ARRESTO
LITISPENDÊNCIA
JURISDIÇÃO ESTRANGEIRA
INSTRUÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DEPOSITÁRIO
Sumário

- Em termos de verificação da excepção de litispendência, é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais – cfr. art.º 580.º, n.º 3, do Código de Processo Civil;
- A requisição ou a admissão da prova está subordinada à necessidade de instrução, a qual tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova - artigo 410.º, do Código de Processo Civil;
- Só se verifica a falta de fundamentação quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão e já não quando a fundamentação seja meramente deficiente, incompleta, aligeirada ou não exaustiva;
- A circunstância do bem imóvel arrestado ter sido previamente apreendido à ordem de um processo crime, tendo aí sido atribuída a sua administração ao Gabinete de Administração de Bens (GAB) do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ, I. P.), impede a sua efectiva e real entrega à depositária escolhida pela requerente do arresto. A posse real e efectiva, nomeadamente através da entrega das respectivas chaves, não pode ser exercida conjuntamente pelos depositários nomeados nos dois processos, sob pena de gerar um conflito de jurisdições relativamente à questão da guarda e administração do bem. Tão pouco poderá o depositário anteriormente nomeado no processo crime ser afastado ou impedido de desempenhar as suas funções, a pretexto da nomeação de uma nova depositária no âmbito do procedimento cautelar de arresto.

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
1.1. No dia 6/1/2022, foi decidido julgar procedente o procedimento cautelar intentado pela requerente AA, S.A. e, em conformidade, para garantia do crédito de € 2.312.130, foi ordenado arresto:
a) do saldo da conta bancária com o IBAN PT50(…), aberta no Banco Comercial Português, S.A. (MILLENNIUM BCP).
b) dos saldos de todas as contas de depósito bancário, incluindo de títulos e outros valores, abertas junto das instituições de crédito a operar em Portugal, da titularidade de A, B e, ou, BB, Lda.
c) dos saldos de todas as contas de depósito bancário, incluindo de títulos e outros valores, abertas junto das instituições de crédito a operar em Portugal, da titularidade de C e, ou, CC, Lda. (melhor identificados no requerimento inicial), relativamente às quais A, B e, ou, BB, Lda. possuam autorização de movimentação.
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1.2. Por despacho proferido no dia 4/12/2022, foi decidido:
- ratificar o arresto da conta bancária da sociedade “DD, Lda.” com o n.º ... junto do Millennium BCP, no valor de € 249.892,96;
- determinar o arresto das quotas da sociedade “DD, Lda.” tituladas pelo requerido menor EE;
- determinar o arresto do imóvel de que é titular a sociedade “DD, Lda.”, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº ...../........ – G, da freguesia de São Domingos de Rana, sito no (…) Cascais; e,
- determinar o arresto dos demais bens e activos afectos à titularidade da sociedade “DD, Lda.”.
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1.3. No dia 25/4/2023, a firma DD, Lda., veio deduzir oposição e requerer o levantamento do arresto da conta bancária.
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1.4. No dia 18/6/2024, A e outros requereram ao tribunal que se digne requerer ao juiz da 6.ª Vara do Poder Judiciário do Estado do Paraná, Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Foro Central de Curitiba – Projudi, juntar aos autos supra referenciados o HD EXTERNO, que consta nos autos do Processo n.º 0023225-57.2021.8.16.0013, o qual deu origem aos presentes autos, uma vez que, o referido HD EXTERNO, contém registos de todas as operações financeiras realizadas, bem como dos acordos, prestações de serviços e de toda a trajetória de trabalhos realizados pelo primeiro réu, A.
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1.5. No dia 18/9/2024 foi proferido o seguinte despacho:
Dos despachos de 12.09.2022, 04.12.2022, 03.05.2023 e 31.05.2023 resulta nada mais haver a apreciar e decidir, devendo-se o despacho de 07.05.2024 a lapso.
Consequentemente, e inexistindo qualquer fundamento para o requerido em 18.06.2024, inclusivamente a nível processual, indefere-se o assim requerido.
Notifique”.
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1.6. No dia 3/10/2024, a requerente AA, S.A., veio aos autos requerer que se ordenasse:
a) Aos Requeridos A e B, que comprovem nos autos o pagamento de todas as despesas inerentes ao imóvel desde a sua aquisição em nome da sociedade DD, Lda.;
b) O envio de ofício à Administração Tributária para que informe os autos da existência e montante de quaisquer dívidas fiscais referentes ao imóvel com o artigo matricial ..., do distrito 11 – Lisboa; Concelho 05 – Cascais, e freguesia 06 – S. Domingos de Rana, do titular com o número de identificação fiscal ... e denominação DD, Lda.
c) O envio de ofício dirigido à Administração do Condomínio (…) São Domingos de Rana, para que informe os autos da existência e montante de quaisquer dívidas ao condomínio por parte da sociedade DD, Lda., titular da Fração G (casa 7);
d) A nomeação da Exma. Agente de Execução FF, identificada nos autos, enquanto depositária do imóvel arrestado, os termos do disposto no artº 756º do CPC, aplicável por via do artº 391º, nº 2 do mesmo Código;
e) Aos Requeridos A e B, que procedam à entrega efetiva do imóvel à depositária, entregando-lhe todas as chaves de acesso ao mesmo, cumprindo-se os demais termos do disposto no artº 757º do CPC, aplicável por via do artº 391º, nº 2 do mesmo Código.
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1.7. No dia 18/9/2024, A e outros vieram aos autos requerer que a requerente AA, S.A. juntasse:
- Os e-mails que contém as atas das reuniões de prestação de contas mensais da empresa autora AA, S.A., do ano civil 2021;
- Os e-mails que contém os balancetes de contabilidade e os e-mails com as atas da Assembleia Geral Extraordinária.
Mais requereu que o 1º Réu A (?!) entregue uma cópia do disco rígido HD EXTERNO à Secretaria do Tribunal.
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1.8. No dia 8/10/2024, A e outros voltaram aos autos, desta feita para requerer que se ordene que:
- Os bancos localizados no Brasil atualizem os saldos das contas e aplicações financeiras,
- O banco BCP Milennium apresente os valores atualizados desde a data do arresto das contas dos Réus;
Mais requereu o levantamento do arresto sobre o imóvel pertencente à sociedade DD, Lda., uma vez que já existem valores bloqueados no Brasil e em Portugal que superam em mais de 150% o valor da presente ação;
E ainda que se assegure o fornecimento dos recursos indispensáveis à família, tendo em vista que Portugal é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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1.9. Por despacho proferido a 29/10/2024, foi decidido o seguinte:
Requerimentos dos requeridos de 18.09.2024 e 08.10.2024:
Como se disse, nada mais há a decidir, sendo que se mantêm os pressupostos que determinaram o decretamento do arresto e o seu reforço, não visando o presente procedimento cautelar, de outro tanto, bens e valores existentes no Brasil.
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Requerimento da requerente de 03.10.2024:
O imóvel arrestado, da titularidade da terceira DD, Lda., encontra-se apreendido à ordem do processo crime nº 5/22.0TELSB pendente no DCIAP, apreensão essa que se encontra inscrita no registo antes do arresto decretado nos presentes autos, sendo sujeito ativo o Ministério Público.
Como tal, indefere-se o requerido quanto à nomeação da Sra. Agente de Execução como depositária e quanto à entrega à mesma do imóvel.
Quanto ao mais, importa salientar que as despesas com o imóvel arrestado e a sua satisfação ou não é algo que extravasa o âmbito dos presentes autos, sendo o seu incumprimento apenas suscetível de originar créditos sobre a sociedade titular daquele, em nada afetando o arresto decretado e a sua prioridade.
Assim, indefere-se o demais requerido”.
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1.9. No dia 13/11/2024, A e outros, não se conformando com o despacho (Refª. 153764521) de indeferimento dos requeridos de 18-09-2024 e 08-10-2024, vieram interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
I- Diante do exposto, é possível observar a configuração de uma clara situação de dupla litispendência, tanto no âmbito da ordem jurídica portuguesa quanto na brasileira, com a existência de processos idênticos que tramitam paralelamente.
II- A Apelada, AA, S.A., ao solicitar o reforço do arresto e ao dar início a nova ação, apesar da duplicidade de litígios, não refutou a alegada exceção dilatória com base no artigo 577º, alínea a) do Código de Processo Civil.
III- Diante disso, é imprescindível que os Tribunais considerem a improcedência da ação por litispendência, para evitar decisões conflitantes e garantir a uniformidade e a eficácia da justiça em ambas as jurisdições, resolvendo o litígio de forma integral e sem sobrecarregar o sistema judiciário.
IV- Ao considerar as provas incorporadas ao presente processo, que formaram os pressupostos para o decretamento dos arrestos e seu reforço, o Tribunal "a quo" não levou em conta a grave lacuna nas provas apresentadas pela Autora nos autos.
V- Excelentíssimos Venerandos Juízes Desembargadores, cumpre destacar que a Autora trouxe apenas provas de processos interpostos no Brasil, sendo que estes envolvem dois processos nos quais sequer houve a devida investigação pelos órgãos competentes brasileiros.
VI- Sempre com o devido respeito, onde estão nos presentes autos as investigações realizadas pela Receita Federal e pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), responsáveis pelo controle e cruzamento de dados de movimentações financeiras e contábeis no Brasil?
VII- A ausência das provas mencionadas compromete a credibilidade dos pressupostos que fundamentaram o decretamento do arresto e seu reforço.
VIII- Os apelantes, embora lamentem repetir o argumento, entendem que o Tribunal "a quo" violou a mais elementar regra da experiência ao indeferir os pedidos feitos pelos apelantes nos requerimentos de 18-09-2024 e 08-10-2024.
IX- De acordo com as investigações, não seria possível o bloqueio de contas bancárias sem a devida intervenção das investigações reguladas pela Receita Federal e pelo COAF.
X- Nem mesmo o Ministério Público do Brasil, a quem caberia realizar tais investigações, tomou as providências necessárias.
XI- Ademais, a Autora teve acesso indevido às contas bancárias dos apelantes antes de qualquer ordem judicial, fato já comprovado nos presentes autos.
XII- Tal conduta revela a compreensão da Autora de que possui prerrogativas comparáveis às de proprietário do Estado do Paraná.
XIII- Em um Estado Democrático de Direito como o Brasil, somente o Estado deveria ter tido acesso às contas bancárias dos Apelantes, o que, lamentavelmente, não ocorreu.
XIV- Por tais motivos, as contas dos Apelantes foram bloqueadas sem a devida investigação, uma vez que os Tribunais no Brasil basearam suas decisões exclusivamente nos depoimentos das testemunhas.
XV- É evidente que essas testemunhas prestaram declarações desfavoráveis aos Apelantes devido ao receio de perderem seus empregos, o que, infelizmente, efetivamente aconteceu.
XVI- A exceção foi a testemunha D, que já havia prometido ao 1º Apelante, A, que o denunciaria por furto caso ele decidisse deixar a empresa, promessa que foi cumprida.
XVII- Os Apelantes não compreendem o motivo pelo qual os arrestos e seu reforço permanecem em vigor, sem a devida investigação realizada pela Receita Federal e pelo COAF, visto que os fatos ocorreram no Brasil e a origem deste processo é também proveniente do Brasil.
XVIII- Diante da ausência das investigações necessárias, o Tribunal "a quo" deveria, ao menos, ter deferido os pedidos dos apelantes e ordenado à Autora a entrega dos e-mails com as atas das reuniões de prestação de contas mensais da empresa AA, S.A., relativas ao ano de 2021, de janeiro a dezembro, a fim de comprovar que o 1º Réu, A, prestou contas ao Conselho de Acionistas, ao Presidente e à Mesa dos Diretores, a saber: E e D, uma vez que a advogada Dra. F preparava e enviava as atas para todos os acionistas e participantes da reunião.
XIX- Também é pertinente destacar que o Tribunal "a quo" deveria ter ordenado à Autora que juntasse aos autos os e-mails contendo os balancetes contábeis, bem como os e-mails com as atas da Assembleia Geral Extraordinária, ou seja, oito atas e oito balancetes contábeis, uma vez que as atas aprovavam, por unanimidade, os movimentos financeiros efetuados pelo 1º Apelante, A.
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1.10. Nesse seguimento, foi proferido despacho a admitir o recurso de apelação dos requeridos e a ordenar a sua instrução por apenso.
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1.11. Entretanto, a requerente AA, S.A., notificada do despacho de 29-10-2024 (refª 153764521) que indeferiu as medidas requeridas quanto ao imóvel arrestado nos autos, e com o mesmo não se conformando, veio interpor recurso de apelação, que concluiu da seguinte forma:
i. O despacho recorrido não expôs os motivos para sustentar que a apreensão do imóvel à ordem do processo-crime constitui impedimento e determina o indeferimento da nomeação de depositário para o imóvel arrestado nestes autos e da entrega do mesmo ao depositário nomeado, incorrendo assim na falta de fundamentação que conduz à nulidade deste segmento decisório, ao abrigo do disposto no referido artº 615º, nº 1, alínea b), do CPC.
ii. A realização do arresto sobre bem imóvel prevê a nomeação de um depositário desse bem, o qual deve ter a posse efetiva do imóvel, o que, não se tendo verificado até à data no presente arresto, deverá ser de imediato colmatado.
iii. Existindo fundamentos para afastar os 1º e 2ª Requeridos da sua constituição como depositários, como é aqui o caso, deverá o cargo recair sobre a agente de execução nomeada nos autos, à qual deverá ser assegurada a entrega efetiva do imóvel.
iv. O apuramento de informações sobre a falta de pagamento de prestações devidas ao condomínio e de impostos sobre o imóvel, obrigações estas que incidem diretamente sobre o imóvel diminuindo o seu valor, deverá considerar-se como diligência enquadrada no procedimento cautelar de arresto, por visar acautelar a manutenção, integridade e valor do bem imóvel já arrestado.
v. Ao decidir em sentido diverso ao supra preconizado, o despacho recorrido incorreu na violação do disposto nos artºs 391º, 755º a 757º, 760º e 761º, todos do CPC. vi. A correta apreciação dos elementos do processo, bem como a adequada interpretação e aplicação das normas indicadas, impõem a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene as medidas requeridas pela Requerente do arresto. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, pelos fundamentos de facto e de Direito aqui aduzidos, ser ordenado:
→ O envio de ofício à Administração Tributária para que informe os autos da existência e montante de quaisquer dívidas fiscais referentes ao imóvel com o artigo matricial ..., do distrito 11 – Lisboa; Concelho 05 – Cascais, e freguesia 06 – S. Domingos de Rana, do titular com o número de identificação fiscal ... e denominação DD, Lda.;
→ O envio de ofício dirigido à Administração do Condomínio (…) São Domingos de Rana, para que informe os autos da existência e montante de quaisquer dívidas ao condomínio por parte da sociedade DD, Lda., titular da Fração G (casa 7);
→ A nomeação da Exma. Agente de Execução FF, identificada nos autos, enquanto depositária do imóvel arrestado, os termos do disposto no artº 756º do CPC, aplicável por via do artº 391º, nº 2 do mesmo Código;
→ Aos Requeridos A e B, que procedam à entrega efetiva do imóvel à depositária, entregando-lhe todas as chaves de acesso ao mesmo, cumprindo-se os demais termos do disposto no artº 757º do CPC, aplicável por via do artº 391º, nº 2 do mesmo Código, Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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1.12. Por despacho proferido no dia 13/3/2025 foi decidido admitir o recurso interposto pela requerente AA, S.A., o qual é de apelação, sobe imediatamente, em separado, e tem efeito devolutivo.
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1.13. Não foram juntas contra-alegações.
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1.14. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte:
- Se é possível conhecer da litispendência arguida nas alegações de recurso, sua verificação e consequências;
- Se é de requisitar ou admitir a prova indicada por algum dos apelantes em face do desenvolvimento do procedimento cautelar;
- A nulidade do despacho recorrido que foi arguida na segunda apelação; e,
- Se deverá ser nomeada depositária do bem imóvel arrestado a pessoa indicada pela requerente e se a mesma deverá ser investida na posse efectiva, considerando que tal bem foi anteriormente apreendido e se encontra à ordem de um processo crime.
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2. Fundamentação.
2.1. Os factos a considerar são os que se evidenciam do antecedente relatório.
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2.2. A questão da invocada litispendência.
Iremos começar por abordar a primeira questão colocada pelo apelante A e demais requeridos que invocam, nas primeiras conclusões que delimitam o recurso, “uma clara situação de dupla litispendência, tanto no âmbito da ordem jurídica portuguesa quanto na brasileira”.
Sucede que tal a excepção da litispendência não foi colocada pelos apelantes nos seus requerimentos de 18.09.2024 ou de 08.10.2024, nem foi conhecida no despacho impugnado que foi proferido a 29/10/2024. Ou seja, trata-se de uma questão nova.
O processo civil pauta-se por vários princípios, entre os quais o da concentração da defesa – artigo 573.º, do Código de Processo Civil. A lei consagra a natureza contraditória do processo – artigo 3.º, do Código de Processo Civil. Tal significa que a parte deverá utilizar o requerimento de oposição para concentrar toda a defesa relativamente à pretensão manifestada pela contraparte, sob pena de preclusão. Na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – artigo 608.º, do Código de Processo Civil. A lei também admite a possibilidade de impugnação da sentença em determinadas situações, devendo o recurso estar delimitado subjectiva e objectivamente, nomeadamente em função das questões que foram decididas ou que deveriam ter sido decididas – artigos 627.º e 635.º, do Código de Processo Civil.
Porém, em princípio e salvo algumas situações legalmente previstas, como sucede com as questões de conhecimento oficioso, não é lícito às partes suscitarem questões novas no âmbito dos recursos. Ou seja, introduzirem perante o tribunal ad quem as questões que podiam e deviam ter apresentado para conhecimento perante o tribunal a quo. Como refere Abrantes Geraldes, no seguimento do entendimento jurisprudencial aí abundantemente citado, “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Segundo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos um modelo de reponderação que vis o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso. Compreende-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios” – in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª Edição, pág. 141. Ora, revertendo ao presente caso, os apelantes não suscitaram a excepção de litispendência. A decisão recorrida não se pronunciou sobre tal questão. E, naturalmente, os recorrentes também não imputaram à decisão recorrida a nulidade por omissão de pronúncia sobre tal questão.
Por outro lado, inexistem nos autos elementos bastantes para suscitar oficiosamente o respectivo conhecimento, de forma segura e conscienciosa. Para mais, nota-se ainda que os apelantes invocam a litispendência, tanto no âmbito da ordem jurídica portuguesa, quanto na brasileira. Porém, é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais – cfr. art.º 580.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Logo, a instauração de outras acções em tribunais estrangeiros (nomeadamente no Brasil, como foi invocado), por regra, é irrelevante para a verificação da excepção de litispendência – cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 4.ª Edição, Volume 2.º, pág.s 590 e 591.
Por conseguinte, não se conhecerá da mesma.
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2.3. A questão da requisição e admissão de prova.
Por meio dos requerimentos apresentados nos dias 18/9/2024 e 8/10/2024, os apelantes requereram:
1) Que a requerente AA, S.A. juntasse:
- Os e-mails que contém as atas das reuniões de prestação de contas mensais da empresa autora AA, S.A., do ano civil 2021;
- Os e-mails que contém os balancetes de contabilidade e os e-mails com as atas da Assembleia Geral Extraordinária.
2) Que o 1º Réu A (?!) entregue uma cópia do disco rígido HD EXTERNO à Secretaria do Tribunal.
3) Se ordenasse que:
- Os bancos localizados no Brasil atualizem os saldos das contas e aplicações financeiras,
- O banco BCP Milennium apresente os valores atualizados desde a data do arresto das contas dos Réus;
4) O levantamento do arresto sobre o imóvel pertencente à sociedade DD, Lda., uma vez que já existem valores bloqueados no Brasil e em Portugal que superam em mais de 150% o valor da presente ação;
5) E ainda que se assegure o fornecimento dos recursos indispensáveis à família, tendo em vista que Portugal é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Nos termos do disposto no artigo 410.º, do Código de Processo Civil, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova. Na realidade, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – art.º 341.º, do Código Civil. E àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado – art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Compulsados os requerimentos em causa, constata-se que os apelantes não indicaram quais eram os factos necessitados de prova. Tão pouco se alcança dos autos a necessidade desses elementos documentais, nomeadamente para comprovarem algum facto alegado pelos requeridos. Particularmente em face da decisão proferida no dia 12/9/2022 que não admitiu a oposição deduzida pela interveniente “DD, Lda.”. Acresce que materialmente a pretensão dos apelantes parece estar mais centrada na contraprova, que é um direito que o artigo 346.º, do Código Civil, abstractamente lhes reconhece, mas que carece de ser enquadrada nos esquemas processuais de defesa, nomeadamente em sede de oposição ao arresto. O que não se evidencia.
Por outro lado, se o requerido A dispõe de alguma cópia de um disco rígido e nisso vir alguma utilidade probatória, compete ao mesmo justificar essa utilidade e apresentá-lo – cfr. art.º 416.º, do Código de Processo Civil. Porém, afigura-se que os discos riscos de computador não são, por regra, meios idóneos para demonstrarem a generalidade dos factos. Os discos rígidos de computador são apenas um suporte físico para armazenamento de ficheiros. Geralmente, a informação relevante que consta dos discos rígidos é extraída e apresentada de forma a facilitar a sua apreensão. Ou seja, por meio da impressão de documentos ou a apresentação dos ficheiros relevantes. Exemplificando: não se apresenta ao tribunal um disco rígido com 1 terabyte (aprox. 1.000.000.000.000 bytes – 1 byte = 8 bits) de informação para evidenciar unicamente um documento com 200 kilobytes (aprox. 200.000 bytes)! A não ser que esteja em causa alguma outra situação, tal como a realização de uma perícia sobre a genuinidade da informação informática ou quando se pretende assoberbar, distrair e confundir o tribunal com uma avalanche informativa e probatória.
Acresce ainda que os tribunais portugueses não têm jurisdição sobre os bancos localizados no Brasil, nomeadamente em termos de informarem dos saldos das contas e aplicações financeiras. Previsivelmente, tais bancos irão invocar o segredo profissional, pelo que essa diligência se apresenta à partida como demorada, inútil e proibida – cfr. art.º 130.º, do Código de Processo Civil. O tribunal não tem interesse em acompanhar os apelantes nesse tipo de actos inúteis que atentam contra o princípio constitucional de que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo – art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Em suma: considerando o que se evidencia nos presentes autos de providência cautelar, não foi indicado, nem se encontra fundamento, para deferir a requisição e admissão de prova pelos apelantes.
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2.4. A arguida nulidade do despacho recorrido.
Relativamente à apelação da requerente AA, S.A., esta sustenta que a nulidade do despacho recorrido por não ter indicado os motivos para sustentar que a apreensão do imóvel à ordem do processo-crime constitui impedimento e determina o indeferimento da nomeação de depositário para o imóvel arrestado nestes autos e da entrega do mesmo ao depositário nomeado.
No seguimento do comando constitucional previsto no art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o art.º 154.º, do Código de Processo Civil, dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Tal preceito é aplicável aos despachos, mas com “as necessárias adaptações” a que se refere o artigo 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. As necessárias adaptações traduzem-se na desejável simplificação, sintetização e brevidade que caracterizam a generalidade das questões submetidas a despacho. A natureza, o alcance e os efeitos da questão a decidir deverão nortear o desenvolvimento dos fundamentos de facto e de direito de cada despacho.
Afigura-se ser jurisprudência pacífica dos tribunais e particularmente do Supremo Tribunal que “o vício de falta de fundamentação só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão e já não quando a fundamentação seja meramente deficiente, incompleta, aligeirada ou não exaustiva” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2021, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3.
Desde já se afigura que a argumentação da apelante se revela contraditória, ao afirmar que o despacho recorrido decidiu indeferir a nomeação de depositário para o imóvel arrestado e que o mesmo sustentou que a apreensão do imóvel à ordem do processo-crime constitui impedimento para tal. Conforme foi expressamente exarado nesse despacho: “O imóvel arrestado, da titularidade da terceira DD, Lda., encontra-se apreendido à ordem do processo crime nº 5/22.0TELSB pendente no DCIAP, apreensão essa que se encontra inscrita no registo antes do arresto decretado nos presentes autos, sendo sujeito ativo o Ministério Público.
Como tal, indefere-se o requerido quanto à nomeação da Sra. Agente de Execução como depositária e quanto à entrega à mesma do imóvel”.
Ou seja, é perfeitamente inteligível o sentido (indeferimento da nomeação da Sra. Agente de Execução como depositária e entrega à mesma do imóvel) e o respectivo fundamento (O imóvel arrestado pertence à firma DD, Lda., e já se encontrava apreendido à ordem do processo crime nº 5/22.0TELSB pendente no DCIAP, apreensão essa que se encontra inscrita no registo antes do arresto decretado nos presentes autos, sendo sujeito ativo o Ministério Público).
Por conseguinte, em face desse despacho, a apelante já dispunha dos elementos suficientes para questionar o acerto do fundamento invocado para indeferimento da nomeação da Sra. Agente de Execução como depositária do bem arrestado. Saber se a apreensão do imóvel à ordem de um processo crime obsta ou não obsta à nomeação da Sra. Agente de Execução como depositária e entrega à mesma do imóvel é já uma questão de direito que pode ser sindicada por meio de recurso. E versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – cfr. art.º 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Em suma, a apelante estava conhecedora dos fundamentos de facto e de direito que motivaram o indeferimento da sua pretensão e podia/devia contra-argumentar, nomeadamente sustentado a irrelevância da prévia apreensão do bem imóvel à ordem de um processo crime. A apelante decidiu omitir tal contra-argumentação por razões que se desconhecem, mas que não radicam no desconhecimento dos fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida.
Quando não são apresentados quaisquer fundamentos torna-se impossível rebater os mesmos e contra-argumentar com eventual erro de julgamento. Nestes casos, restará ao interessado a arguição da respectiva nulidade.
Tal não sucedeu no presente caso, pelo que a arguida nulidade vai desatendida.
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2.5. A questão da substituição dos depositários.
A apelante escudou-se na mera arguição da nulidade e preferiu evitar as consequências da anterior apreensão do imóvel à ordem do processo crime nº 5/22.0TELSB.
Segundo se alcança da cópia do despacho que determinou a apreensão nesse processo crime e que foi junta no dia 18/8/2022 por A e outros requeridos, englobada num “parecer técnico” (pág. 67 e seg.), estará aí em causa a prática de um crime de branqueamento com origem em montantes ilícitos, decorrentes de crime de abuso de confiança, que vitimou a sociedade AA, S.A., no valor denunciado de € 2.312.130.
O art.º 110.º, do Código Penal, prevê a perda a favor do Estado das vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. Não obstante, o seu n.º 6 ressalva que essa perda não poderá prejudicar os direitos do ofendido.
O ofendido poderá fazer valer os seus direitos em processo penal e o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos – cfr. art.º 130.º, n.º 2, do Código Penal.
Por outro lado, o art.º 178.º, do Código de Processo Penal, dispõe que:
1 - São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.
2 - Os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos apreendidos nos termos do número anterior são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto, devendo os animais apreendidos ser confiados à guarda de depositários idóneos para a função com a possibilidade de serem ordenadas as diligências de prestação de cuidados, como a alimentação e demais deveres previstos no Código Civil.
(…)
Por último, cumpre notar que a administração dos bens apreendidos, recuperados ou declarados perdidos a favor do Estado, no âmbito de processos nacionais ou de atos de cooperação judiciária internacional, é assegurada por um gabinete do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ, I. P.), designado Gabinete de Administração de Bens (GAB) – cfr. art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 391.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção”. Os efeitos do arresto estão regulados na lei civil, particularmente no artigo 622.º, do Código Civil:
1. Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora.
2. Ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora.
No que diz respeito ao depositário nos casos de penhora de bens imóveis, o artigo 756.º, do Código Civil, estabelece as regras para a sua escolha. E o artigo 757.º, do Código Civil, preceitua que, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, o depositário deve tomar posse efetiva do imóvel. O que bem se compreende, pois, o depositário é obrigado, entre o mais, a guardar a coisa depositada – art.º 1187.º, alínea a), do Código de Processo Civil.
Como resulta à saciedade da parte final das alegações, a apelante não pretende com a indicação da Sra. Agente de Execução como depositária uma entrega dos bens meramente simbólica. Pelo contrário, pretende a entrega efectiva e real (“Ser ordenado aos Requeridos A e B, que procedam à entrega efetiva do imóvel à depositária, entregando-lhe todas as chaves de acesso ao mesmo”). Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de 19/3/2024, ao depositário “assiste o direito a ser investido na posse efectiva dos bens, o que significa que é um possuidor em nome alheio, dado que após a penhora, a posse do executado se transfere para o tribunal da execução (art.ºs 757.º, n.º 1, 772.º e 783.º do CPC). Portanto, a constituição da situação jurídica de depósito não exige, necessariamente, a traditio – e a acceptio – da coisa a guardar, sendo suficiente, a tradição meramente simbólica ou mesmo uma traditio brevi manu” – disponível na base de dados da DGSI; processo n.º 3001/22.4T8LRA.C1.
Assim, sendo o imóvel arrestado entregue, efectiva e realmente com as chaves e a traditio, à depositária indicada pelo requerente, importa perguntar como é que fica o depositário anteriormente nomeado no âmbito do processo crime em que foi ordenada a sua apreensão? Quem é que fica com as chaves e exerce a posse? Quem é que administra a coisa?
Entende-se que não deve haver uma posse concorrente, pois a posse de um deverá excluir a posse de outrem. Não é possível conferir a posse efectiva à Sra. Agente de Execução indicada pela apelante, sem desapossar o depositário que ficou encarregado da sua guarda e administração por meio do acto de apreensão à ordem do processo crime. A guarda e a administração da coisa obedece ao que resulta da lei, foi convencionado ou ao que o depositante estipular – cfr. art.ºs 1185.º, 1189.º e 1190.º, do Código Civil. Não é de supor que haja convergência absoluta quanto à administração subordinada aos princípios do processo crime e ao procedimento civil de arresto. Logo, o acolhimento da pretensão da apelante conduzirá, de forma imprudente e desnecessária, a um conflito de jurisdições quanto à escolha do depositário do imóvel, sua guarda e administração – cfr. art.º 109.º, do Código de Processo Civil.
Pelo contrário, constatando-se que, previamente ao decretado arresto, o imóvel foi apreendido à ordem de um processo crime, não se justifica que o novo depositário deva tomar posse efetiva do imóvel enquanto persistir a anterior apreensão.
Sem embargo, afigura-se que o requerente deverá informar o processo crime de que foi ordenado o arresto do mesmo (pois, em caso de levantamento da apreensão, haverá interesse no pronto conhecimento dessa circunstância e suas eventuais implicações) e poderá aí intervir e solicitar a nomeação de novo depositário, se nisso vir fundamento.
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2.6. A questão da requisição de informações à Administração Tributária e à Administração do Condomínio.
A apelante pretende ainda que se ofície à Administração Tributária para que informe os autos da existência e montante de quaisquer dívidas fiscais referentes ao imóvel e à Administração do Condomínio para que informe os autos da existência e montante de quaisquer dívidas ao condomínio por parte da sociedade DD, Lda..
Sustenta que tais diligências se enquadram no procedimento cautelar de arresto, por visar acautelar a manutenção, integridade e valor do bem imóvel já arrestado. Desde já se adianta que não se alcança como é que as dívidas fiscais referentes ao imóvel poderão interferir com a manutenção, integridade e valor do bem imóvel já arrestado. Na verdade, o arresto confere ao requerente os efeitos da penhora, nomeadamente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior – cfr. art.º 822.º, do Código Civil. O crédito do requerente também concorre contra os créditos com privilégios imobiliários do Estado. Não obstante, essa informação virá aos autos no momento próprio, nomeadamente quando forem convocados os credores, se for desencadeada a cobrança coerciva da dívida – cfr. art.º 786.º, do Código de Processo Civil. Não se alcança como é que o conhecimento actual das dívidas fiscais referentes ao imóvel terá interferência com a manutenção, integridade e valor do bem imóvel já arrestado. A não ser que o apelante se prontifique a pagar essas dívidas fiscais… o que não foi sugerido.
Tais considerações valem igualmente para as dívidas à Administração do Condomínio. Além disso, nota-se que compete à requerente obter junto de terceiros as informações tidas por convenientes.
Como refere o sumário do acórdão de 21/10/2020 do Tribunal da Relação do Porto (disponível na base de dados da DGSI; processo n.º 16920/17.0T8PRT-B.P1:
I - O nº 1 do artigo 436º do CPC prevê que seja o tribunal a requisitar as informações, ainda que a requerimento de qualquer das partes e o nº2 que a requisição pode ser feita às próprias partes. A única limitação prevista é que o tribunal considere as informações necessárias para o esclarecimento da verdade.
II - Tratando-se de uma informação, a parte que requer que o tribunal a requisite – podendo tratar-se de requisição às próprias partes – tem de justificar e demonstrar a impossibilidade ou dificuldade na respetiva obtenção, assim como tem de indicar a matéria de facto a cuja prova se destina, incumbindo ao Tribunal aferir da sua pertinência, isto é, se as informações são necessárias ao «esclarecimento da verdade», logo para a boa decisão da causa» (artigo 436º, nº1 do CPC).
Em sentido contrário, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre consideram que este entendimento não tem apoio legal e sustentam que a regra da oficiosidade pode contribuir para maior eficiência e celeridade do processo – ob. cit., pág. 256.
Entende-se que a requisição pelo tribunal de documentos e informações junto dos organismos oficiais ou de terceiros não visa simplesmente desonerar as partes, mas pressupõe a dificuldade ou impossibilidade da parte obter tais elementos. Esse pressuposto decorre dos princípios gerais quanto à iniciativa das partes e ao cumprimento dos ónus em matéria probatória. A requisição também poderá ser realizada oficiosamente, caso se entenda necessária ao esclarecimento do tribunal.
Não tendo sido invocado pela apelante qualquer dificuldade ou impossibilidade em obter tais elementos, nem se vislumbrando a necessidade da sua requisição oficiosa, entende-se que não se justifica a sua requisição.
Em suma: improcedem ambas as apelações.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedentes ambas as apelações e em confirmar a decisão recorrida.
3.2. As custas são a suportar pelos apelantes nos respectivos recursos, em vista do respectivo decaimento.
3.3. Notifique.

Lisboa, 24 de Abril de 2025
Nuno Gonçalves
António Santos
Cláudia Barata