ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE AGRAVA DO EMPREGADOR
Sumário


Não basta, para responsabilizar o empregador que este (por ocasião do acidente) viole regras de segurança, sendo outrossim necessário que o acidente resulte da violação dessas normas de segurança no trabalho.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
           
Foi participado um acidente, alegadamente de trabalho, que vitimou mortalmente AA, que não deixou familiares com direito a pensões por morte, mas cujo funeral foi pago pela filha BB.  
Tal acidente consubstanciou-se, em suma, em aquele AA ter sido atingido por uma árvore que o seu empregador, CC, estava, com a ajuda do sinistrado, a derrubar.
Aquando do acidente a responsabilidade infortunística relativa a acidentes sofridos por aquele AA estava transferida para a seguradora “EMP01...”
(sendo que todas as partes estão nos autos melhor identificadas)

Na tentativa de conciliação e conforme resulta do auto de não conciliação, o Ministério Público propôs que a “entidade responsável” pagasse à filha do sinistrado, a dita BB, a título de reembolso de despesas de funeral, a quantia de € 1.959,08, e ao FAT a quantia de € 34.758,00, o que, conforme razões que cada uma expôs e consignadas nesse auto, nem a entidade seguradora nem a entidade empregadora aceitaram.

A mencionada BB fez avançar os autos para a fase contenciosa, apresentando petição inicial em que constam como réus EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. e CC, este na qualidade de entidade empregadora, formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e demais do direito, deverá ser a Ré EMP01... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., condenada a pagar à Autora:
A) O valor das despesas do funeral do sinistrado trabalhador DD
... no valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
B) Custas e procuradoria condigna.
Entendendo-se como responsável pelas consequências do acidente a entidade patronal, deverá ser CC, residente em ..., ... ..., condenada a pagar à Autora:
A) O valor das despesas do funeral do sinistrado trabalhador AA no valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
B) Custas e procuradoria condigna.”

O Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) também veio apresentar petição inicial contra a seguradora EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., pedindo que a final:
1 - Ser declarado o acidente sofrido por AA como de trabalho;
2 - Ser a Ré condenada a pagar ao Autor Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de 34 758,00€ (trinta e quatro mil, setecentos e cinquenta e oito euros).”

Os RR. – a seguradora e o empregador/CC - apresentaram as respectivas contestações à petição inicial apresentada pela mencionada BB, ambos os réus enjeitando qualquer responsabilidade pela reparação do acidente.

A ré seguradora, na linha da contestação à petição da autora BB, terminou assim a sua contestação ao articulado inicial do FAT:

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve a excepção peremptória de descaracterização do acidente em virtude da negligência grosseira do trabalhador sinistrado ser julgada procedente e, em consequência, a Ré absolvida do pedido, com
todas as consequências legais.
Sem prejuízo, e subsidiariamente,
Deve a presente acção ser julgada em conformidade com a prova que venha a ser produzida, sem prejuízo do direito de regresso que assiste à “EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.” sobre o Réu CC, cujo reconhecimento,
verificados os respectivos pressupostos factuais e legais, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 18.º e 79.º da Lei n.º 108/2009, de 4 de Setembro, desde já se requer, com todas as consequências legais, designadamente a condenação daquele no pagamento à Contestante de todos os valores que esta venha a ser condenada a pagar nos presentes autos e, bem assim, de todos os valores que venha a ser condenada a pagar no futuro, com todas as consequências legais. (…)

Prosseguindo os autos, e após a realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Condenar a R. seguradora no pagamento:
- à A. BB a quantia de €1.950,08, a título de subsídio por despesas de funeral, e ao FAT a quantia de €34.758,00;
- juros de mora, juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré seguradora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam, mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
[…]

Não foram apresentadas contra-alegações.
 
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

a) Impugnação da matéria de facto;
b) Responsabilidade agravada da empregadora.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que na decisão recorrida foram considerados provados são os seguintes:
“1 - A A. BB é filha do sinistrado AA.
2 – O sinistrado desempenhava a actividade de ajudante de madeireiro sob as ordens, direcção e fiscalização do R. CC, mediante a retribuição anual de €11.586,00.
3 – O R. CC havia transferido para a R. seguradora a sua responsabilidade civil por acidente de trabalho, mediante contrato de seguro, que abrangia o sinistrado pelo montante referido em 2).
3 – No dia 6/1/2022, pelas 9,30 horas, o sinistrado encontrava-se no exercício da actividade referida em 2), juntamente com o seu empregador, a proceder ao abate de um eucalipto com cerca de 25 metros de altura, quando foi por este atingido, o que lhe provocou lesões torácico-abdominais, as quais lhe provocaram a morte nesse mesmo dia.
4 – O sinistrado não deixou familiares com direito a pensões por morte.
5 - A A. BB pagou, de despesas de funeral do sinistrado, a quantia global de €2.000,00.
6 – Enquanto o R. CC se encontrava a cortar a árvore com uma motosserra, o sinistrado encontrava-se a manobrar um tractor com reboque, tractor este que se encontarava munido com um cabo de aço e com umas correntes, destinadas a puxar e orientar a direcção da queda do eucalipto.
(conforme determinado infra, alterada a redacção deste n.º 6 nos seguintes termos:)
6 - Enquanto o R. CC se encontrava a cortar a árvore, com cerca de 25 metros, com uma motosserra, o sinistrado encontrava-se a manobrar um tractor com reboque, tractor este que se encontrava munido com um cabo de aço e com umas correntes, destinadas a puxar e orientar a direção da queda do eucalipto, localizado a cerca de 35 metros da base do eucalipto.
7 – A determinada altura, o sinistrado abandonou o referido veículo e veio a ser atingido pela queda do eucalipto.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da impugnação da matéria de facto:
Pretende a recorrente que se impõe a alteração do aludido ponto 6 dos factos provados, sugerindo a seguinte redação:
“Enquanto o R. CC se encontrava a cortar a árvore, com cerca de 25 metros, com uma motosserra, o sinistrado encontrava-se a manobrar um tractor com reboque, tractor este que se encontrava munido com um cabo de aço e com umas correntes, destinadas a puxar e orientar a direção da queda do eucalipto, localizado a distância manifestamente inferior a cerca de duas vezes a altura da árvore a abater.” (o negrito é nosso, e corresponde aos segmentos que a recorrente pretende ver aditados à factualidade que já se encontra provada sob o n.º 6)
E que se aditem os seguintes factos:
“8 - o trabalhador sinistrado, no exercício das suas funções, quer enquanto manobrava o trator, quer quando se ausentou do mesmo, não se encontrava num local suficientemente afastado da zona de risco de queda da árvore”;
“9 – O local onde o trabalhador sinistrado se encontrava a desempenhar a sua atividade profissional não assegurava adequadas medidas de segurança.”;
“10 - O sinistrado abandonou o trator, sem que a sua entidade empregadora se tivesse apercebido.”;
“11 - O empregador, aquando do abate da árvore, não conhecia a exata posição do trabalhador sinistrado, AA.”;
“12 – O trabalhador sinistrado e o seu empregador, na operação de abate da árvore, não mantinham, entre si, uma comunicação adequada.”.

Estabelece o artigo 662.º n.º 1 do CPC[1], sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhamos)

Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento de que,
“Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[2]

Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” (sublinhamos)

Decorre com clareza das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo, proceder à transcrição   dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda  que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados.

No caso presente, entendemos que a recorrente cumpriu suficientemente os mencionados ónus.

O Tribunal recorrido consignou na motivação da decisão de facto que “- quanto aos pontos 6) e 7) – dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH, em conjugação com o exame atento dos documentos fotográficos juntos aos autos, apenas resultou aquela factualidade, ou seja, que o sinistrado se encontrava no tractor a ajudar a sua entidade empregadora no corte de um eucalipto e que, por razões que se desconhece, se deslocou para o local onde veio a ser atingido por este; nada mais foi possível apurar, nomeadamente, as razões que levaram aquele a sair do local onde se encontrava e a colocar-se na zona de perigo.

Relativamente à pretendida alteração do ponto 6 da matéria de facto provada – acrescentar ao já provado que a árvore tinha cerca de 25 metros, e que o tractor estava localizado a distância manifestamente inferior a cerca de duas vezes a altura da árvore a abater defende a Exma. PGA no seu douto parecer “que tem inserta um juízo conclusivo e não um facto. A conclusão de que o trator se encontrava a distância manifestamente inferior a duas vezes a altura da árvore a abater, pressupõe a determinação da distância a que o trator se encontrava da árvore a abater, a levar aos factos provados, e não o aditamento pretendido pela ré, sendo um juízo a efetuar-se em função da análise de factos.”

Vejamos, consignando-se desde já que procedemos à audição das testemunhas inquiridas (e que as duas primeiras nada de minimamente relevante referiram quanto ao acontecer do acidente) e à análise da documentação junta aos autos, v.g. dos relatórios respeitantes às averiguações do sinistro juntos aos autos.

Do relatório respeitante ao inquérito levado a cabo pela ACT, e cujo conteúdo a testemunha FF/Inspector da ACT, confirmou, esclarecendo que (entre outras diligências) foi ao local do acidente, consta que foi apurado no âmbito dessa averiguação que a árvore em questão tinha cerca de 25 metros de altura, e que o tractor em causa encontrava-se (no momento do acidente, posto que com referência à situação do tractor constatada após o acidente) a cerca de 35 metros da base do eucalipto.
Harmonizando-se com este depoimento, referiu a testemunha HH (Agente da GNR, que chegou ao local do acidente ainda o sinistrado estava a ser levado para a ambulância) que apurou na ocasião que o sinistrado foi encontrado “debaixo das galhas do final da copa da árvore”, e que o tractor estava mais distante, afastado da vítima 10/15 metros.
Trata-se de dados também constantes do relatório relativo à averiguação do sinistro realizada pela empresa de SHST “EMP02...”, e cuja apreensão resultará, como consignado nesse relatório, de “marcas existentes no terreno” e das próprias declarações do empregador/réu CC.
Trata-se de factualidade que, quer porque a análise ao local do acidente, e de acordo com a normalidade das coisas, permitia efectivamente aferir, quer porque se trata de depoimentos de testemunhas idóneas, sem que se vislumbre qualquer razão para duvidar da sua imparcialidade, se deve ter, de acordo com a lógica e as regras da experiência, como provada (não obstante, diga-se, os restantes depoimentos invocados pela recorrente, das testemunhas EE/Técnica de Segurança e GG/Averiguadora de Sinistros – conquanto ambas tenham dito que também se deslocaram ao local, posto que esta última, já 8/10 dias após o acidente, pretendendo cada uma delas averiguar também como se deu o acidente – afiguraram-se-nos inseguros, por isso menos consistentes).

Posto o que, altera-se a redacção do ponto 6 dos factos provados, mas nos seguintes termos:
 6 - Enquanto o R. CC se encontrava a cortar a árvore, com cerca de 25 metros, com uma motosserra, o sinistrado encontrava-se a manobrar um tractor com reboque, tractor este que se encontrava munido com um cabo de aço e com umas correntes, destinadas a puxar e orientar a direção da queda do eucalipto, localizado a cerca de 35 metros da base do eucalipto.

Quantos aos pontos da matéria que facto que quer ver aditados a recorrente, salvo o devido respeito, não tem razão.

Relativamente ao sugerido ponto 9, trata-se de matéria absolutamente conclusiva que ademais contende com o thema decidendum.

No que tange à matéria proposta sob o ponto 8, a segunda parte é uma mera conclusão, que contende, aliás e quanto ao momento do sinistro, com matéria de facto já dada como provada.
No que concerne à primeira parte (“quer enquanto manobrava o tractor”), nada resultou esclarecido, v.g. dos depoimentos trazidos à colação pela recorrente, senão o que a propósito supra se aditou ao ponto 6 dos factos provados.

Quanto aos pontos 10, 11 e 12 que a recorrente pretende ver aditados aos factos provados, e conquanto integrem matéria de facto – sem embargo de a parte final do sugerido n.º 12 sempre necessitar de concretização, e de se notar que se entende as expressões “aquando do abate da árvore” e “na operação de abate da árvore”, insertas nos n.ºs 11 e 12, como reportando-se ao período temporal que decorreu entre o início e o fim dessa operação, e assim compreendendo, também, o momento da queda da árvore -, não foi produzida prova que, com mínima consistência, permita formar convicção da sua veracidade – nomeadamente nada de útil nesse sentido descortinámos nos depoimentos das testemunhas inquiridas, nem nos documentos juntos, assinalando-se que não obstante constarem em anexo aos falados relatórios várias fotografias do local, as mesmas não permitem, com a necessária precisão, percepcionar se entre o local em que se encontrava o empregador a cortar a árvore e aquele onde se encontrava o trabalhador que operava o tractor/sinistrado havia algum obstáculo (vegetação) que impedisse que um e outro se vissem (se da 1.ª fotografia anexa ao relatório de averiguação ao sinistro a pedido da seguradora parece poder extrair-se que nada impedia essa visão, já analisadas outras fotografias se suscitam algumas dúvidas) -, nem tampouco se mostra viável, com recurso a presunções judiciais, extrair de algum/alguns facto(s) conhecido(s)/provados(s) algum daqueles cujo aditamento se pretende. 

- Da responsabilidade agravada da empregadora:

Discorreu-se a propósito na decisão recorrida:
Na realidade, não se logrou provar qualquer factualidade que permita afirmar (…) que houve violação de regras de segurança, pois que apenas se apurou que o sinistrado se encontrava no tractor a ajudar a sua entidade empregadora no corte de um eucalipto e que, por razões que se desconhece, se deslocou para o local onde veio a ser atingido por este.”
Concordamos com esta apreciação.
A recorrente enfatiza que a entidade empregadora/réu CC não cumpriu as várias medidas de prevenção do risco de esmagamento, aquando a execução dos referidos trabalhos, violando as mais básicas e elementares medidas de segurança, nomeadamente:
a) Manter distanciamento de segurança das zonas de perigo, correspondente a duas vezes a altura da árvore a abater;
b) Manter uma linha visual permanente entre todos os intervenientes na execução da função do abate de árvore;
c) Manter uma adequada comunicação entre todo o pessoal que intervenha na operação de uso do cabo.
Quanto às circunstâncias referidas nas alíneas b) e c), como resulta da decisão respeitante à matéria de facto não se apurou que as mesmas se verificavam.
Relativamente a não ter sido observado o distanciamento de segurança das zonas de perigo, correspondente a duas vezes a altura da árvore a abater:
Do ponto 6 dos factos provados - Enquanto o R. CC se encontrava a cortar a árvore, com cerca de 25 metros, com uma motosserra, o sinistrado encontrava-se a manobrar um tractor com reboque, tractor este que se encontrava munido com um cabo de aço e com umas correntes, destinadas a puxar e orientar a direção da queda do eucalipto, localizado a cerca de 35 metros da base do eucalipto – resulta efectivamente que o sinistrado, na realização da tarefa de que estava incumbido aquando da operação de derrube da árvore - manobrar um tractor que se encontrava munido com um cabo de aço e com umas correntes, destinadas a puxar e orientar a direção da queda do eucalipto – não se encontrava a uma distância de duas vezes a altura da árvore a abater, pois que esta media cerca de 25 metros e o sinistrado manobrava o tractor a cerca de 35 metros da base da mesma árvore.
Todavia, temos de reconhecer que se o operador do tractor/sinistrado não se tivesse ausentado do mesmo seguramente não teria sido colhido pela árvore aquando da sua queda pois, medindo esta cerca de 25 metros, entre a cúpula da árvore e o local onde o sinistrado se encontraria sempre distariam cerca de 10 metros.
Ora, como bem se dá nota no parecer do Ministério Público, o que as invocadas regras de segurança ditam a propósito é que “o operador do cabo deve situar-se num local seguro, a uma distância suficiente”, sendo que “a regra de que não existam trabalhadores nas proximidades ao derrube da árvore ou objetos/materiais ou máquinas que não possam ser alcançadas pela queda da árvore (2x a altura da árvore mais alta), não é aplicável aos trabalhadores que têm intervenção direta no processo de derrube, mas sim a outros trabalhadores ou bens, tendo os trabalhadores que intervêm no derrube que, evidentemente adotar os procedimentos que, no caso, os deixem a salvo de serem atingidos pela árvore, aquando do seu derrube.”
De todo o modo o artigo 18.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro) prescreve, sob a epígrafe Actuação culposa do empregador, que “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, (…) ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. (…).” (realçamos)
Não basta, pois, para responsabilizar o empregador que este (por ocasião do acidente) viole regras de segurança, sendo outrossim necessário que o acidente resulte da violação dessas normas de segurança no trabalho.
Conforme Acórdão Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2024, de 13 de Maio, para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.
Ora, e revertendo ao caso concreto, às concretas circunstâncias que se apuraram, o encontrar-se o sinistrado a trabalhar/a operar o tractor no local em que o fazia, a cerca de 35 metros de distância da base da árvore, que media cerca de 25 metros, não se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente que se verificou, e que consistiu em o sinistrado ter sido colhido (afastado do tractor pelo menos cerca de 10 metros) pela copa da árvore quando esta tombou.

Acresce dizer que, como é comum defender-se[3], o juízo de prognose quanto à avaliação do risco deve ser feito em função das condições existentes a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a constatação do acidente, pelo que, em termos de uma normal previsibilidade de riscos, não era expectável que a árvore pudesse atingir o sinistrado ao cair.

O acidente ocorreu porque o sinistrado, sem que se descortine razão para tal, saiu do tractor onde se encontrava e dirigiu-se a uma zona onde a árvore iria cair, sendo atingido então pela copa da mesma – é, com efeito, o que resulta de forma cristalina do ponto 7 dos factos provados – A determinada altura, o sinistrado abandonou o referido veículo e veio a ser atingido pela queda do eucalipto.       

Cabia à ré seguradora, a quem tal matéria aproveitava, demonstrar que o acidente ocorreu por inobservância de normas de segurança, e tal não sucedeu.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.

Guimarães, 24 de Abril de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Antero Veiga


[1] Artigo este, como os restantes do CPC que vão mencionar-se, aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPT.
[2] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor, www.dgsi.pt
[3] Cf. por ex. AC. RP de 11-12-2024, Proc. 2394/15.4T8PNF.P2, Maria Luzia Carvalho, www.dgsi.pt