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EMPREITADA
ERRO
ANULAÇÃO
EFEITOS
Sumário
I. O requisito da essencialidade no erro-vicio implica que o elemento sobre o qual o declarante incorreu em erro tenha sido determinante da decisão de contratar, no sentido em que o mesmo não teria celebrado o negócio se não estivesse em erro ou não o teria feito nos termos em que o fez, ou seja, o erro tem que assumir relevo para o declarante na conformação do conteúdo contratual. II. Foi opção do legislador considerar que basta que se saiba ou deva saber que o elemento sobre que recaiu o erro é essencial para o declarante, para que estejamos perante o regime do erro, sem que se exija quer a cognoscibilidade do erro, quer a sua desculpabilidade. III. Estando em causa uma empreitada, com realização de obra, face à anulação com base no erro, não pode ser considerado o mecanismo do art. 289º do CC, com eficácia ex tunc, dado que não se neutralizam os efeitos da nulidade ou da anulação em relação às prestações já efectuadas, pelo que tal impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível, nomeadamente a redução do negócio e a ponderação do equilíbrio das posições de ambas as partes. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA … CAPARICA, representada pela sociedade comercial por quotas de gestão de condomínios Telharica – Administração de Condomínios, Lda., com o NIPC ... e sede na Avenida Dr. Aresta Branco, n.º 5, r/c dto., e 5 B, 2825–296 Costa de Caparica, intentou acção declarativa de condenação sob a forma comum contra a sociedade por quotas ...AA Unipessoal, Lda., com o NIPC ... e sede na Rua … Caparica, com fundamento no incumprimento do contrato de empreitada para reabilitação e pintura das fachadas do edifício do autor, requerendo:
1) A conclusão da obra, nos termos definidos no orçamento com a referência “077/CAPARICA”, ou seja, a reabilitar e pintar as restantes fachadas do edifício do autor;
2) O pagamento do montante global que se vier a apurar, não inferior a € 100,00 por dia, desde a data da citação até à conclusão da obra, a título de sanção pecuniária compulsória;
3) Em alternativa, caso não seja possível a conclusão a obra, a resolução do contrato de empreitada por incumprimento parcial definitivo, bem como a restituição de parte do montante já pago à ré mediante a redução do valor do orçamento em consonância com o trabalho realizado, ou seja 1/3 do edifício, com a restituição do montante de € 7.731,40 ao autor, correspondente à subtracção do valor efectivamente devido (€ 5.51796) e do valor já pago (€ 13.249,36);
4) A acrescer, o pagamento de uma indemnização em valor não inferior a € 5.517,96;
5) Pagamento dos juros de mora que se vierem a apurar sobre tais montantes, contabilizados desde a citação.
Alegou para tanto e em síntese, que celebrou com a R. determinado contrato de empreitada, mediante o qual esta se obrigou a proceder, em conformidade com o orçamento que elaborou, à reabilitação e pintura das fachadas do edifício que constitui o condomínio autor. Apesar de ter dado a obra como concluída, a R. apenas procedeu à reabilitação e pintura de 1/3 da fachada total do prédio, pelo que a A. não aceitou tal obra e pretende que a mesma seja concluída, ou que seja reduzido o preço, em conformidade.
Citada, a ré apresentou contestação, arguindo a excepção de ineptidão da petição inicial. Invocou, ainda, o erro sobre a base do negócio, alegando, em síntese, que o orçamento apresentado foi elaborado no pressuposto de o edifício objecto da empreitada terminar na junta de dilatação que divide o mesmo, não tendo a ré contemplado todo o edifício que o autor exige que seja reabilitado e pintado, pelo que o contrato deve ser modificado por forma a abranger apenas a parte contemplada pela ré. Subsidiariamente, invoca o erro-vício, alegando que a ré jamais teria aceitado realizar as intervenções pelo preço orçamentado (inferior àquele que teria indicado) se não estivesse em erro sobre a dimensão do edifício objecto do contrato, requerendo a anulação do contrato de empreitada.
Deduziu, ainda, reconvenção, peticionando o pagamento da quantia de € 3.310,78, a título de trabalhos executados e não pagos, acrescido de juros de mora contados desde a conclusão dos trabalhos (02-05-2022), no montante de € 104,86, até efectivo e integral pagamento.
O autor deduziu réplica, pugnando pela improcedência das excepções invocadas e do pedido reconvencional. Em 29-05-2023, foi proferido despacho saneador que admitiu o pedido reconvencional da ré e a réplica do autor e julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial. Foi, ainda, proferido despacho de identificação do objecto do litígio e dos temas da prova. Por requerimento de 28-06-2023, a ré interpôs recurso da decisão que indeferiu a inspecção ao local por si requerida, o qual foi julgado procedente por decisão sumária proferida, em 09-01-2024, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou a realização da inspecção requerida.
Realizou-se a audiência final tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo: “julga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, nessa medida, decide-se:
a) Condenar a ré ...AA Unipessoal, Lda. a proceder à realização dos trabalhos de reabilitação e reparação das restantes fachadas do edifício sito na Rua ... Caparica, previstos no orçamento n.º 077/21, no prazo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgada da presente decisão;
b) Absolver a ré do pagamento ao autor do valor de € 100,00/dia (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória;
c) Absolver a ré do pagamento ao autor do valor de € 5.517,96 (cinco mil quinhentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros, a título de indemnização;
d) Absolver o autor do pagamento à ré da quantia de € 3.310,78 (três mil trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros.”
Inconformada veio a ré recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1. Incorre claramente o Tribunal a quo em contradição quando, num primeiro momento, refere que a dimensão do imóvel configurava um elemento essencial na conformação da vontade da Apelante e volvidos poucos parágrafos da mesma Decisão considera como não verificado o requisito da essencialidade (aspeto que, salvo melhor e douto entendimento é passível de configurar uma causa de nulidade de sentença, por oposição dos fundamentos com a decisão em conformidade com o disposto no artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC).
2. Para efeitos da conclusão vertida no ponto precedente entendeu o Tribunal a quo que seria necessário que a Apelante tivesse concretizado os termos em que estaria disposta a contratar se não tivesse incorrido em erro, entendimento que não é, naturalmente, aceite pela Apelante.
3. Para os presentes efeitos, são dois os requisitos cujo preenchimento importa apurar, a saber: a essencialidade do erro e a cognoscibilidade do erro pelo declaratário.
4. O requisito da essencialidade implica que o elemento sobre o qual o declarante incorreu em erro tenha sido determinante da decisão de contratar, no sentido em que o mesmo não teria celebrado o negócio se não estivesse em erro ou não o teria feito nos termos em que o fez, ou seja, o erro tem que assumir relevo para o declarante na conformação do conteúdo contratual.
5. Por sua vez, a cognoscibilidade prende-se com o conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário da essencialidade do elemento sobre o qual o recaiu em erro, i.e, exige-se que o declaratário conheça ou deva conhecer, de acordo com o critério do homem médio (art. 487.º, n.º 2 do Cód. Civil), que tal elemento foi determinante na vontade contratual do declarante, não se exigindo que o declaratário saiba que o declarante estava em erro, apenas se exige que conheça ou deva conhecer a essencialidade do aspeto sobre o qual o erro recai ou recaiu.
6. Quanto ao segundo requisito (cognoscibilidade) dúvidas não se colocam que o Apelado sabia ou não podia legitimamente ignorar que a dimensão do edifício teria direto e imediato impacto no valor da empreitada.
7. Sendo o primeiro requisito (essencialidade) o elemento que gera total discordância por parte da Apelante em relação à posição adotada pelo Tribunal a quo que veio a concluir pela necessidade de um terceiro requisito (associado à essencialidade) segundo o qual seria igualmente necessário que a Apelante concretiza-se os moldes que teria celebrado o contrato.
8. Dúvidas não se colocam que a perceção errada da dimensão do imóvel é um aspeto absolutamente essencial para a tomada de decisão por parte da Apelante, porquanto é inquestionável que a Apelante de forma alguma teria celebrado o contrato de empreitada pelo valor nele identificado, se tivesse noção da real dimensão do prédio;
9. Resultando dos factos tidos como provados na Sentença sob censura (Factos 3 e 4) que a Apelante celebrou o contrato de empreitada nos moldes dele constantes com base no errado pressuposto da dimensão do imóvel.
10. Ocorre que, conforme supra referido entendeu o Tribunal a quo acrescentar um terceiro requisito segundo o qual caberia à Apelante concretizar os moldes, máxime, o preço pelo qual aceitaria realizar tal empreitada, requisito esse que, no entendimento da Apelante, carece de total consagração legal.
11. Aliás, tal requisito nem sequer seria possível à Apelante cumprir porquanto, conforme resulta dos factos tidos como provados e identificados sob o números 1) a 3), o legal representante da Apelante apenas verificou o imóvel nas dimensões por si (erradamente) percecionadas, assim não seria possível a Apelante apresentar com total certeza o valor que cobraria pela sua intervenção no imóvel dado que poderia existir trabalhos extra cujo restante do imóvel que serviu de base ao orçamento não carecia.
12. O que inviabiliza qualquer concretização rigorosa por parte da Apelante.
13. Segundo a melhor jurisprudência os pressupostos para aplicação do concreto regime legal são: «(…) tratar-se de uma alteração ou de um desvio anormal em relação às circunstâncias necessárias ao equilíbrio económico do negócio e à prossecução do seu fim, i.e., às circunstâncias exigidas pela justiça interna do negócio; que esse desvio ou alteração perturbe gravemente a justiça interna do negócio ou fruste o seu fim, de modo que a sua manutenção em vigor, ou a exigência da sua execução, e cumprimento, tal como está, se tornem contrárias à boa fé; que aquela perturbação interna ou esta frustração do fim, não estejam cobertos pelos riscos próprios do contrato.» (Vide Acórdão proferido em 10 de Fevereiro de 2015 no âmbito do processo n.º 2466/11.4TBFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt).
14. Sendo evidente que o novo requisito apontado pelo Tribunal a quo não configura no elenco dos pressupostos tipificados nos respetivos comandos normativos…
15. Desconhecendo a Apelante qualquer linha doutrinária que acompanhe o entendimento protagonizado pelo Tribunal a quo na Sentença objeto de Recurso.
16. Certo é que resulta devidamente demonstrado nos presentes autos a verificação dos requisitos necessários à aplicação do regime do erro sobre a base do negócio.
17. Demonstrada a procedência da defesa por exceção apresentada pela Apelante, e atento o teor do único facto tido como não provado pelo Tribunal a quo, importa concluir que a Apelante executou todos os trabalhos contratados, tendo concluído os mesmos em Maio de 2022, razão pela qual foi emitida correspondente fatura no valor de € 3.310,78 (três mil, trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos) conforme resulta do Doc. n.º 3 junto em anexo à Contestação, valor esse que se encontra por liquidar.
18. Mercê do supra exposto deverá o Apelado ser condenado a pagar à Apelante o referido montante de € 3.310,78 (três mil, trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos) acrescido de juros à taxa legal, computados desde o momento da conclusão dos trabalhos (02 de Maio de 2022) até integral e efetivo pagamento.
19. Termos em que, sempre deverá revogar-se a douta Sentença do Tribunal a quo, substituindo-se a mesma por douto Acórdão que julgue por verificada a defesa por exceção apresentada pela Apelante e em consequência julgue totalmente improcedente a presente ação, condenando o Apelado no pagamento da quantia de € 3.310,78 (três mil, trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos)
SEM PRESCINDIR
20. Considerando-se que a concretização dos termos em que a Apelante estaria disposta a contratar com o Apelado, constitui um verdadeiro requisito, o que somente se concebe por mero dever de patrocínio, importa destacar que resulta das declarações prestadas pelo Legal Representante da Apelante uma clara concretização de tais termos, indicando o mesmo o valor cobrado por cada m2, o que, através de simples cálculos aritmético, permitiria chegar ao valor que seria cobrado depois de apurado com total rigor a verdadeira dimensão do imóvel.
21. Demonstrada a procedência da defesa por exceção apresentada pela Apelante, e atento o teor do único facto tido como não provado pelo Tribunal a quo, importa concluir que a Apelante executou todos os trabalhos contratados, tendo concluído os mesmos em Maio de 2022, razão pela qual foi emitida correspondente fatura no valor de € 3.310,78 (três mil, trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos) conforme resulta do Doc. n.º 3 junto em anexo à Contestação, valor esse que se encontra por liquidar.
22. Mercê do supra exposto deverá o Apelado ser condenado a pagar à Apelante o referido montante de € 3.310,78 (três mil, trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos) acrescido de juros à taxa legal, computados desde o momento da conclusão dos trabalhos (02 de Maio de 2022) até integral e efetivo pagamento.
23. Termos em que, sempre deverá revogar-se a douta Sentença do Tribunal a quo, substituindo-se a mesma por douto Acórdão que julgue por verificada a defesa por exceção apresentada pela Apelante e em consequência julgue totalmente improcedente a presente ação, condenando o Apelado no pagamento da quantia de € 3.310,78 (três mil, trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos)
SEM PRESCINDIR
24. Considerando o Tribunal a quo como conveniente (mesmo não configurando como requisito para aplicação do regime legal) a concretização dos termos em que a Apelante estaria disposta a contratar, poderia o referido Tribunal ter convidado a Apelante a concretizar tal aspeto factual.
25. A propósito do disposto no artigo 6.º do CPC tem a doutrina entendido que: «Sem embargo dos casos em que é imprescindível a iniciativa das partes, cabe ao juiz dirigir ativamente o processo para que sejam alcançados os seus objetivos fundamentais com celeridade e eficácia (…). Esse poder de gestão processual envolve ainda o esforço, que deve ser comparticipado pelas partes, no sentido de se conseguir a maior simplificação e agilização possível, tudo com vista a que seja proferida decisão final que, apreciando o mérito, garanta a justa composição do litígio. (…) Para o reforço do poder/dever de gestão processual que compete ao juiz confluem as normas do art. 547.º (…) e o regime mais claro que consta do art. 590.º (…)», ambos do CPC - Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Edições Almedina S.A., 2020, p. 34.
26. Deste modo não se configurando, a sobredita concretização referida pelo Tribunal a quo, como requisito/pressuposto dos regimes legais aqui em questão, nada impedia o Tribunal a quo de convidar, nos termos do disposto no artigo 590.º n.º 2 alínea b) e n.º 4 do CPC, a ora Apelante a concretizar a matéria de facto alegada.
27. Assim, cabia ao Tribunal a quo proferir despacho de aperfeiçoamento, motivo pelo qual enferma a douta decisão de erro na aplicação do direito, devendo ser substituída por outra que ordene a prolação de um despacho de aperfeiçoamento.».
Contra alegou a Autora, nos termos conclusivos seguintes:
«1. A sentença objeto do presente recurso, revela-se acertada e justa, em face da matéria factual apurada no decurso do julgamento e documentação constante dos autos;
2. Sendo certo que os factos foram corretamente apreciados e decididos;
3. A motivação de recurso apresentada pela Apelante centra-se, ainda que confusamente e, sinteticamente, no manifesto erro na apreciação e valoração da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Deste modo, defende a Apelante que a sentença em apreço deverá ser alterada revogada, porquanto o Tribunal a quo incorre em contradição quando alegadamente, num primeiro momento, refere que a dimensão do imóvel configurava um elemento essencial na conformação da vontade da Apelante e volvidos poucos parágrafos da mesma Decisão considera como não verificado o requisito da essencialidade.
4. Salvo o devido respeito que é muito merecido, o presente recurso não tem qualquer fundamento, dado que a sentença em apreciação denota-se bem estruturada e devidamente
fundamentada, justa e acertada, resultante da matéria apurada no decurso uma audiência de discussão e julgamento atenta e cuidada e respetiva documentação junta aos autos.
5. Em momento algum dos articulados apresentados pela apelante, e do orçamento apresentado à Apelada resulta a área orçada e a intervencionar ou o preço por metro quadrado na requalificação das fachadas, e estes factos são, no entender do tribunal a quo, e bem, essenciais para a apreciação do erro invocado pela Apelante para concluir como conclui!
6. O tribunal só pode pronunciar-se sobre as questões que lhe são submetidas pelas partes, que têm a liberdade de decidir se querem ou não litigar, bem como os termos e os limites das questões que submetem a Tribunal, e o Tribunal apenas decide dentro do que foi apresentado e pedido pelas partes, estando vinculado aos pedidos e questões suscitadas, salvo algumas exceções legais. Isso garante que o juiz não exceda os limites do litígio definido pelas partes.
7. O juiz não pode, por iniciativa própria, conduzir investigações ou buscar elementos de prova, salvo em circunstâncias específicas previstas na lei.
8. O Princípio do Dispositivo é um elemento central do Processo Civil, assegurando que o papel do juiz é limitado àquilo que é trazido pelas partes, reforçando por esta via a autonomia das partes, e garantido a imparcialidade do magistrado, e consequentemente, contribui para a eficiência e previsibilidade do sistema judicial.
9. Os factos essenciais ajudam a delimitar o objeto do litígio, permitindo ao tribunal entender qual é a controvérsia específica a ser resolvida, sendo a base sobre a qual o tribunal fundamenta sua decisão. A prova desses factos é crucial para o desfecho do processo.
10. Se os factos, essenciais, não são trazidos pelas partes, o Princípio do Dispositivo impede o julgador de, sem mais, os trazer! E é isto que a Apelante pretenderia!
11. Em face dos factos levados pelas partes ao conhecimento do Tribunal a quo, não poderia conceber-se decisão que inculcasse matéria que não foi sequer alegada por estas e onde a única menção que a esse propósito é feita, mais não é que uma mera conclusão: “Com efeito, já mais teria a R. proposto a realização dos trabalhos pelo valor global de € 16.553,90 (dezasseis mil, quinhentos e cinquenta e três euros e noventa cêntimos) se considerasse que o edifício a intervencionar é aquele que A. exige que deve ser objeto de reabilitação e pintura.”, e “Foi na falsa convicção que o prédio corresponderia a pouco menos de metade que a R. apresentou o seu orçamento, indicando um valor global devido a título de contraprestação inferior aquele que teria indicado, caso conhecesse das reais características do imóvel sobre o qual a A. exige reabilitação e pintura.”
12. A Sentença colocada em crise deverá ser integralmente mantida, e, em consequência, deve a Apelante ...AA Unipessoal, Lda. proceder à realização dos trabalhos de reabilitação e reparação das restantes fachadas do edifício sito na Rua … Caparica, previstos no orçamento n.º 077/21, no prazo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgada da decisão agora em recurso!».
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, no caso concreto, apreciar:
- Se se verificam os pressupostos do erro sobre o negócio invocado pela recorrente/ré, ou se haverá que considerar que, na ausência de factos, que o Tribunal deveria ter ordenado o aperfeiçoamento do articulado/contestação da ré por forma a ser invocado o requisito eventualmente em falta;
- Se é de declarar a procedência do pedido reconvencional.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 8 de Maio de 2021, o autor solicitou à ré, por e-mail, um orçamento para a realização de trabalhos de reabilitação e pintura de fachadas do edifício do autor sito na Rua ... Caparica.
2) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 8 de Maio de 2021, o legal representante da ré, AA, dirigiu-se à morada supra indicada para fazer um levantamento do edifício a intervencionar.
3) Nessa ocasião, percepcionou que o edifício a intervencionar terminava numa das juntas de dilatação, compreendo apenas a área infra assinalada a vermelho:
4) Com base nesse pressuposto, elaborou o orçamento n.º 077/21 (que aqui se dá integralmente por reproduzido), que remeteu ao autor sob o assunto “Reabilitação e pintura das fachadas do edifício”.
5) Tal orçamento contemplava os seguintes trabalhos:
6) Nesse orçamento, consta, além do mais, que:
7) No dia 8 de Maio de 2021, reuniu a assembleia dos condóminos, em sessão ordinária, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua … Caparica, da qual foi lavrada a Acta Número Quatro (que aqui se dá por integralmente reproduzida), para deliberar, entre outros, sobre o seguinte ponto da ordem de trabalhos:
“Ponto quatro: análise e aprovação de obra de beneficiação do edifício.”
8) Sob o ponto quatro da acta, lê-se, além do mais o seguinte:
“(...) Desta forma, foram solicitados novos orçamentos para a beneficiação e pintura das fachadas tendo sido apresentas as seguintes propostas:
• BB_____________________________________ 15.131,50€
• Decorprint_______________________________ 16.553,90€
Analisados os orçamentos disponibilizados, foi deliberado por maioria com abstenção por parte do rés do chão D, adjudicar a empreitada de beneficiação das fachadas à empresa Decorprint no valor total de 16.553,90, de acordo com o orçamento N.º 077/21 que faz parte integrante da presente ata. (Anexo 1).”
9) A ré iniciou os trabalhos em data não concretamente determinada do final do mês de Março de 2022.
10) O autor entregou à ré o montante total de € 13.243,12, referente a:
- 40% com o início da obra, no valor de € 6.621,56, no dia 1 de Abril de 2022;
- 40% a meio da obra, no valor de € 6.621,56, no dia 12 de Abril de 2022.
11) Em data não concretamente apurada do início do mês de Maio de 2022, a ré comunicou ao autor que a obra estava finalizada.
12) O autor comunicou à ré, por e-mail de 6 de Maio de 2022, que o recebeu, que considerava que os trabalhos não se encontravam concluídos, por apenas cerca de um terço do edifício se encontrar pintado, solicitando, ainda, a finalização dos mesmos.
13) O edifício do autor compreende a totalidade da área exibida na imagem do ponto 3).
14) O autor apenas procedeu à reparação e pintura de parte das fachadas do edifício, correspondente à área identificada a vermelho na imagem do ponto 3).
*
Foi ainda considerado não provado o seguintes facto:
a) O autor entregou à ré a última tranche do valor orçado, no montante de € 3.310,78.
*
III. O Direito:
Não é posto em causa neste recurso, nem tal é objecto de controvérsia, a identificação do tipo de contrato celebrado entre as partes, não oferecendo dúvidas quanto à sua classificação como sendo de empreitada, contrato tipificado, oneroso e sinalagmático, cujo regime se encontra previsto nos artº 1207º e ss. do Código Civil.
O busilis da questão é o relativo ao erro invocado pela ré, empreiteira, como excepção do pedido formulado pelo Autor, dono da obra, situando tal erro logo na formação do contrato e pretendendo que tal erro determine a conformação do negócio tal como o configurou, com o subsequente pagamento do valor em falta, pedido a título reconvencional, dada a conclusão da obra.
Com efeito, nos autos, o autor sustenta que a ré não executou a totalidade dos trabalhos contratados, porquanto apenas reparou e pintou parte do edifício objecto da empreitada, requerendo, em primeira linha, que a ré seja condenada a realizar os trabalhos que ainda se encontram por executar. Nessa medida, o autor invoca, adoptando a terminologia das normas que disciplinam a empreitada, a existência de defeitos, que denunciou à ré logo depois de a obra lhe ter sido entregue e cuja eliminação requer na presente acção. Por seu turno, a ré defende-se nos autos por excepção, invocando, a título principal, a figura do erro na base do negócio e, a título subsidiário, do erro-vício.
Da delimitação da questão colocada pelas partes resulta que uma situa, em última linha, a existência do incumprimento do contrato, ao invés, a outra pretende que seja aplicado o regime do instituto do erro.
O regime do erro e do incumprimento impõem consequências distintas, sendo que no primeiro o requisito fundamental é a essencialidade, mas no regime do cumprimento defeituoso, só o direito a resolver o contrato carece da violação essencial do dever obrigacio9nal, mas tal já não será exigível quanto aos restantes meios, tais como a eliminação do defeito, a redução do preço ou até a indemnização. Por outro lado, os dois institutos diferenciam-se com respeito à indesculpabilidade, pois enquanto o erro indesculpável pode ser causa de anulação do contrato, a desculpabilidade é requisito da responsabilidade por defeito no cumprimento. Relacionado com este aspecto e com relevância para os autos, há que referir que os “os dois institutos também se distinguem, na medida em que o erro só é fundamento de anulação se a contraparte (destinatário) conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do elementos sobre que ele incide (artº 247º do CC), ao passo que o devedor pode ser responsável pelo cumprimento defeituoso, apesar de desconhecer o respectivo vício” ( cf. Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento defeituoso- Em especial na compra e venda e empreitada- pág. 36-37). Ocorre ainda a diferenciação de consequências, sendo a do erro a anulabilidade do negócio, enquanto que o incumprimento permite, além da resolução, a exigência das pretensões de cumprimento, a redução do preço e da indemnização pelos danos. Essencial é considerar que o erro diz respeito á formação do negócio jurídico e o incumprimento ocorre na execução do contrato, ou seja, o primeiro constitui uma “anomalia constitucional” e o segundo “uma anomalia funcional” ( in. Ob. cit. pág. 38). Importa ter ainda presente que a justificação da diferenciação de ambos os institutos tem relevância no erro sobre o objecto ( artº 251º do CC), sendo que nesta espécie de erro pode existir conflito com o não cumprimento.
A questão do eventual erro e a forma como deve ser encarado prende-se igualmente com o dever de informação, o que está presente no dever pré contratual. No âmbito das negociações pré contratuais poderão existir variadíssimos aspectos da relação contratual em génese que exigem esclarecimento ou informações, e estas serão mais intensas perante um sujeito menos informado, mas presente no dever de informação estará o dever de verdade. Logo na esteira do defendido por Ana Prata os deveres de comunicação, de informação e de esclarecimento abrangem a viabilidade da celebração do contrato, os obstáculos que lhe sejam previsíveis, os elementos negociais relevantes para a decisão de contratar e em que termos ( in Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, Lisboa, 1991, pág. 49-50), porém já se admite que se omitam informações relativas a outras circunstancias relativas ao mercado, nomeadamente o valo cobrado por outros operadores, ou outra regras relativas às regras de competição ou concorrência, variando as mesmas perante o caso concreto, sempre balizado pelos ditames de boa fé.
Como bem alude Eva Sónia Moreira da Silva ( in “Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação”, Almedina, 2003, pág. 79) “mesmo que as partes prossigam interesses opostos, como é normalmente o caso, haverá o dever de esclarecer a contraparte sobre as circunstâncias que podem frustrar o fim do contrato e que, por isso, são de especial significado para a sua decisão, desde que a contraparte possa esperar a sua comunicação, em conformidade com as concepções dominantes do tráfico. Ou seja, em princípio, não existirá um dever pré-contratual geral de informação: só relativamente a determinados elementos e dentro de determinadas circunstâncias. (…) O dever de informação só existirá quando o princípio da boa-fé o impuser.”
Daqui resulta que as partes negociadoras não podem dar à outra, informações deficientes, “se são relevantes para o contrato a celebrar. Mais do que isso: as partes que negoceiam com vista à celebração de um contrato devem informar a outra sobre todas as questões que revelam para a formação, por partes desta, de um quadro exacto sobre a matéria objecto das negociações.”( Autora e ob. cit. pág. 80-81).
Assim, para que as partes, que negoceiam um contrato, possam prosseguir os seus interesses, conformar a relação jurídica em causa de forma verdadeiramente livre, a sua vontade negocial não pode encontrar-se viciada. O interesse que determinada pessoa se propõe prosseguir não poderá ser atingido se esta parte de pressupostos errados. Assim, é muito provável que esta pessoa, se tivesse conhecimento da verdade dos factos ou se o seu conhecimento fosse completo, jamais tivesse contratado ou, pelo menos, não o tivesse feito nos termos em que o fez. Portanto, o dever pré-contratual de informação, ao pretender conceder às futuras partes contratuais o conhecimento que lhes permita contratar da forma mais adequada aos seus interesses, estará, obviamente, a proteger a sua autonomia privada.
Por conseguinte, é “função essencial dos deveres de informação criar as condições necessárias para a liberdade de decisão. (…) o indivíduo deve ser colocado numa posição que lhe permita exercer a sua autonomia privada em conformidade com os seus próprios interesses, de forma racional e reflectida, quer na conclusão do contrato, quer na modelação do seu conteúdo.
Evidentemente, esta é também a função do regime dos vícios da vontade, em particular, do erro e do dolo. Proteger a livre formação da vontade negocial das partes para que estas, ao contratar, o façam de acordo com a vontade que possuiriam se conhecessem todas as circunstâncias relevantes. Deste modo, verificamos que tanto o dever pré-contratual de informação como o regime do erro e do dolo asseguram o princípio da autonomia privada ao proteger a liberdade de decisão das partes.
Analisemos então o erro convocado na acção. Na conclusão do contrato cada uma das partes deve comportar-se de forma a evitar que o seu consentimento e do seu parceiro sejam afectados por algum dos vícios do consentimento, pelo que a jusante a informação disponível é essencial. Logo, a parte deverá informar a outra sobre as qualidades que espera obter dos elementos determinantes do seu consentimento e a “outra deverá informar a primeira sobre as qualidades reais desses elementos. (…) embora o carácter determinante do erro seja uma condição de anulabilidade do contrato celebrado, não é condição suficiente. O erro terá, igualmente, de recair sobre a substância do objecto do contrato o sobre a contraparte” (Eva Sónia Moreira da Silva ob. cit. pág. 92-93). Tal situação reportar-se-á ao erro vício, na qual o declarante emite uma declaração negocial que corresponde à sua vontade, mas na fase formativa ocorreu um erro que a distorceu, a vontade foi mal esclarecida, está viciada por uma representação interna do negócio ou circunstancialismo que o rodeia que é errada ou incompleta. Como refere Castro Mendes ( in Teoria geral do direito civil, II vol. Reimp. AAFDL, pág. 110) se o declarante tivesse tido acesso a todos os elementos representativos da realidade ter-se-ia formado uma vontade diferente, uma “vontade conjectural”. Tal erro relevará como causa de anulação sempre que tenha influenciado a formação da vontade e, assim, tenha relevado para a determinação dos contornos do negócio, quer ele seja essencial (no sentido de não celebrar qualquer negócio), quer seja incidental (celebrar o negócio com contornos diferentes), mas não deixa de estar subjacente que tal constitui sempre um erro sobre os motivos que determinaram o declarante a celebrar o negócio – cf. artº 252º do CC. Porém, o dever de informação pré-contratual só existirá quando, atendendo às circunstâncias do caso, o princípio da boa fé o exija, e será assim se a outra parte conhecer do erro ou tiver obrigação de o conhecer.
Aqui chegados, importa ter presente o alegado vício da vontade convocado pela ré, mas neste manifestamente a par do erro haverá que atender quer à conduta da Autora, quer o que mesma percepcionou ou poderia ter percepcionado.
Como bem se alude na sentença recorrida, a propósito do enquadramento jurídico reportado ao erro: “O erro vem sendo definido como uma falsa ou inexacta representação da realidade que, na modalidade de vício da vontade, interfere na decisão do declarante de celebrar o negócio ou, pelo menos, no modo e termos em que o celebrou.
Nesta modalidade, o erro pode incidir sobre o i) objecto do negócio, ii) a pessoa do declaratário (art. 251.º) ou sobre iii) outros motivos determinantes da vontade (art. 252.º).
Como resulta da leitura do art. 252.º, n.º 1, o erro sobre os motivos é uma categoria de aplicação residual, que abrange os casos em que o erro não recaia sobre o objecto do negócio, nem sobre a pessoa do declaratário – neste sentido, cf. Gonçalves, Diogo Costa, “Erro obstáculo e erro vício”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLV, n.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, pág. 356.
Por sua vez, o erro sobre os motivos divide-se em duas subcategorias: o erro sobre os motivos em geral (art. 252.º, n.º 1) e o erro sobre a base do negócio (art. 252.º, n.º 2).
O erro sobre os motivos pressupõe a existência de um acordo entre as partes sobre a essencialidade do motivo sobre o qual incide o erro, enquanto que o erro sobre a base de negócio representa uma válvula de escape, imposta pelos ditames da boa-fé, accionável na ausência de tal acordo entre as partes.
Nessa medida, o erro sobre a base do negócio é uma figura de último recurso, reservada para as hipóteses não abrangidas por nenhum dos institutos referidos anteriormente. Como refere Diogo Costa Gonçalves, “[s]ó quando não seja possível, pela ausência de acordo sobre a essencialidade, acolher a relevância do erro-vício, se ponderará, à luz dos fundamentos que justificam a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias a admissibilidade ou não dessa relevância, já em sede do art. 252.º, n.º 1. Ou seja, o erro na base do negócio não logra obter uma materialidade específica e própria como a que reservamos para a noção jurídica de pessoa e objecto do negócio. Seve tão só para permitir a anulabilidade do negócio, na ausência do acordo previsto no n.º 1, quando a tanto exija o princípio da boa fé (cf. pág. 356)”.
Assim, no caso dos autos, cabe ao Tribunal apreciar, pela seguinte ordem:
1.º) Se a vontade da ré estava viciada de erro;
2.º) Sendo a resposta afirmativa, se tal erro incidiu sobre o objecto do negócio (pois é incontroverso que o caso dos autos não nos remete para o erro sobre a pessoa);
3.º) Não recaindo o erro sobre o objecto do negócio, mas sim sobre outro motivo determinante da vontade, se existiu acordo entre as partes sobre a essencialidade desse motivo; e
4.º) Na ausência do referido acordo, se estão verificados os pressupostos do erro sobre a base do negócio.
Quanto ao erro sobre o objecto do negócio, o mesmo refere-se a uma falsa representação das características intrínsecas do objecto, como seja a sua identidade (quer-se comprar o imóvel A, mas compra-se o imóvel B), as suas características físicas ou corpóreas (pressupõe-se que o imóvel tem 200 m2, quando na realidade tem apenas 100 m2), a sua aptidão para o desempenho da finalidade visada (comprou-se o imóvel para habitação, porém o mesmo tem licença de utilização para comércio ou serviços) ou o seu estado de conservação (pretendia-se adquirir um imóvel em estado novo, mas constata-se que o mesmo é usado) – cf. Barbosa, Mafalda Miranda, “Falta e vícios da vontade: uma viagem pela jurisprudência”, in RLJB, Ano 4 (2018), n.º 6, pág. 23 e segs.
Já o erro sobre a base do negócio, invocado, em primeira linha, pela ré, deve ser compreendido à luz da noção de base do negócio prevista no art. 437.º, n.º 1, em sede de alteração das circunstâncias (por efeito da remissão prevista no art. 252.º, n.º 2), reportando-se a um quadro circunstancial externo ao negócio (e, nessa medida, à pessoa do declaratário), a “algo de exterior ao negócio que constitui o seu ambiente circunstancial envolvente, a realidade em que se insere, o status quo existente ao tempo da sua celebração, cuja existência ou subsistência tenha influência determinante na decisão negocial ou seja necessário para o seu equilíbrio económico e a prossecução do seu fim, isto é, para a sua justiça interna” – neste sentido, vide Ac. STJ de 18-06-2013, p. 493/03.4TVLSB-A.L1.S1, disponível em dgsi.pt, parafraseando a doutrina de Pedro Leitão Pais de, Teoria Geral do Direito Civil.”.
Outrossim, o erro pode abranger o negócio todo (sem a sua ocorrência o negócio não teria sido concluído); ou pode respeitar a uma parte ou a um aspecto do negócio (sem ele o negócio não teria sido concluído nos precisos termos em que o foi, o que se designa um erro incidental. O erro incidental não diz respeito à declaração em si mesma (esta sempre teria sido feita), mas apenas aos termos em que ela o foi (sem o erro a declaração teria sido feita, mas noutros moldes). Deste modo, o erro incidental não acarreta a anulação da declaração na sua totalidade.
Como vimos, o erro sobre o objecto do negócio compreende as hipóteses em que o desconhecimento ou a falsa representação da realidade respeitam ao bem jurídico – seja este uma coisa ou uma prestação a realizar (objecto mediato) -, assim como ao conteúdo negocial, à natureza do negócio e aos efeitos negociais (objecto imediato).
O erro sobre o objecto material ou mediato tem de ser delimitado positivamente: aqui se situam os casos em que se desconhece ou se representa erradamente dada coisa ou prestação na sua configuração objectiva, isto é, nas suas qualidades (características físicas ou jurídicas, identidade ou substância - vg., cor, dimensão, localização, finalidade, atributos, entre outros índices). Numa palavra, o desconhecimento ou a falsa representação da realidade incide sobre elementos que influenciam o destino a dar ao objecto ou que interferem no valor do objecto em si mesmo, designadamente atentas as possibilidades de utilização projectadas.
Como é evidente, tendo a versão dos factos trazidos pela Ré a natureza de excepção, por serem factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete à mesma o ónus de prova, conforme decorre do art.º 342º, nº 2 CC.
Na apreciação dos factos a ter em conta e correlacionado com os deveres de informação não há que olvidar que a ré assume a qualidade de empreiteiro, pelo que assiste ao próprio conhecimentos específicos e técnicos relativamente ao tipo de contrato celebrado, conhecimento que, à partida, estarão arredados do saber da Autora, dona da obra e que contrata tais serviços.
Acresce que se torna ainda relevante que o condomínio Autor é apenas composto por um número de porta, o nº 25, sendo constituído pelo Bloco GIV da Rua ….
Resulta ainda da factualidade provada que a ré entendeu que o edifício do autor terminava numa das juntas de dilatação e, portanto, que tinha uma dimensão inferior à que na realidade apresenta. Foi com base nessa percepção que a ré apresentou à Autora o orçamento, que constitui a sua proposta contratual, proposta esta aceite pela Autora.
Revisitando Eva Sónia Moreira da Silva: “Tendo ocorrido um erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, o alcance da anulabilidade depende do alcance do erro relevante para o efeito. O erro pode abranger o negócio todo (sem a sua ocorrência o negócio não teria sido concluído); o erro pode respeitar a uma parte ou a um aspecto do negócio (sem ele o negócio não teria sido concluído nos precisos termos em que o foi; aqui estamos perante um erro incidental).
Significa isto que o alcance da anulação varia em consonância com o alcance do erro. Se este recair sobre o negócio em si, a anulação atinge todo o negócio; se recair apenas sobre certos aspectos do negócio, a anulação abrange somente estes. Na verdade, a anulação não pode ir mais longe do que o alcance do erro. Apenas se pode anular na medida em que a vontade está viciada. Doutro modo, a outra parte, contra a qual a anulação se dirige, ficaria prejudicada na sua expectativa quanto à estabilidade do negócio (além das vantagens injustificadas que o declarante poderia obter ao “desligar-se” de um negócio que, entretanto, talvez se tenha tornado incómodo”.
Porém, a verificação do erro não será suficiente para fazer claudicar o contrato, ou adaptar o mesmo à percepção configurada pela ré, como pretende a recorrente, considerando, em consequência que se considere a empreitada apenas relativa a cerca de pouco mais de 1/3 do edifício, devendo a Autora proceder ao pagamento do valor ainda em dívida, por se verificar terminada a obra tal como foi contratada.
Com efeito, explicitando, no regime do erro, a par do já aludido, haverá que considerar quer a segurança do comércio jurídico, quer ainda a confiança do declaratário, princípio que encontram a sua defesa no carácter da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, tal como se encontra previsto no artº 247º do CC. Logo, “entre os requisitos para a relevância do erro, avulta a sua essencialidade - isto é, o seu carácter causal (ou concausal) ou determinante para declaração do errante, em si mesma ou nos seus elementos fundamentais. (Carlos Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil” pág. 507; ver ainda Paulo Mota Pinto in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo” pág. 1293). E esta essencialidade não será abstracta ou avaliada para um declarante normal, mas sim em relação ao declarante e apreciada em concreto, considerando o desvio entre a representação e a realidade, projectada nos interesses que, naquele negócio jurídico, sejam decisivos para o declarante.
Em suma, o erro é essencial quando, sem ele, o declarante não teria sido celebrado aquele o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo. Mas apesar de necessária, a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório do negócio jurídico. Pois, no caso do erro sobre o objecto do negócio, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 251º e 247º, para além da essencialidade é também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Assim, o caso dos autos enquadra-se, em termos abstractos, num erro sobre o objecto de negócio e não sobre a base do negócio, porquanto não está em causa um qualquer circunstancialismo externo ao negócio na qual as partes fundaram a decisão de contratar. Mas a questão é saber se estão reunidos os demais pressupostos do erro sobre o objecto do negócio.
O Tribunal recorrido após elencar tais pressupostos, conclui que são os previstos no art. 247.º (ex vi art. 251.º), a saber: “i) a essencialidade do erro e ii) a sua cognoscibilidade pelo declaratário.
Não se adere, portanto, à tese que exige a verificação de um terceiro requisito, consubstanciado na desculpabilidade do erro, pugnada, designadamente, por Inocêncio Galvão Telles e João de Castro Mendes, por tal exigência não parecer resultar do acervo normativo que disciplina a figura do erro.
O requisito da essencialidade implica que o elemento sobre o qual o declarante incorreu em erro tenha sido determinante da decisão de contratar, no sentido em que o mesmo não teria celebrado o negócio se não estivesse em erro ou não o teria feito nos termos em que o fez. Por outras palavras, o erro tem que assumir relevo para o declarante na conformação do conteúdo contratual.
A cognoscibilidade prende-se com o conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário da essencialidade do elemento sobre o qual o recaiu em erro, isto é, exige-se que o declaratário conheça ou deva conhecer, de acordo com o critério do homem médio (art. 487.º, n.º 2 do Cód. Civil), que tal elemento foi determinante na vontade contratual do declarante. Não se exige, assim, que o declaratário saiba que o declarante estava em erro, mas apenas que conheça ou deva conhecer a essencialidade de tal elemento para o declarante – cf. Gonçalves, Diogo Costa, pág. 330.”.
Nada temos a apontar a tal raciocínio que entendemos correcto, porém, cremos e aí reside igualmente o fundamento recursório da ré, que o Tribunal a quo acaba por confundir a cognoscibilidade com a essencialidade. Pois é certo que não se exige que o declaratário conheça o erro, nem se exige que o erro seja desculpável, porém, o negócio será anulável desde que o declaratário conheça ou não deva ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Logo, o que resulta da lei é que se prescinde para o regime do erro da cognoscibilidade do erro, mas já não dispensa que o declaratário conheça a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro.
O Tribunal a quo acaba por dizer que “Volvendo aos autos, considera-se que o autor não podia ignorar que a concreta dimensão do edifício a intervencionar tinha um impacto directo no preço da empreitada apresentado pela ré e, nessa medida, que constituía um elemento essencial na conformação da vontade da ré, pelo que se encontra verificado o requisito da cognoscibilidade.”.
A conclusão a que chega o Tribunal a quo é que afinal a Autora tinha a noção da essencialidade da dimensão do edifício para a vontade de contratar da ré nos moldes propostos. Com efeito, estando em causa a pintura e arranjo das fachadas de um prédio a dimensão do mesmo no valor orçamentado será sempre relevante e essencial, resultando tal das regras de experiência comum. Logo, cabe perguntar, acaba por se verificar a previsão de que a A. “não devia ignorar” o elemento sobre que incidiu o erro, ou dizer, como parece resultar da decisão recorrida que para que tal pudesse preencher o requisito da essencialidade? Ora, teria de resultar de factos que levassem a considerar que a Autora considerou que o valor foi indicado pela ré com essa percepção. Ou que a ré teria de ter referido que valor seria devido caso fosse considerado a dimensão correcta do edifício.
Como vimos a opção legislativa quanto ao erro, a qual teve por base o anteprojecto de Rui de Alarcão, não exige a cognoscibilidade do erro, opção essa criticada na doutrina nomeadamente por Carlos Mota Pinto que entende que ao prever a anulação “não obstante a falta de culpa do declaratário na formação da sua confiança”, “se não conciliam os interesses do errante com os da contraparte e do comércio jurídico no ponto rectamente exigível” ( in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 512 e RDES, ano XIII, 1966 pág. 3 ). Dizendo o mesmo autor que ao não exigir o conhecimento ou cognoscibilidade admite a lei a anulabilidade “em termos excessivamente fáceis e gravosos para a confiança do declaratário e para a segurança e tráfego jurídico. Contenta-se com o conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, embora este conhecimento, possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida acerca da correspondência entre a vontade real e a declarada” ( in ob. cit. “Teoria…” pág. 497).
Aqui chegados, manifestamente foi opção do legislador considerar que basta que se saiba ou deva saber que o elemento sobre que recaiu o erro é essencial para o declarante, para que estejamos perante o regime do erro, sendo que o autor do anteprojecto ( Rui de Alarcão, in “Breve motivação do Anteprojecto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coacção, representação, condição e objecto negocial” BMJ 138º, pág. 86) alude que tal fórmula exprime “uma justa ponderação dos interesses que aqui se defrontam”. Em defesa de tal orientação legislativa Manuel de Andrade aludia que “a nossa lei sujeita a nulidade do negócio, no caso de erro, a condições especiais de tal ordem que bem parece constituírem já de si tutela bastante para a outra parte”. ( apud. Eva Sónia Moreira da Silva, in ob cit. pág. 98). Não obstante tais tomadas de posição, não deixa a doutrina de entender que a opção legislativa não foi a mais correcta, podendo ser mitigada em caso de erro grosseiro do declarante, mas tal apenas se conjuga com a dificuldade de provar a essencialidade do erro na contraparte, o que não ocorre nos autos, pois é a própria decisão recorrida que reconhece que a Autora tinha conhecimento da essencialidade da dimensão do local a intervencionar para o orçamento apresentado.
** Donde, o erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se, pois, de um erro nos motivos de terminantes da vontade - daí que a doutrina alemã lhe chame erro-motivo.
Inocêncio Galvão Telles ( in Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, 2002, pág. 83 ), refere o conceito de “falsa ideia” determinante da manifestação de vontade do declarante: «A pessoa foi levada a fazer um contrato, que quis em si e no seu conteúdo, porque tinha uma falsa ideia acerca da existência de certos factos ou normas jurídicas. Essa falsa ideia terá sido decisiva na formação da sua vontade, de tal maneira que, se a pessoa estivesse esclarecida, conhecendo o verdadeiro estado das coisas, não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido como o fez.».
Regressando à factualidade provada, concluímos que integra claramente a previsão legal do artigo 251.º do Código Civil, considerando que se provaram todos os seus pressupostos: i) o réu elaborou um orçamento para uma empreitada de realização de trabalhos de reabilitação e pintura de fachadas do edifício do autor sito na Rua ... Caparica e na elaboração deste, sem intervenção ou acompanhamento da A., percepcionou que o edifício a intervencionar terminava numa das juntas de dilatação, compreendo apenas a área infra assinalada a vermelho do ponto 3) dos factos provados ii) Foi com base nesse pressuposto, que a ré elaborou o orçamento; iii) O edifício do autor compreende a totalidade da área exibida na imagem do ponto 3).
Acresce que resulta evidente para um homem médio que no valor do orçamento para a realização de trabalhos de reabilitação e pintura de fachadas de um edifício é essencial a dimensão a ter em conta, provando-se a essencialidade deste elemento do contrato e o conhecimento da mesma pela Autora.
Aqui chegados importa aferir as consequências de tal invalidade negocial.
Com efeito, por aplicação do regime do artº 251º e 247º do CC o contrato será anulável, sendo assim, de aplicar o disposto no artº 289 do Código Civil, da qual resulta que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Logo, como decorre deste preceito, com a declaração de nulidade ou a anulação de um negócio, estabelece-se entre as partes uma relação de liquidação: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
No caso concreto, é manifesto que pelo regime do erro não haverá que condenar a ré a realizar a obra em falta, que não correspondia ao contrato que celebrou, procedendo o recurso nesta parte e absolvendo a ré do pedido formulado pela Autora.
Porém, no caso, a Autora é certo que beneficiou de um serviço, a empreitada que a ré realizou, pelo que esta restituição não pode operar, pelo que neste caso não pode ser considerado o mecanismo do art. 289º, com eficácia ex tunc, dado que não se neutralizam os efeitos da nulidade ou da anulação em relação às prestações já efectuadas, pelo que tal impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível.
Neste sentido, entendeu-se em STJ 16/10/2003 (Proc. nº03B484, in www.dgsi.pt), a propósito da obrigação de restituir, decorrente da declaração de nulidade do negócio jurídico, no domínio das relações obrigacionais duradouras, que “a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando efeitos interactivos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o acto realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados.
Não é, por conseguinte, exacta a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés, porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes. Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efectuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respectivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas actividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efectivamente os seus serviços à entidade patronal.
Neste conspecto – e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto – observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes (…) como “relação contratual de facto” susceptível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do acto na realidade praticado.
E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do “contrato de facto” – “contrato imperfeito” noutra terminologia; de “errada perfeição” (…) tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.”.
Também Meneses Cordeiro ( in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, p. 874) a propósito, escreve que “(n)os contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente.
Deste modo, assenta a ré o pedido reconvencional na realização de todo o trabalho contratado (em erro) e, logo, no pagamento do valor remanescente deste.
Ora, ainda que soçobre o pedido da Autora, da condenação da ré na realização da empreitada relativa de todo o edifício que compõe o condomínio, também o pedido da ré tem de ser analisado perante a impossibilidade de restituição pura ao abrigo do artº 289º do CC, devendo considerar-se quer o princípio da redução do negócio inserto no artº 292º do CC, quer os ditames da boa fé, nomeadamente da tutela da confiança. Pois ainda que a ré tenha logrado provar o seu erro de forma relevante em termos jurídicos, sempre haverá que considerar os interesses do declaratário, sob pena de total desproteção da confiança e desequilíbrio das partes.
Logo, volvendo ao caso concreto e assente que ficou que não se exige o conhecimento do erro, o que ocorre é que não deixa de estar presente que a Autora tem um número único de porta, a ré assume a qualidade de empreiteira, assistindo à mesma um dever de se auto informar. Acresce que no orçamento não há indicação de dimensões ou medidas, mas mais importante ainda, na elaboração do orçamento não teve a A. qualquer intervenção, nomeadamente na visita que o legal representante da ré fez ao prédio, que o mesmo realizou de motu próprio, sem ter tido o acompanhamento de ninguém que representasse o dono da obra. Por outro lado, resulta dos factos que relativamente à mesma empreitada foram analisados dois orçamentos, da ré e de um terceiro, sendo que este era inclusive de valor inferior, o que nos levaria a perguntar também estaria em erro? Mas como vimos, a cognoscibilidade do erro está afastada, mas esta negligência da ré deve ser considerada na modificação do contrato, não devendo o mesmo conforma-se na íntegra à forma como foi encarado pela ré, dado o desequilíbrio das partes. Deste modo, ainda que não estejamos perante o abuso de direito da ré, que pudesse obstar à anulação, sempre não é devido pela Autora o valor ainda em falta na empreitada realizada, pois esta confiou que o valor ajustado com a ré o seria para a realização do arranjo e pintura total do edifício, tendo contratado esta pelo valor de 16.553,90€.
Ora, a Autora já efectuou o pagamento de 13.243,12€, faltando, do orçamento da ré, pagar 3.310,78€. Todavia, resulta evidente que o trabalho realizado apenas corresponde quanto à fachada norte (ou a maior, desconhecendo-se a colocação concreta do edifício quanto aos pontos cardeias) a cerca de 41,66% do total, na fachada sul foi objecto da empreitada cerca de metade e dada a configuração em U do edifício, faltará ainda a totalidade de um dos lados de tal configuração.
Logo, será com base na possibilidade de redução do negócio e na inexistência de equivalência das prestações a “restituir” que podemos defender que não sendo possível nos contratos de execução continuada, como é o caso da empreitada - em virtude de a obra feita nunca mais poder ser restituída -, a restituição em espécie, haverá, então, que condenar Autora no pagamento do "valor correspondente" à utilidade advinda da sua realização. Mas nesta utilidade não pode estar ausente a circunstância que a Autora ter contratado a totalidade da obra, não tendo a ré realizado nem sequer metade da mesma, pelo que condenar a Autora na totalidade do orçamento seria prejudicar apenas a parte que afinal confiou na declaração negocial, optando por esta em detrimento de outra, sendo manifesto que a utilidade não foi absoluta, mas inferior a metade do pretendido, pelo que condenando a Autora no pedido reconvencional seria considerar que teria de despender o valor total que a mesma considerou corresponder à obra. Logo, entendemos que não será devido à ré o valor que a mesma entende estar em falta, sob pena de desequilíbrio das prestações, pois o trabalho realizado pela ré no edifício nem sequer corresponde a metade do mesmo, e dada a impossibilidade de repor a situação anterior, a Autora nada mais deve ao réu por não ter beneficiado em absoluto da utilidade que pretendia com o contrato.
Deste modo, procede parcialmente o recurso, devendo a ré ser absolvida do pedido da Autora, mais mantendo igualmente a absolvição da Autora do pedido reconvencional, ainda que com diferente fundamento.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida decidindo-se declarar a anulação do contrato e absolver a ré do pedido formulado pela Autora, bem como absolver a Autora do pedido reconvencional deduzido pela ré pelos fundamentos referidos.
Custas pela apelante e apelada na proporção do decaímento.
Registe e notifique.
Lisboa, 24 de Abril de 2025
Gabriela de Fátima Marques
Nuno Lopes Ribeiro
Nuno Gonçalves