I. A relevância jurídica prevista no art. 672.º, nº 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), do mesmo diploma, há contradição entre acórdãos que – reportando-se a situações de facto essencialmente idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação.
MBM/JES/JG
I.
1.2. Recorridas: GALP GÁS NATURAL, S.A., PETROGAL, S.A.; GALP ENERGIA, S.A., GALP WEST AFRICA, S.A.; TRANSGÁS, S.A. e GALP BIOS, S.A.
3. A ação foi julgada improcedente na 1ª Instância.
4. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou esta decisão.
5. O A. veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º, nº 1, a) e c), do CPC1.
6. As rés contra-alegaram.
6. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.
7. Está em causa determinar se o recurso de revista excecional deve ser admitido no tocante à questão de saber se o Autor foi despedido com justa causa.
E decidindo.
(…)
B.1. A “Galp Gás Natural, S.A.” integra o grupo empresarial Galp Energia, sendo subsidiária da “Petrogal, S.A.”, a qual, por sua vez, é detida pela Galp Energia, SGPS, S.A.”;
C.1. A 30 de Dezembro de 1993, o Autor e a “Transgás – Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S.A., celebraram (…) Contrato de Trabalho Sem Termo, mediante o qual a segunda declarava admitir o primeiro ao seu serviço, com efeitos a 01 de janeiro de 1994, (…) com a categoria de Assessor III (…);
D.1. A 06 de Dezembro de 2007, a “Galp Gás Natural, S.A.”, por si e em representação da “Petrogal, S.A.”, “Galp Energia, S.A.”, “Galp Power, S.A.”, “Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.”, “Transgás, S.A.” e “Gdp - Gás de Portugal, S.A.”, e o Autor assinaram (…) aditamento ao contrato de trabalho, mediante o qual acordaram transformar o contrato referido em C.1. em contrato de trabalho com pluralidade de empregadores, assumindo a “Galp Gás Natural, S.A” a qualidade de empregador titular;
(…)
G.1. O Autor foi nomeado, com efeitos a partir de Maio de 2019, Responsável pela Direção da Área de Aprovisionamento e Trading (Supply & Trading & Pricing) de G&P da Unidade de Negócio Midstream da Galp Energia;
H.1. Em 2020, as responsabilidades da Direção de Aprovisionamento e Trading, G&P eram exercidas pelo Autor;
I.1. Nas funções referidas em H.1., o Autor era coadjuvado, no que concerne à Área de Mercados Organizados, pelo Gestor de Área (Area Manager) BB;
J.1. No exercício das funções referidas em H.1., competia ao Autor, no que concerne à Área de Mercados Organizados, em conjunto com BB, a definição e transmissão aos Traders das operações que estes tinham de executar, com a indicação das condições necessárias tais como produto e quantidade, de forma a que a missão da Direção da Supply & Trading & Pricing de G&P da Unidade de Negócio Midstream fosse cumprida;
K.1. Na data referida em H.1., BB atuava como Trader nos mercados de licenças de emissão de CO2, sem necessidade de intervenção do Autor;
L.1. Na Unidade de Negócio Midstream (Área de Aprovisionamento e Trading, G&P) do grupo Galp Energia, são executadas atividades de aprovisionamento e trading de crude, gás e eletricidade;
M.1.Por força da atividade das refinarias de ... e de ..., o grupo Galp Energia emite gases com efeito de estufa na atmosfera, encontrando-se sujeito ao regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (“CELE”);
N.1. As licenças de emissão que não sejam concedidas a título gratuito ficam sujeitas a venda em leilão de iniciativa da União Europeia (i.e., no Mercado Europeu de Licenças de Emissão de CO2, também designado por “mercado de licenças de emissão de CO2” ou “Bolsa ICE”);
O.1. Na data referida em H.1., cabia à unidade de negócio integrada pelo Autor e por BB a responsabilidade de atuar no mercado de licenças de emissão de CO2, com vista à aquisição das licenças de emissão de CO2, para satisfação, em cada ano, das necessidades do conjunto das refinarias de ... e de ...;
P.1. As necessidades anuais, previstas no final do ano anterior, vão sendo ligeiramente revistas (em alta ou em baixa) ao longo do ano, em função da atividade das duas refinarias;
Q.1. A atividade de compra e venda das licenças de CO2 tem por objeto títulos de futuros e tem por base o valor de mercado, sendo necessário proceder ao pagamento, para além do preço, de uma comissão por transação, correspondente a um valor unitário fixo multiplicado pelo volume de títulos transacionado;
R.1. Os intervenientes neste mercado, para poderem aí atuar, têm de pagar uma margem inicial, para salvaguarda de situações de incumprimento;
S.1. A margem referida em R.1. é maior consoante for maior a exposição em mercado do operador (quanto maiores forem as suas posições em aberto);
T.1. Por força do referido em M.1 e N.1., à data da maturidade das licenças de emissão de CO2 (por regra, em Dezembro), o grupo Galp Energia tem de ter em aberto posições compradoras (i.e., posições longas) de licenças de CO2 correspondentes às indicadas necessidades;
U.1. As condições no seio do grupo Galp Energia de venda de licenças de emissão de CO2 às refinarias de ... e de ..., fixadas para 2020, são as de que as refinarias compram tais licenças ao preço médio mensal apurado no final de cada mês na Bolsa ICE;
V.1. Por força do referido em U.1., a Unidade de Negócio Midstream tem de garantir que a venda é efectuada às refinarias nessas condições;
W.1.O mencionado em V.1. obrigava a Unidade de Negócio de Midstream a, na actividade de trading que desenvolve, a tentar otimizar a sua atuação em mercado, por forma a conseguir ter, na maturidade de tais títulos, uma performance que permita realizar a venda às refinarias aos preços acordados;
X.1. Para conseguir tais objetivos, a Unidade de Negócio de Midstream tem de recorrer ao trading em mercado;
Y.1. Cabia ao Autor e a BB, a observação contínua e permanente do mercado com o objetivo de conseguir uma melhoria da posição nele assumida pelo grupo Galp Energia, em função das variações de preço do mercado;
Z.1. A atividade de trading no mercado de licenças CO2 visa garantir a aquisição otimizada das licenças para as refinarias do Grupo Galp Energia, estando sujeita aos limites impostos pelas regras internas do grupo;
A.2. Constituem atribuições e responsabilidades da Direção de Aprovisionamento e Trading:
(…)
B.2. A Direcção de Aprovisionamento & Trading, G&P tem ainda a responsabilidade de planear, coordenar e controlar os processos de aprovisionamento, aquisição e venda de licenças de CO2 no Mercado Europeu, de forma a dar cumprimento aos objetivos traçados no plano; coordenar e participar na negociação de contratos a prazo (físicos e financeiros) com a finalidade de obter um determinado grau de cobertura em termos de necessidade de licenças de CO2 para as instalações da Gal Energia (atualmente, para as refinarias de ... e de ...); coordenar e participar as negociações de compra/venda de licenças de CO2 com vista ao aproveitamento de oportunidades e maximização das contribuições geradas;
C.2. O Manual de Aprovisionamento, Trading e Shipping Gas&Power estabelece que as melhores práticas de trading aconselham a que se proceda a um registo de todas as circunstâncias relevantes de cada Deal (físico e de papel), devendo essa justificação ser elaborada no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis após a data de conclusão do negócio ou num prazo inferior de acordo com o estabelecido pelo regulador, se for caso disso, assinada pelo Trader e validada pelo Gestor responsável;
D.2. Na data referida em H.1., o Responsável da Área de Aprovisionamento e Trading possuía os seguintes níveis de competência de autorização no âmbito de Trades de Produtos de CO2:
(…)
F.2. Os valores das posições máximas em aberto referidos em D.2. e E.2. correspondem ao mark-to-market;
G.2. O exercício de competências de autorização relacionadas com funções específicas por montantes superiores ao respetivo nível de competência de autorização deve estar refletido nas fichas individuais, em particular para atos de gestão recorrentes e de montantes elevados, tais como licenças de CO2;
H.2. Desde 06 de Janeiro de 2017, o Autor tinha as seguintes competências nos Trades de CO2:
(…)
J.2. O Autor aprovou, enquanto ... Executivo da Ré, as competências referidas em I.2.;
K.2. Em reunião havida em 21 de Setembro de 2018, a Comissão Executiva estabeleceu as responsabilidades das áreas intervenientes no processo interno de gestão de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (GEE), aí se incluindo as licenças de CO2, das instalações do grupo GALP ENERGIA abrangidas pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão CELE, de forma a garantir o cumprimento dos requisitos legais aplicáveis, garantir o reporte de desempenho de licenças de emissão de GEE e assegurar uma atuação eficiente e atempada no mercado do comércio de licenças de missão de GEE, permitindo antever situações de risco e oportunidades e suportando a tomada de decisão;
L.2. Na sequência do aprovado na reunião referida em K.2., compete aos responsáveis da Área de Aprovisionamento e Trading, G&P – Mercados Organizados:
(…)
M.2.O Autor tinha formação adequada para o exercício das funções que desempenhava e conhecia as normas internas em vigor e a que devia obediência;
N.2. No primeiro semestre de 2020, a atividade de trading desenvolvida pela Trading Desk G&P da Área de Aprovisionamento e Trading, G&P, no mercado de licenças de emissão de CO2, originou a abertura das posições de produtos CO2 futuros com maturidade a dezembro de 2020, com as seguintes valorizações mark-to-market
(…)
O.2. As transações de produtos CO2 futuros (Deals de Papel) inerentes às posições referidas em N.2. foram executadas por BB;
P.2. A equipa de trading de que BB era responsável (e nos quais se inclui), era composta por cinco colaboradores;
Q.2.Nas datas referidas em N.2. apenas BB atuava no mercado de licenças de emissão de CO2;
R.2. Para além de BB, só o trader CC intervinha, muito pontualmente, no trading desse mercado;
S.2. A manutenção de posições em aberto superiores a € 1.000.000,00 necessitava da autorização do Autor e exigia que este seguisse a estratégia definida;
(…)
U.2.As operações referidas em S.2. violam as regras estabelecidas e mencionadas em D2., E2., G2., K2. e L2., na medida em que, não tendo havido intervenção no mercado de produtos de CO2:
V.2. O Autor, embora trabalhasse noutra sala, ia quase todos os dias à sala da equipa de trading, para ver como estavam os mercados e, sendo caso disso, discutir a estratégia que devia ser seguida pelos traders nesses mercados;
(…)
X.2. O back-office da Área de Operações elabora um resumo das operações diárias, num relatório com a descrição das operações realizadas na véspera e que justificam as entradas e saídas dos montantes indicados pelo clearing bank (Banco Santander), que era remetido diariamente ao Autor;
Y.2. Pelo resumo referido em X.2. o Autor era informado sobre as posições em aberto da Galp Energia no mercado de licenças de CO2;
Z.2. O “Midstream Results Presentation”, produzido pela Área de Business Office por referência ao mês de abril de 2020 evidencia uma variação da posição negativa da carteira de CO2 de € 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil euros);
A.3.O “Midstream Results Presentation”, produzido pela Área de Business Office por referência ao mês de maio de 2020 evidencia uma variação da posição negativa da carteira de CO2 de € 9.800.000,00 (nove milhões e oitocentos mil euros);
B.3. O Autor recebeu, por email, os elementos referidos em Z.2. e A3.;
C.3. O “Midstream Results Presentation” referente ao mês de Maio de 2020 foi apresentado (com algumas actualizações) na reunião de Comissão de Gestão de 18 de Junho de 2020, na qual esteve presente toda a Direção da Unidade de Negócio Midstream (e, portanto, também, o Autor);
D.3.Em 18 de Junho de 2020, DD agendou uma reunião com o Autor, BB e EE com vista à discussão de procedimento interino para as operações de trading de Gás, Power e CO2 e que deveria contemplar, entre o mais, os limites máximos e mínimos das posições em aberto e respetiva metodologia de controlo;
E.3. Em 22 de Junho de 2020, BB falou com o Autor acerca da posição em aberto que estava a assumir no mercado de licenças de emissão de CO2, dando-lhe expressamente conta da dimensão de tal posição e da valorização da mesma no MTM;
F.3. A 29 de Junho de 2020, o Autor entrou em contacto com o Business Officer DD, dizendo-lhe que queria falar com ele sobre um tema relacionado com o mercado de licenças de emissão de CO2;
G.3. Na noite de 29 de junho de 2020, DD alertou o ... FF e o ... GG sobre as posições em aberto;
H.3.O referido em S.2. e T.2. expôs o grupo Galp Energia a um MTM negativo de cerca de € 50.000.000,00 ao fecho de junho;
I.3. A 2 de Julho de 2020, a exposição referida em H.3. situava-se em cerca de € 53.000.000,00 negativos;
J.3. No mercado de CO2 são transacionadas diariamente, em média, entre 23 e 25 milhões de toneladas de licenças de emissão de CO2;
K.3. O referido em H.3. e o volume das posições vendedoras referidas em S.2. dificultou o encerramento das posições em aberto;
L.3. O referido em H.3. e o volume das posições vendedoras referidas em S.2. podia dar origem a abertura de inquéritos por parte das autoridades de supervisão, com vista a apuramento de situações de manipulação do mercado;
M.3.A posição natural do Grupo Galp Energia no mercado de CO2 é compradora;
N.3.No negócio de compra e venda de licenças de CO2, não existe a possibilidade de adquirir licenças noutro mercado de licenças de emissão de CO2;
O.3. Se mantivesse as posições vendedoras até à maturidade, o Grupo Galp Energia não tinha disponíveis as licenças que se tinha comprometido a vender;
P.3. A 3 de Julho de 2020, o Grupo Galp Energia decidiu aprovar a realização das operações para cobertura da totalidade das posições abertas (encerrar a posição), de acordo com as regras de atuação em mercado (ICE) e em função da liquidez do mercado
Q.3.A posição vendedora foi encerrada a 09 de julho de 2020, com uma perda efetiva de € 60.292.483,80, incluindo as comissões bancárias;
R.3. O referido em Q.3. produziu prejuízos para a imagem e reputação institucional do grupo Galp Energia, designadamente junto do mercado ora em causa, das entidades reguladoras e do público em geral;
S.3. A 14 de Julho de 2020, o Grupo Galp Energia comunicou à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) as perdas decorrentes das transações de derivados sobre licenças de emissão de CO2;
T.3. Em 14 e 15 de julho de 2020, foi noticiado pela imprensa nacional, designadamente o Expresso, SIC Notícias, Jornal de Negócios, Jornal de Notícias, Jornal Económico, Sábado, Observador e ECO, que a Galp Energia teve prejuízos na ordem dos 60 milhões de euros em negócios não autorizados, tendo tido de encerrar a totalidade das posições no mercado de licenças de CO2 e de tomar medidas a nível disciplinar;
U.3.Em 10 de Julho de 2020, a Comissão Executiva da “Galp Energia, SGPS, S.A.” deliberou instaurar procedimento prévio de inquérito para apuramento dos factos relacionados com a autorização e realização de operações de venda de licenças de emissão de CO2 em mercado e sua conformidade com as normas internas, nomeadamente de competências e de instruções sobre Trading, bem como de apuramento de responsabilidades pela sua violação, com os, para além do mais, seguintes fundamentos: “Por terem sido reportados a 29 de Junho de 2020 ao ... do Pelouro (…) factos relacionados com a posição de licenças CO2, com violação grave de normas sobre competências e execução de operações de compra e venda em mercado (…) em que terão tido intervenção (…) Eng.º AA (…) Eng.º BB (…) ”;
V.3. Na data referida em U.3., a Comissão Executiva ratificou os atos praticados pelos Administradores, Eng. FF e Dra. HH, relativos à comunicação entregue em 2 de Julho de 2020 ao Autor e a BB determinando a sua suspensão;
W.3.Na data referida em U.3., a Comissão Executiva aprovou ainda emitir uma recomendação com o teor desta deliberação dirigida ao órgão de administração da Ré;
(…)
Z.3. Em 28 de Julho de 2020, o instrutor procedeu à elaboração do relatório final do procedimento prévio de inquérito, propondo que se procedesse à instauração de procedimentos disciplinares ao Autor e a BB, designadamente com vista à aplicação da sanção de despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação e que fosse dado conhecimento do Relatório Final às demais empregadoras com quem os mencionados colaboradores tinham vínculo contratual;
A.4. Em 29 de Julho de 2020, a Comissão Executiva da GALP ENERGIA, SGPS, S.A. deliberou aprovar a instauração de procedimento disciplinar, com intenção de despedimento, ao Autor;
B.4. A suspensão preventiva do Autor manteve-se;
C.4. A Comissão Executiva da GALP ENERGIA, SGPS, S.A., deliberou emitir uma recomendação com o teor da deliberação referida em A4. dirigida aos órgãos de administração da Ré, da “Petrogal, S.A.”, da “Galp Energia, S.A.”, da “Galp Power, S.A.”, da “Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.”, da “Transgás, S.A.”, e da “GDP – Gás de Portugal, S.A.”;
D.4.Em 29 de Julho de 2020, o Conselho de Administração em nome próprio e em representação das demais empregadoras, aprovou a instauração de procedimento disciplinar, com a intenção de despedimento, ao Autor;
(…)
O.4.Em 30 de Outubro de 2020, o Conselho de Administração da Ré proferiu a decisão final, aderindo à fundamentação de facto e de direito do relatório final do instrutor e deliberando (em nome próprio e em representação da “Petrogal, S.A.”, da “Galp Energia, S.A.”, da “Galp Power, S.A.”, da “Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.”, da “Transgás, S.A., e da “GDP – Gás de Portugal, S.A.) a aplicação ao Autor da sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem compensação ou indemnização;
(…)
Q.4.O cargo desempenhado pelo Autor era de direção, com a possibilidade de celebrar contratos em representação da empregadora;
R.4. Na sua qualidade de gestor, o Autor tomava conhecimento de informação sensível respeitante à atividade da unidade de negócio e seus resultados, formação de preços e orientações comerciais, tomava decisões estratégicas de condução do negócio e exercia poderes de autoridade sobre os outros trabalhadores;
(…)
T.4. A Direção de Business Office elabora uma apresentação para reunião de apresentação de resultados da unidade de negócio Midstream;
U.4.A reunião referida em T.4. realiza-se em meados de cada mês, com a participação do Presidente do Conselho de Administração da Ré e dos Diretores de 1.ª linha da Ré;
V.4. A apresentação referida em T.4. é enviada para a Direção de Planeamento e Controlo Corporativo do grupo Galp, que é responsável por produzir uma apresentação com os resultados do grupo Galp, para ser discutida na reunião da Comissão Executiva da sociedade Galp Energia SGPS, S.A., que se realiza em meados de cada mês;
W.4.A Direção de Business Office é liderada por DD;
X.4. Em meados de maio de 2020, constatando que não dispunha de informação regular associada ao mercado de Power e CO2, DD, solicitou a II para começar a preparar um relatório semanal que incluísse a posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2;
Y.4. DD, passou a receber, semanalmente, um relatório que incluía a posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2;
Z.4. No dia 14 de Maio de 2020, às 20h32m, o colaborador da Direção de Business Office, JJ, enviou um e-mail para, além de outros, ao Autor, a FF e a DD, que estiveram na reunião de apresentação de resultados da unidade de negócio Midstream dessa data, com os seguintes dizeres: “(…) Segue em anexo a versão final da apresentação de resultados, já com a inclusão do slide relativo ao CFFO. A degradação deste indicador no mês de abril deveu-se fundamentalmente à redução dos saldos com fornecedores e a um agravamento do Cash Flow associado aos Forwards Gas & Power (detalhe adicionado no slide). Não obstante algumas validações que ainda estamos a concluir as mesmas não têm impacto significativo nos valores e conclusões aqui apresentados. (…);
A.5.Os resultados da unidade de negócio Midstream, incluindo a posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2 demonstrados no slide referido em Z.4. era de € -5.200.000,00 (- 3.3 Mton);
B.5. O relatório de 25 de maio de 2020, enviado a DD, refere uma posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2 de cerca de € - 9.890.000,00 (- 4.668.000 Mton);
C.5. O relatório enviado a DD, no dia 01 de junho de 2020, refere uma posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2 de cerca de € - 9.613.000,00 (- 45.068.000);
D.5.O percurso profissional do Autor esteve, desde sempre, ligado ao negócio do gás natural, em especial, na área de Supply & Trading, na qual exerceu com funções de direção, sempre com reconhecida competência, zelo, dedicação e lealdade;
(…)
M.5.A Ré, por iniciativa do Autor, conseguiu negociar a redução dos volumes de gás natural a fornecer a clientes em Portugal (centrais elétricas), libertando volumes de GNL proveniente da Nigéria, adquirido ao abrigo dos referidos contratos assinados em 1998, 1999 e 2002, para venda no mais lucrativo mercado internacional;
N.5.O Autor foi convidado para integrar o Conselho de Administração da sociedade “Galp Energia, SGPS”, a partir do dia 16 de abril de 2015;
O.5.O Autor passou a ser o Presidente do Conselho de Administração da “Galp Gás Natural, S.A.” em maio de 2015;
(…)
Q.5.No dia 12 de abril de 2019, foi tomada Resolução em que se decidiu que o Autor passaria a ser o Director de Supply, Trading e Pricing do negócio de Gas&Power do grupo Galp;
R.5. No dia 10 de Maio de 2019, o Autor passou a ser o Diretor de Supply, Trading e Pricing do negócio de Gas&Power do grupo Galp;
(…)
X.5. A Direção de Business Office é liderada pelo Business Officer DD;
Y.5. A partir de 12 de abril 2019, a área de negócio de Gas&Power ficou sob a responsabilidade de 4 (quatro) Administradores Executivos da sociedade Galp Energia, S.A. e iniciou-se um primeiro projeto de reorganização da área comercial do grupo Galp (HERMES), que foi concluído em Outubro de 2019;
Z.5. Em 2015, o grupo Galp decidiu implementar um sistema de controlo para a atividade de trading do negócio de oil e do negócio de Gas&Power (Alegro), em duas fases: a primeira para o negócio de oil e a segunda para o negócio de Gas &Power;
A.6.A implementação do sistema Alegro para o negócio de Gas & Power foi iniciada em 2020;
B.6. No dia 12 de março de 2020, o Autor, sabendo que o trabalhador BB estava comprador no mercado de emissão de licenças de CO2 e perante a queda da cotação das mesmas no início de março de 2020, questionou-o sobre a posição do grupo Galp;
C.6. BB informou o Autor de que tinha conseguido fechar a posição do grupo Galp com uma perda pouco significativa;
D.6.O Autor não voltou a falar com BB sobre o mercado de emissão de licenças de CO2 até ao dia 22 de junho de 2020;
E.6. BB não referiu ao Autor a posição da sociedade Galp Energia no mercado de emissão de licenças de CO2, nem o avolumar do mesmo;
F.6. No dia 22 de junho de 2020, o Autor teve conhecimento da posição do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2, quando o trabalhador BB lhe enviou um e-mail;
G.6. Na sequência do email o Autor telefonou a BB e disse-lhe para suspender, de imediato, a sua atuação no mercado de emissão de licenças de CO2;
(…)
I.6. Na reunião de apresentação de resultados da unidade de negócio Midstream, via TEAMS, havida no dia 14 de maio de 2020, na qual esteve presente FF e DD, nada foi dito ou apresentado sobre a posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2;
J.6. No dia 26 de maio de 2020, realizou-se uma reunião entre DD, BB e KK, na qual foi discutida a posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2;
K.6. O Autor não foi convocado pelo Business Office e ... da Ré, DD, para essa reunião, nem lhe foi transmitido o ali discutido;
L.6. No dia 02 de junho de 2020, realizou-se uma segunda reunião entre DD, BB e KK;
M.6.O Autor não foi convocado pelo Business Office e ... da Ré, DD, para essa reunião nem lhe foi transmitido o ali discutido;
N.6.No dia 18 de Junho de 2020, na reunião de apresentação de resultados da unidade de negócio Midstream, via TEAMS, na qual esteve presente DD, FF, não se mencionou o valor de € - 9.400.000,00 da posição MTM do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2, no dia 31 de Maio de 2020, que constava da apresentação powerpoint;
O.6.No dia 29 de junho de 2020, o Autor falou com o Business Office e ... da Ré, DD, sobre a existência de um problema com a exposição do grupo Galp no mercado de emissão de licenças de CO2;
(…)
É patente que não se verifica qualquer contradição deste tipo entre o acórdão recorrido e o acórdão de 21.11.2018 desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 1043/16.8T8CLD.C2.S1), indicado pelo recorrente como acórdão-fundamento.
É certo que este aresto versou igualmente sobre uma situação em que se discutia a (in)existência de justa causa de despedimento de um trabalhador.
Todavia, pese embora existência de pontos de contacto entre aspetos periféricos dos dois casos (v.g. a inexistência de antecedentes disciplinares e o exercício de funções de chefia pelos trabalhadores despedidos), encontramo-nos perante quadros factuais radicalmente distintos, como desde logo decorre da circunstância de neste último estar em causa, a propósito da reparação da porta de um veículo, o comportamento – para mais, isolado/pontual – de um trabalhador que dirigia uma oficina de reparação de automóveis…
Ora, no caso dos autos está em causa a conduta – com muito nefasto impacto financeiro – de um alto quadro de um grupo empresarial de referência no contexto nacional e mundial (Galp Energia), no âmbito da atividade de trading no mercado de licenças CO2 (dirigida a garantir a aquisição otimizada das necessárias licenças para as refinarias de ... e de ...), diferença que, naturalmente, assume relevância determinante na abordagem jurídica das duas situações e que obsta ao estabelecimento de qualquer tipo de paralelismo ou análise comparativa entre as mesmas.
10.1. Igualmente se encontra inverificado o fundamento da revista excecional contemplado na alínea a) do n.º 1 do art. 672.º, segundo a qual reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, sendo que assim se devem entender v.g. as seguintes situações:
– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).
– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).
– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).
– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).
– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).
– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02-02-2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).
10.2. Posto isto, refira-se que o conceito de justa causa de despedimento tem vindo a ser aprofundadamente densificado por este Supremo Tribunal, bem como pela literatura juslaboral, sendo certo que, neste âmbito, o recorrente não invocou qualquer dimensão problemática realmente suscetível de configurar uma questão nova, nem tão pouco controvertida, à luz da jurisprudência ou da doutrina.
10.3. Em contrário, alega essencialmente o mesmo que na génese da infração disciplinar que lhe foi imputada estão factos praticados por um “terceiro”, trabalhador seu subordinado, inexistindo, no ordenamento laboral privado, norma legal que estabeleça um dever de “lealdade ou de cuidado no que se refere a factos praticados por inferiores hierárquicos”. Acrescenta que na doutrina este tema “não encontra uma investigação ou discussão aturada” e que na jurisprudência “são muito raras as decisões a que se consegue aceder sobre a mesma temática”.
Trata-se, bem vistas as coisas, de uma pseudoquestão, aí residindo certamente a razão pela qual não será fácil encontrar qualquer controvérsia jurídica sobre a questão de saber se, verificados que sejam os demais elementos exigidos na lei, o superior hierárquico pode ser disciplinarmente responsabilizado por condutas lesivas da empresa que, embora realizadas por trabalhadores seus subordinados, radiquem no deficiente exercício dos seus poderes-deveres funcionais de supervisão e controlo.
Interrogação que, em abstrato, incontornavelmente impõe resposta positiva e que, em concreto, nos remete para o plano da eventual violação dos deveres de zelo, diligência e lealdade a que os trabalhadores se encontram adstritos [cfr. art. 128º, nº 1, c) e f), do Código do Trabalho], a aferir em função das específicas circunstâncias de cada situação particular.
No presente momento processual, não está em causa o juízo neste âmbito levado a cabo pelo acórdão recorrido, apenas se impondo sublinhar que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, aí foram considerados e valorados fatos praticados pelo recorrente e não por um “terceiro”, improcedendo, por conseguinte, a argumentação por si ensaiada.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 30.04.2025
Mário Belo Morgado, relator
José Eduardo Sapateiro
Julio Manuel Vieira Gomes
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