PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RAZÃO DE URGÊNCIA
Sumário


A “razão de urgência” que permite ao interveniente apresentar mero comprovativo de pedido de apoio judiciário tem de ser devidamente invocada e concretizada pela parte - 552º, 9, CPC.
A natureza urgente do processo, só por si, não é suficiente para integrar o conceito de “razão de urgência” que possa levar à aceitação da peça.

Texto Integral


I. RELATÓRIO

Em 10-02-2025, AA intentou procedimento cautelar de arresto contra EMP01... Unipessoal Lda.
Não pagou taxa de justiça e, com a petição inicial, juntou comprovativo de pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação de agente de execução (datado de 31-01-2025).
O senhor juiz a quo proferiu despacho a convidar o requerente a pagar a taxa de justiça sob pena de desentranhamento do requerimento inicial, referindo que “não foi alegada qualquer situação de urgência”.
O requerente não pagou a taxa de justiça, referindo que “Essa urgência decorre desde logo do próprio procedimento cautelar, bem como ainda dos fundamentos que lhe estão subjacentes e que constam do articulado, nomeadamente o justo receio de ver defraudadas as expectativas de receber os seus créditos face ao modus operandi do “BB” e seus testas de ferro, mais ainda com os diversos processos que correm termos neste Tribunal e juízo e noutros.”

Foi proferido o despacho recorrido, indeferindo liminarmente a petição inicial e declarando extinta a instância, por não ter sido alegada qualquer razão de urgência para a falta de junção do comprovativo de concessão de apoio judiciário.
O requerente apelou.

FUNDAMENTOS DO RECURSO -CONCLUSÕES:

1 - A douta sentença ao não admitir o procedimento cautelar de arresto, intentado por um trabalhador, em cujo articulado alega ter sido ilicitamente despedido, que alega que a dita entidade patronal e requerida tem um longo histórico de constituir e "abrir e fechar" empresas que enuncia cronologicamente, e cujos testas de ferramentas identifica, por não ter aguardado pelo despacho final do requerimento que apresentou junto da segurança social, lançando, "todo guloso" mão do dito procedimento cautelar sem pagar a taxa de justiça ou o comprovativo da concessão do apoio judiciário.
Ora, é inequívoco que o procedimento cautelar é por inerência urgente, pelo que qualquer entendimento contrário seria uma clara violação do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, onde é referido que "o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos."
2 - Entendimento contrário vedaria o acesso ao direito daqueles que carecem de apoio jurídico, desde logo impedindo-os de lançar mãos de procedimentos urgentes e cautelares, uma vez que previamente teriam que dar uso à burocracia dos requerimentos (e potencias audiências prévias, etc) junto da segurança social, perdendo-se dessa forma o efeito útil, e tornaria o entendimento do Tribunal perverso, alem de ser em nossa modestas opinião um desvario
3 violação do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho

POR VIA DISSO DEVEM VOSSAS EXCELENCIAS PROFERIR DOUTO ACORDÃO QUE REVOGUEM O DESPACHO POR OUTRO QUE ADMITA A PETIÇÃO E ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.”
SEM CONTRA-ALEGAÇÕES (o procedimento não envolve contraditório).
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta-se que a apelação não merece provimento.
Sem resposta ao parecer.
O recurso foi apreciado em conferência.

QUESTÃO A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): saber se o requerente poderia apresentar mero comprovativo de pedido de apoio judiciário para fazer prosseguir os autos.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS:
Os constantes do relatório.

DIREITO:
Regra geral, pela utilização da máquina judiciária estão os intervenientes obrigados ao pagamento devido pelo impulso processual em momentos pré-estabelecidos na lei (taxa de justiça) - 552º CPC. 
Ficarão dispensados de o fazerem se lhes for concedido apoio judiciário, benefício público que se destina a assegurar que ninguém fica impedido de exercer ou defender os seus direitos por motivo de insuficiência económica devidamente comprovada perante os serviços de segurança social - vg. 1º, 2º, 7º, da Lei 34/2004, de 29 de julho (LAJ). Ou seja, o utente antes de usar o serviço judicial, deve obter um comprovativo de insuficiência económica que o dispense do pagamento devido ao tribunal.
Para obstar aos prejuízos que possam ser causados com a demora excessiva na apreciação dos pedidos de apoio judiciários por parte das entidades administrativas, a lei estabelece um prazo contínuo de 30 dias para os decidir, decorrido o qual “sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica”. Caso em que basta que o interveniente mencione em tribunal a formação do acto tácito, agilizando o inicio/prosseguimento da acção - 25º, 1 e 2 da LAJ.
Assim, com a petição inicial deverá o demandante oucomprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”- 530º, 1, 552º,  7, CPC.
Casos há, excepcionais, em que se dispensa o interveniente de fazer logo a prova do deferimento da situação de insuficiência económica, bastando comprovar que formulou o pedido junto dos serviços de segurança social. É o caso de ser requerida a citação urgente (561º CPC) ou “... faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência...” - 552º, 9, CPC.
Entende o requerente que o simples facto de ter intentado uma providência cautelar (arresto) é suficiente para demonstrar “razão de urgência”.
Não nos parece que assim seja.
A lei, podendo fazê-lo, e partindo do pressuposto que o legislador se expressou devidamente (9º CC), embora especifique a citação urgente e a caducidade, não refere os procedimentos cautelares, nem tão pouco ressalva em geral os processos urgentes. Ao invés, utiliza uma fórmula genérica (“razão de urgência”) que aponta para a necessidade de o interveniente alegar e concretizar devidamente a razão factual.
A utilização pelo legislador das chamadas fórmulas “em branco” destina-se a dar ao aplicador maior margem de manobra e de abrangência casuística (que a abstração e rigidez da lei nem sempre alcança).  Mas, para tanto, a parte tem de se explicar, discriminando os factos que integram “razões de urgência”.
A natureza urgente da acção não é, por si só, suficiente para dispensar a parte de juntar o comprovativo de deferimento de apoio judiciário, visando aquela classificação outros fins, como prazos curtos e tramitação rápida, a qual, contudo, tem os seus limites. A exigência de que falamos não põe em causa a natureza da acção. Efectivamente, a alegação da concreta razão de urgência não contende nem atrasa o processado.  
Por outro lado, repare-se que ao requerente bastaria esperar o decurso dos referidos 30 dias após a formulação do pedido de apoio, apresentar a petição inicial e invocar o referido acto tácito de deferimento (caso em que o tribunal confirmaria junto dos serviços da segurança social a formação do acto tácito, e estes deveriam responder no prazo máximo de dois dias úteis), expediente que permitiria avançar com o processado em tempo perfeitamente aceitável.
Não podemos esquecer que existem inúmeros procedimentos e acções classificadas de urgentes, não se afigurando que todas elas, genericamente e de modo paritário, gozem de “razão de urgência”, capaz de dispensar o interveniente de comprovar o deferimento do apoio judiciário, sendo certo, repise-se, que a lei não faz tal ressalva.
 Veja-se ac. RE de 5-05-2011, p. 375/11.6TBOLH.E1, em que, numa acção de insolvência, também de natureza urgente, desconsiderou a sua natureza, por ausência de alegação de factos concretos que apontem para a existência de “razão de urgência” capaz de dispensar a exibição de concessão de apoio judiciário. Quanto à necessidade de invocar a razão de urgência que possa levar à aceitação da peça, ac. RG de 11-07-2024, p. 100/24.1T8VRL-A.G1, ambos in www.dgsi.pt
Não sendo a natureza da acção para o efeito determinante e limitando-se o demandante a invocar meras generalidades e abstrações, é de concluir que não se demonstraram razões concretas de urgência que possam dispensar o requerente de juntar comprovativo de que está em situação de insuficiência económica (sendo esta a única questão objecto de recurso).

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º, CPT e 663º, CPC, acorda-se em negar provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.

24-04-2025

Maria Leonor Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Francisco Sousa Pereira

[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.