poderiam ter determinado o indeferimento da execução.
Com efeito, efectuados pagamentos na execução e face à inexistência de oposição à execução ficou precludida a possibilidade de indeferimento liminar do requerimento executivo nos termos do artº 734º nº 1 do Código de Processo Civil, ou neste caso, o conhecimento por iniciativa da executada de eventuais excepções. Na verdade, não há que olvidar que a oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido da exequente, pelo que apenas se pode considerar na execução a invocação posterior ao abrigo do referido artº 734º do Código de Processo Civil. A controversa na doutrina apenas ocorre quanto à possibilidade de convocação ou não da invocação de meios de defesa noutra acção, socorrendo-se no sentido positivo na natureza das decisões de mérito proferidas na execução, ou concretamente na oposição ou embargos, dizendo que tais decisões formam caso material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistir ónus de concentração de defesa ( neste sentido Ac. do STJ de 19/03/2019, proc. nº 751/16, endereço da net aludido; bem como Lebre de Freitas in “A Acção Executiva, pág. 216-218).
Em sentido inverso se tem pronunciado Miguel Teixeira de Sousa (in blog do IPPC, em comentário crítico ao Ac. do STJ de 19/3/2019 - 751/16.8T8LSB.L2.S1), concluindo que “resulta do disposto no art. 732.º, n.º 5, CPC, no qual se estabelece que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui caso julgado (material) quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda. Este regime só pode significar isto: enquanto não for invocado um facto subjectiva ou objectivamente superveniente ao encerramento da discussão nos embargos de executado não pode pôr-se em causa a existência, a validade ou a exigibilidade da obrigação exequenda que foi reconhecida na decisão proferida nos embargos de executado. Aliás, foi esta a razão pela qual em 2013 se introduziu (de forma inovatória, passe a redundância) no actual CPC o n.º 5 do art. 732.º.
Qualquer outra solução - nomeadamente a que entende que não há nenhuma preclusão dos fundamentos de defesa do executado - é, naturalmente, incompatível com o regime do caso julgado estabelecido no art. 732.º, n.º 5, CPC. É exactamente porque está precludida a invocação em processo posterior de qualquer meio de defesa que podia ter sido invocado nos embargos que há caso julgado sobre a existência, a validade ou a exigibilidade da obrigação exequenda. Entender o contrário - isto é, aceitar que essa preclusão não existe - implica naturalmente concluir que, afinal, não há caso julgado material sobre a existência, a validade e a exigibilidade da obrigação exequenda.(…) Essa solução é exactamente a que decorre do estabelecido no art. 619.º, n.º 1, CPC: é porque ficam precludidos quaisquer fundamentos de defesa não oportunamente invocados na contestação pelo réu que qualquer decisão de procedência tem força de caso julgado material. Sem essa preclusão não se poderia dizer que a sentença de procedência tem força de caso julgado material, porque sem essa preclusão nem sequer estão preenchidas as condições para que essa sentença possa ter força de caso julgado material.(…) Dado que o art. 732.º, n.º 5, CPC estabelece o consequente - que é o caso julgado da decisão de improcedência dos embargos -, então também tem de se verificar o antecedente - que é a preclusão dos fundamentos de defesa do executado que não tenham sido alegados nos embargos.”. (Posição igualmente seguida por Luís Filipe de Sousa, in ob. cit. ponto 15. Do comentário ao artº 728º, pág. 80).
No caso dos autos a discussão jurisprudencial e doutrinária acaba por ser de certa forma inócua, pois o que ocorre é que os executados citados na execução não deduziram oposição, manifestamente é na oposição à execução que o embargante tem o ónus de concentrar todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado (isto é, que podem justificar a concreta excepção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição.
Donde, não pode a ora recorrente, a coberto de uma alegada “nulidade”, vir convocar argumentos que seriam motivo para a eventual dedução de oposição à execução, não o tendo feito ficou precludida tal possibilidade. A par dessa preclusão, também não pode pretender que seja aplicável a previsão do artº 734º do Código de Processo Civil, pois já tendo ocorrido pagamentos na execução, como vimos, arredada está tal possibilidade.
A recorrente, sem que tenha formulado tal pedido na execução, vem neste recurso requerer “o reenvio a título de questão prejudicial do presente processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia para que declare se a diretiva nº2014/17/EU uma vez publicada, teve ou não aplicação directa e automática às instituições financeiras nacionais, sem necessidade de qualquer transposição, vista a sua integração e dependência directa do Banco de Portugal que por sua vez integra a direção do Banco Central Europeu, quanto aos benefícios e quanto às obrigações”.
O reenvio prejudicial constitui expediente jurídico-processual que visa garantir a uniformidade na aplicação e interpretação do direito da União Europeia. o TJUE.
Logo, “o reenvio prejudicial é um mecanismo (…) do direito da União Europeia que visa garantir a interpretação e a aplicação uniformes deste direito na União, oferecendo aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros um instrumento que lhes permite submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (…), a título prejudicial, questões relativas à interpretação do direito da União ou à validade dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.” (cfr. ponto 1. das “Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais” - 2019/C 380/01).” (cfr. Ac. do STJ de 12/01/2021, proc. nº 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1, endereço da net a que vemos fazendo referência).
Ora, tal instrumento assume-se obrigatório quando a questão prejudicial é colocada junto de órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no ordenamento jurídico interno, não sendo, à partida, o caso da Relação.
Todavia, a questão da natureza obrigatória/facultativa do reenvio e suas excepções apenas assume cabimento se se verificar o pressuposto de intervenção do referido mecanismo, ou seja, quando se imponha a interpretação e aplicação de norma(s) da UE relevantes para o julgamento da causa, situação que não se coloca no caso sob apreciação, pois em momento algum foi suscitada.
Destarte, primeiramente, não invocou a recorrente tal possibilidade de aplicação do diploma em causa junto do Tribunal a quo, estando, assim, afastado tal conhecimento por este tribunal. Em segundo lugar, e mais relevante, a Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, trazida à colação neste recurso, apenas se aplica aos contratos de crédito em vigor antes de 21 de março de 2016- conforme artigo 43.º da directiva. Acresce que tal directiva foi transporta para o ordenamento jurídico português, por meio do Decreto- Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, que entrou em vigor a 01 de janeiro de 2018, ou seja, em momento posterior à resolução do contrato e proposição da presente ação executiva, não sendo aplicável ao presente caso.
Por tudo o exposto, é claramente de declarar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela executada e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 24 de Abril de 2025
Gabriela de Fátima Marques
António Santos
Teresa Pardal