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RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PLATAFORMA DIGITAL
“ESTAFETA”
PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO
Sumário
I – Verificando-se duas ou mais caraterísticas das previstas nas diversas alíneas do art. 12.º-A do CT, está preenchida a presunção de existência do contrato de trabalho, sem prejuízo de poder vir a ser ilidida. II - Operando a referida presunção de laboralidade cabe à ré a prova do contrário, nos termos previstos no art. 350.º/2 do CC e no n.º 4 do art. 12.º-A do CT, não lhe bastando a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
O Ministério Público intentou a presente acção declarativa sob a forma especial de acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra EMP01..., Unipessoal, Lda., nos autos melhor identificada, pedindo que se reconheça a existência de um contrato de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, entre a ré e AA (também nos autos melhor identificada), com início em 1 de Setembro de 2023.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, conforme síntese constante da sentença recorrida, que na sequência da acção inspectiva desenvolvida pela ACT – Unidade local de ..., verificou-se a prestação de uma actividade aparentemente autónoma, mas em condições análogas às de um contrato de trabalho por parte da identificada AA, sendo que essa prestação se desenvolvia no âmbito da plataforma digital EMP01....
Esta plataforma foi criada pela ré para disponibilizar serviços à distância, mormente para receber e distribuir pedidos dos clientes, nomeadamente de refeições, para o que recorre a estafetas, controlando e supervisionando a actividade destes, em tempo real, através de um sistema de geolocalização, encontrando-se aqueles estafetas, como era o caso da AA, juridicamente subordinados à ré, sem autonomia na definição das suas tarefas e sujeita ao seu poder disciplinar, podendo a ré excluir o estafeta de futuras actividades na plataforma ou suspender temporariamente o acesso ou desactivar a conta em caso de suspeita de violação de obrigações.
A ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção, invocando preterição do direito de pronúncia, por no mês de Novembro de 2023 ter sido notificada de mais de 200 autos de inadequação do vínculo, nos termos do n.º 1 do art. 15.º-A da Lei n.º 107/2009, considerando que ficou impossibilitada de exercer o contraditório.
Por impugnação motivada, alegou que a AA exercia, à data da fiscalização, a actividade através da “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, e desde ../../2024 fá-lo através da “EMP03... Unipessoal, Lda.”, pelo que os termos e condições que regem a relação entre a ré e a estafeta são os aplicáveis aos parceiros de entregas do parceiro de frota juntos como doc. 7, não tendo a ré influência sobre esses termos e condições.
A prestadora desenvolve a sua actividade de forma autónoma, pois que pode escolher como, onde, por quanto tempo e em que termos a presta; não existe controlo da actividade da prestadora, pois o GPS apenas é necessário para o funcionamento da aplicação; a ré não tem poder de direcção sobre a prestadora, pois que não lhe dá ordens ou instruções sobre a forma como deve interagir com clientes; nem exerce sobre a prestadora poder disciplinar pois que a resolução do contrato, prevista na cl.ª 14.ª dos termos e condições, não pode ser entendida como forma de exercício dele; por fim, não existe relação intuitu personae entre a ré e a prestadora, uma vez que a ré não faz escrutínio sobre a experiência, qualificações académicas, características pessoais e técnicas do prestador, estes só têm de reunir os requisitos de conformidade exigidos por lei para criar a conta e prestar os serviços, sendo o processo de registo e acesso à plataforma dependente da prestação de informações e da junção de documentos.
Tendo sido efectuada a notificação da pretensa trabalhadora, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 186.º-L do CPT, a mesma não tomou posição nos autos, nem apresentou articulado próprio nem aderiu ao articulado do Ministério Público.
Prosseguindo os autos, e após realização da audiência de julgamento, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolve-se a ré “EMP01... – Unipessoal, Lda.” do pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre ela e a AA.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1 - O artigo 12.º do Código do Trabalho veio estabelecer presunções da existência de contrato de trabalho, incluindo o n.º 1 uma lista de indícios que corresponde em parte aos índices de subordinação que há muito vêm sendo utilizados pela jurisprudência e pela doutrina como apurar a subsistência de subordinação, podendo ser ilidida mediante prova em contrário nos termos do disposto no art. 350.º, n.º 2 do Código Civil.
3- Esta presunção não se mostrava apta para dar resposta para novas formas de trabalho digital, tendo sido perspetivada para as relações de trabalho na era pré-digital, sendo certo que perante o trabalho nas plataformas digitais, novos desafios surgiram, pelo que a Lei 13/2023 de 03/04 veio introduzir o artigo 12º-A do Código do Trabalho, o qual estabelece no seu n.º 1 que, sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das características indicadas nas als a), b), c), d), e) e f)
4 - Desse modo, importa verificar se resulta dos factos provados a verificação de algumas das características referidas nas alíneas do n.º 1, do referido artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
5- Nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. a), do C.T., cumpre averiguar se “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”.
Estabelece ainda o nº 2 do art. 12-A que a ré presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios electrónicos designadamente sitio da internet ou aplicação informática a pedido de utilizadores e que envolvam como componente necessária e essencial a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente desse trabalho ser prestado a em linha numa localização determinada , sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprias”
6. De acordo com a douta sentença proferida (pontos 13 e 14) A plataforma fixa o preço e as condições com os parceiros/comerciantes e fixa o preço do serviço a prestar ao cliente final, que é pago à própria ré. A plataforma define o valor a pagar pelas entregas, quer ao estafeta independente, quer ao inscrito por intermediário (neste caso, ao valor é deduzida uma comissão pelo parceiro frota), que é variável de acordo com as entregas aceites e realizadas, as horas a que ocorrem as entregas e os quilómetros a percorridos.
7. Como se refere a este propósito no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 17.10.2024, proc. n.º 2793/23.8T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt “…não ocorre qualquer negociação quanto aos termos como a remuneração do estafeta é fixada, sendo da exclusiva responsabilidade da ré a determinação dos critérios, ainda na parte em que permite ao estafeta alguma manobra.” E mais à frente ainda a este propósito é referido o seguinte: “A única saída, caso não aceite o preço, é recusar o serviço, circunstância que como é manifesto, impede o mesmo de auferir o rendimento, sendo que, a debilidade económica do prestador será fortíssimo “argumento” para aceitar as condições assim propostas, na prática, pelo menos em grande parte das ofertas, a esta liberdade formal, não corresponde uma efetiva e prática liberdade.”
8- Quanto à verificação da al. b) do art. 12-A do Código do Trabalho, resulta dos factos dados como provados a tal atinentes que a ré dirige, estipula, concretiza e define a forma como toda a atividade deve ser por eles prestada, estabelecendo regras especificas que o estafeta é obrigado a cumprir e sem o qual não pode exercer essa actividade: descarregar a aplicação no seu telemóvel, imprescindível pois é só ela que permite a ligação do prestador da atividade aos estabelecimentos aderentes/parceiros da ré e aos seus clientes finais/consumidores remeter documentos pessoais e tem que obedecer às regras especificas que o estafeta é obrigado a cumprir mostrando-se essa aplicação.
9 - Caso o estafeta não proceda à utilização da App de acordo com as condições impostas, Obrigações constantes do Ponto 5 do Contrato estabelecido entre a ré e os estafetas, a sua conta é bloqueada, não podendo voltar a exercer a atividade constando da al. c) que “Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir e atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes contratos. Se a EMP01... restringir o seu acesso a App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato”.
10 - Relativamente à alínea c), n º1 do artigo 12º-A, conforme resulta da factualidade provada no que a tal diz respeito, para que sejam distribuídos pedidos na plataforma, a AA tem assim que se colocar online - iniciando sessão, com os dados móveis ligados e a localização activada - passando a plataforma a saber a sua localização, fazendo o acompanhamento do trajecto desenvolvido pelo estafeta entre a recolha e a entrega, sendo o conhecimento da localização do estafeta essencial para a plataforma
11 - Dessa forma a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica estabelecendo requisitos mínimos de desempenho, garantindo o cumprimento das obrigações que se encontram na cláusula 5.º do Contrato, pois que caso não cumpra vê a sua conta bloqueada
12 - Resulta da Cláusula 5 alínea n) do Contrato estabelecido entre a ré e os estafetas, quanto à identificação de Parceiro de Entregas que permite o acesso ao uso da App de acordo com este Contrato, deve manter essa identificação de Parceiro de Entregas Confidencial e não a partilhar com terceiros não autorizados. Deve notificar a EMP01... de qualquer violação, divulgação ou uso indevido da sua identificação de Parceiro de Entregas da App. O Parceiro de Entregas é livre para substituir a sua actividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este ultimo realize serviços de entrega em Seu interesse e sob o seu controlo e responsabilidade”.
13 - Ademais do ponto 5 do referido Contrato sob a epígrafe “obrigações”, al. c) consta o seguinte: “Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir e atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes contratos. Se a EMP01... restringir o seu acesso a App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato”.
14 - Por outro lado, do ponto 9 do dito contrato, resulta que, sob a epígrafe “Acesso à App” consta que: “no caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas (…) temos o direito de restringir o seu acesso à, e utilização da App. (…)”
15 - Quanto à al. d) do art. 12º-A al e) do Código do Trabalho, pese embora dado como provado o facto do estafeta ter liberdade para aceitar ou recusar qualquer pedido de entrega que entendesse não o efectuar, tal não afasta a existência de subordinação, como refere Acórdão da Relação de Évora de 23.4.2024 proferido no âmbito do Processo nº 1620/23.0T8BJA.E1, DISPONIVEL EM WWW.DGSI.PT (…) Acresce que o estafeta não tem qualquer organização empresarial própria perante o cliente, nem tinha capacidade para organizar a prestação de trabalho sozinho dependendo da organização empresarial da ré
16 - Quanto à al. e) do art. 12º-A do Código do Trabalho, a plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta. Pois a ré reserva sempre para si o poder de unilateralmente excluir os prestadores da atividade de estafeta da sua plataforma através da desativação da respetiva, resultando do Ponto 9 do Contrato sob a epígrafe “Acesso à App” que: “no caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas (…) temos o direito de restringir o seu acesso à, e utilização da App. (…)” conforme previsto na al. e) do art. 12º-A al.d) , do Código do Trabalho
17 - Quanto à al. f) do art. 12º-A do Código do Trabalho, resulta da matéria de facto dada como provada que a estafeta AA para ter acesso às ofertas de entregas disponibilizadas pela Ré necessita ter a “app EMP01... instalada no seu smartphone e de ter a sua geolocalização ativa
18 - Sendo parte dos equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencentes à ré, ou são por ela explorados, nomeadamente a utilização da aplicação informática respetiva por parte do estafeta e o acesso ao serviço de apoio técnico e à gestão e à intermediação de pagamentos, sendo a Plataforma que distribui os pedidos feitos por cientes através de um algoritmo que tem em conta para além de outros factores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega, a localização do estafeta, o qual não tem intervenção na escolha dos clientes e sem a qual o estafeta não tem acesso os pedidos dos clientes, sendo tais serviços de entrega geridos e organizados pela Ré, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega de mercadorias, recebendo em contrapartida os estafetas o valor por cada entrega.
19- Tal como se refere no Acórdão do TRG, supra, citado “A ré é uma empresa que, entre o mais, gere online um negócio de entregas de bens asseguradas por estafetas. Para o efeito detém um software (aplicação EMP01...), que funciona como uma “loja”, não física, mas digital, conectando comerciantes a clientes, que assim vendem e compram produtos. É a ré que gere e organiza estes serviços de recolha e entrega de mercadorias, recorrendo a estafetas para os executar. Estes, em contrapartida, recebem um valor por cada entrega pré-estabelecido na App (embora possam alterar o valor mínimo).
20 - Acresce que, também os indícios ou características previstas no artigo 12º do CT, se encontram verificadas, designadamente, a periodicidade semanal no pagamento dessa atividade, embora a quantia não fosse certa; bem como o facto de o local da prestação da atividade ser o determinado pela ré (recolha no estabelecimento indicado e entrega no cliente da ré, também por esta indicado); o principal instrumento de trabalho – a APP – pertence à ré ou é por esta explorada e o estafeta só pode prestar a atividade no horário de funcionamento da APP.
21 - Resultando ainda que, três dos indícios ou características, previstos no artigo 12º, n º1 al. a), b) e d), preenchidas, estando assim estabelecida a presunção de laboralidade, desde o inicio da relação laboral, ou seja, 1 de setembro de 2023.
22 - Caso se entenda que não se aplica o art. 12.º A do Código do Trabalho, e que as presunções do art. 12.º. n.º 1, também não se encontram preenchidas, ainda assim, deve reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho, com recurso ao Método indiciário.
23 - Com efeito, tal como se refere no Acórdão do T.R.G. (processo n.º 2834/23.9T8VRL.G1 de 17-10-2024, publicado in www.dgsi.pt ) “o lastro deixado pelo trabalho doutrinário e jurisprudencial que informou a nova presunção de laboralidade em trabalho suportado por plataformas digitais. Contributos esses que deverão ser aproveitados na tarefa de qualificação de vínculos estabelecidos entre os prestadores e as plataformas criadas e geridas por empresas. Bem como na desconstrução e destrinça entre verdadeiros casos de trabalho autónomo com liberdade de opção e de execução, daqueles outros assentes em aparências que encobrem trabalho prestado em situação de hetero-determinação, ilicitamente subtraído ao direito laboral.
Nesta perspectiva, mais não se trata do que caracterizar o vínculo em causa com recurso ao bem conhecido e antigo método indiciário, criado ao longo do tempo pela jurisprudência, que consiste no confronto dos factos apurados com uma grelha de tópicos ou indícios de qualificação.
O caso de que nos ocupamos remete-nos para temáticas actuais, relacionadas com a revolução digital, a inteligência artificial, a automação, em especial a actividade prestada em plataforma digital, as quais transformaram o mercado e as relações de trabalho.
Áreas essas em que se vem identificando novas realidades na forma de prestar e organizar o trabalho e sinalizando a necessidade de uma abordagem diferente da tradicional ligada a um mundo em que prevalecia a fábrica, a loja, outros lugares físicos, o horário de trabalho, o equipamento físico de trabalho, as ordens evidentes e explicitas, a proximidade no relacionamento interpessoal, etc.
Exemplo desse alerta foi deixado pelo Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021, que, contou, entre mais, com a colaboração de académicos e pensadores, ali se entrevendo importantes linhas de reflexão, mormente a ideia de que a ausência de certos indícios tradicionais não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho. Aponta-se, ali, ainda, o objectivo de combater a dissimulação ilícita de relação de trabalho. Infra voltaremos a ligarmo-nos ao ponto”.
24 - Assim, neste caso, o grande problema está, em determinar aquilo em que consiste a subordinação jurídica, cujo conceito deve ser visto à luz da nova realidade, sendo de relevar a inserção do estafeta na estrutura económica da Ré, na organização produtiva encarnada pela plataforma, e a inexistência de uma estrutura organizada por parte do estafeta e a sua dependência dessa organização, quer quanto ao trabalho, quer económica.
25 - A este propósito, escreve António Monteiro Fernandes: «A subordinação consiste, essencialmente, no facto de uma pessoa exercer a sua atividade em proveito de outra, no quadro de uma organização de trabalho concebida, ordenada e gerida por essa outra pessoa. O elemento organizatório implica que o prestador de trabalho está adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem, de facto, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de “ordens e instruções. (…) O elemento chave de identificação do trabalho subordinado há de, pois, encontrar-se no facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria, antes se integrar numa organização de trabalho alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empregador – à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição na mesma organização » (in Direito do Trabalho, 18.º edição, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 133-134).
26 - Assim, voltando novamente ao caso concreto, e seguindo de perto a posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães supra, citado “para facilitar a tarefa de qualificação, pela jurisprudência foi sendo utilizado o denominado “método indiciário”, inventariando-se uma grelha de indícios. Entre eles: a realização da actividade em local determinado pelo empregador; a observância de horário de trabalho; o fornecimento dos instrumentos de trabalho pelo empregador; a exclusividade do trabalhador e o dever de não concorrência; a pessoalidade no relacionamento, que obsta a que trabalhador se faça substituir por um terceiro; a remuneração regular e certa; a emissão de ordens e instruções; o grau de inserção da estrutura organizativa decorrente da observância de instruções na prestação da actividade e regras de conduta; a sujeição a sanções; e outros indicadores secundários como a dependência económica, regime fiscal e de segurança social que o prestador da actividade observa.
Será, porém, de notar que, ainda antes da era do trabalho digital, a jurisprudência e doutrina já sublinhavam que o peso e a relevância dos indícios variavam em função do tipo de actividade exercida, podendo ser sopesados de maneira diferente em situações que, por díspares que eram, assim justificavam tratamento diferenciado. Em actividades do sector industrial poderão ter peso determinante as instalações da fábrica, a maquinaria, a matéria-prima e até a observância de horário no local para onde todos se dirigem, mas já o mesmo não sucederá em actividades do sector terciário, mormente em serviços de gestão, de informática, de consultadoria, de tradução, de limpeza, de vigilância, etc...”
27- Assim, no que concerne aos equipamentos/instrumentos e meios de trabalho resulta que é a ré EMP01... que opera e gere a plataforma electrónica. A Ré EMP01..., através do sofware gere e controla uma organização produtiva que é sua, sendo ela quem recebe os pedidos e distribui o trabalho de entregas. Os clientes são seus, pois que nenhum relacionamento contratual é estabelecido entre o estafeta e o comerciante/vendedor e o cliente/adquirente.
28 – A infraestrutura essencial da actividade em causa é o software gerido pela ré EMP01..., sendo que propriedade dos restantes equipamentos (telemóvel, mochila, veículo) utilizados pelo estafeta é claramente acessória e secundária. Pois que, sem a APP os estafetas não conseguem montar e gerir um negócio de recolha e entrega de bens da dimensão da EMP01....
29 – A Ré EMP01... através do seu programa informático, organiza e gere a actividade de transporte de recolha e entrega de mercadorias, detendo aquela o poder de direção e de conformação do modo como é prestada a actividade, o que se revela a subordinação do estafeta.
30 – Relativamente ao exercício do poder sancionatório por parte da Ré EMP01..., desde logo resulta das obrigações do denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” (ponto provado n) o qual é um exemplo disso.
31 - Veja-se o seu ponto 5 denominado “As suas obrigações”, onde na al. c) consta o seguinte:
“Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes contratos.
32 - Se a EMP01... restringir o seu acesso a App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato”.
Acresce que no ponto 9 do dito Contrato item denominado “Acesso à app” “No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas... temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. ....”
33 - No que concerne à retribuição, decorre da matéria provada que o estafeta recebe uma quantia variável por cada entrega e o valor a receber não depende do tempo de demora na sua realização ou do tempo de ligação à App. Contudo, importa, porém, ter em atenção que o pensamento actual que acompanha as ditas novas formas de organização de trabalho, acentua que o mais importante é saber se os critérios de determinação da retribuição são ditados pelo beneficiário da actividade (no caso a taxa de encargo, por quilómetro), ou se são verdadeiramente negociados entre as partes, em pé de igualdade, o que, isso sim, é próprio do trabalho autónomo. Sendo que no caso dos autos é a ré EMP01... que determina as regras essenciais da fixação da retribuição, sendo a contribuição do estafeta residual e até aparente ou falaciosa.
34- A maioria dos indícios tradicionais, designadamente o horário, a assiduidade, a possibilidade de recusar tarefas, o dever de não concorrência a faculdade de se fazer substituir, não se adequam ao trabalho prestado em plataforma digital, mormente a existência de local e horário de trabalho, a pertença de instrumentos de trabalho e a regularidade da retribuição, por se reportarem a relações de trabalho clássicas.
35- Por último, no que concerne ao modo de contratação dos estafetas, ocorre de forma não negocial, pois que, as cláusulas e condições são as constantes do contrato, sendo que o estafeta para prestar a atividade tem que as aceitar tal como estão, não existindo qualquer possibilidade de negociação. Estando a Ré numa posição de supremacia relativamente às partes, o que também não é indiciador de um trabalho autónomo.
36 – Assim, pelo recurso ao método indiciário, é possível qualificar o vínculo existente entre a estafeta BB e a Ré EMP01... como um contrato de trabalho com inicio em 1 de setembro de 2023.
37 – Em face do supra exposto, deverá conceder-se provimento ao recurso, reconhecendo-se a existência de um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início em 1 de setembro de 2023, entre a Ré EMP01... e AA e em consequência ser a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” revogada.
38 - A sentença recorrida violou o artigo 12.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e as als a), b) c) d) e) e f), do nº 1 art. 12.º-A do Código do Trabalho.”
A ré apresentou contra–alegações, pugnando pela improcedência do recurso e requerendo, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, com reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º CPT.
Conclui, na parte que contende com a requerida ampliação do âmbito do recurso:
“313.
A Recorrida requer a ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário, impugnando alguma da factualidade dada como provada, requerendo a alteração da sua valoração nos seguintes termos:
314.
Ora, com todo o respeito, considera a Recorrida que andou mal o Tribunal a quo ao dar este facto como provado nestes termos, uma vez que, da prova carreada para os autos, não é possível concluir que é a aqui Recorrida que define a retribuição da Prestadora de Atividade. De facto, a aqui Recorrida provou (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 5 de setembro de 2024, disponível no Citius, com início ás 11:57 e fim às 12:45 – minuto 14:05 - 14:49 e 15:01 -15:50) que não existe nenhum tipo de correlação entre o número de entregas que o estafeta e/ou realiza e o valor que lhe é apresentado no momento em que lhe é apresentada a proposta, não recebendo mais ou menos consoante o número de entregas que aceitem e/ou realizem e que a taxa de entrega varia consoante o valor mínimo por quilómetro previamente definido pelo estafeta (Factos Provado 15 e cláusulas 6.c dos Termos e Condições aplicáveis, valorados pelo douto Tribunal) – o que é incompatível com a conclusão de que a Recorrida fixa a retribuição.
315.
Acresce, ainda, que, como resultou provado, a Prestadora de Atividade sempre terá a possibilidade de recusar as propostas que lhe são apresentadas, o que não seria possível, caso não tivesse qualquer influência no preço que lhe é proposto.
316.
A retribuição por cada serviço não é, pois, definida unilateralmente pela Recorrente, antes é proposta por esta à Prestadora da Atividade, que pode recusar a mesma, incluindo pelo simples – e legítimo – motivo de não concordar com o preço proposto.
317.
Também se dirá que a Plataforma não é propriedade da aqui Recorrida (como se demonstrará na secção III. A. (iii) infra do presente Capítulo), não sendo a Recorrida quem fixa o valor a pagar.
318.
Em face do exposto, imperioso se torna concluir que a Recorrida não define a retribuição da Prestadora de Atividade, pelo que o Facto Provado 14 deverá ser alterado e passar a ter o seguinte teor: “A plataforma não define o valor a pagar pelas entregas, quer ao estafeta independente, quer ao inscrito por intermediário (neste caso, ao valor é deduzida uma comissão pelo parceiro frota), sendo tal valor variável de acordo com as entregas aceites e realizadas, as horas a que ocorrem as entregas e os quilómetros a percorridos”.
319.
O Facto Provado 30 contém, respeitosamente, algumas imprecisões, que cumpre realçar: desde logo, não resultou provado que um estafeta apenas possa “recusar o pedido quando chega ao restaurante”, pois resultou provado que os estafetas podem recusar qualquer pedido, incluindo cancelar um pedido anteriormente aceite até ao momento em que o recolhem (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 5 de setembro de 2024, disponível no Citius, com início ás 11:57 e fim às 12:45
– minuto 12:49 - 13:21, 13:23 - 14:03 e 14:50 -15:00), e não apenas quando chegam ao estabelecimento comercial onde devem recolhê-lo, tal como parece resultar desta facto, nos termos em que está escrito.
320.
Por outro lado, não resultou provado que exista “na APP uma opção para recusar por diversos motivos, nomeadamente pela distância na entrega”, pois sendo verdade que qualquer estafeta pode recusar ou cancelar pedidos previamente aceites independentemente do motivo, não é verdade que exista uma opção para recusar por diversos motivos, o que transmite a ideia de que a recusa está sujeita a justificação. Tal foi confirmado pela testemunha da aqui Recorrida (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 5 de setembro de 2024, disponível no Citius, com início às 11:57 e fim às 12:45 – minuto 12:49 - 13:21, 13:23 - 14:03 e 14:50 -15:00).
321.
Nestes termos, deve o Facto Provado 30 ser alterado e passar a ter o seguinte teor: “O estafeta pode recusar qualquer proposta de entrega e pode, ainda, cancelar um pedido previamente aceite, inclusive até à recolha do produto, independentemente do motivo, sem que a APP requeira qualquer justificação.
322.
Apesar de não constar da sentença proferida pelo Tribunal a quo a propriedade da Plataforma EMP01..., sobre tal facto incidiu discussão em audiência de julgamento, pelo que, nos termos previstos no artigo 72.º, n.º 1, in fine, do CPT, ao douto Tribunal a quo não só podia, como devia, com todo o respeito, ter tomado tal facto em consideração na sentença proferida[1].
323.
Assim, tal como demonstrado pela testemunha da aqui Recorrida (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 5 de setembro de 2024, disponível no Citius, com início às 11:57 e fim às 12:45 – minuto 3:27 - 3:58), a Plataforma EMP01..., operada pela EMP01..., Unipessoal, Lda., aqui Recorrida, não é propriedade desta, mas sim da entidade EMP04... B.V.
324.
Assim, por se demonstrar relevante à boa decisão da causa, considerando os indícios previstos na presunção presente no artigo 12.º e 12.º-A do Código do Trabalho, nos termos do qual se demonstra necessário verificar a propriedade dos instrumentos utilizados pelo pretenso trabalhador, deverá ser aditado aos Factos Provados, o seguinte: «A aplicação App “EMP01...” utilizada pelos estafetas é propriedade da EMP04... B.V.».”
Não foi apresentada resposta à matéria da requerida ampliação do âmbito do recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Saber se estamos perante situação de facto que permita qualificar a relação estabelecida entre a ré e a estafeta identificada nos autos como constituindo um contrato de trabalho;
- (eventualmente) Impugnação da matéria de facto. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos que na decisão recorrida foram considerados provados:
“1. A ré é uma empresa tecnológica que tem por objecto social “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos, actividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com a restauração, aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”.
2. Desde Novembro de 2017 que a ré, para a execução das referidas actividades, opera em Portugal uma plataforma ou aplicação informática (app) denominada de “EMP01...”, de entregas on-line, nomeadamente de refeições, servindo-se da mesma para receber e distribuir pedidos.
3. A plataforma estabelece a ligação entre os comerciantes que desejam vender os seus produtos (alimentos ou outros), os clientes que desejam adquirir esses bens e que os mesmos lhe sejam entregues, e os estafetas que desejam fazer as entregas aos clientes.
4. Tanto os comerciantes, como os estafetas e os clientes são “utilizadores” da plataforma.
5. Para fazer as entregas dos produtos a ré só recorre a estafetas, não tendo trabalhadores inscritos no seu quadro de pessoal para esse efeito.
6. Os estafetas, inscritos na plataforma em seu nome ou através de um intermediário, procedem à recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes, transportando esses produtos até ao cliente final, após aceitação do pedido na app.
7. Os estafetas que desenvolvem a actividade na plataforma directamente são designados de “parceiros de entregas independentes”, e os que o fazem através de um intermediário são designados por “parceiros de entregas dos parceiros de frota”.
8. Os intermediários são designados por “parceiros de frota”.
9. Para registo na plataforma da ré, o estafeta apenas tem de:
- ter como idade mínima 18 anos:
- não ter antecedentes criminais;
- ter certificado de residência, se for cidadão de país não pertencente à União Europeia;
- ter carta de condução e seguro, se conduzir mota ou veículo automóvel.
10. E tem de facultar à ré uma fotografia de rosto, que fica registada na plataforma, para que, quando iniciada sessão, caso a plataforma o solicite, seja aquela comparada com a que o estafeta tem de tirar (selfie), para detectar situações de partilhas de contas, que não são permitidas.
11. Após fazer login na plataforma, o estafeta tem de activar o modo “permitir sempre a localização”, condição que consta dos termos e condições da plataforma.
12. A plataforma distribui os pedidos feitos por clientes através de um algoritmo, que tem em conta, entre outros factores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega, a localização do estafeta, o qual não tem intervenção na escolha dos clientes.
13. A plataforma fixa o preço e as condições com os parceiros/comerciantes e fixa o preço do serviço a prestar ao cliente final, que é pago à própria ré.
14. A plataforma define o valor a pagar pelas entregas, quer ao estafeta independente, quer ao inscrito por intermediário (neste caso, ao valor é deduzida uma comissão pelo parceiro frota), que é variável de acordo com as entregas aceites e realizadas, as horas a que ocorrem as entregas e os quilómetros a percorridos.
15. No que toca à fixação de valores pagos pelas entregas, de acordo com o ponto 6.b. e 6.c. do Contrato de Parceiro de Entregas Independentes os prestadores de actividade, incluindo os que a prestam através de um parceiro de frota, podem determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo celebrado com o parceiro de frota) a sua taxa mínima por quilómetro abaixo do qual não deseja receber propostas de serviços de entrega (“taxa mínima por quilómetro”).
16. Neste caso a plataforma apresenta o valor final a receber pelo estafeta caso aceite o pedido, mas esse valor não é inferior à taxa mínima definida.
17. A plataforma permite que os estafetas independentes decidam quando querem ser pagos, através da ferramenta “flex pay”, e só estes não optarem por recolher os pagamentos através dessa ferramenta é que são pagos semanalmente, como sucede com os associados a um intermediário/parceiro de frota.
18. O pagamento é feito através de transferência bancária para a conta do estafeta com IBAN previamente facultado à ré e/ou ao parceiro de frota, sendo no caso do estafeta associado a intermediário a ordem da transferência dada por este.
19. Caso se trate de estafeta inscrito através de parceiro de frota, a ré paga ao parceiro de frota o valor correspondente às entregas realizadas por aquele, sendo facturada pelo parceiro de frota.
20. E o parceiro de frota paga, por sua vez, ao estafeta aquele valor deduzido de uma comissão a que a ré é alheia.
21. A plataforma pode excluir os estafetas de futuras actividades, procedendo à desactivação definitiva da conta ou à restrição temporária de acesso à aplicação, em caso de suspeita de violação das actividades.
22. Para iniciar a sessão na plataforma da ré o estafeta tem de abrir a aplicação “EMP01...” e colocar-se online carregando no botão “GO”, para que fique no estado de disponível para que lhe sejam atribuídos os pedidos de entrega.
23. Quando é feiro o login na aplicação, a ré fica a saber qual é a localização do estafeta, através de um sistema de geolocalização instalado na mesma.
24. Nos termos do ponto 4. j. do “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, o parceiro de entregas “reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega.”.
25. Quando aceita um pedido o estafeta sabe qual o montante que a ré paga por essa entrega, bem como fica a saber a distância da entrega a efectuar.
26. O estafeta pode aceitar ou rejeitar o pedido e se o aceitar tem acesso ao mapa com a localização do restaurante através da app.
27. Quando chega ao restaurante o estafeta tem de o confirmar na app, tem de levantar o pedido, bem como tem de confirmar o levantamento dele na app.
28. De seguida, o estafeta tem de activar o botão “Start”, ficando a conhecer o destino do pedido/entrega, com acesso à informação do telefone, morada e nome do cliente final.
29. O cliente final tem também conhecimento da localização do estafeta em tempo real desde o momento em que aquele aceita e recolhe o pedido.
30. O estafeta pode recusar o pedido quando chega ao restaurante e pode recusar o mesmo até levantar o pedido, havendo na app uma opção para recusar por diversos motivos, nomeadamente, pela distância na entrega.
(como determinado infra, este ponto 30. Foi alterado nos seguintes termos:)
30. O estafeta pode recusar o pedido quando chega ao restaurante e pode recusar o mesmo até levantar o pedido, havendo na app uma opção para recusar, independentemente do motivo.
31. A área geográfica onde o estafeta faz as entregas é escolhida pelo mesmo, aquando da sua inscrição na plataforma, mas pode ser alterada.
32. O estafeta pode aceitar e recolher mais do que uma encomenda ao mesmo tempo, a partir da plataforma EMP01..., de outras plataformas ou de plataformas de clientes próprios, de forma a rentabilizar o seu tempo.
33. O estafeta e o estabelecimento comercial que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monotorização de cada recolha/entrega.
34. A plataforma acompanha em tempo real a localização do estafeta e, consequentemente, conhece o tempo que demora cada entrega e os percursos seguidos.
35. A plataforma define um percurso para a entrega a realizar, através do sistema navegação ali instalado, mas o estafeta pode escolher um percurso/rota diferente e escolher outros sistema de navegação (Google maps/Waze).
36. De acordo com o ponto 4.h. do referido Contrato “O Parceiro de Entregas é livre para escolher o sistema de GPS da sua preferência na App (entre Waze, Google Maps ou EMP01... GPS) ou usar qualquer outro sistema de GPS que não seja ... integrado na App da EMP01..., ou não usar nenhum sistema de GPS. Tal permite que o Parceiro de Entregas escolha a sua rota livremente.”.
37. Quando concretiza a entrega do pedido ao cliente, o estafeta tem de o confirmar na app.
38. O serviço do estafeta pode ser avaliado pelos restaurantes e pelos clientes finais.
39. Para tal efeito, na plataforma existe uma opção de avaliação a efectuar pelos clientes e pelos parceiros/restaurantes ao seu desempenho, podendo os mesmos clicar em “Like” ou “Dislike”, o que não tem qualquer repercussão na distribuição de novos pedidos de entrega pela plataforma da ré.
40. Os estafetas escolhem os dias e as horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré, bem como o período de permanência online.
41. São livres para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entenderem.
42. Podem decidir em que zona geográfica vão realizar a actividade.
43. Podem decidir não receber propostas de entrega de clientes finais e/ou de estabelecimentos comerciais na plataforma.
44. Os estafetas são ainda livres de escolher a roupa que querem usar.
45. Os estafetas podem fazer-se substituir na entrega de pedido aceite, desde que o façam por outro estafeta inscrito na plataforma.
46. E podem prestar a sua actividade a favor de terceiros, incluindo via outra plataforma (“multiapping”), ou em seu nome, sem terem exclusividade com a ré.
*
47. No dia 27 de Setembro de 2023, pelas 12h15m, no estabelecimento comercial denominado “EMP05...”, sito na Av. ..., em ..., AA encontrava-se a aguardar a preparação do pedido que tinha aceite através da plataforma da EMP01... para entregar ao cliente final.
48. A AA estava registada nessa plataforma pelo menos desde o dia ../../2023, à qual acedia através do seu telemóvel com ligação à internet (smartphone).
49. Enquanto aguardava a entrega do pedido, a ... era portadora de uma mochila térmica para transporte de alimentos da marca ...”.
50. Os instrumentos/equipamentos que utilizava foram por si previamente adquiridos, mormente a trotinete eléctrica, o telemóvel (smartphone) e a mochila térmica de transporte.
51. Para iniciar a actividade de estafeta na plataforma da ré, a aludida ... aceitou previamente o convite de um parceiro de frota, a quem forneceu os seus dados pessoais e documentos para inscrição deles na plataforma, mormente o passaporte, uma fotografia de rosto (selfie), NIF e NISS, autorização de residência, IBAN e número telemóvel.
52. E, para finalizar o registo, aceitou os termos e condições impostas pelo parceiro de frota e os termos e condições específicas da própria plataforma.
53. A AA nunca esteve inscrita em qualquer outra plataforma digital de entregas.
54. A aludida ... não beneficiava de seguro de acidentes de trabalho, pois foi informada pelo parceiro da frota que estava abrangida por um seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma – apólice de protecção de terceiros para parceiros de entrega e parceiro de entrega EMP01....
55. A 27.09.2023 a ... exercia a actividade na plataforma EMP01... através do parceiro de frota “EMP02... Unipessoal, Lda.”, que era responsável por proceder à entrega dos valores apurados a favor dela pelas entregas feitas através da plataforma da ré, semanalmente, às terças-feiras.
56. Do total semanal apurado a favor da ... pela plataforma, o parceiro de frota “EMP02... Unipessoal, Lda.” descontava 10% a título de comissão.
57. O pagamento referido era feito à ..., após a aludida dedução de 10%, através de transferência bancária ordenada pelo parceiro de frota.
58. A aludida ... aceitou fazer entregas de pedidos na plataforma da ré pelo menos entre ../../2023 e ../../2023.
59. Desde ../../2024 até data não apurada, a ... exerceu actividade na plataforma da ré através do parceiro de frota “EMP03... Unipessoal, Lda.”, tendo aceite uma entrega a 18.01.2024.” E foram considerados como factos não provados:
“1. A ... usava uma mochila térmica da “EMP01...”.
2. O estafeta é obrigado a seguir para o local da entrega, conforme percurso/rota definido pelo sistema de navegação instalado na app da ré.
3. A prestação da actividade do estafeta é objecto de controlo pela ré, em tempo real, o que faz através do sistema de geolocalização instalado na app.
4. A ré faz uso do feedback dado pelos clientes e restaurantes para efeitos de avaliação da performance do estafeta, com repercussão na distribuição de novos pedidos de entrega.”
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da qualificação da relação estabelecida entre a ré e a estafeta identificada nos autos:
Nos termos do art. 2.º/3 da Lei 107/2009, de 14 de Setembro (na redacção dada pelo art. 4.º da Lei n.º 13/2023, de 03 de Abril) “3 - A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente: a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; (…)”
Foi na sequência de participação adrede efectuada pela ACT/Unidade Local ..., e entendendo, conforme alegação do articulado inicial, que a prestadora de actividade em causa beneficia da presunção de laboralidade prevista no art. 12.º-A, n.º 1, als. A), b), c) d) e e), do CT, que o autor/Ministério Público instaurou a presente acção.
O artigo 12.º-A do CT, sob a epígrafe Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, estabelece:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. 5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. 7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos. 9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação. 10 –(...) 11 –(...) 12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.”
Antecedendo este normativo, comtempla o art. 12.º do CT uma outra presunção de contrato de trabalho, de natureza mais genérica, conforme deflui dos seus, seguintes, termos:
“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”
Diga-se – seguindo de perto o entendimento perfilhado no acórdão proferido no âmbito do Proc. 2821/23.7T8VRL.G1, do qual fomos Relator e intervindo aí também como Adjunta a ora Exma. 2.ª Adjunta, - que, a montante, o mesmo Código contém, no seu artigo 11.º - e em consonância com o disposto no art. 1152.º do CC -, a seguinte Noção de contrato de trabalho:
“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.” (realce nosso)
Embora o legislador, na noção de contrato de trabalho, no actual Código do Trabalho tenha substituído a expressão “direcção”, constante da anterior versão, pelo termo “organização” (“no âmbito de organização e sob a autoridade destas”), impõe-se constatar que para a definição legal de trabalho subordinado, não basta que o trabalho seja prestado “no âmbito de organização” sendo ainda necessário que o seja “sob a autoridade” do detentor dessa organização.
A propósito da redacção do art. 11.º do CT e da noção de contrato de trabalho aí vertida, escreve Maria do Rosário Palma Ramalho que “no que se refere à supressão das referências tradicionais ao elemento da direcção do empregador, tal supressão não significa, quanto a nós, a dispensa do elemento da subordinação jurídica como elemento essencial do contrato de trabalho, com as inerentes dúvidas sobre a extensão do regime laboral ao trabalho autónomo. É que, como decorre da norma, mantém-se expressamente a referência à «autoridade» do empregador na delimitação do negócio laboral. Ora, como já tivemos ocasião de demonstrar noutra sede, a posição de autoridade do empregador no contrato de trabalho inclui não apenas uma componente de direcção (que não carece assim de ser expressamente referida) como também uma componente disciplinar;”[1]
Assim, e numa primeira aproximação, pode dizer-se que a qualificação jurídica da situação dependerá da forma como a prestação é executada, posto que se se verificar uma situação de subordinação jurídica o contrato celebrado corresponde a um contrato de trabalho, enquanto se na execução da prestação o profissional em causa tem autonomia o que existirá então é um contrato de prestação de serviços.
Com efeito, como é consabido e tem sido reiteradamente afirmado pelos nossos Tribunais Superiores, o contrato de trabalho tem como elemento distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou (consequentemente, a subordinação jurídica reconduz-se ao dever de obediência do trabalhador, no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixados pelo empregador), e contrato de trabalho que, assim, se apreende, determina,“através de um conjunto de indícios – assumindo cada um deles um valor relativo, pelo que o juízo a fazer deve ser de globalidade face à situação concreta apurada – como sejam a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a actividade exercida sob as ordens deste, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.”[2]
É que face à rica e exponencial variabilidade das situações da vida, é por todos reconhecida a, muitas vezes extrema, dificuldade em surpreender os elementos que permitam a identificação da subordinação jurídica, noção a que bastas vezes se não chega directamente através do simples método subsuntivo.[3]
Por outro lado, o contrato de prestação de serviços é definido no art. 1154.º do Código Civil como sendo aquele contrato “em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”, podendo, não obstante, a parte que encarrega outra de executar autonomamente certa actividade dar-lhe instruções e exigir-lhe contas (v. art.s 1156.º e 1158.º/1, 2.ª parte, e 1161.º, al.s a) e d), do CC).
Efectivamente, a existência de instruções específicas e a obrigatoriedade do seu cumprimento, só por si, não importa a conclusão de que existe subordinação jurídica, na medida em aquela é compatível e própria do contrato de prestação de serviços, como resulta do disposto no art. 1161.º, al. a), conjugado com o art. 1156.º, ambos do CC; o mesmo se diga quanto à obrigação, também no contrato de prestação de serviços, da pessoa que se obriga a prestar a sua actividade, prestar à outra parte as informações que esta lhe peça quanto ao desenvolvimento dessa actividade (cf. al. b) e d) do art. 1161.º do CC).
Como também discorre Maria do Rosário Palma Ramalho, “(…) com frequência, não é a componente directiva da autoridade do empregador que permite resolver dúvidas de qualificação do contrato, porque o poder directivo pode estar diluído, não ser exercido ou mesmo ser atribuído a terceiros sem que o contrato se descaracterize, e ainda porque tal poder também existe noutros contratos envolvendo a prestação de um trabalho ou de um serviço, dependendo assim a sua aptidão qualificativa do acompanhamento pelo poder disciplinar.”[4] (sublinhamos)
Postos estes considerandos de índole geral, no caso ora em discussão não se questiona que, tal como foi entendido pelo Tribunal a quo, tem aqui aplicação a presunção (de contrato de trabalho) prevista no 12.º-A do CT – do que não temos razão para dissentir, pois que estamos perante uma “plataforma digital” nos termos definidos no n.º 2 do mesmo artigo e este já se encontrava em vigor aquando do estabelecimento da relação em questão nos autos -, discordando a recorrida da aplicação da presunção prevista no citado art. 12.º do mesmo Código, mas este também aqui aplicável, como logo resulta da parte inicial do n.º 1 do art. 12.º-A do CT - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior -, e sendo certo, ademais, que o Tribunal não está cingido ao que as partes alegam em matéria de direito (art. 5.º/3 do CPC).
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu se nos termos seguintes:
“Em suma, os arts. 12.º e 12.º-A do C.P.Trabalho preveem hipóteses que fazem presumir, e tão só isso, a existência de um contrato de trabalho. Mas tal existência depende, inevitavelmente, da inserção ou não da relação de facto existente, face às suas concretas caraterísticas comprovadas, dentro da espécie contratual prevista nos citados arts. 11.º do Código do Trabalho e 1152.º do Código Civil. E para tal, somos reconduzidos, essencialmente, à aferição de existência, ou não, de subordinação ou autonomia na relação existente. Isto dito, no caso, importa, em primeiro lugar, aferir se estão ou não preenchidas as hipóteses que fazem presumir a existência de contrato de trabalho. Não estando deverá aferir-se se existem factos comprovados que, de acordo com os indícios de laboralidade supra elencados, permitam ainda assim concluir pela existência dum contrato de trabalho. Estando preenchidas tais hipóteses, e presumida a existência de contrato de trabalho, dever-se-á aferir se a ré alegou e comprovou factos que nos permitam concluir estar-se perante uma situação de predominante autonomia do prestador da actividade, ou pela falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho.”
De seguida, e por reporte à presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho,
concluiu o Tribunal recorrido que não se encontram verificadas as características elencadas nas alíneas a), c), d) e e) do seu n.º 1; ao invés, concluiu que se verifica a situação prevista na alínea b) do mesmo número. Como não se encontram preenchidas características de pelo menos duas das referidas alíneas, entende que não funciona a mencionada presunção.
Apreciando do preenchimento, ou não, de duas ou mais hipóteses previstas no art. 12.º-A do Código do Trabalho, concluiu o Tribunal recorrido que as circunstâncias mencionadas nas alíneas a), b), c) e e) não se verificam.
Por outro lado, entende que se mostram verificadas as circunstâncias previstas nas alíneas d) e f), concluindo, em conformidade, que funciona a presunção de laboralidade prevista no art. 12.º-A do CT.
Assim, consta da respectiva fundamentação:
“Por tudo, e em resumo, está comprovada a ocorrência de mais do que uma das hipóteses que fazem presumir a existência de contrato de trabalho nos termos do art. 12º-A do Cód. do Trabalho, correspondentes às previstas nas alíneas d) e f). O contrato de trabalho presume-se assim como existente, salvo se, como referimos acima, concluirmos que a ré logrou provar factos que atestem uma situação de prestação de actividade com autonomia por parte de AA.”
Todavia, seguidamente discorre o Tribunal recorrido:
“Verificados os concretos factos provados, o modo como a AA exercia a sua actividade detinha caraterísticas de autonomia e liberdade, que nos fazem ser impossível concluir por uma situação de subordinação daquela à ré. A estafeta era absolutamente livre de escolher as horas e dias em que realizava as entregas, sem quaisquer penalizações se não se ligasse à app. Assim como era absolutamente livre de escolher se queria ou não prestar actividade para determinado parceiro comercial ou cliente, sendo também livre para rejeitar propostas de entrega de produtos que lhe eram dirigidas, sem qualquer consequência no caso de aceitação ou recusa das mesmas. Certo é igualmente que, existindo algumas regras para o exercício da sua actividade, as mesmas são de carácter bastante ligeiro, gozando esta estafeta de ampla autonomia na forma como exercia a sua actividade. Podia a mesma acondicionar os produtos como quisesse, deslocar-se por onde e durante o tempo que quisesse para proceder à entrega dos produtos, e não tinha de observar qualquer ditame quanto à forma como se deve apresentar ou comportar. Como já se foi anotando, não é pelo facto de existirem regras no exercício duma actividade que se deve concluir, imediatamente, que existe subordinação. As regras de exercício de actividade comprovadas, sendo suficientes para fazerem actuar a presunção prevista no art. 12º-A, n.º 1 do Código do Trabalho, são, repetimos, escassas, e não vão ao ponto que permita concluir por um qualquer poder de direcção, supervisão ou controlo da ré sobre aquela. Sendo igualmente de notar que a ... não dependia de qualquer superior hierárquico, não devendo a qualquer pessoa obediência. Resumindo, a estafeta foi livre para escolher a área geográfica onde pretendia exercer a sua actividade, bem como o seu “período de trabalho para proceder a entregas, sem qualquer imposição por parte da ré, sendo livre de aceitar ou recusar pedidos e podendo mesmo cancelá-los depois de os ter aceite, sem qualquer sanção. Podia estar sem aceder à plataforma o tempo que entendia sem que tivesse de comunicar à ré ou justificar a sua ausência. Apesar de ter de disponibilizar a sua localização à ré, tal necessidade compreende-se de forma serem apresentadas as propostas de entrega, não se vislumbrando qualquer ingerência da ré na sua actividade. Além disso, a ... não tinha qualquer obrigação de exclusividade para com a plataforma administrada pela ré, podia desempenhar a mesma actividade para outra plataforma ou por si própria ou desempenhar quaisquer outras actividades. Ainda que alguns indícios de subordinação se preencham (entre os supra elencados na presente sentença), os mesmos não são de monta a afastar a autonomia com que a aludida estafeta exerceu a sua actividade e que, a nosso ver, qualifica a sua relação jurídica com a ré como uma relação de prestação de serviços. Sublinhe-se ainda que a tendencial precaridade e dependência económica de estafetas de plataformas digitais como a gerida pela ré não são elementos suficientes para concluir por uma necessária subordinação. Tais são indícios de subordinação, mas não se confundem com a mesma, que neste caso, a nosso ver inexiste. Não se pode dizer que a AA estava inserida na organização empresarial da ré, pois que tal pressuporia, que a ré soubesse sempre quando e onde poderia contar com ela para lhe prestar serviços, o que, face à lata autonomia da mesma, não sucedeu. Relevante, como já referimos, é ainda o facto do foco da atividade prestada incidir sobre o resultado prestado por AA – e outros estafetas. Tendo em conta o modelo de negócio implementado, podemos concluir que à ré não interessa propriamente a prestação dum tempo de trabalho pré-determinado por aquela, mas sim que aquela estivesse inscrita e ligada à app, assim como outros estafetas, para que procedessem às entregas que fossem caindo na plataforma. A identidade de quem as realiza e forma como tais entregas são realizadas acabam por ser em larga medida irrelevantes para a ré. Razão pela qual no contrato jurídico existente entre a ré e a estafeta se antevê a existência mais duma obrigação de resultado (de entrega dos produtos que aceitar transportar) do que de meios (de proceder à prestação de actividade duma determinada forma e num período temporal previamente definido para as entregas). Em suma, e naquilo que interessa para qualificar a relação jurídica em análise, temos de concluir, face ao comprovado, que não existe subordinação no modo, horário e local onde AA prestou a sua actividade, gerindo a mesma com autonomia face à ré, que estava interessada no resultado dos serviços prestados, e não no tempo de trabalho por aquela disponibilizado. Deste modo, temos que ficou demonstrado que a estafeta exerceu a sua actividade, sem contornos de subordinação jurídica, hierarquização e controlo por parte da ré. Tendo a ré ilidido as presunções de laboralidade preenchidas elencadas, não se provou, consequentemente, a existência dum contrato de trabalho que a una a AA desde ../../2023.”
Não concordamos com alguns destes considerandos, nem com a conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
Com efeito, e em primeiro lugar, entendemos que se mostram verificadas outras circunstâncias – para além das previstas nas alíneas d) e f) - previstas no artigo 12.º-A, n.º 1, do CT, o que procuraremos de seguida demonstrar.
Assim, relativamente à al. a)do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT: “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efectuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”
A Mm.ª Juiz a quo fundamentou assim a sua posição:
“Sendo a “retribuição” a que alude a norma um conceito de direito correspondente à prestação em espécie ou em dinheiro paga em contrapartida à prestação de trabalho, prevista no art. 258.º do Código do Trabalho, a nosso ver, a menção a “retribuição” equivale à menção a “quantias pagas num determinado período temporal”. Como acima se referiu não será de concluir que é a ré quem determina, unilateralmente, o quantitativo a receber pelo estafeta por cada entrega, sem que este tenha qualquer margem de definição do valor que pretende receber – sabendo-se que o estafeta pode estabelecer um valor por quilómetro abaixo do qual não lhe interessa efectuar entregas; tendo o estafeta acesso ao valor que vai receber em caso de aceitação do pedido, assiste-lhe também a possibilidade de recusar a proposta, sem que daí decorram quaisquer consequências. No caso da AA apurou-se que esta exerceu a sua actividade na plataforma EMP01... através do parceiro de frota e que era paga pelo respectivo parceiro de frota, de acordo com os termos acordados com este. A ré não fixa as quantias que devem ser pagas à autora em qualquer período temporal, uma vez que este valor é variável consoante os pedidos de entrega aceites e concretizados, e depende de variáveis relativas à distância, dias e horas de entrega. Se não é de afastar esta presunção de laboralidade apenas pelo facto de, no caso, não ser a ré quem procede ao pagamento dos montantes devidos à estafeta pelas entregas por si realizadas, mas sim o parceiro de frota (que surge como mero interlocutor na transferência do valor entre a ré e a estafeta), mas porque sendo a AA absolutamente livre para escolher que propostas de entrega quer aceitar, podendo optar por não fazer qualquer entrega ou ao invés aceitar todas as propostas apresentadas, com montantes variáveis, acaba por ser ela que decide quanto é que recebe em cada período temporal, sem verdadeira imposição por parte da ré a tal respeito – que não impõe que faça um mínimo ou máximo de entregas ao longo dum determinado período temporal, à semelhança do que costuma acontecer em contratos de prestação de serviços. Nesta medida, não fica demonstrado que a plataforma fixa unilateralmente a contrapartida da actividade da estafeta, sem qualquer margem de negociação da mesma, não se afigurando que tenha ficado demonstrado que a plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efectuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela, pelo que a circunstância mencionada na alínea a) não se encontra preenchida.”
Ora sustenta o recorrente, e em suma, que quanto à al. a) do n.º 1 do art.º 12º. -A do CT que «dúvidas não restam é a ré que unilateralmente fixa a remuneração e, além disso, estabelece também um limite mínimo e um limite máximo para o prestador de atividade/estafeta por cada serviço prestado. A Plataforma concede, é verdade, que a ... determinasse livremente (ou limitado ao acordo celebrado com o parceiro de frota) a sua taxa mínima por quilómetro abaixo do qual não desejava receber propostas de entrega (“taxa mínima por quilómetro”) mas isso não traduz qualquer possibilidade de negociação da sua parte - contrariamente ao que se lê na sentença, rejeitar o serviço não é, em parte alguma, sinónimo de negociar o preço do mesmo.»
E afigura-se-nos que tem razão.
Atentemos, com efeito, nos seguintes factos provados:
“14. A plataforma define o valor a pagar pelas entregas, quer ao estafeta independente, quer ao inscrito por intermediário (neste caso, ao valor é deduzida uma comissão pelo parceiro frota), que é variável de acordo com as entregas aceites e realizadas, as horas a que ocorrem as entregas e os quilómetros a percorridos. 15. No que toca à fixação de valores pagos pelas entregas, de acordo com o ponto 6.b. e 6.c. do Contrato de Parceiro de Entregas Independentes os prestadores de actividade, incluindo os que a prestam através de um parceiro de frota, podem determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo celebrado com o parceiro de frota) a sua taxa mínima por quilómetro abaixo do qual não deseja receber propostas de serviços de entrega (“taxa mínima por quilómetro”). 16. Neste caso a plataforma apresenta o valor final a receber pelo estafeta caso aceite o pedido, mas esse valor não é inferior à taxa mínima definida.”
Entendemos que mais do que a ré assumir um papel muito relevante na fixação do valor da contrapartida devida aos estafetas, é a ré quem verdadeiramente e no essencial a fixa.
E quanto ao facto do estafeta não estar obrigado a aceitar todas as propostas apresentadas pela App, podendo recusar qualquer proposta de entrega, isso, salvo melhor opinião, em nada contende com a conformação do valor a receber (seria como dizer que um trabalhador que dá uma falta injustificada, ou recusa fazer trabalho suplementar, intervém por isso na determinação do valor da sua retribuição).
Aderindo neste ponto à alegação do recorrente, diremos que «Como se refere a este propósito no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 17.10.2024, proc. n.º 2793/23.8T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt “…não ocorre qualquer negociação quanto aos termos como a remuneração do estafeta é fixada, sendo da exclusiva responsabilidade da ré a determinação dos critérios, ainda na parte em que permite ao estafeta alguma manobra.” E mais à frente ainda a este propósito é referido o seguinte: “A única saída, caso não aceite o preço, é recusar o serviço, circunstância que como é manifesto, impede o mesmo de auferir o rendimento, sendo que, a debilidade económica do prestador será fortíssimo “argumento” para aceitar as condições assim propostas, na prática, pelo menos em grande parte das ofertas, a esta liberdade formal, não corresponde uma efetiva e prática liberdade.”»
Concluímos, assim, que está verificada a circunstância prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 12.º-A do CT.
al. b): “A plataforma digital exerce o poder de direcção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de actividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da actividade.”
O Tribunal recorrido discorrendo a propósito sustenta nomeadamente que, “(…) assiste ao estafeta liberdade de escolher o concreto percurso que pretende adoptar, sem que esteja vinculado a limites de tempo para as entregas (que poderiam limitar a sua liberdade de decisão), ou adstrito à utilização de sistemas de ajuda à navegação para definir a rota que é necessário seguir (podendo inclusive desligar a App durante o serviço de entrega). Em paralelo, o estafeta não se encontra vinculado a pré-determinações da ré quanto a indumentária para efectuar entregas, para além de não estar sujeito a avaliações de qualidade de serviço pela ré ou pelos clientes, que pudessem condicionar o valor a receber pelas entregas realizadas ou a sua selecção a candidato a receber futuras propostas de entregas. Não se afigura, pois, que se possa concluir que a ré conforma a prestação concretamente devida pelo estafeta, controlando o modo como esta é realizada.”
Em relação à alínea b) defende o recorrente que a ré para além de estipular as regras de inscrição na plataforma por parte dos estafetas, também dirige e define a forma como devem prestar toda a atividade.
Em primeiro lugar, cumpre assinalar que da redacção da norma resulta, a nosso ver, que as circunstâncias aí aludidas se reportam à execução da actividade, enquanto regras conformadoras da apresentação/postura do próprio prestador da atividade e da forma como a desenvolve, mas também precisar que a determinação (pela ré) de “regras específicas” não exige – para que se possa considerar verificada a “característica” -, que tudo o que pudesse ser (em tese) regulamentado pela ré o seja.
Sustenta-se na decisão recorrida, nomeadamente, “(…) que da factualidade comprovada não se pode retirar um poder de direcção da ré sobre a AA – conceito, também ele, algo conclusivo – porquanto não é certo que aquela estafeta fosse destinatária de ordens e instruções cujo cumprimento fosse obrigatório observar no exercício da sua actividade. Pelo contrário o serviço de entrega era realizado com uma larga autonomia, na sua aceitação ou não, e na forma como era levado a cabo – podendo aquela escolher os percursos utilizados e o tempo para realização dos mesmos. Não se pode dizer que aquela era “dirigida” pela ré no exercício da actividade (…)”
Ora, como em particular resulta dos factos infra transcritos, o estafeta tem, em vários aspectos, que cumprir o procedimento instituído pela recorrida.
Efectivamente consta dos factos provados:
“11. Após fazer login na plataforma, o estafeta tem de activar o modo “permitir sempre a localização”, condição que consta dos termos e condições da plataforma. 12. A plataforma distribui os pedidos feitos por clientes através de um algoritmo, que tem em conta, entre outros factores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega, a localização do estafeta, o qual não tem intervenção na escolha dos clientes. 24. Nos termos do ponto 4. j. do “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, o parceiro de entregas “reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega.”. 27. Quando chega ao restaurante o estafeta tem de o confirmar na app, tem de levantar o pedido, bem como tem de confirmar o levantamento dele na app. 28. De seguida, o estafeta tem de activar o botão “Start”, ficando a conhecer o destino do pedido/entrega, com acesso à informação do telefone, morada e nome do cliente final. 29. O cliente final tem também conhecimento da localização do estafeta em tempo real desde o momento em que aquele aceita e recolhe o pedido. 33. O estafeta e o estabelecimento comercial que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monotorização de cada recolha/entrega. 34. A plataforma acompanha em tempo real a localização do estafeta e, consequentemente, conhece o tempo que demora cada entrega e os percursos seguidos. 37. Quando concretiza a entrega do pedido ao cliente, o estafeta tem de o confirmar na app.”
E tal como sustentado em acórdão desta Relação também de 03-10-2024, “Em especial quanto à utilização do GPS instalado na App diremos que (…) é através do GPS da App que são apresentadas aos estafetas as propostas de entrega, prolongando-se a sua necessidade durante a execução da entrega para que os clientes possam consultar em tempo real onde e quanto tempo demora a sua encomenda - ponto 31.”[5] [no caso, v. pontos 12 e 29]
O que, tudo ponderado, nos permite concluir que a ré regulou em grande medida as tarefas inerentes às entregas a efectuar pelos estafetas, desde a aceitação do pedido até à sua entrega, matéria claramente suficiente para considerarmos preenchida a alínea b) do n.º 1 do 12.º -A do CT (sem prejuízo, como infra se referirá, da possibilidade de escolha que, relativamente a alguns aspectos da sua actividade, a ré concede aos estafetas, nisto se revelando algum grau de autonomia destes).
al. c): “A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da actividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da actividade prestada, nomeadamente através de meios electrónicos ou de gestão algorítmica”
Refere-se a propósito, e nomeadamente, na sentença recorrida:
“A ré pode também exigir que o estafeta seja sujeito a um reconhecimento facial (periodicamente, e aleatório) com o fito de garantir a partilha de conta. Todavia, após a aceitação e recolha do pedido assiste ao estafeta a liberdade de escolher a rota/percurso para efectuar a entrega, sem que esteja adstrito a limites de tempo ou à utilização do sistema de navegação da plataforma. Desta forma, não pode dizer-se que os estafetas estão permanentemente monitorizados pelo sistema de navegação. Apesar de existir um mecanismo de avaliação qualitativa da actividade dos estafetas (que é facultativo), através do qual os clientes/ estabelecimento comerciais são convidados a avaliar a forma como aquele realizou a sua actividade, esta avaliação não tem qualquer efeito sobre a oferta de novas entregas ou a livre utilização da plataforma. A possibilidade de aposição nessa ferramenta de avaliação de “likes” ou “dislikes” pelos parceiros comerciais e clientes são avaliações que se restringem aos mesmos. Não se comprovou que tais avaliações são utilizadas pela ré para o que quer que seja, ou que a ré – pessoa colectiva que gere a app – controle de qualquer forma tais avaliações. Também nada se provou no sentido de que a ré tem mecanismos de controlo sobre a actividade dos estafetas através dessa avaliação ou que a ré aplique sanções aos estafetas em caso de atrasos, ausências, indisponibilidades ou recusas de pedidos, pelo que a circunstância prevista nesta alínea c) também não se verifica.”
Discordando, propugna o recorrente que “(…) a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica. Dos factos dados como provados Pontos 38 e 39 a é possível concluir que afinal os clientes têm a possibilidade de avaliar o estafeta. Não fará sentido, a nosso ver, possibilitar que os clientes possam comentar a prestação dos estafetas se não for para efeitos de controlar a forma como os mesmos prestam a atividade do serviço de entregas. Do que resulta do supra exposto a Ré EMP01... estabelece requisitos mínimos de desempenho, garantindo o cumprimento das obrigações que se encontram na cláusula 5.º do contrato, pois que caso não cumpra vê a sua conta bloqueada.”
Entendemos que esta circunstância se verifica no caso.
Com efeito, decorre dos factos provados, especialmente se apreciados de uma forma conjugada, que a recorrida controla e supervisiona a prestação da actividade em tempo real.
Efectivamente:
Ponto 6. Os estafetas, inscritos na plataforma em seu nome ou através de um intermediário, procedem à recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes, transportando esses produtos até ao cliente final, após aceitação do pedido na app.
Ponto 11. Pois, Após fazer login na plataforma, o estafeta tem de activar o modo “permitir sempre a localização”, condição que consta dos termos e condições da plataforma.
Ponto 12. A plataforma distribui os pedidos feitos por clientes através de um algoritmo, que tem em conta, entre outros factores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega, a localização do estafeta, o qual não tem intervenção na escolha dos clientes.
Ponto 22. Para iniciar a sessão na plataforma da ré o estafeta tem de abrir a aplicação “EMP01...” e colocar-se online carregando no botão “GO”, para que fique no estado de disponível para que lhe sejam atribuídos os pedidos de entrega.
Ponto 23. Quando é feiro o login na aplicação, a ré fica a saber qual é a localização do estafeta, através de um sistema de geolocalização instalado na mesma.
Ponto 24. Nos termos do ponto 4. j. do “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, o parceiro de entregas “reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução;
Ponto 33. O estafeta e o estabelecimento comercial que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monotorização de cada recolha/entrega.
Ponto 34. A plataforma acompanha em tempo real a localização do estafeta e, consequentemente, conhece o tempo que demora cada entrega e os percursos seguidos.
Ponto 37. Quando concretiza a entrega do pedido ao cliente, o estafeta tem de o confirmar na app.
Ponto 10. E o estafeta tem de facultar à ré uma fotografia de rosto, que fica registada na plataforma, para que, quando iniciada sessão, caso a plataforma o solicite, seja aquela comparada com a que o estafeta tem de tirar (selfie), para detectar situações de partilhas de contas, que não são permitidas.
al. d): “A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de actividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar actividade a terceiros via plataforma”
Com referência à previsão desta alínea do artigo 12.º-A do CT começa-se por afirmar na decisão recorrida:
“Conforme se provou, os estafetas podem escolher livremente quando ligam e desligam a aplicação, definindo eles próprios os períodos em que pretendem realizar a actividade; também aceitam e recusam livremente as tarefas e podem recusá-las depois de as terem aceite sem que daí advenham penalizações. E também é verdade que os estafetas podem ainda prestar outros serviços ou a mesma actividade para plataformas concorrentes. Deste ponto de vista, não se perspectiva que a ré restrinja a liberdade dos estafetas e a sua autonomia quanto à organização do trabalho.”
Concordamos.
Continuando entretanto a fundamentação da decisão recorrida:
“(…) não deixou a mesma [a estafeta/prestadora de actividade] de ter sempre essa autonomia, ligeiramente restringida, mormente quanto à possibilidade de se fazer substituir. Sendo possível tal substituição, a ... só o podia fazer se assegurasse que outro estafeta inscrito na plataforma da ré, com conta distinta da sua, assegurasse o pedido, o que tendo por base razões defensáveis de segurança (o que se proíbe é a partilha de conta, sem conhecimento por parte da ré), não deixa de ser algo que também diminui a sua autonomia. Daí que esta alínea se mostre assim verificada.”
Neste ponto discordamos.
Como reconhece o Tribunal recorrido, estão em causa razões de segurança, mas afigura-se que não só, pois a necessidade de o estafeta substituto estar também inscrito na plataforma da ré mostra-se condição absolutamente imprescindível para que possa assegurar a actividade em causa, proceder às entregas no âmbito da plataforma, segundo os procedimentos aí configurados.
Se assim é, como se afigura evidente, entendemos que a circunstância prevista na alínea em referência se deve ter por não verificada.
al. e): “A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de actividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras actividades na plataforma através de desactivação da conta”.
A propósito, o Tribunal recorrido discorreu (alem do mais) assim:
“Esta norma [ponto 16.b. do “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”] permite à ré restringir o acesso dos estafetas à aplicação quando se verifique algum incumprimento contratual, porém, não pode deixar de relembrar que esse acesso também pode ser vedado a clientes e a estabelecimentos comerciais, os quais também podem sofrer bloqueios e fortes restrições económicas. Além disso, não se vislumbram grandes diferenças entre a situação de bloqueio dos estafetas em relação àquelas situações de utilizadores de outras plataformas digitais que são «bloqueados» por terem comportamentos socialmente inadequados (por incitarem à violência ou à prática de outros crimes) ou por alguma outra forma evidenciarem uma utilização desadequada dessas plataformas e nem por isso, se vislumbra nesses casos o exercício de qualquer poder disciplinar por parte do detentor da aplicação. Deste modo, não se evidencia, in casu, o exercício do poder disciplinar por via da exclusão de actividade ou de desactivação da conta.”
O recorrente, divergindo, sustenta:
“Para que esta alínea possa ter algum sentido útil (artigo 9.º do Código Civil), poder-se-á defender que se verifica o seu preenchimento sempre que haja a possibilidade de exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta. A Ré reservou e reserva sempre para si o poder de unilateralmente excluir os prestadores da atividade de estafeta da sua plataforma através da desativação da respetiva. Do Ponto 9 do Contrato estabelecido entre a ré e os estafetas, que se encontra junto aos autos, sob a epígrafe “Acesso à App” consta que: “no caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas (…) temos o direito de restringir o seu acesso à, e utilização da App. (…)” O que se conclui que a plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta.”
E, não obstante a argumentação em contrário a este propósito expendida pela recorrida (em suma, a desactivação da conta é uma mera consequência da cessação do contrato por iniciativa da ré ou por iniciativa do prestador de actividade), atento o conteúdo do ponto 21. Dos factos provados - A plataforma pode excluir os estafetas de futuras actividades, procedendo à desactivação definitiva da conta ou à restrição temporária de acesso à aplicação, em caso de suspeita de violação das actividades -, a circunstância da al. e) tem-se por verificada, pois que a situação cai taxativamente na previsão da parte final da mencionada alínea.
Já nos parece que configura mera petição de princípio a afirmação de que tal ocorrerá (necessariamente) como exercício do poder laboral, nomeadamente do poder disciplinar, ínsito e típico do contrato de trabalho, que é precisamente o cerne da questão, cuja existência se pretende demonstrar através da presunção.
É claro que se viermos a concluir que estamos perante um contrato de trabalho e a ré proceder à desactivação da conta do prestador de actividade por força de uma obrigação legal que a obrigue a terminar a sua utilização da App mesmo assim não se poderá dizer, pelo menos de forma liminar, que a ré agiu no exercício do poder laboral, v.g. do poder disciplinar, mas seguramente que a resposta já será afirmativa se a desactivação da conta do prestador de actividade ocorrer porque este infringiu os deveres para si advenientes do contrato que celebrou com a ré.
Mas, nesta sede, de apurarmos se se verifica o facto base da presunção, afigura-se-nos que efectivamente sim, mas com a precisão que este consiste em a ré poder excluir o prestador de atividade/estafeta de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta, nas situações previstas no ponto 21. da lista dos factos provados.
Concluímos, pois, que a circunstância relevada pela alínea sob escrutínio se mostra preenchida.
al. f): “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação”
Diz-se a propósito na decisão rtecorrida:
“(…) é certo, face à factualidade provada, que a AA utilizava a aplicação informática EMP01... para o efeito, que configura um instrumento de trabalho de natureza incorpórea (software), gerido pela ré em Portugal, que é quem em última análise permite, ou não, a sua utilização por parceiros comerciais, clientes e estafetas.
Podemos, pois, afirmar que esse software é (ou foi) um efectivo instrumento de trabalho utilizado, com a permissão da ré, por AA para o exercício da sua actividade, uma vez que só podia efectuar entregas de pedidos feitos na plataforma com recurso à mesma, sem prejuízo de poder desenvolver a sua actividade de estafeta com recurso a outra plataforma digital ou até usar várias em simultâneo, sem necessidade de autorização da ré por inexistir qualquer dever de exclusividade na prestação de tal serviço.
Como claramente se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2024 (proc.º 2838/23.1T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt): “… o software (app) utilizado é o meio de produção do trabalho mais importante, a infraestrutura decisiva, a qual é detida pela ré. Os meios de produção incluem instrumentos como instalações de fábricas, armazéns, máquinas, bem como infraestruturas, mormente de fornecimento de energia, de transportes, de telecomunicações, de internet, etc, os quais, associados à força de trabalho humano, geram a produção final. Os softwares são programas, aplicativos que mediante pré-instruções permitem a realização de diversas tarefas, mormente em áreas de negócios. O hardware (valorizado pelo tribunal a quo) é apenas a parte física do equipamento, como é o caso do computador ou smartphone. Os softwares (vulgo programas de computador) são bens intelectuais, passíveis de protecção através de direitos de autor/patentes, com valor económico, alguns deles atingindo quantitativos consideráveis.”.
Esta presunção encontra-se assim preenchida – não pressupondo a lei que todos os equipamentos ou instrumentos sejam pertença da ré para o seu preenchimento, mas tão só que um dos equipamentos ou instrumentos o sejam.”
Com o devido respeito por tal entendimento, não nos parece que seja assim.
Sendo certo que se provou que para exercer a sua actividade/realizar as entregas a identificada estafeta utiliza o seu veículo, o seu telemóvel, e uma mochila térmica que a mesma adquiriu e bens que, portanto, não pertencem à ré, também não se provou a utilização de outros equipamentos e/ou instrumentos que pertençam ou sejam explorados por esta.
E no que em específico concerne à plataforma digital através da qual a ré gere os serviços de entrega, não pode ser considerada de instrumento ou equipamento de trabalho para este efeito, justificando-se trazer aqui à colação o entendimento a que aderimos no já citado acórdão de que fomos Relator, particularmente quando aí se defende que «os vocábulos “equipamentos ou instrumentos de trabalho” traduzem uma ideia de materialidade, de utensílio ou aparelho empregado na execução de qualquer trabalho23, um bem físico, sendo que uma plataforma digital de “per si” constitui uma criação do espírito humano e não uma coisa com existência física, à semelhança, por exemplo, do sistema de G.P.S., de que o estafeta poderá utilizar para se orientar durante uma entrega;» e que «o proémio do artigo 12.º-A, n.º 1, do C.T., faz corresponder, ainda que de forma imprópria, o empregador à “plataforma digital”, pois a entidade patronal será sempre a pessoa singular ou colectiva que gere a plataforma digital (cfr. artigo 12.º-A, n.º 2, do C.T.), enquanto sujeito detentor de personalidade e capacidade jurídicas; mas se assim é, a App, que mais não é do que uma plataforma digital, não pode ser considerada instrumento ou equipamento pertencente a uma plataforma digital que o estafeta utiliza na sua actividade (cfr. artigo 12.º-A, n.º 1, al. f), do C.T.)24;»
Por outro lado, como se sustentou no acórdão desta RG de 03.10.2024 acima identificado, «cabe referir o preenchimento da referida alínea exige que alguns equipamentos/instrumentos pertençam à ré e não apenas um, pois como se escreve no recente ac. da RE de 12.09.2024, proc. 3848/23.5T8PTM.E1, consultável em www.dgsi.pt “…se fosse suficiente para a verificação da característica que a ré gerisse uma aplicação informática, então seria redundante a existência desta característica, pois a própria atividade em causa, trabalho em plataforma digital, já conteria o requisito/característica da alínea f)”»
Entendemos, pois, que não se verifica a circunstância prevista na al. f) do n.º 1 do art. 12.º-A do CT.
Não obstante, verificando-se as características a que se reportam as alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 do art. 12.º-A do CT, opera a presunção de contrato de trabalho (como é pacífico, para que funcione a presunção basta que se verifiquem duas das características enumeradas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 12.º-A do CT).
Operando a referida presunção de laboralidade, cabe à aqui ré a prova do contrário, nos termos do art. 350.º/2 do CC, e do n.º 4 do art. 12.º-A do CT - 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. -, não lhe bastando a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
Conforme se discorreu no voto de vencido de um recentíssimo acórdão da RL, num caso em que se consideraram preenchidos os factos base constantes das alíneas a), b), c), e) e f) do art.º 12º-A do CT, “Não está, pois, em questão aquilatar da existência de subordinação jurídica. Essa está presumida e, com ela, a existência de um contrato de trabalho. Cumpre, assim, à Apelada R. carrear para os autos factos que permitam concluir pela efetiva autonomia do prestador, ou seja, que o mesmo não está sujeito a controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata (Art.º 12ºA/4).”[6]
Como também se decidiu em recente Ac. da RC, e conforme síntese do respectivo Sumário, “O ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.”, respigando-se da sua fundamentação que «Conforme refere Milene Rouxinol[5] “A presunção vincula o julgador – vale por dizer: verificados dois ou mais elementos dos elencados no art.º 12º, nº 1, ele terá de considerar demonstrada a natureza laboral do contrato –, que apenas deverá afastar-se do resultado presuntivo se o interessado em ilidir a presunção lograr fazê-lo, dissipando não apenas a convicção de que o contrato em análise é um contrato de trabalho como a dúvida sobre se o será. Concordamos, neste sentido, com a afirmação vertida no acórdão- do TRP de 14/12/2017[6]: “A verificação [da] presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.»[7] (sendo que o facto de aí estar em causa a presunção do art. 12.º, n.º 1 do CT em nada afecta a pertinência do entendimento perfilhado)
A nosso ver ainda mais incisivamente, refere Teresa Coelho Moreira que “(…) a prova do contrário visa tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado formalmente por prova plena como acontece numa presunção legal ilidível como a do artigo 12.º-A”[8]
Será que os factos provados permitem concluir então que, embora achando-se verificada a mencionada presunção legal, a ré logrou elidi-la?
É comum referir-se que constituem características/indícios laborais, entre outras, a hetero-determinação do período de trabalho, ao invés da realização deste nos períodos escolhidos pelo próprio prestador, a execução do trabalho em local da titularidade do beneficiário da actividade ou que este determina, a periodicidade e regularidade do pagamento da retribuição, a disponibilização por este dos meios e instrumentos necessários à realização das funções, a conformação da prestação através de directrizes ou indicações do beneficiário da actividade, a inserção do prestador na estrutura produtiva do beneficiário, designadamente revelada pela existência de hierarquia, e a impossibilidade de substituição do prestador.
Além destes, outros que resultam da observância do regime específico do Direito do Trabalho, como férias remuneradas, pagamento de subsídios de férias e de Natal, protecção, a cargo do beneficiário da prestação de actividade, contra acidentes sofridos no exercício de funções, são também susceptíveis de revelar a natureza laboral do vínculo.
Ora, perpassa pela matéria de facto provada que a prestadora da actividade tem algum grau de autonomia na planificação e execução da sua actividade: 31. A área geográfica onde o estafeta faz as entregas é escolhida pelo mesmo, aquando da sua inscrição na plataforma, mas pode ser alterada. (42. Podem decidir em que zona geográfica vão realizar a actividade.) 40. Os estafetas escolhem os dias e as horas em que pretendem ligar-se à aplicação da ré, bem como o período de permanência online. 15. (…) os prestadores de actividade, incluindo os que a prestam através de um parceiro de frota, podem determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo celebrado com o parceiro de frota) a sua taxa mínima por quilómetro abaixo do qual não deseja receber propostas de serviços de entrega (“taxa mínima por quilómetro”). 26. O estafeta pode aceitar ou rejeitar o pedido (…) (30. O estafeta pode recusar o pedido quando chega ao restaurante e pode recusar o mesmo até levantar o pedido, havendo na app uma opção para recusar por diversos motivos, nomeadamente, pela distância na entrega.; 41. São livres para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entenderem.; 43. Podem decidir não receber propostas de entrega de clientes finais e/ou de estabelecimentos comerciais na plataforma.) 45. Os estafetas podem fazer-se substituir na entrega de pedido aceite, desde que o façam por outro estafeta inscrito na plataforma. 50. Os instrumentos/equipamentos que utilizava foram por si previamente adquiridos, mormente a trotinete eléctrica, o telemóvel (smartphone) e a mochila térmica de transporte. 32. O estafeta pode aceitar e recolher mais do que uma encomenda ao mesmo tempo, a partir da plataforma EMP01..., de outras plataformas ou de plataformas de clientes próprios, de forma a rentabilizar o seu tempo. (46. E podem prestar a sua actividade a favor de terceiros, incluindo via outra plataforma (“multiapping”), ou em seu nome, sem terem exclusividade com a ré.) 35. A plataforma define um percurso para a entrega a realizar, através do sistema navegação ali instalado, mas o estafeta pode escolher um percurso/rota diferente e escolher outros sistemas de navegação (Google maps/Waze). 44. Os estafetas são ainda livres de escolher a roupa que querem usar.
Entendemos, porém, que estes factos são insuficientes para demonstrar que se trata de verdadeiro trabalho autónomo.
Como escrevemos no acórdão proferido no âmbito do já referido Proc. 2821/23.7T8VRL.G1, do qual fomos Relator e intervindo aí também como Adjunta a ora Exm.ª 2.ª Adjunta, «(…) não podemos olvidar que «a subordinação vai mostrando “novas faces” ao sabor do desenvolvimento tecnológico e das sucessivas modas em matéria de organização do trabalho», e que é manifesta a «debilidade contratual dos trabalhadores que actuam no âmbito de plataformas digitais».[9]
Daí que “(…) a tecnologia digital torna a figura do empregador algo evanescente, tanto que na doutrina italiana se afirmou que o empregador poderia ser identificado, por exemplo, com a arquitetura funcional da plataforma4, ou com o algoritmo matemático que toma as decisões e, portanto, determina as diretivas a serem dadas em nível organizacional.” sem embargo de “[se] reconhecer ao trabalhador uma cada vez maior autonomia operacional.”[10]
Pois bem:
Para além da referida factualidade que, preenchendo a mencionada presunção, milita outrossim e de per se no sentido da existência de uma relação laboral, temos ainda que 53. A AA nunca esteve inscrita em qualquer outra plataforma digital de entregas.
E que 38. O serviço do estafeta pode ser avaliado pelos restaurantes e pelos clientes finais. 39. Para tal efeito, na plataforma existe uma opção de avaliação a efectuar pelos clientes e pelos parceiros/restaurantes ao seu desempenho, podendo os mesmos clicar em “Like” ou “Dislike”,
É certo que a propósito ficou igualmente provado que tal não tem qualquer repercussão na distribuição de novos pedidos de entrega pela plataforma da ré mas é lícito congeminar que alguma razão de ser/utilidade haverá para tal funcionalidade, como se pode congeminar que sempre constituirá um elemento de pressão sobre o estafeta vidado.
Como ainda que 54. A aludida ... (…) foi informada pelo parceiro da frota que estava abrangida por um seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma – apólice de protecção de terceiros para parceiros de entrega e parceiro de entrega EMP01....
E 55. A 27.09.2023 a ... exercia a actividade na plataforma EMP01... através do parceiro de frota “EMP02... Unipessoal, Lda.”, que era responsável por proceder à entrega dos valores apurados a favor dela pelas entregas feitas através da plataforma da ré, semanalmente, às terças-feiras. (sublinhei)
Uma coisa e outra que nos remetem – enquanto indícios - para uma relação dependente e não de autêntica autonomia, pois que não se tratando, é verdade, de contratar um seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem que abrangesse a dita ..., a ré – que é quem opera a «plataforma» (cf. pontos 1 e 2 dos factos provados) – tratou ela própria de contratar um seguro que de algum modo protege também os estafetas, e o modo de pagamento da estafeta aqui em causa tinha uma cadência semanal, regularidade que também é típica dos contratos de trabalho (cf. n.º 2 do art. 258.º do CT).
Por outro lado, como refere Teresa Coelho Moreira na obra citada, a pags. 14, “(…) não há qualquer incompatibilidade ontológica entre o contrato de trabalho e a possibilidade de o trabalhador se fazer substituir por outrem, quando essa substituição é consentida pela entidade empregadora40.”, como sucede no presente caso.
Consideramos em suma que a matéria de facto provada não é suficiente para o elidir a falada presunção - «os factos apurados não permitem infirmar a existência de um contrato de trabalho entre o identificado estafeta e a ré.»[11] -, nomeadamente não afastando a existência de poderes de controlo e direção, do que resulta não ser efetivamente autónoma a prestadora, pelo que só resta reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre a identificada prestadora da actividade/estafeta e a aqui ré.
Note-se ainda que a factualidade alegada e provada não é suficiente para concluir pela existência de qualquer relação laboral com a intermediária.
Como acertadamente se discorre a propósito na decisão recorrida:
“Note-se, desde logo, que não podemos olvidar que a presente forma processual é uma acção especial que não deixa de pressupor o prévio cumprimento do disposto no art. 15.º-A da Lei 107/2009 de 14 de setembro. Pelo que, a não notificação prévia do intermediário sempre proibiria o recurso ao disposto no art. 12.º-A, n.º 6 do Código do Trabalho, sob pena duma violação, a nosso ver inconstitucional, dum direito de defesa e pronúncia do alegado empregador não notificado na fase administrativa do presente processo. Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre chegaríamos aqui ao mesmo resultado face ao concretamente alegado e provado nos autos. Pois que a aplicação do citado art. 12.º-A, n.º 6 do Código do Trabalho não prescinde da alegação e subsequente prova dos factos necessários para a conclusão da existência dum contrato de trabalho entre intermediário e prestador da actividade/trabalhador. No caso, foi apenas invocado, em bom rigor, a existência de tal intermediário (que já nem será o mesmo actualmente) e o pagamento de quantias devidas por entregas através do mesmo.”
Efectivamente, para além do pagamento (à prestadora da actividade/estafeta) através do intermediário/parceiro de frota, das quantias devidas pelas entregas que aquela efectuou, e da cobrança por este (parceiro de frota) de uma percentagem de 10%, nada mais de relevo se apurou.
Neste contexto, a existência de um parceiro/intermediário não é relevante para efeitos do afastamento da reconhecida presunção consagrada no n.º 1 do art. 12.º-a do CT, redundando na «interposição fictícia de um sujeito»[12]
- Da impugnação da matéria de facto:
Estabelece o art. 662.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhamos)
Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento de que,
“Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[13]
Considerando que se mostram observados os ónus a que alude o art. 640.º do CPC, apreciemos então.
Pretende a recorrida que o facto provado sob o n.º 14 - “A plataforma define o valor a pagar pelas entregas, quer ao estafeta independente, quer ao inscrito por intermediário (neste caso, ao valor é deduzida uma comissão pelo parceiro frota), que é variável de acordo com as entregas aceites e realizadas, as horas a que ocorrem as entregas e os quilómetros a percorridos” – passe a ter a seguinte redacção: “A plataforma não define o valor a pagar pelas entregas, quer ao estafeta independente, quer ao inscrito por intermediário (neste caso, ao valor é deduzida uma comissão pelo parceiro frota), sendo tal valor variável de acordo com as entregas aceites e realizadas, as horas a que ocorrem as entregas e os quilómetros a percorridos”.
Na motivação da matéria de facto consignou o Tribunal a quo que “em relação aos pontos 1. a 46. dos factos provados se atendeu à posição assumida pelas partes nos articulados, mormente no que respeita à actividade desenvolvida pela ré e ao funcionamento da plataforma digital e à actividade desenvolvida pelos estafetas no âmbito da mesma. Toda esta factualidade além de aceite pelas partes, resulta demonstrada em parte pelo teor dos docs. 7 e 8 da contestação, mormente pelo contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota – fls. 205 a 213 - e pelo contrato de parceiro de frota – fls. 214 a 223 -, bem como pela documentação junta a 19.08.2024 – fls. 265 a 306 (Código de Boas Práticas – Transporte de Alimentos; e Certificado de Facto).”
No seu depoimento a própria AA/estafeta declarou que logo que o pedido cai aparece o valor que é pago por essa entrega (“valor da corrida” como lhe chamou).
Ora, se a ré apresenta o valor final a receber pelo estafeta – como consta, aliás, dos pontos 16 e 25 dos factos provados e não vem impugnado – e se não houve uma prévia negociação/acordo quanto ao modo de alcançar esse valor, como lapidarmente resultou também do depoimento da mencionada ... (quando muito, o estafeta pode definir uma “taxa mínima”, e no caso da estafeta aqui em causa sabe que ao valor que lhe é assim comunicado irá ser deduzido 10% pelo parceiro de frota), como pode a ré pretender, sem um grave entorse das regras da experiência e do raciocínio lógico, que não é a ré que define o valor a pagar pelas entregas?
A recorrida enfatiza nas suas alegações que a negociação existe porque o estafeta pode definir um valor mínimo abaixo do qual não quer receber propostas como pode sempre, «instantaneamente», quando cada serviço lhe é proposto, aceitar ou rejeitar.
Salvo o devido respeito, não tem razão.
Ter a liberdade de aceitar ou não efectuar uma entrega recebendo determinado valor, ou informar que abaixo de determinado valor não pretende efectuar entregas, significa isso mesmo, que se não aceita as condições (fechadas) que lhe são propostas, não sendo legítimo daí extrapolar qualquer negociação para o achamento desse valor, negociação que na realidade não existe.
Assim, não existe motivo para conceder a reclamada alteração.
Pretende também a recorrida que o facto provado sob o n.º 30 - “O estafeta pode recusar o pedido quando chega ao restaurante e pode recusar o mesmo até levantar o pedido, havendo na app uma opção para recusar por diversos motivos, nomeadamente, pela distância na entrega” - passe a ter o seguinte teor: “O estafeta pode recusar qualquer proposta de entrega e pode, ainda, cancelar um pedido previamente aceite, inclusive até à recolha do produto, independentemente do motivo, sem que a APP requeira qualquer justificação”.
Salvo o devido respeito, a alteração proposta para a redacção do ponto 30. dos factos provados de útil pouco acrescenta.
A liberdade de aceitar ou rejeitar pedidos, vale por dizer propostas de entrega, já resulta do ponto 30., tal como consta dos pontos 26., 41. e, até com maior amplitude, 43. dos factos provados.
Afirmar-se que o estafeta pode, ainda, cancelar um pedido previamente aceite, inclusive até à recolha do produto, é a mesma realidade, que já consta (por diferentes palavras) do ponto 30. quando aí se diz que o estafeta pode recusar o pedido quando chega ao restaurante e pode recusar o mesmo até levantar o pedido.
Quanto ao segmento havendo na app uma opção para recusar por diversos motivos, nomeadamente, pela distância na entrega, na interpretação que fazemos o que significa é que a app tem uma opção que permite recusar os pedidos, podendo o estafeta recusar o pedido por diversos motivos, como pela distância a percorrer para a entrega.
Concedemos, contudo, que tal como se encontra redigido este segmento pode inculcar a ideia de que o estafeta deve introduzir na app o motivo da recusa, o que de facto não corresponde à realidade como resultou do depoimento da identificada ...como também do depoimento da testemunha CC, a cuja audição também procedemos.
Posto o que, apenas com vista a uma melhor clarificação, altera-se o ponto 30 da matéria de facto nos seguintes termos:
“O estafeta pode recusar o pedido quando chega ao restaurante e pode recusar o mesmo até levantar o pedido, havendo na app uma opção para recusar, independentemente do motivo.”
Pretende ainda a recorrente que seja aditado aos factos provados, o seguinte: «A aplicação App “EMP01...” utilizada pelos estafetas é propriedade da EMP04... B.V.».
Alega que apesar de não constar da sentença proferida pelo Tribunal a quo a propriedade da Plataforma EMP01..., sobre tal facto incidiu discussão em audiência de julgamento, pelo que, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, in fine, do CPT, o Tribunal recorrido não só podia, como devia, ter tomado tal facto em consideração na sentença proferida.
A recorrida não esclareceu onde está alegado tal facto, nem se descortina que o tenha sido.
Na economia da acção o facto em questão, senão essencial é de qualificar, pelo menos, como complementar.
Ora, a segunda instância não pode fazer uso do disposto no art. 72.º do CPT, quando estejam em causa factos essenciais, complementares ou concretizadores, por não poder ser dado cumprimento ao n.º 2 do mesmo artigo.[14]
De qualquer forma, atenta a posição que acima sufragamos quanto a não se mostrar preenchida a circunstância prevista na al. f) do n.º 1 do art. 12.º-A do CT, redundaria em mera inutilidade apreciar deste pronto da impugnação da matéria de facto, o que não nos é permitido – cf. art. 130.º do CPC[15].
- Retornando à qualificação da relação estabelecida entre a ré e a estafeta identificada nos autos:
Atenta a posição que tomamos acima quanto à impugnação da matéria de facto, não existe motivo para alterarmos a posição que sustentámos quanto à qualificação da relação estabelecida entre a ré e a estafeta identificada nos autos (a mera alteração da redacção do n.º 30 dos factos provados nada de substancial alterou em termos de factualidade provada).
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, reconhece-se a existência de um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início no dia 08 de Setembro de 2023, entre a Ré EMP01... – Unipessoal, Lda., e AA.
Custas da apelação a cargo da recorrida.
Notifique.
Comunique-se à Autoridade para as Condições de Trabalho e à Segurança Social, nos termos do art. 186.º-O, n.º 9, do CPT.
Guimarães, 24 de Abril de 2025
Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Vera Maria Sottomayor
[1] in Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Novo Código do Trabalho – Breves Notas, Cadernos do CEJ, Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção legal e Método Indiciário, pág.s 45 e 46, no sítio do CEJ na internet (acrescentamos o sublinhado) [2] Cf. Ac. do STJ de 13/09/2006, de que foi Relatora A Sr.ª Conselheira Maria Laura Leonardo, in www.gde.mj.pt/jstj, Proc. 06S891. [3] cf., por todos, António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, pág.s 142 e pág.s 148/149 que adverte que “A subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado é, muitas vezes, inviável. Há que recorrer, amiúde, a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.” [4] Ob. e local citados [5] Proc. 2838/23.1T8VRL.G1, Maria Leonor Barroso [6] Ac. RL de 09-04-2025, Proc. 29923/23.7T8LSB.L1-4, Celina Nóbrega (Voto de vencido da Exma. Desembargadora Manuela Bento Fialho); no mesmo sentido e também actualíssimo, Ac. RP de 17-03-2025, Proc. 29/23.0T8VFR.P1, Germana Ferreira Lopes – ambos os acórdãos em www.dgsi.pt [7] Ac. de 27-09-2024, Proc. 4241/23.4T8LRA.C1, Mário Rodrigues da Silva, www.dgsi.pt [8] Plataformas digitais e trabalho: a lei, os tribunais e a diretiva no reino do algoritmo, in A Revista -https://arevista.stj.pt/edicoes/numero-6/plataformas-digitais-e-trabalho-a-lei-os-tribunais-e-a-diretiva-no-reino-do-algoritmo -, n.º 6, Julho a Dezembro 2024, ponto 2.5, 4.º parágrafo. [9] Cf. António Monteiro Fernandes, Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador?, in Trabalho na Era Digital: Que Direito?, Estudos APODIT 9, AAFDL Editora, 2022, pág.s 244 e 245. [10] Alberto Levi, Trabalho digital e poder de direção, Os novos desafios do direito do trabalho, in XII COLÓQUIO DE DIREITO D0 TRABALHO do STJ - https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/02/livro-digital-direito-do-trabalho-2022.pdf -, págs. 33 e 36 [11] Ac. RG de 17 de Outubro de 2024, www.dgsi.pt [12] Cf. Pedro Santos, Qualificação contratual: o “estafeta” e a plataforma digital, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, 2023 – II, a pags. 275. [13] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor, www.dgsi.pt [14] Cf., em sentido que se afigura concordante, Ac. desta Relação de 16-02-2023, Proc. 3741/21.5T8MTS.G1, Maria Leonor Barroso, Ac. RL de 27-05-2020, Proc. 10818/19.5T8LSB.L1-4, Leopoldo Soares, Ac. RE de 15-04-2021, Proc. 570/20.7T8EVR.E1, Moisés Silva, Ac. RP de 27-11-2023, Proc. 2875/20.8T8PNF.P1, Rita Romeira, todos em www.dgsi.pt
No mesmo sentido, embora por reporte à situação prevista no art. 5.º/2 do CPC, Ac. RL de 30-05-2023, Proc. 84365/20.6YIPRT.L1-7, Luís Pires Sousa, www.dgsi.pt, assim sumariado:
“I. A introdução de factos complementares, decorrentes da instrução da causa (Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil), só é possível no decurso do julgamento em primeira instância, mediante iniciativa da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto, sob pena de proferir uma decisão-surpresa.
II. Não tendo a apelante desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo tribunal de primeira instância, está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação porquanto o conteúdo da decisão seria excessivo por envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art.º 5º. (…)” [15] Neste sentido, e a título de ex., Ac. STJ de 14-07-2021, Proc. 65/18.9T8EPS.G1.S1, Fernando Baptista, www.dgsi.pt