ARRESTO
GARANTIA BANCÁRIA
CEDÊNCIA A FAVOR DE TERCEIRO
Sumário

(a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator):
Salvo convenção em contrário, a garantia bancária autónoma e à primeira solicitação pode ser cedida, pelo beneficiário, a favor de terceiro.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
AA, veio intentar procedimento cautelar de arresto contra BB, pessoa colectiva de direito angolano, peticionando:
a) o arresto dos saldos bancários da titularidade do Requerido, no CC, bem como de todos os títulos de crédito de que seja titular, designadamente ações, obrigações ou outros associados às suas contas bancárias, como forma de garantir o pagamento do valor do crédito da Requerente, até ao montante de USD 9.500.000,00, correspondente a EUR 8.767.881,86, acrescido dos juros vincendos desde a data da interpelação do Banco requerido (em 4 de maio de 2022) até integral e efetivo pagamento, que nesta data (em 08-07-2024) ascendem a EUR 1.819.996,08, perfazendo o total de EUR 10.587.877,90;
b) o arresto das quantias depositadas noutras contas bancárias ou de aforro da titularidade do Requerido, em instituições de crédito sedeadas em Portugal, até aos montantes indicados na alínea a), devendo, para o efeito, proceder-se à notificação do Banco de Portugal para a respetiva identificação.
Alegou, em síntese, que o Banco Requerido foi constituído como uma subsidiária do banco português DD, controlada pelo EE), e designava-se como FF (FF), e, para evitar a falência da subsidiária do DD, após a sua falência em Portugal, o Banco Nacional de Angola (BNA) intervencionou-a, passando em 2015 a ter a designação atual (BB)
Em 24/07/2009, as sociedades GG (atual HH) e II, celebraram entre si um contrato promessa de transmissão de participações sociais, relativamente a uma empresa denominada JJ, e que previa, além de mais, operações imobiliárias com alguma complexidade no território.
No âmbito desse contrato, e como garantia do seu integral cumprimento, foram emitidas duas garantias bancárias (Garantia n.º 18/10 e Garantia n.º 19/10) pelo Requerido, nos montantes respetivamente de USD 9.5000.000 e de USD 3.000.000, sendo a primeira prestada de forma irrevogável e incondicional, tendo a natureza de garantia autónoma, à primeira solicitação (on first demand) e poderia ser acionada, mesmo em caso de incumprimento por causas de força maior, e sendo a segunda prestada sem a fórmula de irrevogável e incondicional, nem a condição autónoma ou à primeira solicitação, contemplando a menção especial de caducidade automática em casos de força maior.
Ambas as garantias bancárias foram emitidas em 29/04/2009 a pedido da sociedade GG a favor da II, ficando o Banco requerido obrigado, até ao montante titulado, logo que a beneficiária o solicitasse, e desde que apresentasse cópia de carta remetida registada com aviso de receção à Solicitante a pedir a quantia reclamada, com, pelo menos 30 dias de antecedência relativamente à data da interpelação do Banco emissor.
O Requerente concedeu diversos créditos à sociedade Beneficiária, II, titulados através de contratos de mútuo, em montantes correspondentes a USD 10.000.000,00 - “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente” (Doc. n.º 11) e “Contrato de Mútuo” (Doc. n.º 12).
A Beneficiária obrigou-se a reembolsar o Requerente, o que não fez, estando assim em dívida o capital mutuado na íntegra, acrescido dos juros contratados e moratórios até efetivo pagamento, que nesta data perfazem um montante total de USD 18.040.860,41.
A Beneficiária e o Requerente acordaram na alínea b) do n.º 2 das Cláusulas 6.ª do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente e do Contrato de Mútuo que será obrigatoriamente utilizado para amortizar o saldo que a conta corrente apresentar: (…) os montantes que a BENEFICIÁRIA ou o BANCO por sua conta, receba em virtude do pagamento das Garantias Bancárias emitidas pelo FF, a pedido de GG, no montante de USD 3.000.000,00 e USD 9.500.000,00.
Os termos destes contratos evidenciam claramente a intenção real da Beneficiária de cedência desta sua posição de beneficiária das Garantias ao Banco Requerente, ao outorgar, em 15/09/2010, a favor do Requerente, uma procuração irrevogável, no interesse do banco mandatário, e podendo fazer negócio consigo mesmo, o que foi comunicado ao Requerido.
Não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido, especificamente, nem o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre a Solicitante e a Beneficiária foi declarado cessado por decisão definitiva transitada em julgado, nem foi declarado cessado pelas partes em documento assinado com as respetivas assinaturas reconhecidas, nem as Garantias foram anuladas ou reduzidas por comunicação ou consentimento expresso por parte do Requerente.
Em 21 de março de 2022, o Requerente remeteu carta registada com aviso de receção à empresa Solicitante, interpelando-a para o pagamento do valor de USD 12.5000.000,00 correspondente a ambos os valores garantidos pelas Garantias Bancárias.
Como a Beneficiária não pagou, o Banco Requerente remeteu para o Requerido a 04/05/2022, mais de 30 dias após a receção da carta anterior, carta a solicitar o pagamento no prazo de 72 horas da Garantia Bancária n.º 18/10, no valor de USD 9.5000.000,00 que o Banco Requerido não pagou.
O Requerente intentou a ação executiva a que o presente procedimento cautelar é apenso, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízos de Execução de Lisboa – Juiz ..., sob o processo n.º 187/23.4T8LSB.
É do conhecimento público que o Banco Requerido tem sofrido graves vicissitudes desde a medida de resolução e da insolvência do DD (…) mantém-se em situação de crise financeira, em situação de intervenção corretiva, com planos de recapitalização, com indefinição quanto ao desfecho destes planos. Desde maio de 2024, as notícias sobre o Banco Requerido têm-se sucedido, revelando, nomeadamente que está em curso uma avaliação independente para decidir o seu futuro, considerando a situação de falência técnica do banco. De acordo com as notícias (…) agora, existe um risco (com grande probabilidade de se vir a confirmar), de o Banco Requerido vir a ser alvo de medida de resolução mais grave. (…) é dito que o plano de reestruturação e recapitalização que sobre ele recai, se mostrou insuficiente, e que é necessária a adoção de novas medidas de resolução, que nos termos legais, podem passar por: (…) a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a uma ou mais Instituições Bancárias de transição; c) Segregação e transferência parcial ou total da actividade para veículos de gestão de activos; e d) Recapitalização interna «bail-in»”. (…). Além disso, estes bens em vias de perda, ocultação ou dissipação, são os únicos bens que existem no património do Requerido em Portugal em condições de poder garantir a satisfação do crédito, sendo essenciais à efetivação da garantia1.
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Sem audição do Requerido e produzida prova por duas testemunhas em audiência de 15.07.2024, foi nesta mesma data proferida decisão do seguinte teor:
Pelo exposto, deferindo a providência requerida, decreta-se o arresto dos seguintes bens:
- o arresto dos saldos bancários da titularidade do Requerido, no CC, bem como de todos os títulos de crédito de que seja titular, designadamente ações, obrigações ou outros associados às suas contas bancárias, como forma de garantir o pagamento do valor do crédito da Requerente, até ao montante de USD 9.500.000,00, correspondente a EUR 8.767.881,86 (oito milhões setecentos e sessenta e sete mil oitocentos e oitenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), acrescido dos juros vincendos desde a data da interpelação do Banco requerido (em 4 de maio de 2022) até integral e efetivo pagamento, que nesta data (em 08-07-2024) ascendem a EUR 1.819.996,08 (um milhão oitocentos e dezanove mil novecentos e noventa e seis euros e oito cêntimos), perfazendo o total de EUR 10.587.877,90 (dez milhões, quinhentos e oitenta e sete mil oitocentos e setenta e sete euros e noventa cêntimos);
- o arresto das quantias depositadas noutras contas bancárias ou de aforro da titularidade do Requerido, em instituições de crédito sedeadas em Portugal, até aos montantes indicados no parágrafo anterior, devendo, para o efeito, proceder-se à notificação do Banco de Portugal para a respetiva identificação.
Custas pela Requerente, a atender a final na acção respectiva – art. 539º do CPC.
Registe-se, notifique-se e proceda-se ao arresto ora ordenado, bem como a notificação pessoal do Requerido, após o arresto, para, no prazo de 10 dias, deduzir oposição - artºs 366º, nº 6 e 293º, nº 2, "ex vi" do artº 365º, nº 3, todos do CPC”.
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Notificado, o Requerido BB apresentou oposição, iniciando por notar “que a prova intencionalmente omitida pelo Requerente do Tribunal revela uma actuação fraudulenta e de má-fé por parte do Requerente, destinada a obter o pagamento de valores que bem sabe não lhe serem devidos” e indicando pretender, com a oposição “alegar novos factos e produzir meios de prova que, caso fossem conhecidos pelo Tribunal à data do acolhimento da providência, decerto teriam conduzido a um diferente desfecho”.
O Requerido impugnou “os factos dados como assentes sob os n.ºs 3.2, 3.6, 3.7, 3.10, 3.11, 3.13 a 3.29 da decisão que decretou o arresto [bem como a correspondente factualidade alegada pelo Requerente], assim como todos aqueles que se encontrem em expressa contradição com a presente oposição, por serem falsos, inexactos, e/ou não serem aptos a produzir os efeitos jurídicos considerados pelo julgador e/ou pretendidos pelo Requerente”.
Enquadrou o litígio alinhando que “é banco angolano licenciado para exercer a sua actividade exclusivamente no território angolano, o que naturalmente por vezes impõe o recurso ao mercado bancário internacional para realizar operações em moeda estrangeira para pagamentos fora de Angola, sob a égide da regulação do Banco Nacional de Angola e em cumprimento da legislação cambial”. “À data da sua constituição, o accionista maioritário do Requerido era efectivamente o (…) DD”, (…) sendo actualmente o seu capital integralmente detido pelo BB, organismo devidamente regulado pela Comissão do Mercado de Capitais - foi integrado pelos maiores depositantes do Requerido que, por decisão do banco central angolano (Banco Nacional de Angola) e no âmbito do Plano de Recapitalização e de Reestruturação (PRR), aprovado em 2021, se agregaram em união de esforços nesta iniciativa de recapitalização do Requerido, através da utilização dos seus próprios fundos, com vista à reposição dos níveis de solvabilidade do Banco”.
Sustentou, e vamos ser sintéticos, os seguintes argumentos:
- A beneficiária II é uma sociedade “da qual o Requerente era - e permanece desde então – acionista”. Em Maio de 2008, o Requerente surge como “promotor” de um projecto imobiliário em Angola, projecto que identifica e apresenta à GG como uma “oportunidade de negócio” em Angola, em parceria com a JJ”.
Em 24 de Julho de 2009, a GG [actualmente denominada HH] e a II, celebraram o contrato promessa de transmissão de participações sociais, relativo à JJ”, sendo que nos “termos da Cláusula 3.1 do Contrato Promessa, o preço global da prometida venda seria pago, na sua totalidade, em Angola”. “Embora a cláusula 6.3 do Contrato determinasse que as garantias bancárias deviam ser prestadas por um banco de primeira linha a operar no mercado português, a II aceitou que ambas as garantias fossem emitidas pelo Requerido - que, como se viu acima, desde então e até à data de hoje, apenas se encontra autorizado a operar no mercado angolano”. “Nos termos acordados no contrato de garantia, as garantias deveriam ser pagas em Angola, de acordo com a legislação em vigor em Angola. (…) Importa ter presente que as empresas angolanas (incluindo as instituições de crédito) actuam sob uma realidade totalmente distinta das empresas portuguesas, na medida em que estão sujeitas a diversas restrições de ordem cambial no que diz respeito à realização de pagamentos para o exterior do país. (…) Não foi, em momento algum, acordado nos contratos de garantia que qualquer pagamento a efectuar ao seu abrigo seria efectuado para o exterior de Angola. (…) Caso tivesse sido acordada no contrato de garantia a possibilidade de qualquer pagamento ao seu abrigo vir a ser efectuada fora de território Angolano, seria obrigatória a obtenção de autorização prévia por parte do Banco Nacional de Angola para a emissão da garantia em causa”, a qual não foi pedida, resultando aliás que o Banco Nacional de Angola se reservou o direito “de apreciar se, pela natureza cambial dos intervenientes, foram cumpridos os requisitos legais e regulamentares.
Pronunciando-se sobre a aparência do direito, argumentou que a Beneficiária não adquiriu, com a emissão da garantia bancária, um direito de crédito sobre o banco garante, mas apenas “uma expectativa jurídica quanto ao pagamento do valor objecto da Garantia, expectativa essa que apenas se transformaria num verdadeiro direito de crédito mediante o incumprimento das obrigações garantidas e a válida interpelação do Requerido para pagamento da garantia nos termos acordados”.
Não “ocorreu o incumprimento das obrigações garantidas por parte da solicitante da garantia nem foram cumpridas pelo Requerente as formalidades da solicitação para o seu pagamento”.
Sobre o primeiro aspecto, importa notar que o “conteúdo das obrigações garantidas foi alterado por vontade e acordo expresso entre a II e a GG, passando a GG a ter a seu cargo uma obrigação de entrega de dois terrenos a favor da II como forma de extinção das suas obrigações ao abrigo do Contrato Promessa (…)”.
No segundo aspecto “Os instrumentos internacionais (designadamente as Regras Uniformes sobre as Garantias “On Demand” da CCI – cfr. art. 20.º, al. a)) determinam que a solicitação de pagamento de uma garantia bancária autónoma deve ser acompanhada de uma declaração escrita que confirme que o devedor não cumpriu com a sua obrigação adveniente do contrato base e descrevendo os factos que corporizam a falha no cumprimento”, limitando-se o Requerente “a enviar uma carta ao Requerido referindo que esta servia para “(…) solicitar o pagamento do valor correspondente à referida garantia bancária (…)”, remetendo para o efeito “(…) cópia de carta registada com aviso de recepção remetida há mais de 30 dias para a solicitante da mesma”. “O Requerente nada referiu quanto ao “incumprimento” da GG, nem que factos davam corpo a tal falha no cumprimento, nem se no seguimento da carta enviada para a GG esta havia efectuado o pagamento de quaisquer quantias, nem juntou o respectivo aviso de recepção da referida carta, conforme exigia a própria garantia (…)”. “Além disso, o Requerente exigiu que o pagamento da Garantia fosse efectuado para a sua conta bancária em Portugal, exigência essa que efectivamente não tinha qualquer correspondência com o contrato de garantia celebrado – que como se viu, determinava que qualquer pagamento fosse efectuado em Angola, ou seja, numa conta bancária aberta em nome do Requerente em Angola”.
Invocando que a autonomia da garantia não se sobrepõe à má-fé ou abuso de direito, o Requerido invoca uma primeira situação de fraude/abuso de direito do Requerente, consistente no seu “conhecimento, acompanhamento, intervenção, negociação e aceitação” num “Acordo Pleno de Carácter Técnico” celebrado em 2017, aliás redigido pelo Presidente da Comissão Executiva do Requerente à data, “pondo fim às divergências existentes”, em que as partes “acordaram expressamente que: “6.2. Em simultâneo com o Acordo Jurídico acima mencionado que as partes irão assinar (…) a Garantia Bancária n.º 18 será anulada, 6.3 Em conformidade com o ponto 6.2, a UL emitirá declaração ao BB com as instruções correspondentes”. As partes “acordaram, assim, naquele momento, que a Garantia destes autos seria ANULADA mediante a separação dos projectos e a “devolução” do terreno “...” a favor da II”, aceitando esta de forma expressa e inequívoca proceder à anulação da garantia 18/10.
A intervenção do Requerente na negociação do acordo para a anulação da Garantia - que já àquela data se arrogava beneficiário das garantias – demonstra, sem margem para quaisquer dúvidas, que o Requerente consentia a anulação da Garantia, mediante a celebração da escritura do “...”.
O Acordo Jurídico mencionado na cláusula 6.2 do referido Acordo Técnico, foi celebrado entre a II e a GG, dando origem ao Aditamento n.º 4 e respectiva correcção”, acordando as partes expressamente “(…) A garantia Bancária n.º 18/10 de 29 de abril de 2010 no valor de 9.500.000,00 USD (…) é anulada junto do BBpela Primeira Outorgante, na data da escritura do terreno dos ... a favor da II ou para quem este indicar e por estarem parcialmente cumpridas as suas responsabilidades e obrigações garantidas, conforme minuta em anexo (Anexo 10)”.
Sucede que, (…) A entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II [beneficiária/credora], a PARTICIPADA do Requerente”. Seguidamente à comunicação desta àquela relativamente a encontrarem-se reunidas as condições para a outorga da escritura de transmissão do terreno, a GG “procedeu ao agendamento da escritura pública para a transmissão do terreno “...” a favor da II, o que comunicou à II para que esta e a sua empresa relacionada KK comparecem na referida escritura”, sendo que estas não compareceram na data agendada. “Ou seja, de um momento para o outro, a escritura pública de transmissão do terreno que era condição para a anulação da Garantia e que a GG assegurou que se realizasse, não ocorreu porque a II simplesmente “desapareceu do mapa”, nunca mais retornando os contactos da GG, a qual em 06/07/2021 procedeu à notificação judicial avulsa para interpelação admonitória para o agendamento das escrituras, que não mereceu reacção.
Perante a prova inequívoca da impossibilidade objectiva de cumprimento das obrigações garantidas, por facto imputável à sua participada II, extinguiram-se as obrigações garantias e com elas, a Garantia dos autos. Trata-se de uma situação clara de incumprimento por parte do próprio credor”, sendo “evidente que qualquer solicitação de pagamento das garantias bancárias pela II seria, necessariamente, fraudulenta, desprovida de qualquer sentido ou justificação”.
Não existe, assim, sequer, qualquer direito de crédito da II sobre a GG que pudesse ter sido cedido ao Requerente. (…) Nem os revisores de contas da II conseguem, sequer, afirmar a existência de tal crédito, emitindo, pelo menos desde o ano de 2021, sucessivas Escusas de Opinião quanto à comprovação do alegado saldo credor da II sobre as entidades do LL [actualmente HH], com fundamento na manifesta impossibilidade de obter evidências suficientes que pudessem comprovar a existência de tal crédito”.
Perante a interpelação para pagamento, a GG reclamou, rejeitando ser responsável.
O Requerido invoca uma segunda situação de fraude/abuso de direito do Requerente, pois que ao “interpelar o Requerido para pagamento, o Requerente, além de não alegar quaisquer factos concretizadores do incumprimento da GG que pudessem estar na base da sua solicitação, nada disse ou mencionou quanto à reclamação formulada pela GG, exigindo o pagamento ao Requerido como se os factos ali descritos não tivessem qualquer tipo de relevância ou simplesmente nenhuma resposta tivesse recebido”. “O Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II, que há diversos anos se encontrava em incumprimento definitivo do contrato base” (…) “O Requerente, enquanto titular de 12.5% do capital social da II e ainda titular de um penhor sobre 82,50% do capital social daquela empresa [cfr. Cláusula 8.ª dos Contratos de financiamento concedidos à II, juntos como Docs. 11 e 12 à PI do Requerente], mesmo na posse de todos estes elementos, NADA FEZ, a não ser exigir o pagamento de valores que bem sabia não lhe serem devidos”!
Uma terceira situação de fraude/abuso de direito, é ainda invocada pelo Requerido, pois que “o Requerente na sua senda de má-fé e flagrante abuso de direito, alega ter concedido, em 2010, dois financiamentos à sociedade II, em montantes correspondentes a USD 10.000.000,00 (…)” que a II não lhe reembolsou, sendo, segundo “alega (…) titular de um crédito (…) no montante global de USD 18.040.860,41”, e “Sendo que, é desse alegado direito de crédito detido sobre a II, que deriva o direito de crédito de que se arroga titular sobre o Requerido”. Mas, “a II não” é “apenas (…) “mais um” cliente do Requerente, mas sim (…) uma subsidiária do Requerente desde o ano em que esta foi constituída - isto é, desde 2007”, situação que se manteve até, pelo menos, 2023.
O Requerente é uma instituição financeira, pelo que está sujeita a regras de relato financeiro específicas que exigem, desde logo e de entre outras obrigações, o disclosure de transacções que efectua com as suas partes relacionadas”.
Ao longo dos últimos 17 (dezassete) anos, a II manteve-se na esfera de partes relacionadas do Requerente, tendo sido sempre identificada nas demonstrações financeiras do Requerente como se tratando de uma sua entidade participada nas quais o Requerente exerce influência significativa no que toca a tomadas de decisão”. “A manifestação desta especial relação entre as duas entidades fica patente a vários níveis, de entre os quais o facto de um dos principais intervenientes no negócio em Angola [o Administrador da II MM], ter sido também Administrador do Requerente pelo menos no período de 2011 a 2016”. (…) “com base na documentação financeira do Requerente, disponibilizada online, o Requerido conseguiu apurar que”, o Requerente, “não é credor de quaisquer montantes sobre a II”, pois que “o Requerente vendeu todos e quaisquer créditos que detinha sobre a sociedade II a uma entidade relacionada da sua accionista maioritária Fundação Oriente”. Assim, à “data da instauração da acção executiva contra o Requerido, já não era titular de quaisquer créditos sobre a II”. De tal venda, o Requerente foi compensado e integralmente ressarcido. E por força da venda dos créditos, “todos e quaisquer poderes e/ou direitos de crédito de que o Requerente se arrogou titular sobre a II por força da procuração irrevogável que foi outorgada por esta última a seu favor, deixam de produzir quaisquer efeitos na medida em que se extingue qualquer direito ou interesse que o Requerente pudesse ter sobre a sua manutenção”. “Daqui resulta que, a ser considerado devido qualquer direito de crédito do Requerente sobre o Requerido [com base no alegado direito de crédito do Requerente sobre a II], demonstrado que ficou que o Requerente não detém qualquer crédito sobre a II muito antes da instauração da acção executiva”. “O pagamento de quaisquer valores ao Requerente pelo Requerido comportaria, no mínimo, o enriquecimento ilícito e injustificado do Requerente, bem como a falta de legitimidade para reclamar quaisquer créditos na qualidade de seu credor”.
Sustentou ainda o Requerido que, mesmo que estivessem “verificados todos os pressupostos formais e de facto necessários para que as garantias fossem validamente accionadas (…) nunca poderia o Requerente arrogar-se “beneficiário” da Garantia dos autos”.
Desenvolve que o “Requerente refere ter adquirido um direito de crédito da II sobre a GG e que por força dessa cessão, o alegado crédito cedido foi acompanhado pelas respectivas garantias, incluindo a Garantia dos autos”. Mas, “pela própria natureza autónoma da Garantia, a sua transmissão em acompanhamento da transmissão do crédito garantido, exige o consentimento do Requerido para o efeito”, consentimento esse que não foi prestado. O “artigo 582.º, n.º 1 do CC não é aplicável em sede de garantias autónomas, por contender naturalmente com a sua autonomia”. Acresce que ao “assumir o compromisso de emitir a Garantia, o Requerido teve em atenção a pessoa do beneficiário …, logo, seria fundamental o consentimento expresso do Requerido para a transmissão do beneficiário da Garantia”.
Louva-se na doutrina – “cfr. M. Jardim, «A Garantia Autónoma», Almedina, 2002, Coimbra, pág. 134”, para defender que “a falta de prestação de consentimento por parte do garante conduz à extinção da própria garantia bancária, pois, nas suas palavras, «sendo indispensável para a cessão do direito de garantia o acordo do garante, caso seja cedido o crédito garantido, não dando o garante consentimento para a transferência do direito de garantia, este extingue-se».
Conclui que “ainda que se admitisse a cessão de qualquer direito de crédito pela II a favor do Requerente, este nunca seria acompanhado pela Garantia dada à execução sem o consentimento do Requerido”.
Invoca que “Resulta claro e evidente que, na cabeça do requerente, a(s) garantia(s) bancária(s) emitidas pelo Requerido, serviam para garantir o reembolso dos financiamentos que concedeu à II – e não propriamente para caucionar o incumprimento das obrigações a cargo da GG perante a II ao abrigo do contrato promessa de transmissão de participações sociais e respectivos Aditamentos”. Porém, “(…) Uma garantia bancária, ainda que on first demand, não equivale a um cheque em branco. (…) O accionamento das garantias em causa pressupunha o incumprimento das obrigações garantidas. (…) Em bom rigor, para garantir uma operação de crédito no valor de USD 10.000.000,00, o Requerente aceitou receber em troca uma procuração irrevogável que, no máximo e apenas por mera hipótese de raciocínio, lhe permitiria ser pago pela GG caso, um dia mais tarde, esta incumprisse o contrato promessa e ficasse a dever quaisquer quantias à II. (…) Aquela procuração não conferia ao Requerente quaisquer poderes para se imiscuir na relação contratual base, celebrada entre as partes, isto é, no contrato-base. (…) o Requerente (…) não sucedeu na posição contratual da II no âmbito do contrato que subjaz à garantia emitida”. Assim, o contrato-base “continuaria a ser livremente modificável por vontade das partes contratantes, e o Requerente teria obrigatoriamente de se conformar com a possível inexistência daqueles direitos”. Não é admissível a defesa da tese de que, por via da procuração, a II “não tinha poderes para proceder à anulação e/ou cancelamento das garantias bancárias sem o consentimento do Requerente”. (…) A procuração irrevogável outorgada pela II não contempla a cedência de quaisquer créditos sobre a GG a favor do Requerente”.
“(…) o Requerente tinha pleno conhecimento de todos os acordos, da evolução das negociações entre as partes e teve, muito provavelmente, uma palavra relevante a dizer acerca de todas elas. (…) O Requerente, como se viu, era uma parte relacionada da II, pelo que não tinha como ignorar a situação de incumprimento imputável à sua própria participada. (…) Ainda assim, o Requerente não se coibiu de fazer tábua rasa daquela que era a realidade dos factos, e requerer abusivamente o accionamento das garantias emitidas pelo Requerido, bem sabendo que aquele pagamento não era devido”.
Conclui que “não podem restar dúvidas de que as pretensões do Requerente são fraudulentas, dolosas, abusivas e revestidas de má-fé, e que a recusa de pagamento por parte do Requerido das quantias tituladas por qualquer uma das garantias bancárias, se encontra perfeitamente justificada (…) Sob pena de, pagando aquelas quantias, a GG poder, legitimamente, escusar-se ao reembolso do Requerido no âmbito de eventual acção de regresso”.
Relativamente ao pressuposto relacionado com o fundado receio de perda da garantia patrimonial, sustenta a requerida que o mesmo se baseia “unicamente em notícias públicas e especulações mediáticas que referem uma eventual situação de insolvência do Requerido”, não estando demonstrado “qualquer acto ou intenção do Requerido de dissipar ou ocultar o seu património, sendo que as meras notícias públicas não constituem prova bastante para o efeito”. Além disso, o “Requerido é titular de um património significativo, estando as suas dificuldades manifestamente relacionadas com problemas de liquidez, e não há, até à presente data, qualquer acção de insolvência instaurada contra si, nem factos que comprovem uma situação de incapacidade financeira iminente”.
Mais, não pode confundir-se “a recusa, lícita, de proceder ao pagamento dos montantes titulados pelas garantias”, com qualquer intenção do Requerido se eximir às suas responsabilidades.
Sustentou também que o valor arrestado foi excessivo - € 12.422.102,97 - tendo o arresto sido decretado até €10.587.877,90, requerendo ao tribunal “se digne ordenar o levantamento urgente do arresto sobre €1.834225,07 de saldos bancários do Requerido ou, subsidiariamente, que seja reduzido o arresto sobre os valores mobiliários em igual montante”.
Sustenta também a desproporcionalidade do arresto pois, “Não obstante o mercado Angolano ser o único onde o Requerido centra a sua actividade, o Requerido tem de fazer face às despesas incorridas junto dos seus fornecedores/parceiros bem como às necessidades dos seus clientes, o que importa que tenha de executar operações em moeda estrangeira (…) tendo para tanto de “deter valores em moeda estrangeira em bancos correspondentes no estrangeiro para que os seus clientes possam efectuar operações para fora do país (Angola) como sendo pagamento de fornecedores, importações, gastos de cartões de crédito, etc”. Ora, por “força do arresto, que se estendeu a todas as contas bancárias detidas pelo Requerido em Portugal, este viu paralisada grande parte da sua actividade internacional, o que comporta prejuízos sérios e de difícil reparação, quer para o Requerido, quer para o sistema financeiro Angolano”.
Com “o arresto decretado o Requerido viu as suas operações bloqueadas e encontra-se actualmente em incumprimento das suas obrigações enquanto entidade bancária, para além dos prejuízos reputacionais que está a sofrer perante os seus parceiros e clientes que estão a recusar operações de crédito e outras necessárias à actividade do Requerido”. “(…) o Requerido é uma instituição de crédito com importância sistémica, que tem vindo a enfrentar sérias dificuldades de liquidez ao longo dos últimos anos”.
Aliás, o “Requerido tem actualmente em curso a execução de um plano de recuperação cuja implementação é supervisionada pelo Banco Nacional de Angola, que é irremediavelmente colocado em causa a partir da paralisação da sua transaccionalidade externa”. (…) “o arresto foi decretado sem ter em conta a actividade do Requerido, o reduzido volume de liquidez de que dispõe em Portugal face às operações que tem de executar, bem como o impacto e prejuízos que essa decisão lhe poderiam acarretar”, afigurando-se “claro que o prejuízo causado pela manutenção do arresto é manifestamente superior ao alegado direito do Requerente que o arresto pretendia acautelar, pelo que se requer a sua revogação”.
Chama finalmente o Requerido a atenção para que, da “documentação junta aos autos pelo Requerente, resulta ainda demonstrado que o Requerente beneficiava de outras garantias inerentes aos financiamentos que concedeu à II [penhor de primeiro grau sobre 87,50% do capital social daquela empresa], que não acionou com vista a ver-se ressarcida pelos mútuos que concedeu”. Além de que os “contratos de financiamento encontravam-se dotados de exequibilidade, pelo que o Requerente poderia ter intentado a respectiva acção executiva contra a II com vista a ser ressarcida pelos financiamentos que concedeu, à custa do património da II”.
Requereu, por fim a prestação de caução por parte do Requerente, estimando-a, “em face da actividade desenvolvida pelo Requerido e da sua dimensão, que os danos reputacionais estimados se traduzam em cerca de EUR 18.010.745,91
*
O Requerente pronunciou-se “sobre as acusações de má fé e conduta fraudulenta que contra si foram apresentadas, bem como sobre o pedido de prestação de caução formulado, e ainda sobre os documentos apresentados”.
*
Procedeu-se à audiência final, em várias sessões, sendo seguidamente proferida decisão final do seguinte teor:
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a oposição deduzida e, em consequência, decide-se manter na íntegra o arresto ordenado.
Custas a cargo do requerido, nos termos sobreditos”.
*
Inconformado, o Requerido interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. Vem o Recorrente apresentar as suas alegações de recurso da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 06/01/2025 [Ref.ª 441371981], a qual constitui complemento e parte integrante da decisão que decretou o arresto em 15/07/2024 [Ref.ª 437277289] (“Sentença Recorrida”) , tendo por objecto a (i) nulidade da sentença; (ii) a decisão proferida em matéria de facto; e ainda (iii) a decisão proferida em matéria de Direito, com a explanação a este Tribunal Superior do sentido com que, no entender do Recorrente, as normas jurídicas adequadas ao caso deveriam ter sido aplicadas pelo Tribunal a quo, tudo em cumprimento do disposto nos artigos 639.º e 640.º, do Código de Processo Civil.
B. A douta decisão recorrida decidiu manter o arresto, considerando que “Em face dos factos que o requerido conseguiu provar, conclui-se que inexistem elementos novos que imponham uma alteração da decisão na fase inicial” [sublinhado nosso, cfr. pág. 16 da sentença que manteve o arresto].
C. Está em causa uma decisão proferida pela 1.ª instância que pôs termo a procedimento cautelar, da qual cabe apelação autónoma nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 644.º do CPC in fine.
D. O presente recurso tem ainda por objecto a repreciação da prova gravada, pelo que ao prazo de interposição acrescem 10 dias, conforme determina o n.º 7 do artigo 638.º do CPC.
E. Com o devido respeito, que é muito, considera o Recorrente que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia, porquanto não recaiu qualquer pronúncia judicial sobre as seguintes matérias invocadas pelo Recorrente em sede de Oposição: a) Ilegitimidade do Arrestante/Recorrido – cfr. invocado pelo Arrestado/Recorrente nos artigos 119.º a 128.º da Oposição; b) Revelia na (alegada) transmissão dos direitos da II) sobre a garantia bancária dos autos, a favor do Arrestante/Recorrido - cfr. invocado pelo Arrestado/Recorrente nos artigos 129.º a 139.º da Oposição; c) Má-fé/fraude do Arrestante/Recorrido quanto às obrigações garantidas e ao evento gerador do crédito da garantia - cfr. invocado pelo Arrestado/Recorrente nos artigos 140.º a 154.º da Oposição.
F. No modesto entendimento do Recorrente, não poderia o julgador a quo deixar de se pronunciar sobre tais questões, na medida em que traduzem matéria de exceção capaz de conduzir à improcedência da pretensão do Arrestante/Recorrido, que foram submetidas à apreciação do julgador, objecto de prova, e sobre as quais não recaiu qualquer pronúncia judicial.
G. Considera, assim, o Arrestado/Recorrente, com o devido respeito, e que é muito, que a sentença recorrida deverá ser declarada nula por Vossas Excelências, por padecer do vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), n.º 1 do art. 615.º do CPC, o que se requer.
H. Com o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impunham decisão diversa quanto à matéria de facto elencada na sentença recorrida.
I. Na sentença recorrida, foi dado como facto assente (3.23 da decisão inicial que decretou o arresto) que “Não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido, especificamente, nem o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre a Solicitante e a Beneficiária foi declarado cessado por decisão definitiva transitada em julgado, nem foi declarado cessado pelas partes em documento assinado com as respetivas assinaturas reconhecidas, conforme estabelecem as Garantias prestadas”.
J. Com o devido respeito, e que é muito, o Recorrente entende que os factos provados sob o n.º 3.23 da decisão inicial que decretou o arresto, conjugados com o depoimento prestado pela testemunha NN na sessão de julgamento de 16-12-2024 (gravadas em sistema informático Citius dos 00:04:00 aos 00:07:31 e dos 00:48:13 aos 00:49:32, cuja reapreciação se requer por este Tribunal superior), e com o Doc. 13 junto à PI, Doc. 4 junto à Oposição, Docs. 1 e 2 juntos à resposta à Oposição, impunham decisão diversa, pois na óptica do Arrestado/Recorrente, ocorreu, de facto, uma causa de extinção da garantia bancária dos autos.
K. Considera assim o Recorrente que a prova documental junta aos autos, designadamente o Doc. 13 junto à PI, Doc. 4 junto à Oposição, Docs. 1 e 2 juntos à resposta à Oposição, conjugada com prova gravada referente às declarações prestadas pela testemunha NN na sessão de julgamento de 16-12-2024 (gravadas em sistema informático Citius dos 00:04:00 aos 00:07:31 e dos 00:48:13 aos 00:49:32, cuja reapreciação se requer por este Tribunal superior), têm necessariamente de ser alvo de reapreciação por este Tribunal ad quem, e, em consequência:
a. Ser eliminado do ponto 3.23 dos factos provados que “não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido”;
b. Ser aditado ao elenco de factos provados que: “BB não foi informado, nem deu o seu consentimento, para a transmissão de direitos sobre as garantias bancárias pela II a favor do Arrestante”;
c. Ser aditado ao elenco de factos não provados que, ”através da mencionada Procuração, a Beneficiária das garantias cedeu ao Requerente o direito de crédito de que era titular sobre a Solicitante relativamente ao Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais referido”, cfr artigo 24.º da PI do Recorrido.
L. Considera ainda o Recorrente que, por se encontrarem plenamente provados pelo Doc. 4 junto à Oposição ao arresto e serem relevantes para a boa decisão desta causa, devem ser aditados à matéria assente os seguintes factos:
“Nos termos do Aditamento n.º 4 ao Contrato Promessa, celebrado em 27 de Junho de 2019, a II e a GG acordaram em revogar todo o acordado de carácter substancial no Contrato Promessa, nomeadamente da obrigação de pagamento em dinheiro (USD 12.500.000,00), substituindo-a pela obrigação de transmissão da titularidade do projecto imobiliário “...” para a II, e de 1.240m2 de área vendável das frações autónomas do projeto imobiliário “...”, sendo a data da escritura do “...” a data em que a II se obrigou a anular a garantia bancária n.º 18/10”.
M. Considera ainda o Recorrente que, por se encontrarem plenamente provados pelo Doc. 3 junto à resposta à Oposição e serem relevantes para a boa decisão desta causa, devem ser aditados à matéria assente os seguintes factos:
“Em 5 de Abril de 2022, o AA celebrou um Contrato de Cessão de Créditos com a OO (“OO”), pelo qual transmitiu à OO todos os créditos que detinha sobre a II, acompanhados de todos os direitos, garantias e demais acessórios que lhe são afectos, sem qualquer reserva ou excepção” – conforme resulta da conjugação dos Artigos Primeiro, Segundo e Quinto, al. c) do Contrato de Cessão de Créditos, Doc. 3 junto à resposta à Oposição.
N. Considera ainda o Recorrente que, por se encontrarem plenamente provados pelo Doc. 4 junto à resposta à Oposição e serem relevantes para a boa decisão desta causa, devem ser aditados à matéria assente os seguintes factos:
“Em 4 de Julho de 2022, a OO celebrou com o AA um Contrato de Mandato sem Representação, nos termos do qual a OO conferiu mandato aoAApara a prática de todos os actos necessários à cobrança dos créditos detidos pela OO sobre a II” – conforme resulta do Artigo Primeiro do Doc. 4 junto à resposta à Oposição.
O. Foram ainda dados como não provados na sentença que manteve o arresto, os seguintes factos:
“Que a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II”; e
“Que o Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II”.
P. Contudo, considera o Recorrente que a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com a prova documental junta aos autos, impunha decisão diversa.
Q. Quanto ao facto não provado “a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II”, entende o Recorrente que os factos dados como provados sob os n.ºs 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31 e 3.32 da sentença que manteve o arresto, conjugados com os Documentos n.º 9 e 13 juntos à Oposição ao Arresto, bem como o depoimento prestado pela testemunha NN na audiência de julgamento de 16-12-2024 (gravadas em sistema informático Citius dos 00:37:10 aos 00:43:00), foram incorrectamente apreciados pelo Tribunal a quo.
R. Entende-se, assim, que o Tribunal ad quem deverá relegar para o elenco dos factos provados: “Que a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II”, com o aditamento da referência “e ao ARRESTANTE”.
S. Quanto ao facto não provado “o Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II”, entende o Recorrente que os elementos de prova referenciados no ponto Q supra, bem como os factos dados como assentes sob o n.º 3.24 da sentença que manteve o arresto, conjugada com os Docs. n.º 5, 6, 7 e 13 juntos à Oposição ao Arresto, bem como o depoimento prestado pela testemunha NN na audiência de julgamento de 16-12-2024 (gravado em sistema informático Citius dos 00:31:01 aos 00:35:22), foram incorrectamente apreciados pelo Tribunal a quo.
T. Com base nos elementos probatórios supra indicados, entende-se, assim, que se impõe relegar os referidos factos para o elenco de factos provados, com a alteração que seguidamente se propõe: “Que o Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos a si directamente imputáveis”.
U. Vem ainda o Recorrente apresentar a sua apelação da decisão proferida em matéria de Direito, pois considera, com todo o devido respeito, que é muito, que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação aos factos do disposto nos (i) artigos 53.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, do CPC, conjugado com os artigos 261.º, 262.º e 577.º, n.º 1 do CC; (ii) artigo 582.º, n.º 1 do CC; e ainda nos (iii) artigos 391.º, n.º 1 e 393.º, n.º 1, do CPC.
V. No entendimento do Recorrente, a correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 53.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, do CPC, conjugado com os artigos 261.º, 262.º e 577.º, n.º 1 do CC, deveria ter conduzido o Tribunal a quo a julgar que a procuração irrevogável junta aos autos serviu somente o propósito de conferir poderes de representação ao Arrestante/Recorrido, não titulando a cessão de quaisquer créditos da II sobre a GG, a favor do Arrestante/Recorrido, muito menos da garantia bancária dos autos, pelo que não se encontrava o Arrestante/Recorrido legitimado a intentar o arresto contra o Recorrente.
W. Sem conceder, entende ainda o Recorrente que a correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 582.º, n.º 1 do CC, deveria ter conduzido o Tribunal a quo a julgar que, a ter ocorrido a cessão dos créditos da II, sobre a GG, a favor do Arrestante/Recorrido (o que não se concede), não se transmitiria com aquele crédito, sem o consentimento do garante, a garantia bancária dos autos.
X. A considerar-se que a referida cessão ocorreu, e que com ela se transmitiu a garantia dos autos, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, tal comportaria a extinção da garantia bancária dos autos, e, consequentemente, que a inexistência de qualquer crédito do Arrestante/Recorrido sobre o Recorrente.
Y. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, e considere o Tribunal ad quem existir crédito do Arrestante/Recorrido sobre o Arrestado/Recorrente, sempre se dirá que, em face da prova testemunhal e documental produzida, o Arrestado/Recorrente tem motivos para legitimamente recusar o pagamento da quantia titulada pela garantia dos autos.
Z. Neste caso, entende-se que os Docs. 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 13 juntos à Oposição ao arresto, conjugados com os factos assentes sob o n.º 3.25 da decisão que decretou o arresto, sob os n.ºs 3.24, 3.25 e 3.26 da sentença que manteve o arresto, e com aqueles cuja alteração e aditamento se requerem ao abrigo do capítulo II da presente apelação, demonstram, de forma inequívoca, a existência de fraude e violação do princípio da boa-fé por parte do Arrestante/Recorrido, ao accionar a garantia bancária dos autos.
AA. Como tal, com o devido respeito, e que é muito, considera o Recorrente que o julgador a quo procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 334.º, 762.º, n.º 2 e 585.º do Código Civil, cuja correcta interpretação e aplicação aos factos impunham que o julgador a quo julgasse legítima a recusa de pagamento pelo Arrestado/Recorrente com fundamento na existência de fraude e abuso de direito por parte do Arrestante.
BB. Em qualquer caso, sempre se dirá que em face de todos os argumentos apresentados e prova escalpelizada, que o Recorrente nada deve ao Arrestante/Recorrido e, como tal, que não existe qualquer crédito que deva ser acautelado ao abrigo do arresto recorrido.
CC. Como tal, o Recorrente tem necessariamente de considerar, com todo o devido respeito, que o julgador a quo procedeu ainda a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 391.º, n.º 1, e 393.º, n.º 1 do CPC, cuja correcta interpretação e aplicação impunham o indeferimento do arresto, com base na ausência de crédito do requerente sobre o requerido (fumus boni iuris).
(…)
Nestes termos e nos demais de Direito que V/ Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado totalmente procedente, requerendo-se a V/Exas. se dignem: a) Declarar nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC; b) Revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue integralmente procedente a oposição apresentada pelo Recorrente, com a consequente revogação do arresto decretado.
*
Contra-alegou a recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:
A) O Recorrente vem alegar a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, porquanto (…)
B) Ora, “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”
C) Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”»
D) E de facto, como decorre com cristalina clareza da Sentença, «Com efeito, conforme se referiu na decisão inicial, “O pagamento à 1ª solicitação (on first demand), se assumido pelo garante, implica a sua obrigação de pagar ao beneficiário a indemnização objecto da garantia, não podendo serem-lhe opostas quaisquer excepções reportadas à relação principal, a menos que haja evidentes indícios de má fé.»
E) Concluindo, «No caso dos autos, salvo melhor entendimento, não se vislumbra a existência de factos que demonstrem de forma evidente má fé do requerente quando acionou a garantia bancária.»
F) Daí que, sendo dado como não provado «Que a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II; que o Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II», não poderia ser outra a decisão do Juiz a quo.
G) Que, aliás, acrescentou: «Aqui se consigna, que a restante matéria alegada ou é conclusiva ou de direito ou sem qualquer interesse para a boa decisão da presente oposição».
H) Assim, a pretensão do Recorrente, no que concerne ao fundamento invocado para a alegada nulidade da Sentença, não pode proceder, visto que a mesma Sentença não padece do referido vício de omissão de pronúncia, não podendo dar-se provimento ao pedido de declaração de nulidade formulado pelo Recorrente.
I) Não tem razão o Recorrente quando alega que a prova documental e testemunhal produzida nos autos impõe uma decisão diversa quanto à matéria de facto tida como provada e não provada.
J) Quanto ao Facto Provado 3.23 (da decisão inicial que decretou o arresto) a apreciação e consequente conclusão do Juiz a quo está integralmente em consonância com a prova produzida nos autos e nem sequer é colocada em causa pelos testemunhos invocados pelo Recorrente, devendo manter-se nos mesmos termos.
K) Nem tão pouco faz sentido a pretensão do Recorrente de aditamento aos factos provados que “o BB não foi informado nem deu o seu consentimento para a transmissão de direitos sobre as garantias bancárias pela II a favor do Arrestante”, desde logo porque tal facto não tem qualquer relevância jurídica, devendo tal pretensão ser indeferida.
L) E o mesmo se diga da pretensão de aditamento aos factos não provados de que “através da mencionada Procuração, a Beneficiária das garantias cedeu ao Requerente o direito de crédito de que era titular sobre a Solicitante relativamente ao Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais referido”, até porque, antes de mais, não se trata aqui sequer de um facto, mas de uma conclusão jurídica.
M) Ou seja, dever-se-á manter o Facto Provado 3.23 (da decisão inicial que decretou o arresto) nos seus exactos termos, não havendo ainda lugar ao aditamento do “facto provado” e do “facto não provado” requeridos pelo Recorrente, tudo no parágrafo 36 das alegações de recurso.
N) Não pode, ainda, ser deferido o aditamento do seguinte aos factos assentes: «Nos termos do Aditamento n.º 4 ao Contrato Promessa, celebrado em 27 de Junho de 2019, a II e a GG acordaram em revogar todo o acordado de carácter substancial no Contrato Promessa, nomeadamente da obrigação de pagamento em dinheiro (USD 12.500.000,00), substituindo-a pela obrigação de transmissão da titularidade do projecto imobiliário “...” para a II, e de 1.240m2 de área vendável das frações autónomas do projeto imobiliário “...”, sendo a data da escritura do “...” a data em que a II se obrigou a anular a garantia bancária n.º 18/10». (parágrafo 48 das alegações de recurso).
O) Estes “factos” são irrelevantes para os autos, uma vez que, como bem expresso na Sentença, «só o requerente na qualidade de beneficiário da garantia autónoma à primeira solicitação, tinha legitimidade para cancelar aquela, o que não sucedeu, pois, o que fez, foi accioná-la» e «à entidade garante competia assim efectuar o pagamento para que foi interpelada, assistindo-lhe o correlativo direito a accionar os mecanismos tendentes a reaver o quantitativo pago, sendo que a devedora, se considerar que o pagamento era indevido, deveria/á então accionar a credora para com ela discutir as questões inerentes ao incumprimento do contrato-base e, sendo caso disso, ver-se ressarcida.»
P) Ao que acresce que o que o Recorrente pretende que venha a constar do aditamento não resulta de forma alguma da prova documental e testemunhal dos autos.
Q) Como resulta evidente da leitura da Cláusula 3 do Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais, celebrado em 24 de julho de 2009, entre a GG e a II (Doc. n.º 8 junto com o requerimento inicial), o valor de USD 12.500.000,00 era apena um “preço mínimo”, sendo que o preço global resultaria da efectiva venda das fracções, podendo a Promitente Compradora (a GG) optar – livremente, de sua iniciativa e sem sequer requerer para tanto o acordo da Promitente Vendedora (a II) para exercer essa opção - por um pagamento em espécie à Promitente Vendedora (a II) do “preço global”, tendo, ainda convencionado entregar, “por conta do preço”, uma loja, isto é, também um pagamento em espécie. Isto mesmo resulta também com clareza do depoimento de PP de 16-12-2014, transcrito no parágrafo 28 das presentes contra-alegações, bem como do depoimento de NN, de 16-12-2024, transcrito no parágrafo 29 das presentes contra-alegações.
R) Nunca existiu um preço em numerário predeterminado de USD 12.500.000,00, mas apenas uma garantia de pagamento de um valor correspondente a, “pelo menos” esse valor, como compensação para o caso de o projectado preço global, em espécie e não predeterminado, vir a revelar-se inferior a esse preço mínimo.
S) Vem, ainda, o Recorrente pretender o aditamento aos factos assentes da matéria que descreve nos parágrafos 49 e 50 das alegações de recurso, cuja pertinência é manifestamente inexistente para os autos, pelo que não pode ser deferido.
T) Por sua vez, quanto à pretensão do Recorrente de que o Facto Não Provado na Sentença de «que a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II» deva antes ser dado como assente, buscando dessa forma demonstrar o incumprimento definitivo do contrato base pela beneficiária da garantia bancária dos autos (a II), não será demais relembrar a sua irrelevância jurídica, em face do teor da garantia (autónoma e à primeira solicitação).
U) Sendo que, ademais, o que resulta dos autos corrobora na íntegra a decisão do Juiz a quo. Desde logo, o Recorrente não provou (nem tinha como provar, porque simplesmente não ocorreu), que as premissas constantes da comunicação de 07 de agosto de 2019, citada e transcrita nos factos dados como provados 3.27 a 3.28 se tivessem verificado, uma vez que a primeira delas (e essencial) – a cessão pelo AA do crédito que detém sobre a UL à sociedade angolana QQ – nunca se verificou.
V) E, sobretudo, porque o cumprimento das obrigações da GG (ou das sociedades que lhe sucederam) no Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais e nos sucessivos Aditamentos, não era (nem podia ser) parcelar, mas antes teria que ser integral.
W) Ou seja, não bastaria realizar a escritura de “...” para se considerar cumprida qualquer obrigação decorrente do Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais.
X) O cumprimento dependeria, ainda, da escritura (ou escrituras) de “...”, uma vez que a totalidade das participações sociais da JJ (e os terrenos de sua propriedade) já tinham transitado para a GG (ou as sociedades que lhe sucederem), nada tendo sido pago à II em contrapartida, o que é reiterado pelo depoimento de NN, de 24-01-2025, transcrito no parágrafo 43 das presentes contra-alegações.
Y) Sucede também, contrariamente ao que consta da Sentença, no facto provado 3.31 (assumindo tratar-se de um mero lapso de escrita), a Notificação Judicial Avulsa remetida pela GG em 06.07.2021 não consistiu em «interpelação admonitória para o agendamento das escrituras de transmissão dos imóveis», mas apenas para o agendamento da escritura de “...”, nada referindo quanto a “...”, como resulta da leitura da dita Notificação Judicial Avulsa.
Z) Ou seja, nunca o representante da II, NN, foi “convocado” para receber “...”, mas somente “...”, bem sabendo a GG (e as sociedades que lhe sucederam) que o cumprimento das obrigações decorrentes do Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais deveria ser integral e não parcelar e que as garantias bancárias existentes, designadamente a dos autos, se destinavam a assegurar o mesmo cumprimento integral.
AA) Em suma, a GG (e as sociedades que lhe sucederam) não cumpriram as obrigações asseguradas pela garantia bancária, porquanto receberam as participações sociais (ou as sociedades do grupo que veio a indicar receberam pela GG), mas a II nada recebeu em contrapartida.
BB) Sendo certo que a escritura de “...” efetivamente não se realizou, mas tal não decorreu de motivo imputável à II e, claramente, também não decorreu de motivo imputável ao Recorrido, tal, necessariamente, prejudica em definitivo a pretensão do Recorrente de que o Facto Não Provado da Sentença de que «o Arrestante acionou as garantias bancárias, incluindo a garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II» seja antes dado como assente, o que não poderá ser deferido.
CC) Sustenta o Recorrente que «a garantia bancária dos autos tem natureza autónoma e à primeira solicitação (on first demand)» e que «as garantias que reúnam tal característica são, em via de regra, concedidas atendendo às qualidades pessoais do primitivo credor, pelo que não se transmitem com o alegado crédito cedido.»
DD) Mas, não é assim, uma vez que é antes a capacidade patrimonial do solicitante da garantia bancária que releva para o banco garante, ou seja, do seu cliente (i.e., o devedor no contrato-base) que lhe contratou (e pagou) a emissão de uma garantia. A capacidade patrimonial do beneficiário da garantia bancária é irrelevante para o banco garante, visto que, em caso de execução de uma garantia bancária, este poderá ressarcir-se imediatamente junto do seu cliente, que o deverá reembolsar da quantia paga ao beneficiário. Qualquer litígio referente ao pagamento indevido do montante garantido será, depois, discutido entre o devedor no contrato-base e o beneficiário, num momento em que o banco garante já se encontra ressarcido do montante entregue a este último.
EE) Acresce que, consubstanciando a garantia bancária uma relação contratual própria entre o garante e o beneficiário, a mesma poderá ser cedida por este último a um terceiro e essa cessão ocorrerá no contexto de uma cessão de créditos.
FF) Não se provou, de todo, que quaisquer fundamentos para uma “legítima recusa” para o pagamento houvessem alguma vez existido, como evidencia a Sentença, que também aqui é lapidar.
GG) O Recorrente não logrou demonstrar qualquer factualidade superveniente que permitisse afastar os requisitos legais do arresto previstos nos artigos 391.º e seguintes do CPC.
HH) O Recorrente não demonstrou qualquer erro manifesto na apreciação das provas que justificasse a sua alteração pelo Tribunal ad quem, conforme determina o artigo 662.º do CPC.
II) Pelo contrário, a factualidade constante dos autos confirma a necessidade de manutenção da providência para garantia da satisfação do crédito do Recorrido.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, não deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação e, em consequência, não deve ser declarada nula e nem revogada a douta decisão recorrida.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são:
1 - Nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3 – Da revogação do arresto decretado por inexistência da aparência do direito pretendido acautelar.
*
III. Matéria de facto
O tribunal proferiu, antes da notificação do arresto ao Requerido, a seguinte – vamos chamar-lhe “primeira” – decisão em matéria de facto:
“Matéria de Facto Provada:
De relevante para a decisão da causa considero assente a seguinte factualidade:
3.1 O Requerente é uma pessoa coletiva constituída e registada em Portugal, que se dedica à realização de operações bancárias e a serviços financeiros conexos – conforme certidão permanente junta aos autos como doc. 1
3.2. O Banco Requerido foi constituído como uma subsidiária do banco português DD), controlada pelo EE), e designava-se como FF (FF
3.3. Para evitar a falência da subsidiária do DD, após a sua falência em Portugal, o Banco Nacional de Angola (BNA) intervencionou-a, passando em 2015 a ter a designação atual (BB) – docs. 2 a 5 junto com o requerimento inicial
3.4. A sociedade GG, constituída em Portugal (e sob o direito Português), registada com o número único de matrícula e de pessoa coletiva 503259241, em dezembro de 2018 passou a ter a firma HH A., tendo sede em Leiria, com objeto social genericamente relacionado com construção e venda de edifícios, urbanizações e loteamentos, empreitadas de obras públicas, administração, aluguer, compra e venda de propriedades – cfr certidão permanente junta com o requerimento inicial sob doc. nº 6
3.5. A sociedade II, constituída em Portugal (e sob o direito português) registada com o número único de matrícula e de pessoa coletiva 508160308, tendo sede em Belas, Sintra, com objeto social genericamente relacionado, entre outras atividades, com a indústria de construção civil e obras públicas, administração de bens mobiliários e imobiliários, compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim– cfr. certidão permanente junta com o requerimento inicial sob o nº 7
3.6. Em 24/07/2009, ambas as sociedades GG (atual HH) e a II, celebraram entre si um contrato promessa de transmissão de participações sociais, relativamente a uma empresa denominada JJ, e que previa, além de mais, operações imobiliárias com alguma complexidade no território angolano, nos termos do doc. nº 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.7. No âmbito desse referido contrato, e como garantia do seu integral cumprimento, foram emitidas duas garantias bancárias (Garantia n.º 18/10 e Garantia n.º 19/10) pelo, na altura, designado FF (FF), por ser um banco de primeira linha a operar no mercado português, nos montantes respetivamente de USD 9.5000.000 (nove milhões e quinhentos mil dólares americanos) e de USD 3.000.000 (três milhões de dólares americanos), cf. Cláusula 6.3 do contrato
3.8. Esta Cláusula 6.3 distinguia cada uma das garantias, prevendo expressamente que a Garantia n.º 18/10, no montante de USD 9.500.000, era on first demand e poderia ser acionada, mesmo em caso de incumprimento por causas de força maior (Cláusula 9.3 do contrato junto como Doc. n.º 8)
3.9. O que já não se previa para a Garantia n.º 19/10, no montante de USD 3.000.000, sobre a qual se previa a caducidade automática na verificação das referidas causas de força maior
3.10. Ambas as garantias bancárias foram emitidas em 29/04/2009 a pedido da sociedade GG (doravante apenas “Solicitante”) a favor da II (doravante apenas “Beneficiária”), sendo, no entanto, distintas no seu conteúdo, de resto, como já definira o próprio contrato celebrado entre as sociedades Solicitante e Beneficiária
3.11. Com efeito, a Garantia n.º 18/10, no valor de USD 9.500.000,00, foi prestada de forma irrevogável e incondicional, tendo a natureza de garantia autónoma, à primeira solicitação (on first demand), nos termos do doc. nº 9 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.12. A Garantia n.º 18/10, seria sempre paga, mesmo em caso de incumprimento por motivos de força maior
3.13. De acordo com o teor de ambas as Garantias n.º 18/10 e n.º 19/10, a única coisa em comum além das entidades Solicitante e Beneficiária, era a responsabilização do Banco, ora Requerido, pelo pagamento à II, até ao montante titulado, logo que esta o solicitasse, e desde que apresentasse cópia de carta remetida registada com aviso de receção à Solicitante a pedir a quantia reclamada, com, pelo menos 30 dias de antecedência relativamente à data da interpelação do Banco emissor
3.14. As demais condições são manifestamente distintas, revelando-se evidente a intenção, quer da sociedade Solicitante, quer do próprio Banco garante, de conferir especificamente à Garantia n.º 18/10, autonomia relativamente à relação subjacente, assumindo o banco garante expressamente uma obrigação de carácter irrevogável, incondicional e sem possibilidade de caducar, mesmo em casos de incumprimento por causas de força maior
3.15. O Banco, ora Requerente, no âmbito da sua atividade e das operações financeiras que realiza e gere, concedeu diversos créditos à sociedade Beneficiária, II, titulados através de contratos de mútuo, em montantes correspondentes a USD 10.000.000,00 (dez milhões de dólares dos Estados Unidos), nos termos do contrato de abertura de crédito em conta corrente junto aos autos como doc. nº 11 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.16. Através do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, junto como doc. nº 11, o Requerente concedeu à Beneficiária crédito até ao limite de USD 2.000.000,00 (dois milhões de dólares dos Estados Unidos) destinado a Apoio de Tesouraria da Beneficiária e através do Contrato de Mútuo, junto como Doc. n.º 12, o Requerente concedeu à Beneficiária um empréstimo no montante de USD 8.000.000,00 (oito milhões de dólares dos Estados Unidos) destinado a Apoio ao Investimento
3.17. Nos termos contratualmente ajustados, a Beneficiária obrigou-se a reembolsar o Requerente até ao final do prazo do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, ou seja, até ao dia 24 de março de 2011, uma vez que o dito Contrato não foi objeto de qualquer renovação, mas não fez tal reembolso (cf. Cláusula 6.ª, n.º 1 do Doc. n.º 11, o mesmo se verificando quanto ao Contrato de Mútuo, que deveria ter sido amortizado no prazo de cinco anos, após a assinatura do contrato, que ocorreu em 24 de setembro de 2010, mas também não o foi nem foi objeto de qualquer renovação (cf. Cláusulas 2.ª e 5.ª, nº 1 do Doc. n.º 12 )
3.18. Além disso, a Beneficiária e o Requerente acordaram na alínea b) do n.º 2 das Cláusulas 6.ª do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente e do Contrato de Mútuo (cujo texto é igual) que: “2. Sem prejuízo do disposto no número anterior e verificando-se alguma das circunstâncias enunciadas nas alíneas seguintes, será obrigatoriamente utilizado para amortizar o saldo que a conta corrente apresentar:
(…)
os montantes que a MUTUÁRIA (BENEFICIÁRIA) ou o BANCO por sua conta, receba em virtude do pagamento das Garantias Bancárias emitidas pelo FF, com sede em ..., à ..., com o capital social em Kwanzas equivalente ao contravalor em USD 170.530.000,00, a pedido de GG com sede em ..., concelho de Leiria sob o número único de matricula e identificação fiscal ........., com o capital social de €5.912.500,00, no montante de USD 3.000.000,00 e USD 9.500.000,00, melhor identificadas, respectivamente, através dos números 19/10 e 18/10, de que a MUTUÁRIA (BENEFICIÁRIA) é beneficiária;
a. A BENEFICIÁRIA declara ter tomado conhecimento de todas as condições inerentes ao pagamento do presente contrato de crédito, as quais lhe foram explicitadas.” (cf. Docs. n.º 11 e 12)
3.19. No dia 15/09/2010, no Cartório Notarial da Dra. RR, a beneficiária outorgou a favor do Requerente uma procuração, irrevogável, no interesse do banco mandatário, e podendo fazer negócio consigo mesmo, nos seguintes termos integrais:
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
No dia quinze de setembro de dois mil e dez, no Cartório Notarial de RR, sito em Lisboa, na ..., perante mim, respetiva Notária, compareceram como outorgantes:
NN, casado, natural da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, com domicílio profissional na sede da sua representada, e MM, casado, natural da freguesia de São Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, residente na ..., titulares, respectivamente, do bilhete de identidade número ..., emitido pelos SIC de Lisboa, e do cartão de cidadão número ..., emitido pela República Portuguesa, que intervêm nas qualidades de, respectivamente, Presidente e Vogal do Conselho de Administração, em representação da sociedade comercial anónima com a firma II, NIPC e número de matrícula na Conservatória do registo Comercial de Sintra ... ... ..., com sede na ..., com o capital social de sete milhões de euros, adiante também designada abreviadamente “Mandante”, qualidade e suficiência de poderes que verifiquei pela respectiva certidão comercial permanente, cuja impressão arquivo.
Verifiquei a identidade dos outorgantes pela exibição dos referidos documentos de identificação.
DECLARARAM OS OUTORGANTES NA QUALIDADE EM QUE INTERVÊM:
- Que, pelo presente instrumento, constituem bastante procurador da sua representada, com a faculdade de substabelecer, oAA, com sede na ..., matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e identificação fiscal ...0... 65, com o capital social de trinta e cinco milhões de euros, a quem conferem todos os poderes para, em sua representação, proceder, uma ou mais vezes, à interpelação do FF, com sede em ..., à ..., com o capital social em Kwanzas equivalente ao contravalor em USD 170.530.000,00, para pagamento das Garantias Bancárias por este emitidas, a pedido de GG, com sede em ..., concelho de Leiria, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com o capital social de cinco milhões novecentos e doze mil e quinhentos euros, no montante de USD 3.000.000,00 e USD 9.500.000,00, melhor identificadas, respectivamente, através dos números 19/10 e 18/10, de que a Mandante é beneficiária, podendo para o efeito o Banco mandatário outorgar ou assinar o que necessário for, bem assim, praticar qualquer acto, perante qualquer entidade pública, ou privada, em sua representação, que se revelem como necessários ou convenientes à concretização dos poderes ora concedidos.
- Que são ainda concedidos ao Banco mandatário os necessários poderes para:
a) Nos termos previstos nas identificadas Garantias Bancárias, solicitar junto das entidades responsáveis pelo cumprimento das obrigações garantidas o prévio pagamento das quantias a reclamar perante o FF;
b) Receber por conta da Mandante quaisquer montantes a pagar pelo FF, ao abrigo das identificadas Garantias Bancárias, indicando para o efeito qual a conta bancária, ou contas bancárias – aqui se incluindo contas bancárias tituladas pelo Banco mandatário –, para onde deverão ser efectuadas as respectivas transferências bancárias;
- Que os poderes concedidos pela Mandante ao Banco mandatário, ao abrigo da presente procuração, são conferidos com carácter de exclusividade, apenas podendo ser exercidos pelo Banco mandatário, ou mediante o seu prévio consentimento escrito, inclusivamente em preterição da Mandante, que aqui renuncia expressamente ao seu exercício; Sendo esta procuração conferida no interesse do Banco mandatário, é irrevogável, nos termos do número 3 do artigo 265.º e do número 2 do artigo 1170.º do Código Civil e os poderes nela conferidos podem ser exercidos na celebração de negócios consigo mesmo, nos termos do artigo 261.º do Código Civil.
ASSIM DISSERAM POR MINUTA
Este instrumento foi lido e foi feita a explicação do seu conteúdo aos outorgantes. (…)”, nos termos do doc. nº 13 junto aos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.20. A II dirigiu ao banco Requerido uma comunicação recebida por este em 18 de setembro de 2019, através da qual o informou do seguinte:
A pedido do AA (…), adiante indicado abreviadamente por AA, vimos comunicar a V. Exas. que, em 15 de setembro de 2010, a II (…) adiante indicada abreviadamente por UL, outorgou a favor do AA uma Procuração Irrevogável, pela qual lhe conferiu poderes para, em sua representação, interpelar o DD (…) para pagamento das Garantias Bancárias por este emitidas, a pedido da GG (…), nos montantes de USD 3.000.000,00 e USD 9.500.000,00, identificadas, respetivamente, através dos números 19/10 e 18/10, de que a UL é beneficiária.” - cfr. doc. 14 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais´
3.21. E, através da mencionada carta, a Beneficiária das Garantias transmitiu ainda ao Requerido o seguinte: “Mais se comunica que em consequência da natureza irrevogável de tais poderes conferidos ao AA, a anulação e/ou redução de qualquer das referidas Garantias Bancárias, perante o DD (atual BB) só poderá ocorrer mediante comunicação escrita ou comprovação de obtenção de prévio consentimento escrito, por parte do AA.”
3.22. A referida comunicação foi assinada pelo Presidente do Conselho de Administração da sociedade “II”, NN, ou seja, a mesma pessoa que também assinou a Procuração Irrevogável a favor do requerente em 15 de setembro de 2010
3.23. Não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido, especificamente, nem o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre a Solicitante e a Beneficiária foi declarado cessado por decisão definitiva transitada em julgado, nem foi declarado cessado pelas partes em documento assinado com as respetivas assinaturas reconhecidas, conforme estabelecem as Garantias prestadas
3.24. Também as Garantias não foram anuladas ou reduzidas por comunicação ou consentimento expresso por parte do Requerente
3.25. A Beneficiária não procedeu ao pagamento das suas dívidas ao ora Requerente, motivo pelo qual em 21 de março de 2022, o Requerente remeteu carta registada com aviso de receção à empresa Solicitante, interpelando-a para o pagamento do valor de USD 12.5000.000,00 (doze milhões e quinhentos mil dólares americanos), correspondente a ambos os valores garantidos pelas Garantias Bancárias, conforme o teor de ambas as Garantias prestadas – cfr. doc. 15 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.26. Carta esta recebida pela Solicitante no dia imediatamente seguinte ao seu envio, ou seja, no dia 22 de março de 2022, por SS, como se comprova pelo teor do aviso de receção
3.27. Como a Beneficiária não pagou, conforme solicitação e indicações constantes da referida carta, o Banco Requerente remeteu para o Requerido a 04/05/2022, mais de 30 dias após a receção da carta anterior, e conforme igualmente se estipulava nas Garantias emitidas, carta a solicitar o pagamento no prazo de 72 horas da Garantia Bancária n.º 18/10, no valor de USD 9.500.000,00 (nove milhões e quinhentos mil dólares americanos), indicando o IBAN de conta do próprio Requerente e juntando a carta e aviso de receção enviada previamente à Beneficiária – cfr. doc. 16 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.28. Não obstante ter-lhe sido solicitado, o banco Requerido não pagou ao Requerente o valor constante da garantia por si prestada, expressamente de forma irrevogável, incondicional e autónoma à primeira solicitação (on first demand)
3.29. Pelo que, o Requerente intentou ação executiva com vista a ver satisfeito o seu crédito, a qual corre termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízos de Execução de Lisboa – Juiz ..., sob o processo n.º 187/23.4T8LSB, de que a presente providência corre por apenso
3.30. É do conhecimento público que o banco Requerido tem sofrido graves vicissitudes desde a medida de resolução e da insolvência do DD, de que o Requerido foi uma subsidiária
3.31. Depois da insolvência do DD em 2014, o FF, com a intervenção do Estado angolano e do Banco Nacional de Angola, foi transformado no BB, ora Requerido
3.32. E, desde então, mantém-se em situação de crise financeira, em situação de intervenção corretiva, com planos de recapitalização, com indefinição quanto ao desfecho destes planos – cfr. docs. 17 e 18 juntos aos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.33. Sucede que desde maio de 2024, as notícias sobre o Banco Requerido têm-se sucedido, revelando, nomeadamente que está em curso uma avaliação independente para decidir o seu futuro, considerando a situação de falência técnica do banco, nos termos dos docs. Nºs 19 e 20 juntos aos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.34. De acordo com as notícias vindas a público agora, existe um risco (com grande probabilidade de se vir a confirmar), de o banco Requerido vir a ser alvo de medida de resolução mais grave
3.35. De acordo com as notícias em causa, a avaliação independente estará concluída em agosto deste ano
3.36. Sendo que a solvabilidade do banco, ora Requerido, já se encontra em risco, e as medidas que vierem a ser aplicadas pelas entidades supervisoras na sequência desta avaliação, poderão determinar a impossibilidade do cumprimento das obrigações financeiras perante os clientes e os credores, como, de resto, sucedeu com o próprio DD em Portugal
De relevante para a decisão da causa nada mais se provou
Motivação da decisão de facto
O tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, e a que se fez referência nos artigos que constituem a fundamentação de facto, os quais foram conjugados com os depoimentos das testemunhas inquiridas, que denotaram conhecimento dos factos que foram objecto do seu depoimento, dadas as relações profissionais que mantêm com a requerente.
Os depoimentos das testemunhas foram isentos, coerentes e por isso credíveis, confirmando ao Tribunal toda a matéria de facto que se julgou provada e que tem assento na prova documental produzida”.
*
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido após a produção de prova da oposição foi a seguinte:
“O Tribunal ponderadas todas as provas produzidas em audiência final, considera como:
Factos indiciariamente provados:
3.1. O Requerido é uma instituição financeira constituída e registada em Angola, sendo a jurisdição angolana a única onde se encontra autorizado a operar
3.2. O Requerido é um banco angolano licenciado para exercer a sua actividade exclusivamente no território angolano, o que naturalmente por vezes impõe o recurso ao mercado bancário internacional para realizar operações em moeda estrangeira para pagamentos fora de Angola, sob a égide da regulação do Banco Nacional de Angola e em cumprimento da legislação cambial
3.3. O Requerido não é um banco português nem uma subsidiária de um banco português, nem se encontra sob qualquer outra estrutura societária e accionista que esteja relacionada ou coligada com um banco português, nem tão pouco opera no mercado português
3.4. À data da sua constituição, o accionista maioritário do Requerido era o DD), embora o Requerido nunca tenha sido controlado pela holding EE (EE)
3.5. Após a resolução do DD em Portugal, o Requerido foi alvo de uma profunda reestruturação, passando a denominar-se “BB” e sendo actualmente o seu capital integralmente detido pelo BB
3.6. O BB - organismo devidamente regulado pela Comissão do Mercado de Capitais - foi integrado pelos maiores depositantes do Requerido que, por decisão do banco central angolano (Banco Nacional de Angola) e no âmbito do Plano de Recapitalização e de Reestruturação (PRR), aprovado em 2021, se agregaram em união de esforços nesta iniciativa de recapitalização do Requerido, através da utilização dos seus próprios fundos, com vista à reposição dos níveis de solvabilidade do Banco
3.7. O Requerente é uma instituição de crédito constituída em 29/09/2000
3.8. A JJ (“JJ”) é uma empresa Angolana constituída em 7 de Fevereiro de 2007, que se dedica à actividade de construção civil e obras públicas e prestação de serviços na área de construção civil, tendo como sócios à data os Senhores NN e TT
3.9. Em 24 de Maio de 2007, foi constituída a sociedade anónima de direito português denominada II (“II”), da qual o Requerente era - e permanece desde então – acionista
3.10. Em Maio de 2008, o Requerente surge como “promotor” de um projecto imobiliário em Angola, projecto que identifica e apresenta à GG como uma “oportunidade de negócio” em Angola, em parceria com a JJ
3.11. Em 24 de Julho de 2009, a GG [actualmente denominada HH] e a II, celebraram o contrato promessa de transmissão de participações sociais, relativo à JJ (“Contrato Promessa” junto à p.i do requerente como doc. 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais)
3.12. Nos termos da Cláusula 3.1 do Contrato Promessa, o preço global da prometida venda seria pago, na sua totalidade, em Angola
3.13. No âmbito do referido Contrato, a GG e a II, participada do Requerente, acordaram que a GG entregaria à II duas garantias bancárias, distintas no seu conteúdo e natureza:
- Uma garantia autónoma, on first demand, no montante de USD 9.500.000,00; e
- Uma garantia simples, no montante de USD. 3.000.000,00
3.14. Em 30 de Setembro de 2009, a II adquire a NN 99,9% do capital social da JJ
3.15. A pedido da GG [solicitante], o Requerido emitiu duas garantias bancárias [garantia n.º 18/10 e garantia n.º 19/10], nos montantes de USD 9.500.000,00 e USD 3.000.000,00, respectivamente, a favor da sociedade II [beneficiária]
3.16. O Banco Nacional de Angola, após ter sido notificado pelo Requerente quanto à obrigação de pagamento que havia exigido ao Requerido, pronunciou-se nos seguintes termos:
Outrossim, mostrando-se necessário, o Banco Nacional de Angola reserva-se o direito de apreciar se, pela natureza cambial dos intervenientes, foram cumpridos os requisitos legais e regulamentares, pois, na constituição de ambas as garantias, como era mister, não foi requerida a autorização deste banco central, como era mister” (doc. 3 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais)
3.17. No que à garantia destes autos diz respeito (garantia n.º 18/10) (“Garantia”), o Requerido responsabilizou-se pelo pagamento à II [beneficiária] até ao montante de USD 9.500.000,00, “(…) representativos das obrigações a cargo da solicitante [GG] no âmbito da cláusula 6.ª (Declarações e Garantias), ponto 6.3, do contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre esta e a Beneficiária” [Doc. 9 junto à PI do Requerente]
3.18. A Garantia dos autos visava, assim, acautelar a II face ao [potencial] incumprimento das obrigações assumidas pela GG [solicitante] junto da II [beneficiária], ao abrigo da cláusula 6.3 do Contrato Promessa (doc. 9 junto à PI do Requerente]
3.19. Inerente à relação de mandato estabelecida entre o Requerido e a GG [solicitante] encontrava-se, por natureza, a possibilidade de o Requerido exigir o reembolso à GG de quaisquer quantias pagas ao seu abrigo
3.20. Em 4 de Maio de 2022, o Requerente enviou uma carta ao Requerido referindo que esta servia para “(…) solicitar o pagamento do valor correspondente à referida garantia bancária (…)”, remetendo para o efeito “(…) cópia de carta registada com aviso de recepção remetida há mais de 30 dias para a solicitante da mesma” [cfr. Doc. 16 junto à PI do Requerente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]
3.21. Fruto de diversas divergências que se foram sucedendo entre as partes, o contrato promessa de transmissão de participações sociais foi alvo de diversos aditamentos, designadamente:
- Aditamento n.º 1, de 17 de Dezembro de 2009
- Aditamento n.º 2, de 21 de Dezembro de 2009
- Aditamento n.º 3, de 10 de Setembro de 2010
- Aditamento n.º 4, de 27 de Junho de 2019; e ainda
- Correcção ao Aditamento n.º 4, de 15 de Julho de 2019, nos termos do Doc. 4 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.22. No que respeita ao Aditamento n.º 4, em 6 de Março de 2019, a JJ (sociedade em relação de grupo com a GG, solicitante da Garantia), comunicou ao Requerido:
“Em 2010 o BB (…) emitiu duas garantias bancárias (…) cujo beneficiário é a II (…)
Estas garantias bancárias visam garantir o bom cumprimento da execução do projecto imobiliário de “...” – em construção e do “...” (…) associado ao Contrato Promessa de Participações Sociais da empresa proprietária dos imóveis
Em Dezembro de 2017 o HH (anteriormente LL) e o II assinaram um “Acordo Pleno de Carácter Técnico” pondo fim às divergências existentes (o projecto ... não estava isento de ónus ou encargos, porque tem um ocupante, da responsabilidade da II, que impedia o início da construção), separando os projectos, ou seja, o HH mantém a construção do “...” e devolve o “...” ao II, reduzindo simultaneamente o valor das garantias bancárias emitidas da seguinte forma:
- a GB n.º 18/10 de USD 9.500.000,00 será anulada; e
- a GB n.º 19/10 de USD 3.000.000,00 será reduzida para USD 2.173.964,00
Por estarmos próximo do período de renovação das referidas garantias bancárias, damos-vos a conhecer o Acordo Pleno de Carácter Técnico firmado, para que possam reduzir o valor das garantias antes da sua renovação, nos termos do Doc. 5 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.23. Naquele Acordo, junto à referida carta, a II e a GG acordaram expressamente que:
“6.2. Em simultâneo com o Acordo Jurídico acima mencionado que as partes irão assinar (…) a Garantia Bancária n.º 18 será anulada
6.3 Em conformidade com o ponto 6.2, a UL emitirá declaração ao BB com as instruções correspondentes “
3.24. Tal acordo foi efectuado nas instalações do Requerente, foi o Presidente da Comissão Executiva do Requerente à data, o Senhor UU, que redigiu aquele acordo e procurou obter a concordância das partes quanto ao seu teor, nos termos dos docs. 6 e 7 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.25. O Acordo Jurídico mencionado na cláusula 6.2 do referido Acordo Técnico, foi celebrado entre a II e a GG, dando origem ao Aditamento n.º 4 e respectiva correcção cujo conteúdo, em suma, reproduz à letra o resultado daquelas negociações
3.26. Em 15 de Julho de 2019, na Correcção ao Aditamento n.º 4, todas partes envolvidas no negócio-base que as garantias visavam acautelar [incluindo a GG e II] acordaram expressamente no seguinte:
“ii. A garantia Bancária n.º 18/10 de 29 de abril de 2010 no valor de 9.500.000,00 USD (nove milhões e quinhentos mil dólares americanos) é anulada junto do Banco Económico, S.A. pela Primeira Outorgante, na data da escritura do terreno dos ... a favor da II ou para quem este indicar e por estarem parcialmente cumpridas as suas responsabilidades e obrigações garantidas, conforme minuta em anexo (Anexo 10)”. [cfr. pág. 32, Doc. 4]
3.27. Em 7 de Agosto de 2019, a II informou a GG de que se encontravam reunidas as condições para que se procedesse à outorga de escritura pública de transmissão do terreno dos “...” e “...”, nos termos do doc. 8 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.28. Nos termos da referida comunicação, a II forneceu as seguintes indicações à GG:
“Em resumo, prevê-se que a operação irá processar-se do modo seguinte:
1. O AA irá ceder o crédito que detém sobre a UL, à sociedade angolana com a firma “QQ”
Por sua vez, a UL irá nomear a KK para outorgar com a JJ a escritura de transmissão do imóvel ..., a KK., por sua vez, subnomeará a QQ, sendo afinal, esta a sociedade que outorgará com o GRUPO NOV a transmissão dos ...
2. A sociedade QQ, por sua vez e em simultâneo, pelo mesmo valor que pagou ao AA, cederá à KK todos os créditos que recebeu do AA, mediante receber da KK a legitimidade para outorgar a escritura do terreno “...”
3. Na mesma ocasião da celebração de tal escritura pública com a QQ, ainda em simultâneo, a II declarará que perde interesse na manutenção da Garantia Bancária n.º 18/10 (9,5 milhões de USD), que será anulada, e que reduz a Garantia Bancária n.º 19/10 para o montante de 2.173.964 USD, no caso de não ser possível transmitir logo a parte correspondente ao prédio designado “...”
4. Por sua vez, o AA, com a cedência do crédito que detém sobre a UL, declarará que perde interesse nos poderes conferidos em Procuração que lhe foi outorgada pela II, pela qual assumiu direitos sobre as Garantias Bancárias em causa, pelo que os direitos que subsistirão sobre tais Garantias Bancárias (2.173.964 USD), passarão a ser detidos exclusivamente pela II
5. No caso de não ser possível transmitir na mesma escritura a área de 1240m2 de “...”, a ser cedida pelo HH, tal área será posteriormente transmitida para a KK, por nomeação futura da II, como forma de lhes saldar o resto da dívida de que esta será credora sobre a II, por efeito do crédito que recebeu da P2
Com a transmissão da área de “...”, proceder-se-á à anulação do que restar das Garantias Bancárias, o que ocorrerá já sem a intervenção do BPG.”
3.29. Perante aquela comunicação, a GG procedeu ao agendamento da escritura pública para a transmissão do terreno “...” a favor da II, o que comunicou à II para que esta e a sua empresa relacionada KK comparecem na referida escritura, tendo a GG suportado o pagamento do respectivo imposto
3.30. Na data da referida escritura, nem a II nem a KK compareceram, nem apresentaram qualquer justificação para a não comparência, pelo que a escritura pública de transmissão do “...” não se realizou
3.31. Em 06/07/2021, a GG requereu a Notificação Judicial Avulsa com vista à realização de interpelação admonitória para o agendamento das escrituras de transmissão dos imóveis, nos termos do doc. 9 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.32. A Notificação Judicial Avulsa foi recebida pela II, na referida data, na pessoa do seu Administrador, VV
3.33. Na sua “interpelação” à GG, datada de 21 de Março de 2022, o Requerente solicitou o pagamento de USD 12.500.000,00 “(…) de acordo com o disposto nas cláusulas 3.1. e 6.3 do Contrato e na Cláusula 2 do Aditamento”, nos termos do doc. 13 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais
3.34. Em epígrafe àquela “interpelação”, o Requerente identifica como tema a tratar: “Contrato-Promessa de Transmissão de Participações Sociais celebrado em 24 de Julho de 2009, concernente à sociedade JJ, e Aditamento ao Contrato Promessa de Participações Sociais III celebrado em 10 de Setembro de 2010 (o “Aditamento”) SOLICITAÇÃO DE PAGAMENTO DO PREÇO EM DÍVIDA”
3.34. O Requerente procedeu à interpelação do Requerido para o pagamento da Garantia bancária, nos termos do doc. 16 junto à p.i. do requerente
3.35. O Requerido é uma instituição de crédito com importância sistémica, que tem vindo a enfrentar sérias dificuldades de liquidez ao longo dos últimos anos
3.36. O Requerido tem actualmente em curso a execução de um plano de recuperação cuja implementação é supervisionada pelo Banco Nacional de Angola
Factos não provados:
Que a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II; que o Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II
Aqui se consigna, que a restante matéria alegada ou é conclusiva ou de direito ou sem qualquer interesse para a boa decisão da presente oposição.
a) Motivação da decisão de facto.
O Tribunal considerou os documentos juntos aos autos e aos quais se fez referência quando se elencaram os factos provados, os quais foram conjugados com a demais prova produzida – declarações de parte e testemunhal.
Assim, resultou das declarações de parte de WW, administrador do requerido, que o arresto decretado paralisou de alguma forma a actividade do requerido, no que concerne a pagamentos.
Referiu que o Banco passou por um processo de saneamento em 2022 e 2023, que o regulador entregou o relatório final ao Banco Nacional de Angola, e espera-se para breve uma decisão, que não quis adiantar qual seja, mas que tratando-se de um Banco sistémico poderá passar pela recapitalização, pois, a sua insolvência, teria consequências graves para a economia.
A testemunha XX, foi administrador do LL a partir de 2010, transmitindo ao Tribunal que a garantia dos autos era para assegurar a boa execução das obras que a sua empresa iria realizar no terreno dos .... O beneficiário da garantia era o II.
Disse desconhecer a procuração irrevogável, que permitiu à II transferir para o requerente os direitos emergentes da garantia.
O pagamento da GG à II, por ter adquirido as quotas da sociedade JJ, seria feito com a venda das fracções a construir no terreno dos ....
Confirmou que a II não compareceu à escritura.
A testemunha YY foi Presidente do Conselho Fiscal da requerente, e, no essencial, confirmou, que os direitos de garantia foram transmitidos ao requerente pela II, através da procuração irrevogável.
VV, presidente do Conselho de Administração da II, referiu ao Tribunal ter feito uma parceria com a GG.
Por isso, entregou os terrenos do ... e de ... para eles fazerem a construção de um empreendimento.
Para esse efeito, os responsáveis do grupo GG entregaram-lhe as duas garantias bancárias, que ele entregou ao exequente, através da tal procuração irrevogável, constituindo o garante do empréstimo que o requerente concedeu à II.
Referiu que o grupo LL não construiu as fracções no tempo devido, só o começando a fazer muito mais tarde, por falta de liquidez, que foi aplicada nas construções do terreno de ....
Aquelas garantias eram igualmente o garante do pagamento das quotas da sociedade JJ que vendeu à GG, que não dispunha de liquidez para pagar aquela aquisição.
O pagamento daquelas quotas seria feito mais tarde: ou através de dinheiro ou através das fracções que iriam ser construídas.
A garantia só seria anulada quando estivesse construído o empreendimento dos ....
As testemunhas UU e ZZ, transmitiram ao Tribunal o facto da II ter transmitido ao requerente as garantias bancárias, através da procuração irrevogável, as quais passaram a garantir o empréstimo que o requerente concedeu à II.
Quanto aos factos não provados resultaram da ausência de prova sustentada e convincente sobre os mesmos produzida”.
*
IV. Apreciação
1ª questão: - nulidade da decisão recorrida.
O recorrente sustenta a nulidade da decisão final por omissão de pronúncia quanto às que questões que levantou na sua oposição, a saber:
a) Ilegitimidade do Arrestante/Recorrido – (artigos 119.º a 128.º da Oposição), isto é, por o recorrido ter cedido o seu crédito a uma entidade relacionada da sua acionista maioritária Fundação Oriente, ainda antes da instauração da execução.
Com o devido respeito, não há qualquer facto provado sobre esta cessão, e a excepção, em si, não é de direito processual mas de direito material, ou seja, podia, se provados tivessem sido os respectivos factos, constituir matéria sobre a qual o julgador tivesse que convocar, interpretar e aplicar o pertinente direito, formando assim corpo de questão com influência na decisão da causa. Tal não tendo ocorrido, não vemos como sustentar o dever do julgador de se pronunciar sobre aquilo que não chegou a ser uma questão. Não concedemos, pois, nesta invocada nulidade.
b) Revelia na (alegada) transmissão dos direitos da II) sobre a garantia bancária dos autos, a favor do Arrestante/Recorrido(artigos 129.º a 139.º da Oposição), recordemos, que o recorrente, enquanto garante, não consentiu na transmissão da garantia associada ao crédito eventualmente transmitido, da II para o recorrido, não se aplicando, segundo defende o recorrente, o artigo 582º nº 1 do Código Civil às garantias autónomas, em função do carácter intuitus personae da sua emissão.
Percorrida a fundamentação da decisão final, verifica-se que a mesma se debate essencialmente com o abuso de direito enquanto fundamento de recusa de pagamento da garantia pelo garante, nada referindo sobre esta questão. É certo que a fundamentação jurídica aponta, logo ao começo, para a indiscutibilidade da relação subjacente, mas tendo a questão sido levantada na oposição e sendo a decisão final o momento oportuno de resposta à mesma, entendemos que devia ter sido expressamente abordada. Não o tendo feito, incorreu nesta parte o tribunal em nulidade por omissão, a qual, estando nos autos todos os elementos necessários, será abordada, em substituição, por este tribunal de recurso, nos termos do artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil.
c) Má-fé/fraude do Arrestante/Recorrido quanto às obrigações garantidas e ao evento gerador do crédito da garantia – (artigos 140.º a 154.º da Oposição), ou, recordando, que as garantias não serviam para garantir o débito da II ao Banco requerente, mas para garantir o incumprimento do contrato entre as empresas GGe II, sendo que o Requerente, disso sabendo, actua em má-fé e fraude.
A decisão recorrida pronunciou-se sobre o abuso de direito/fraude/má-fé enquanto fundamento de recusa de pagamento da garantia pelo garante, pelo que a questão em si foi abordada, ainda que possam não ter sido abordados todos os argumentos que a parte que colocou a questão apresentou. Tal poderá conduzir a um erro na solução jurídica da causa, mas não a uma nulidade por omissão, porquanto esta incide apenas sobre questões e não sobre argumentos integrantes dessas questões.
Não se concede, assim, na verificação da arguida nulidade.
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2ª questão – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
O recorrente sustenta que:
I. Na sentença recorrida, foi dado como facto assente (3.23 da decisão inicial que decretou o arresto) que “Não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido, especificamente, nem o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre a Solicitante e a Beneficiária foi declarado cessado por decisão definitiva transitada em julgado, nem foi declarado cessado pelas partes em documento assinado com as respetivas assinaturas reconhecidas, conforme estabelecem as Garantias prestadas”.
Não se conformando, porque entende que efectivamente ocorreu uma causa de extinção, pretende que seja “eliminado do ponto 3.23 dos factos provados que “não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido”, e que seja “aditado ao elenco de factos provados que: “BB não foi informado, nem deu o seu consentimento, para a transmissão de direitos sobre as garantias bancárias pela II a favor do Arrestante” e finalmente, que seja aditado ao “elenco de factos não provados que, ”através da mencionada Procuração, a Beneficiária das garantias cedeu ao Requerente o direito de crédito de que era titular sobre a Solicitante relativamente ao Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais referido”, cfr artigo 24.º da PI do Recorrido”.
Como temos defendido, nos procedimentos em que as providências pedidas são decretadas sem audição da parte contrária, à qual, depois de notificada, cabe a opção de recorrer ou de apresentar oposição, nada obsta, para coerência da matéria de facto a ser globalmente considerada, e nestes limites, que o tribunal de recurso aprecie a impugnação da decisão de facto proferida no primitivo decretamento.
Depois, escrever-se que “não ocorreram quaisquer causas de extinção ou de caducidade das Garantias Bancárias prestadas pelo Requerido” é absolutamente conclusivo, e não tem lugar na decisão da matéria de facto. Tão conclusivo é, que no facto provado 3.23 da decisão inicial se esclarece logo em seguida o facto que leva à conclusão: “especificamente, nem o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre a Solicitante e a Beneficiária foi declarado cessado por decisão definitiva transitada em julgado, nem foi declarado cessado pelas partes em documento assinado com as respetivas assinaturas reconhecidas, conforme estabelecem as Garantias prestadas”.
Resultando esta última parte do teor das garantias e sendo por isso dispensável a duplicação, elimina-se a primeira parte do facto 3.23, alterando-se a redacção do mesmo para “O contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado entre a Solicitante e a Beneficiária não foi declarado cessado por decisão definitiva transitada em julgado, nem foi declarado cessado pelas partes em documento assinado com as respetivas assinaturas reconhecidas”.
Que “BB não foi informado” e se não foi informado, também não pode ter dado o seu consentimento “para a transmissão de direitos sobre as garantias bancárias pela II a favor do Arrestante” não precisa de ser aditado, porque já resulta da cronologia dos factos provados 3.19 a 3.22 da decisão inicial, que assim foi: - a procuração é de 2010 e a comunicação é de 2019. Se o facto não precisa ser aditado é inútil, será considerado em sede de apreciação de direito, não cabendo introduzi-lo na decisão sobre a matéria de facto.
Já quanto à pretensão de ser aditado ao elenco de factos não provados que, ”através da mencionada Procuração, a Beneficiária das garantias cedeu ao Requerente o direito de crédito de que era titular sobre a Solicitante relativamente ao Contrato Promessa de Transmissão de Participações Sociais referido”, cfr artigo 24.º da PI do Recorrido”, estamos em presença não só duma especulação jurídica, ou seja, uma conclusão de direito – cedeu ou não cedeu – e duma pretensão ineficaz, porque levar um suposto “facto” aos factos não provados, não prova o seu contrário.
Em suma, quanto a esta primeira pretensão, altera-se apenas o facto provado 3.23 nos termos que acima indicámos.
Numa segunda pretensão em matéria de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente invoca o documento 4 com a oposição e sustenta que deve ser aditado aos factos provados o seguinte:
Nos termos do Aditamento n.º 4 ao Contrato Promessa, celebrado em 27 de Junho de 2019, a II e a GG acordaram em revogar todo o acordado de carácter substancial no Contrato Promessa, nomeadamente da obrigação de pagamento em dinheiro (USD 12.500.000,00), substituindo-a pela obrigação de transmissão da titularidade do projecto imobiliário “...” para a II, e de 1.240m2 de área vendável das frações autónomas do projeto imobiliário “...”, sendo a data da escritura do “...” a data em que a II se obrigou a anular a garantia bancária n.º 18/10”.
A pretensão de aditamento é inútil, em função do que se mostra provado nos factos nº 3.22, 3.23, 3.25 e 3.26 da decisão final, ou seja, não vale a pena aditar aos factos provados o que já está provado.
Num terceiro aspecto, e “por se encontrarem plenamente provados pelo Doc. 3 junto à resposta à Oposição e serem relevantes para a boa decisão desta causa” pretende o recorrente que se adite à matéria assente que:
Em 5 de Abril de 2022, o AA celebrou um Contrato de Cessão de Créditos com a OO (“OO”), pelo qual transmitiu à OO todos os créditos que detinha sobre a II, acompanhados de todos os direitos, garantias e demais acessórios que lhe são afectos, sem qualquer reserva ou excepção” – conforme resulta da conjugação dos Artigos Primeiro, Segundo e Quinto, al. c) do Contrato de Cessão de Créditos, Doc. 3 junto à resposta à Oposição”.
Seguindo a resposta ou defesa do recorrido, na referida resposta à oposição, e para desmontar a tese da inexistência do crédito, foi referido que entre o requerente e a mesma OO foi também celebrado um contrato de mandato sem representação. A isto se refere a pretensão seguinte do recorrente/impugnante, quando afirma que “por se encontrarem plenamente provados pelo Doc. 4 junto à resposta à Oposição e serem relevantes para a boa decisão desta causa”, devem ser aditados à matéria assente os seguintes factos:
Em 4 de Julho de 2022, a OO celebrou com o AA um Contrato de Mandato sem Representação, nos termos do qual a OO conferiu mandato ao AA para a prática de todos os actos necessários à cobrança dos créditos detidos pela OO sobre a II– conforme resulta do Artigo Primeiro do Doc. 4 junto à resposta à Oposição”.
Na resposta à oposição, e juntando o documento 3, o requerente defende-se da acusação de já não deter o crédito sobre a II, por o ter cedido. Seguindo essa defesa, e invocando o documento 4, invoca a irrelevância da cessão, pois que o cessionário, por mandato sem representação, lhe conferiu os poderes para cobrar o crédito cedido.
Não é este o lugar da discussão jurídica, mas não conseguimos perceber, mesmo a pensar nas várias soluções de direito plausíveis, qual seja a relevância do aditamento destes dois factos. É verdade que tal contrato de cessão se mostra documentado nos autos, é verdade que a menção “transmitiu à OO todos os créditos que detinha sobre a II, acompanhados de todos os direitos, garantias e demais acessórios que lhe são afectos, sem qualquer reserva ou excepção” corresponde ao que efectivamente consta da cláusula segunda do referido contrato de cessão de crédito, é ainda verdade que o Contrato de Mandato sem Representação, “nos termos do qual a OO conferiu mandato ao AA para a prática de todos os actos necessários à cobrança dos créditos detidos pela OO sobre a II” se mostra documentado nos autos.
Todavia, como dissemos, como o segundo facto destrói a defesa que o recorrente fazia com o primeiro – o direito já não existe na esfera do arrestante – não poderá então servir para esta solução, e também não conseguimos perceber como poderá integrar alguma actuação fraudulenta, de má-fé ou em abuso de direito.
Assim, não se procede ao aditamento peticionado.
Finalmente, o recorrente impugna os factos não provados, a saber:
Que a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II”; e “Que o Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos inteiramente imputáveis à II”. Sustenta-se não só nos factos que já estão provados, designadamente 3.27, 3.28, 3.29, 3.30, 3.31 e 3.32, e bem assim 3.24, como na prova documental e na prova testemunhal que indica. Para o recorrido, não era apenas a realização da escritura relativa a ... mas sim também a relativa a ..., que funcionavam como cumprimento do contrato, donde estar apenas marcada a escritura do primeiro e não ter a II comparecido não revela incumprimento, e por outro lado há que atender a que não está demonstrado que os termos em que a operação se ia desenrolar, e que a II comunicou, se tivessem verificado, ou seja, basicamente, não está demonstrado que a empresa QQ, que iria outorgar na escritura, tenha sido cessionária do crédito que o recorrido tinha sobre a II, ou mais simplesmente, que não está demonstrado que tenha pago o preço dessa cessão.
Procedemos à audição integral de ambas as audiências.
Sem dúvida os autos demonstram a alteração do contrato inicial entre a GG e a II, através do aditamento nº 4, basicamente que em vez da primeira adquirir as participações sociais que a segunda detinha na JJ (e assim acabar a deter os terrenos ... e ...), pagando-as contra o valor mínimo de doze milhões e meio de dólares, o negócio foi alterado de modo a que, e vamos voltar a simplificar, apenas fosse vendido o terreno .../participações sociais correspondentes (aliás os termos do aditamento bem revelam a ficção jurídica das participações sociais) em que a edificação já se iniciara. É também simples de perceber que, estando a construção já a ser feita em ..., as partes tivessem acordado reduzir o valor da garantia bancária, escolhendo a garantia de três milhões para fazer incidir a redução, sendo que, desfazendo-se o negócio relativamente a ..., em que a construção além do mais não se iniciara por via da moradia existente no local ter um ocupante, ao que acrescia o tempo de obtenção de licenças – e portanto uma perspectiva de lucro a muito longo prazo – tivessem as partes imputado, de algum modo, a garantia de nove milhões a este negócio, decidindo anulá-la quando o terreno revertesse, ao fim e ao cabo e a simplificar, ao dono primitivo, através de interpostas pessoas jurídicas, garantindo o ou os credores deste.
Este resumo histórico é o que se consegue retirar do depoimento da testemunha NN, proprietário inicial dos terrenos ... e ..., através da empresa JJ, e devedor do aqui arrestante por dez milhões de euros. A testemunha depôs com bastante isenção e espontaneidade, explicando os termos do negócio e da sua evolução, e explicando, em palavras suas, que sendo devedor do aqui arrestante, mal recebeu as garantias bancárias emitidas pelo recorrente a pedido da GG, as endossou ao arrestante, justamente para servirem de garantia à sua própria dívida. A mesma testemunha explicou a intensa participação do recorrido no processo negocial que resolveu, alterando, os termos do negócio celebrado entre LL e II – o que não foi confirmado, por dificuldade de audição mas ainda mais por dificuldade de memória pela testemunha AAA – e disse ao tribunal que não sabia porque é que a alteração se não tinha concluído, visto que o recorrido havia dado o seu acordo a ela. Afirmou com clareza que não podia comparecer ao negócio porque precisava de se apresentar nele com as garantias bancárias e que as mesmas estavam na posse do recorrido que lhas não entregava.
Partindo da demonstração que os documentos referidos pelo recorrente, conjugados com os factos provados que também indica, e passando por este depoimento testemunhal, chegamos então à prova – repare-se, não à certeza absoluta, mas à razoável probabilidade – de que a não comparência à escritura pela qual a alteração contratual seria formalizada, procede da culpa exclusiva da II e do arrestante AA?
É verdade que a própria testemunha também disse que o negócio era uno, que a separação por garantias era artificial – tese que o recorrido defende a partir da cláusula 6.3 do contrato inicial – e que não bastava a escritura de ... para se pedir ao Banco garante a anulação da garantia 18/10.
Esta tese, porém, não resulta, nem da economia do negócio, nem do texto do aditamento nº 4 e da sua correcção. Basta pensar que ali está previsto que também seja transmitida parte da área construída no terreno ..., mas ali está ressalvado que se isso não for possível, assim não será, e em qualquer caso, a redução do valor da garantia 19/10 não depende de ..., essa redução é devida em função do adiantamento da construção em ... e da entrega da área construída acordada.
Todavia, se temos provado o plano de operação no facto 3.28, e se a marcação da escritura é feita, nos termos do facto provado 3.29, “perante aquela comunicação”, não deixa de ser verdade que ficamos sem saber se os termos da operação se tornaram possíveis, isto é, como dissemos, não sabemos se a P2 adquiriu ao recorrido o crédito que este detinha sobre a II.
Agora, repare-se como, na solução do negócio/alteração, o recorrido (AA) liberta-se da dívida que a UL tem para com ele, porque a QQ lhe paga a cessão do crédito – isto é, recupera mais ou menos conforme sua disposição negocial, o valor que emprestou à UL – e assim liberto já não tem interesse na garantia – facto provado 3.28, ponto 4 – e a UL também se liberta da sua dívida porque o credor passa a ser a sociedade angolana QQ que, supõe-se, estando no terreno, vai usar o terreno ... para, no mínimo, se ressarcir do preço da cessão. Em suma, o AA não tem qualquer interesse em que ... reverta ao dono inicial, seu devedor, porque não quer ter como garantia um terreno em país estrangeiro, e quer apenas concluir a operação de financiamento que dez anos antes fez à II. Como realizar dinheiro com ... está a longo prazo de vista, a UL aceita passar o terreno para uma sociedade angolana, como modo de se libertar da sua dívida, obviamente não conseguindo ganhar o dinheiro que conseguiria se pudesse esperar – foi o que disse a testemunha.
Quer este pequeno historial demonstrar que essencial, verdadeiramente, para que a alteração se formalizasse, e a garantia 18/10 fosse anulada, era mesmo que a sociedade angolana QQ “resolvesse” o assunto, isto é, pagasse ao AA a cessão do crédito, ficando em contrapartida com o terreno.
Os autos não demonstram que assim tenha acontecido e a partir daqui não conseguimos afirmar, com razoável probabilidade, que a culpa, por assim dizer, da não comparência à escritura de transmissão do terreno ..., fosse exclusivamente da II e do arrestante AA.
Não conseguimos assim alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido no sentido de passar a provado que “(…) a entrega do terreno “...” não ocorreu, até à data de hoje, por facto inteiramente imputável à II e ao ARRESTANTE”, nem que “O Requerente accionou as garantias bancárias, incluindo a Garantia destes autos, bem sabendo que as obrigações garantidas não foram cumpridas por factos a si directamente imputáveis”.
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3ª questão: – Da revogação do arresto decretado por inexistência da aparência do direito.
Na argumentação recursiva vemos como o recorrente não impugna o segmento jurídico da decisão impugnada em que se conclui não ter havido prova de factos que revertessem os provados na decisão inicial e que haviam permitido concluir pelo “periculum in mora”.
Esse pressuposto de decretamento/manutenção do arresto está fora de discussão e não será apreciado pelo tribunal de recurso.
Afirma o recorrente que “a correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 53.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, do CPC, conjugado com os artigos 261.º, 262.º e 577.º, n.º 1 do CC, deveria ter conduzido o Tribunal a quo a julgar que a procuração irrevogável junta aos autos serviu somente o propósito de conferir poderes de representação ao Arrestante/Recorrido, não titulando a cessão de quaisquer créditos da II sobre a GG, a favor do Arrestante/Recorrido, muito menos da garantia bancária dos autos, pelo que não se encontrava o Arrestante/Recorrido legitimado a intentar o arresto contra o Recorrente”.
Como se sabe, ao arresto interessa a demonstração sumária do direito a acautelar pelo mesmo. Simplificando, invocando-se que o recorrente é devedor do montante de nove milhões e quinhentos mil dólares, o qual se obrigou a pagar por intermédio da garantia bancária à primeira solicitação que emitiu, e invocando-se que o devedor não tem bens para pagar esse valor ou está numa situação económica que faz recear que venha a não haver bens para pagar esse valor, o crédito, o direito que o procedimento de arresto visa acautelar é, não o crédito da relação causal, da relação em função da qual o solicitante pediu ao garante a emissão da garantia bancária, mas o próprio montante da garantia dada e não paga. Pese, no requerimento inicial de arresto, ter sido historiada a relação entre o solicitante e o beneficiário, ter sido depois referido que o beneficiário se constituiu devedor perante o arrestante, aceitando que, se incumprisse, o cumprimento se fizesse a partir do montante das garantias que, enquanto beneficiário, havia recebido, o certo é que no mesmo requerimento inicial se vem a concluir, por fim (artigos 36º e 37º), que o crédito é precisamente o valor da garantia, pois que esta é autónoma e à primeira solicitação e não foi paga, de tal modo que a garantia em si, enquanto título executivo, foi dada à execução de que o procedimento cautelar se faz apenso (a execução foi instaurada em 13.9.2023 e o arresto entrou em 09/07/2024).
Em função disto, com o devido respeito, não nos interessa a relação causal (da qual resulta um crédito da II sobre a GG – seja pois o contrato promessa de transmissão de participações sociais, mais tarde alterado) para mais nada, em termos jurídicos, do que para invocar a existência de abuso de direito ou fraude manifesta que autoriza o garante a não pagar a garantia. Não nos interessa a relação causal para a qual a garantia foi emitida, não nos interessa a relação no âmbito da qual a garantia foi transmitida através, segundo defende o arrestante, quer do contrato que inicia a relação entre a II e o ora arrestante, quer da procuração.
Em suma, é absolutamente escusado, salvo o devido respeito, pensarmos em qualquer outra cessão do direito que não seja a do próprio direito a ser pago pelo Banco garante quando se acionar a garantia, que se traduz naturalmente, no direito ao montante garantido.
Assim, o primeiro argumento – ilegitimidade do arrestante, porque não tem o direito que sumariamente invoca – nada tem com a ilegitimidade processual e resolve-se, em termos de ilegitimidade substantiva (que é o mesmo que dizer, não ter o direito) com a pergunta simples sobre se a garantia pode ser transmitida a terceiro.
Passando aos seguintes, o recorrente invoca que “a correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 582.º, n.º 1 do CC, deveria ter conduzido o Tribunal a quo a julgar que, a ter ocorrido a cessão dos créditos da II, sobre a GG, a favor do Arrestante/Recorrido (o que não se concede), não se transmitiria com aquele crédito, sem o consentimento do garante, a garantia bancária dos autos” e que “X. A considerar-se que a referida cessão ocorreu, e que com ela se transmitiu a garantia dos autos, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, tal comportaria a extinção da garantia bancária dos autos, e, consequentemente, que a inexistência de qualquer crédito do Arrestante/Recorrido sobre o Recorrente”.
Está fora de causa, não resulta do contrato celebrado entre o AA e a II, que esta não cedeu o crédito – o direito a ser paga no mínimo de doze milhões e meio de dólares como contrapartida pela transmissão para a LL das participações sociais da JJ que detinha – àquele Banco. Aceitou, porém, que se incumprisse o seu dever de reembolsar o Banco pelos dez milhões de euros que este lhe havia financiado, o pagamento se fizesse pelas garantias bancárias de que era beneficiária. Isto é o que consta do contrato entre AA e II. Não há nenhuma cessão do crédito resultante da relação subjacente estabelecida entre II e LL. Além disto, a II outorgou a favor do recorrido o poder de acionar a garantia, prescindido ela mesma dele, e aceitando também que o recorrido podia indicar contas suas como destino para o pagamento a ser efectuado pelo garante. Repetimos, não estamos perante nenhuma cessão do crédito resultante da relação subjacente estabelecida entre II e LL e não estamos por isso na discussão sobre o acompanhamento do crédito, na transmissão do cedente ao cessionário, pelas suas garantias.
Donde, a invocação dos artigos 577º e 582º do Código Civil não faz sentido, ou melhor dizendo, porque temos estado a perspectivar o direito ao pagamento da garantia, como direito invocado no arresto – pese embora o requerido/recorrente até afirme que a garantia em si não é um direito de crédito mas uma expectativa dele, o certo é que nas garantias autónomas e à primeira solicitação, que depois de accionadas, não foram pagas, porque não se discute, salvo casos excepcionais, a relação causal, acabamos por já estar na conversão da expectativa em direito – faz sentido o apelo ao primeiro preceito, que estabelece que “1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
Não estando no caso, de acordo com o texto da garantia, nem com os termos do contrato ao abrigo da qual foi emitida, interdita a cessão, não resultando da lei a mesma interdição, a questão é a de saber se a garantia se pode transmitir do beneficiário para terceiro. Podemos também ver a questão sobre o prisma da relação entre o garante e o beneficiário, e perguntar se, sem o consentimento do garante o beneficiário pode ceder o seu benefício a outrem.
Ora, o que estabelece a parte final do nº 1 do artigo 577º do Código Civil é a impossibilidade de cessão se o crédito, pela natureza da prestação, estiver ligado à pessoa do credor. Credor, leia-se, credor e cedente. Quem é no caso concreto? É a II. Em que medida pagar um montante determinado mediante, apenas, solicitação nesse sentido e comprovativo de que já se pediu a mesma coisa ao solicitante da garantia, revela um crédito ligado à pessoa do credor, ainda para mais pela natureza da prestação? A prestação é pagar, ou seja, uma prestação absolutamente fungível. Ligado à pessoa do credor porquê, quando o que a garantia garante é a obrigação do devedor/solicitante? Como é manifesto, qualquer Banco, para emitir uma garantia bancária a pedido de um seu cliente, que garanta a obrigação deste seu cliente para um terceiro seu credor, deve ponderar o risco de solvabilidade e de possibilidade de cumprimento da referida obrigação, que o seu cliente apresenta, e esse risco é compensado pelo pagamento que o cliente faz ao Banco.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 27.5.2010 no processo 25878/07.3YYLSB-A.L1.S1 (Rel. Conselheiro Serra Baptista) lê-se, na transcrição parcial que vamos fazer do sumário, aquilo que é precisamente uma evidência do próprio ponto de vista económico: “(…) 3. Contudo, mesmo no caso de tal garantia, deve impor-se a exigência de um limite, cuja violação implicaria um desrespeito de princípios basilares da ordem jurídica portuguesa e que o contrato em questão, mesmo dotado da referida autonomia, não pode pôr em causa. Podendo o garante recusar o pagamento quando, comprovadamente, for manifesta a improcedência do pedido. Pois a autonomia da garantia bancária tem, desde logo, como limite a ofensa dos princípios gerais de direito, como sejam os do abuso de direito, da boa fé e da confiança.
4. E está entre esses limites a cessão da posição contratual por banda do dador da ordem, operada entre ele e um terceiro, com a anuência expressa do beneficiário e com o desconhecimento do garante. Pois que a garantia autónoma à primeira solicitação vale somente para o negócio-base nela mencionado, não podendo o mesmo ser afectado com outros sujeitos, sem o consentimento do garante”.
É por isto que podemos encontrar, para o caso do credor cedente, precisamente o inverso. Veja-se o sumário, aqui parcialmente transcrito, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.9.2016 no processo 174/13.0YYPRT-A.P1.S1 (Rel. Conselheiro Fernandes do Vale):
I - A garantia bancária autónoma não é, em princípio, prestada “intuitu personae” e não é inseparável da pessoa do cedente de créditos, transmitindo-se, pois, salvo convenção em contrário, para o cessionário daqueles, nos termos previstos no art. 582º, nº1 do CC.
II - Não assim no que toca ao devedor/ordenante da prestação da garantia, cuja solvabilidade e empenhamento no cumprimento da obrigação abarcada pelo contrato-base deverá interessar sobremaneira ao garante e de quem este diligenciará obter, desde logo, garantias adequadas de reembolso, no caso de contra o mesmo ter de exercer o correspondente direito de regresso. (…)”.
Do mesmo modo, se nos quiséssemos situar sob a capa do artigo 582º, relativa ao acompanhamento do crédito pelas garantias – “1. Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente” – também não vemos porque razão a garantia bancária a favor do cedente se deva considerar inseparável da pessoa dele, já que não foi emitida em função dele, e já que é bastante fungível a operação de acionamento da garantia, isto é, já que qualquer pessoa pode ler os termos de acionamento da garantia que dela expressamente constem e percorrê-los.
Secundamos por tudo quanto vimos expondo até aqui, as referências doutrinárias que o recorrido fez nas suas contra-alegações: “(…) 73. E, de forma ainda mais incisiva, ensinam Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (“Garantias de Cumprimento”, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 142), desde que preenchidas as condições indicadas no n.º 1 do artigo 577.º do Código Civil, «o credor beneficiário da garantia pode livremente ceder o crédito garantido a terceiro e, conjuntamente, transmitir ao cessionário a garantia», afirmando ainda que «desde que das relações estabelecidas entre os três intervenientes (devedor garantido, credor beneficiário e garante) não resulte situação diversa, nada obsta a que a cessão do crédito não seja acompanhada da transmissão da garantia, como resulta do disposto no artigo 582.º, n.º 1, do Código Civil».
74. Acresce que, consubstanciando a garantia bancária uma relação contratual própria entre o garante e o beneficiário, a mesma poderá ser cedida por este último a um terceiro e essa cessão ocorrerá no contexto de uma cessão de créditos.
75. Neste sentido, ainda Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (Op. Cit. pág. 140 e segs.) assinalam que «o contrato de garantia não é, normalmente, sinalagmático, pois por via de regra, o beneficiário da garantia não tem de efectuar uma contraprestação ao garante, pelo que pode verificar-se uma situação linear de um devedor (garante) e de um credor beneficiário)», concluindo que «deste modo, valem as regras da cessão de créditos (artigos 577.º e seguintes do Código Civil) nos termos das quais, salvo cláusula em contrário, o beneficiário pode livremente transmitir a sua posição creditícia a terceiro sem necessidade de consentimento do garante nem do devedor garantido».
Em suma, entendemos que improcede a argumentação do recorrente baseada na revelia “na (alegada) transmissão dos direitos da II) sobre a garantia bancária dos autos, a favor do Arrestante/Recorrido”, fundamento da nulidade da decisão final acima invocada, estando em crer que não era necessário o consentimento do recorrente para a transmissão do direito de garantia ao recorrido.
A ligação à pessoa do credor que foi discutida nos autos, pode apontar a outra questão, que não esta da impossibilidade de cedência por via do artigo 577º ou do artigo 582º: - pode apontar à impossibilidade de fuga do cessionário à invocação das circunstâncias excepcionais em que o garante pode recusar o pagamento, alicerçadas na relação causal estabelecida entre o devedor e o credor cedente. Mas isto, já é, em termos jurídicos, coisa diversa e já a matéria que efectivamente foi discutida e que constituiu a grande defesa do recorrente – o conhecimento e participação causal e exclusiva do credor cedente no incumprimento do contrato subjacente.
Quanto a esta questão, o recorrente sustentava-a além dos “Docs. 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 13 juntos à Oposição ao arresto, conjugados com os factos assentes sob o n.º 3.25 da decisão que decretou o arresto, sob os n.ºs 3.24, 3.25 e 3.26 da sentença que manteve o arresto” com “aqueles cuja alteração e aditamento se requerem ao abrigo do capítulo II da presente apelação”, a seu ver demonstrativos da “existência de fraude e violação do princípio da boa-fé por parte do Arrestante/Recorrido, ao accionar a garantia bancária dos autos”.
Tendo improcedido a alteração da decisão sobre a matéria de facto propugnada pelo recorrente quanto a esta parte, não cremos que os factos provados só por si (e repare-se que só podemos atender aqui a factos provados, e não a documentos que tenham servido para os provar) demonstrem a existência manifesta de fraude e abuso de direito, não sendo suficiente a participação, mais ou menos frontal ou de rectaguarda, que o recorrido de facto sempre teve quer na pessoa do beneficiário quer no negócio garantido: - é simplesmente que, em termos de garantia bancária autónoma e à primeira solicitação, as circunstâncias derivadas da relação subjacente, concretamente o cumprimento ou incumprimento, não carecem ser invocadas – sobretudo quando a garantia 18/10 de facto nem fala em incumprimento, nem mesmo fala que na solicitação prévia do pagamento do montante garantido ao solicitante da garantia tal incumprimento houvesse de ser invocado – só o podendo ser, como no caso foi invocado o incumprimento por culpa do beneficiário cedente e até do cessionário, se esta culpa fosse manifesta, fosse de tal forma ostensiva que chocasse o sentimento jurídico da comunidade pautado pela boa-fé.
Não resulta dos autos prova suficiente de que assim seja.
Julgamos, portanto, indiciado o direito invocado pelo recorrido, e não estando em causa a discussão sobre a solvabilidade do recorrente, entendemos que a decisão que manteve o arresto não deve ser revogada.
Improcede assim o recurso.
Tendo nele decaído, é o recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil – fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC nos termos do artigo 7º nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e tabela II A (Procedimentos Cautelares de valor igual ou superior a €300.000,01).
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC.
Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Abril de 2025
Eduardo Petersen Silva
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator

1. Por facilidade e abreviação expositivas não respeitámos integralmente, mas apenas essencialmente, a transcrição do requerimento inicial.