ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
SÓCIO GERENTE
NORMAS RELATIVAS A SEGURANÇA E HIGIENE NO TRABALHO
Sumário


O sócio-gerente de uma empresa, participando na formação da vontade social, deve prover ao cumprimento das normas relativas a segurança e higiene no trabalho. Sendo vítima de um acidente por culpa da empregadora que não cumpriu as regras de segurança, o sinistro deve ser descaraterizado, porquanto a violação dessas regras lhe é imputável enquanto gerente.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA e o menor BB, por aquela representado, idfs. nos autos, propuseram a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra;

EMP01... – Companhia de Seguros ..., S.A.;
EMP02..., LDA.;
COMPANHIA DE SEGUROS EMP03..., S.A., e
Sociedade EMP04..., S.A..

Pedem seja reconhecido que o acidente de que foi vítima CC foi um acidente de trabalho e que ocorreu com grave violação das regras de segurança por parte das rés, sendo as mesmas solidariamente condenadas a pagar:
a) À Autora AA:
i) a pensão anual e vitalícia mínima de € 3.221,34, com início no dia seguinte ao do óbito do sinistrado, com base em 30% da retribuição do falecido até a beneficiária atingir a idade da reforma por velhice e, a partir desta idade, o valor de €4.295,12, com base em 40% da mesma retribuição, a partir daquela idade, ou em caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho, que, considerando a alegada violação de regras de segurança, a pensão deverá ser agravada para o valor anual e vitalício de € 6.442,68, que passará a ser de 100% da retribuição anual do sinistrado, ou seja, €10.737,80, após caducar a pensão atribuída ao beneficiário filho, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da morte;
b) ao filho BB:
i) a pensão anual no total de €2.147,56, com início no dia seguinte ao do óbito do sinistrado, agravada por violação de regras de segurança para o valor de € 4.295,12, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da morte.
c) a ambos os autores AA e BB:
i) Subsídio por morte no valor de €5.792,29, sendo €2.896,15 para a autora e €2.896,15 para o filho menor, acrescido de juros de mora, a calcular à taxa legal supletiva desde do dia seguinte à data da morte;
ii) Subsídio de despesas de funeral, o que tiver sido pago até ao valor de €1.832,80;
iii) Subsídio de Transporte no valor de €50,00 (cinquenta euros) por cada deslocação a Tribunal até trânsito em julgado da presente ação;
iv) a quantia de €30.000,00 a título de danos morais sofridos pelo próprio sinistrado;
v) a quantia de €120.000,00 pela perda do direito à vida por parte do sinistrado;
vi) a quantia de €80.000,00 (€ 40.000,00 para cada) pela dor moral que sofreram e sofrem a autora AA e o filho BB;
vii) juros de mora, à taxa legal, a contar do dia seguinte à data do óbito.
Para tanto, e em suma, invocaram, respetivamente, a sua qualidade de unida de facto e filho do falecido sinistrado e que a morte deste ocorreu quando se encontrava a trabalhar por conta da ré “EMP02...”, dia 12.4.21, da qual era sócio-gerente, tendo-se o acidente ficado a dever à violação das normas de segurança por parte da referida sociedade e da ré EMP04..., pelo que entendem serem ambas as rés solidariamente responsáveis pelo ressarcimento, de forma agravada, das consequências derivadas do acidente.

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Citadas, as rés (com exceção da ré EMP02...) vieram apresentar contestação, tendo:
- as rés EMP04... e EMP03... pugnado, ademais, pela ineptidão da petição inicial e pela sua ilegitimidade para a ação;
- a ré seguradora “EMP01..., S.A.” alegado que o acidente em causa resultou exclusivamente da inobservância culposa de regras de segurança por parte da ré entidade patronal, empreiteira, e da ré EMP04..., dona da obra, e, dado que o sinistrado, à data dos factos, exercia funções de gerente da ré entidade patronal, deve ser descaracterizado o acidente, não dando direito a reparação.
- As rés COMPANHIA DE SEGUROS EMP03..., S.A., e Sociedade EMP04..., S.A.. foram absolvidas da instância.
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Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto foi proferida decisão julgando a ação improcedente.
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Inconformados os autores interpuseram recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. Pelo presente recurso, os Apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto, com recurso à apreciação da prova gravada, por considerarem incorretamente julgados os factos que constituem a al. H) dos “Factos Provados” (e o ponto 4. Dos Factos não provados); os pontos 9. e 10. dos “Factos não provados”; e ainda que deverá ser considerada provada e adicionada factualidade aos “Factos provados” ao abrigo do disposto do artº 72º do CPT.
2. Entendem os Recorrentes que deverão ser eliminados da factualidade considerada, a alínea “H.” dos “Factos provados”, bem assim como o ponto “4.” dos “Factos não provados”.
3. O conteúdo de tal alínea “H”, mais do que afirmações factuais, encerra juízos de facto, asserções conclusivas/valorativas incidentes sobre questões do litígio, estando em causa expressões que não configurando, em si mesmas, factos materiais, se reconduzem à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum.
4. A alínea “H” dos “Factos provados” a questão de saber quem era o dono da obra (bem como o ponto 4. dos “Factos não provados “A sociedade EMP04..., S.A., era simultaneamente entidade executante da obra.”!) reconduz-se à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova.
5. Impõe-se, pois, expurgar e eliminar da matéria de facto a alínea “H.” dos “Factos provados” e da matéria do ponto “4.” dos “Factos não provados”, uma vez que as mesmas encerram exclusivamente matéria de natureza conclusiva (cfr. o art.º 607.º, n.º 4 do CPC).
6. Por outro lado, alegou a Recorrente os seguintes factos na sua petição inicial:
“38. Era esta 4ª Ré quem fornecia e a quem incumbia na verdade o fornecimento de todos os materiais necessários à execução dos trabalhos, nomeadamente era esta que indicava e fornecia mediante estudo prévio e necessidade por si avaliada de todo o material eventualmente necessário para a segurança de todas as obras.
39. Nomeadamente era esta 4ª R. - DO/EE quem decidia se e quando era necessário material de entivação, de que tipo e que o fornecia e fazia chegar às obras, tudo unicamente a seu cargo.
40. Desta forma era a 4ª Ré que indicava qual o material de entivação que seria necessário e que o fornecia para a obra a decorrer.”
7. Ora na sua douta contestação, a 4ª R. EMP04..., SA, ainda que de forma parcial, confessa os factos alegados pela A..
8. Esta matéria foi também confessada pelo próprio representante da R. “EMP02..., Lda DD, (depoimento prestado entre as 9h52 e as 11h08 da Sessão da manhã da audiência de julgamento de 30.10.2024), com relevância nas passagens dos minutos 00:22:30 e 00:24:50, transcritas supra na motivação.
9. Esta matéria é determinante para a boa decisão da causa, foi alegada e expressamente confessada, designadamente pela parte a que os factos diziam respeito.
10. Face às regras processuais, às provas testemunhal e documental produzidas, às regras de distribuição do ónus da prova, aos princípios do dispositivo e do contraditório e ao ónus da impugnação especificada, e com recurso às regras da experiência, deverá considerar-se PROVADO e aditada uma alínea contendo a seguinte matéria:
“EE. Ficou combinado entre a 2ª Ré, através do Falecido, e a 4ª Ré, através do seu encarregado geral EE, que a 4ª Ré disponibilizaria a entivação e que a mesma seria colocada no local da obra, no dia útil seguinte (data do início dos trabalhos e do acidente), da parte da manhã ou da parte da tarde.”
11. Refira-se ainda que, com interesse para a questão em mérito resultaram apurados factos na audiência de julgamentos que são determinantes quer para análise do acidente quer para dirimir as questões em discussão nos autos, factos esses, assim, essenciais e determinantes para a boa decisão da causa.
12. Na realidade, resultou demonstrado, por um lado que o acidente ocorreu no dia em que se iniciaram os trabalhos naquela obra e que se iniciou a abertura da vala por meios mecanizados e que, nesse dia não estava previsto que ninguém acedesse ao interior da vala.
13. Tais factos foram contraditoriamente discutidos aquando do depoimento de DD, designadamente o que é possível extrair das passagens das gravações constantes dos minutos 00:25:32, 00:47:05 e 00:54:15, supratranscritos.
14. Também relativamente a esta questão atentemos ao depoimento da testemunha FF que prestou o seu depoimento entre as 14h17 e as 15h00 da Sessão da tarde da audiência de julgamento de 30.10.2024, conforme transcrições constantes do corpo destas alegações, ao minuto 00:13.25 e seguintes.
15. Com efeito, estão preenchidos os requisitos para o aditamento destes factos, pois os mesmos surgiram no decurso da produção de prova, não alteram a causa de pedir, e sobre eles incidiu discussão e, incontestavelmente, os mesmos afiguram-se relevantes para a boa decisão da causa.
16. Desta forma, face às regras processuais, às provas testemunhal e documental produzidas, aos princípios do dispositivo e do contraditório e com recurso às regras da experiência, deverá considerar-se PROVADO e aditar matéria assente uma alínea contendo os seguintes factos:
FF. A escavação da vala iniciou-se na manhã do dia 12/04/2021, sendo que durante esse dia não estava previsto o acesso de trabalhadores ao fundo da vala que foi aberta.
17. Como bem referido na douta sentença em mérito, julgamos não ocorrerem dúvidas quanto ao facto de o acidente que vitimou CC ser qualificado como acidente de trabalho.
18. Não obstante aquilo que os Recorrentes defenderam na sua p.i., atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento e o caráter oficioso da ação para efetivação de direitos emergentes de acidentes de trabalho (art.º 26º. nº 3 do Código de Processo do Trabalho) e o carácter indisponível dos direitos em causa (art.ºs 12º e 78º da LAT), entendem os Recorrentes que não poderá manter-se a douta sentença em mérito.
19. Na verdade, se dúvidas não há que a EMP04... era a dona da obra, face ao que resultou provado designadamente nas alíneas G., I., J., N. e P., já quanto à questão da entidade executante, os apelantes não podem aceitar a conclusão da sentença em excluir a EMP04...…
20. Relativamente á qualificação das entidades executantes, resultou demonstrado entre o demais que:
- não foi celebrado qualquer contrato escrito de empreitada entre as partes, contrato típico este que estabelece normalmente a posição jurídica e fáctica das partes, estabelece regras e aponta legislação aplicável.
- são vários os factos dados como provados que apontam para uma execução conjunta da obra, com uma constante colaboração entre a R. “EMP02..., Ld” e a “EMP04..., S.A.” (adiante designada por “EMP04...”).
- a EMP04... também leva a cabo este tipo de intervenções, com trabalhadores subordinados seus.
- são constantes as referências na matéria assente da douta sentença, no que toca à intervenção da EMP04... a fornecer instruções e a planear a sua execução:
. emitiu a ordem de serviço - Obras e intervenções n.º .../19;- al. I
. previu a profundidade da vala a escavar;- al. L
. determinou e instruiu a profundidade da tubagem a colocar junto da habitação; - al. N;
. determinou a profundidade da tubagem e sua ligação junto da caixa de visita; - al. O;
. emanou a forma como a escavação será executada; - al. P;
. tinha conhecimento da existência de tubagens no local; - al. W.
- foi a EMP04... quem forneceu os tubos e demais materiais que compunham a rede necessários à execução dos trabalhos; - al. J.
- era a EMP04... quem iria fornecer os materiais necessários para a entivação da vala – al. EE. (e artº 70 da Contestação da EMP04...).
- a EMP04... manteve um funcionário no local da obra durante todo o dia 12.04.2021, funcionário esse que após ter ocorrido o acidente procedeu ao corte da água.
- A “EMP02..., Lda.” não contribuiu com materiais, com máquinas, com equipamentos de entivação, ou seja, praticamente só contribuiu com mão de obra;
- Tanto a “EMP02..., Lda.” como a EMP04... foram alvo de processos de contraordenação em consequência do acidente dos autos, por não terem elaborado plano de segurança.
- Foi a EMP04... quem solicitou à Câmara Municipal ... o condicionamento do trânsito nos arruamentos onde se iria realizar o ramal de saneamento (al. D e documento junto ao relatório do ACT).
21 Por outro lado é notória uma subordinação e dependência económica da “EMP02..., Lda.” à EMP04..., que para ela trabalhavam em exclusivo, e era quem diariamente lhe determinava as obras onde iriam trabalhar.
22. Ora, face a todos os factos provados, face aos inúmeros indícios apreendidos nos autos, e em contrário do que refere a douta sentença em mérito, parece-nos claro e evidente que a obra onde ocorreu o acidente dos autos era executada conjuntamente pela “EMP02..., Lda.” e pela EMP04..., ou seja, ambas devem ser qualificadas como Entidades Executantes.
23. Deste modo, entendem os Recorrentes que, face ao apurado, tanto a R. “EMP02..., Lda.” como também a EMP04... eram responsáveis pelo cumprimento das regras de segurança e dos respetivos procedimentos, designadamente pela elaboração dos planos de segurança.
24. Tendo em conta a alteração da matéria de facto que propugnamos supra, necessário se torna uma averiguação sobre a ocorrência de violação das regras de segurança por parte das entidades executantes.
25. Se é certo que no momento em que ocorreu o acidente não estavam colocados na vala os elementos de entivação, merecem, contudo, ponderação dois factos determinantes na conclusão a tirar:
Por um lado, o facto de os trabalhos de escavação estarem precisamente a ser efetuados, ou seja, o acidente ocorre num intervalo da escavação, em que, como vimos, é solicitado ao manobrador que pare por momentos a máquina giratória.
26. Ora, se foi uma mera pausa nas escavações, não nos parece possível colocar entivações sem que os trabalhos de escavação estejam terminados nesse ponto da vala: o manobrador da máquina não poderá concluir os trabalhos de escavação atento o entrave que a entivação constitui.
26. Por outro lado, e como se apurou em sede de audiência de julgamento e constitui matéria aditada na alínea FF., a escavação da vala iniciou-se na manhã do dia 12/04/2021, sendo que durante esse dia não estava previsto o acesso de trabalhadores ao fundo da vala que foi aberta.
27. Ora, a entivação visaria precisamente desmoronamentos caso houvesse necessidade de deslocação e permanência no interior da vala escavada, pelo que, se não estava prevista nesse dia qualquer acesso ao interior da vala, parece-nos cair assim a necessidade de proceder à sua entivação nesse dia.
28. Por tudo isto, parece-nos com todo o devido respeito que poderá não ser de imputar às entidades executantes, “EMP02..., Lda.” e EMP04..., a violação de regras de segurança por falta de entivação da vala.
29. Mas, para além da questão da violação das regras de segurança, os Recorrentes não se conformam com a conclusão do Tribunal a quo no sentido de descaracterizar o acidente de trabalho…
30. Com efeito, a douta decisão sub judice não escalpeliza devidamente o que é decisivo para a apreciação da questão da eventual descaracterização do acidente: o comportamento, a atuação, o ato voluntário do trabalhador sinistrado, a ação direta do mesmo no momento que antecedeu o seu falecimento.
31. É por demais evidente que caso ele não se tivesse deslocado ao interior da vala não teria sido afetado pelas consequências daqueles acontecimentos, violentos e exteriores que constituíram o desmoronamento das terras e o rebentamento das condutas de água, tanto que andavam perto da vala mais três pessoas e nenhuma delas sofre qualquer consequência desses eventos.
32. Nada nos autos se apurou sobre a razão por que o sinistrado desceu ao interior da vala (cfr. al. S dos factos provados), ou seja, não se demonstrou que o ato de descer à vala sem qualquer entivação tivesse sido levado a cabo sem qualquer causa justificativa.
33. Também não se demonstrou que, nos momentos que antecederam a descida à vala fosse percetível a ocorrência ou a iminente ocorrência de algum desses eventos, que já houvesse sinais de terra caída das paredes ou tubos a pingar água para o interior da vala…
34. Pelo que o sinistrado não podia nem devia prever esse resultado.
35. Não se pode, pois, afirmar que o sinistrado atuou voluntaria e conscientemente, o que obsta a que se julguem verificados os pressupostos cumulativos para a descaracterização do acidente, previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.
36. Acresce que também não ficou provado:
- que ao descer ao interior da vala o sinistrado tivesse tido qualquer interação /ou provocado o desmoronamento das terras;
- que ao deslocar-se ao interior da vala tivesse interferido com os canos de água que eram visíveis e estavam em carga…
37. Não se demonstrou assim qualquer nexo causal entre o comportamento do trabalhador que pudesse de alguma forma ter provocado ou acelerado aquele desmoronamento ou rebentamento do tubo da água.
38. É que tais desmoronamentos ou desencaixe dos tubos da água poderão ter tido muitas e variadas causas, como circulação de veículos ou da máquina giratória, que a máquina ao abrir a vala tivesse danificado o tubo da água, ou inclusive que tivessem ocorrido movimentos telúricos muitas vezes impercetíveis aos sentidos humanos!
39. Também não ficou demonstrado que caso a vala estivesse entivada a terra não desmoronaria ou as condutas de água não rebentariam!
40. Sendo desconhecidas aquelas razões por que se iniciou o desmoronamento não é possível
imputá-las à conduta do sinistrado, o que obsta a que se estabeleça entre elas e aquela conduta de descida à vala o indispensável nexo de causalidade.
41. Apesar de não ter sido o fundamento acolhido na sentença em mérito para a descaracterização do acidente, também nada resultou provado que aponte para ter o acidente ocorrido por exclusiva negligência grosseira do sinistrado.
42. Para excluir o direito à reparação nos termos da alínea b), é indispensável que o evento seja imputado, mediante o estabelecimento do nexo de causalidade, exclusivamente, ao comportamento grosseiramente negligente do sinistrado, o que implica a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção, impendendo o ónus da prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o evento danoso, por se tratar de factos impeditivos do direito à reparação, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, sobre a parte demandada.
43. Como já vimos, a violação das regras de segurança, a terem existido, seriam imputáveis não só à “EMP02..., Lda.” (e assim ao próprio sinistrado), mas também à EMP04..., na qualidade de entidade executante.
44. Por outro lado, o sinistrado não era o único gerente da sociedade “EMP02..., Lda.”, estando até no local o outro gerente, pelo que a responsabilidade pela falta de entivação não pode ser imputada em exclusividade ao gerente sinistrado, pois a sociedade dispõe de outro gerente, que também é trabalhador e que também esteve na obra desde o seu início…
45. Na verdade, não resultou demonstrado que fosse o gerente sinistrado que exclusivamente tivesse a obrigação de implementação e aplicação das regras de segurança…
46. Pelo que também não se preencheria o requisito da exclusividade.
47. Por outro lado, a conduta do sinistrado ao descer dentro de uma vala não entivada, não integra uma negligência grosseira, ou seja, um comportamento temerário em alto e relevante grau, consubstanciando antes uma negligência leve, quando comummente a ela teria acedido um trabalhador dotado de diligência normal, no contexto da habitualidade ao perigo do trabalho executado e da confiança na experiência profissional.
48. Como, aliás, ficou provado na alínea “Z.”, “eram os trabalhadores que iam decidindo e adotando as medidas de prevenção conforme a sua perceção, quer quanto à natureza das terras, quer quanto aos condicionalismos que iam aparecendo”.
49. Em conclusão se dirá que para excluir o direito à reparação de acidente de trabalho, nos termos da alínea b), é indispensável que o evento seja imputado, em termos de causalidade adequada, exclusivamente, a comportamento temerário em alto e relevante grau do sinistrado, o que implica, por um lado, a prova de que o acidente se deveu a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento, e de elevado grau de imprudência, da vítima, e, por outro lado, a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção.
50. Requisitos estes que não foram minimamente preenchidos, pelo que também não poderá considerar-se a descaracterização do acidente ao abrigo dessa alínea b).
51. Face a todo o exposto, e por tudo mais do douto suprimento, sempre deverá ser revogada a douta decisão em mérito e substituída por outra que declare judicialmente e condenada a R. seguradora a reconhecer que o acidente de que foi vítima CC foi acidente de trabalho;
Ser a R. Seguradora condenada a pagar:
(…)
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
***
FACTOS PROVADOS

Factos provados (com interesse para a decisão da causa) e oportunamente alegados pelas partes:
A. GG nasceu em ../../2013 e é filho do sinistrado CC e da autora.
B. A ré EMP02..., Lda., havia transferido para a ré "EMP01..., Companhia de Seguros ..., S.A.", a sua responsabilidade infortunística em relação ao sinistrado, pelo menos pelo salário mensal de € 680,00 x 14.
C. À data de 12/4/2021, o sinistrado era um dos sócios-gerentes da ré EMP02..., Lda..
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D. À data de 12/4/2021, o sinistrado tinha a profissão de trabalhador da construção civil.
E. E estava a trabalhar por conta da ré EMP02..., Lda., prestando serviço ou tarefa previamente determinado pela empresa.
F. E auferia o salário base de 665,00€, acrescido do subsídio de alimentação no valor diário de 4,77€.
G. No dia 12/04/2021, pelas 16h30, na faixa de rodagem da Estrada Nacional ...06, sentido .../..., especificamente ao Km 12 da EN ...06, freguesia ..., concelho ..., estavam a ser realizadas obras que consistiam na execução do prolongamento de um ramal da rede de saneamento a uma habitação particular que ainda não o tinha, obras que se haviam iniciado nesse dia.
H. A sociedade EMP04..., S.A., era o dono da Obra.
I. Para a realização do referido ramal, a sociedade EMP04..., S.A., contratou a ré EMP02..., tendo emitido a ordem de serviço - Obras e intervenções n.º .../19 e adjudicou a obra à ré EMP02....
J. Era a sociedade EMP04..., S.A., quem fornecia os tubos e demais materiais que compunham a rede necessários à execução dos trabalhos.
K. A ré EMP02..., por não ter equipamento de movimentação de terras para a execução da vala, contratou a entidade empregadora “EMP05..., Lda.” para execução da vala com recurso a uma máquina giratória de lagartas de sua propriedade.
L. Na ordem de serviço referia em I. estava prevista a escavação de uma vala com profundidade máxima de 3,95 m para ligação de uma caixa de visita pré-existente (designada por A) a uma outra caixa de visita (designada por B), por realizar, e a ligação a outra caixa de visita junto da habitação a ligar o saneamento (designada por C).
M. A obra consistia na realização de ligação do saneamento da caixa de visita A para B e depois da caixa de visita B para a caixa de visita C junto à habitação.
N. Conforme as determinações e ordens e instruções da sociedade EMP04..., S.A., teria a tubagem a colocar junto da habitação cerca de 1 a 1,5 m de profundidade.
O. A sociedade EMP04..., S.A., determinou que a tubagem e a respetiva ligação junto à caixa de visita ter-se-ia que realizar a 3,95 m de profundidade.
P. A escavação foi executada conforme estava previsto na ordem de trabalho emanada da sociedade EMP04..., S.A..
Q. Foi aberta uma vala com uma profundidade variável, mas que atingia cerca de 3,95 metros no seu ponto mais profundo, do que a ré EMP02... e a EMP04... tinham conhecimento, tendo ainda conhecimento da existência da tubagem de águas que estava em carga.
R. A execução da obra pressupunha duas fases:
1ª fase: execução de vala com largura aproximada de 80 cm e a uma profundidade de cerca de 1 m, utilizando-se para o efeito uma máquina giratória com um balde acoplado de aproximadamente 70 cm de largura (por fora).
2ª fase: continuação da escavação da vala até ao fundo a cerca de 2,95 m de profundidade, com uma largura aproximadamente de 50 a 60 cm, utilizando-se também para o efeito a máquina giratória, mas agora com o balde acoplado de aproximadamente 40 cm de largura.
S. Por motivo não concretamente apurado, o sinistrado deslocou-se ao interior da vala referida em Q. e deu-se um desmoronamento das terras, provocando o soterramento do mesmo no sítio da vala com a profundida de cerca de 3,95 metros.
T. Do lado que desmoronaram as terras existia tubagem de abastecimento de água de companhia às habitações da zona que percorria o mesmo sentido da escavação e sensivelmente a 1 m de profundidade e estava em carga (ligado).
U. A seguir ao desmoronamento referido em T., deu-se um segundo desmoronamento de terra, provocado pela pressão e ação da água da rede referida em U., tendo o sinistrado sofrido asfixia por soterramento em meio sólido (terra e lama), o que foi causa direta e necessária da sua morte.
V. As terras do lado da faixa de rodagem da vala e que desmoronaram eram de natureza não rochosa e de média consistência e o terreno de cada um dos lados da vala possuía um talude de ângulo reto, sem qualquer declive.
W. A sociedade EMP04..., S.A., tinha conhecimento da existência de tubagens de água prévias no local e que estavam em carga de água.
X. A rede de abastecimento de águas não assenta em tubos estanques e contínuos de forma linear para a condução das águas, mas antes assenta na colocação de peças de encaixe acopladas sem qualquer forma fixa a não ser pela força de encaixe.
*
Y. Não existia no local do sinistro qualquer medida de entivação.
Z. A ré EMP02... e a sociedade EMP04..., S.A., não elaboraram Fichas de Procedimento de Segurança e eram os trabalhadores que iam decidindo e adotando as medidas de prevenção conforme a sua perceção, quer quanto à natureza das terras, quer quanto aos condicionalismos que iam aparecendo.
AA. Os trabalhos de escavação eram efetuados por uma máquina giratória.
BB. Os trabalhadores não tiveram quaisquer formações específicas de Segurança no Trabalho para esta obra.
CC. Intervieram na obra mais subempreiteiros para além da ré EMP02....
DD. Com vista à execução da obra, foi solicitado à Câmara Municipal ... o condicionamento do trânsito da rua onde se iria realizar o ramal de saneamento.
*
A. A autora AA vivia em comunhão de mesa, leito e habitação com o sinistrado desde ../../2007.
B. A autora AA e o sinistrado amavam-se profundamente.
C. E tiveram casamento marcado para o dia ../../2020, o que não foi possível, devido à pandemia provocada pelo Covid 19.
D. E a cerimónia foi reagendada para o dia 12 de setembro de 2021.
E. O sinistrado era um pai extremoso para com o seu filho BB, cumulando-o de carinho e dedicação.
F. O súbito falecimento do sinistrado provocou no menor um enorme sentimento de abandono, insegurança, tristeza, desalento e profunda angústia.
G. Necessitando de apoio psicológico, que se mantém na presente data.
H. Fruto de todos os traumas, veio a ser diagnosticado ao menor hiperatividade e défice de atenção, tendo que ser medicado com metilfenidato.
I. Toda esta situação originou que o menor apresentasse séries dificuldades escolares.
J. O sinistrado era uma pessoa alegre, sadio, com boa constituição física, não sofrendo de qualquer doença ou incapacidade.
K. Tinha grande vitalidade, enorme dinamismo e amor à vida.
L. A morte do sinistrado causou desgosto, estado de tristeza e profunda angústia à autora, que se passou a sentir inconsolável e muito só.
M. O sinistrado sofreu enormes dores aquando do acidente e suportou, durante o tempo que separou o acidente e o momento do seu falecimento, sofrimento também pela antevisão da própria morte.
*
Com interesse para a decisão da causa, não resultaram provados os demais factos alegados, designadamente:

1. À data de 12/4/2021, o sinistrado possuía a categoria profissional de manobrador (com formação).
2. O sinistrado auferia subsídio de alimentação no valor mensal de 129,80€.
3. A ré EMP02..., Lda., havia transferido para a ré "EMP01..., Companhia de Seguros ..., S.A.", a sua responsabilidade infortunística em relação ao sinistrado pelo subsídio de alimentação de 5,90€*22.
4. A sociedade EMP04..., S.A., era simultaneamente entidade executante da obra.
5. O desmoronamento referido em T. foi provocado pelo rebentamento do tubo das EMP04... de abastecimento, que estava em carga (ligado), mais precisamente com o rebentamento do tubo na respetiva emenda, tendo a água jorrado para dentro da vala com intensidade, arrastando consigo terra.
6. O referido em W. era do conhecimento da sociedade EMP04..., S.A..
7. A ré EMP02... limitou-se a fornecer mão de obra para a execução dos trabalhos a realizar por conta e sobre direção e instrução da sociedade EMP04..., S.A..
8. A sociedade EMP04..., S.A., era detentora de todos os planos, instruções e definições, do modo de execução dos trabalhos e organização dos mesmos e era quem instruía a forma de execução dos trabalhos a realizar, bem como quem procedia à respetiva fiscalização.
9. E era a sociedade EMP04..., S.A., quem indicava e fornecia, mediante estudo prévio e necessidade por si avaliada, todo o material eventualmente necessário para a segurança de todas as obras.
10. E era quem decidia se e quando era necessário material de entivação, de que tipo e que o fornecia e fazia chegar às obras.
11. Limitando-se a ré EMP02... a cumprir as diretrizes, ordens e instruções emanadas pela sociedade EMP04..., S.A..
12. Foi por única e exclusiva determinação e decisão da EMP04... que as tubagens de água se mantiveram em carga durante todo o tempo de execução dos trabalhos.
13. O corte ou interrupção de fornecimento de águas na rede de abastecimento pública somente ocorre por decisão e instrução direta da sociedade EMP04..., S.A..
14. Nenhuma entidade terceira possui as chaves necessárias para proceder a qualquer corte ou interrupção de abastecimento de água.
15. Após a escavação, tornou-se necessário proceder à medição da escavação para assegurar a exatidão das medidas impostas pela ordem de trabalho, bem como o regular e correto funcionamento da rede de abastecimento e de saneamento.
16. Com o primeiro desmoronamento o sinistrado ficou soterrado até à cintura e apenas com o segundo ficou o sinistrado completamente soterrado.
17. Caso a rede de água estivesse fechada não teria ocorrido o desmoronamento.
18. Durante a execução dos trabalhos, a sociedade EMP04..., S.A., fez permanecer na obra um funcionário para representação na obra e para apoio/serventia na obra.
19. Aquando da derrocada, a máquina giratória estava em funcionamento na periferia dos taludes da vala, o que aumentava o risco de derrocada das terras, quer pelo peso da própria máquina e dos materiais que carregava, quer pelas vibrações que transmitia ao solo.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Alteração de decisão relativa à matéria de facto no que respeita aos pontos da al. H) dos “Factos Provados” (e o ponto 4. Dos factos não provados); os pontos 9. e 10. dos “Factos não provados”; e ainda que deverá ser considerada provada e adicionada factualidade aos “Factos provados” ao abrigo do disposto do artº 72º do CPT.
- Entidade executante/execução conjunta entre a Dona da obra e a empregadora.
- Violação das regras de segurança pela entidade executante.
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Ponto H. A sociedade EMP04..., S.A., era o dono da Obra.
Pretendem seja eliminado, bem como o ponto 4 dos factos não provados (A sociedade EMP04..., S.A., era simultaneamente entidade executante), invocando que encerra juízos de facto, asserções conclusivas/valorativas incidentes sobre questões do litígio.
A distinção entre facto e direito nem sempre se apresenta fácil e linear. O “direito” utiliza naturalmente expressões e palavras correntes, com uma significação jurídica própria, mas que nem por isso deixam de ser utilizadas e de possuir um sentido comum. Dependendo dos termos de cada caso concreto, pode aceitar-se que uma alegação utilizando termos jurídicos (ou algo conclusivos), mas que sejam de uso comum na linguagem corrente, e seja usada nesse sentido (comum), possa ser considerada em determinados casos. Assim por exemplo, nos casos em que se verifica uma aceitação desses termos pelas partes, com determinado sentido comum, e não se insiram no que constitui o cerne da questão, o que se encontra em disputa.
Devem considerar-se conclusivas asserções que em si mesmo se reconduzem à formulação de um juízo de valor extraído de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no «thema decidendum».
Como referimos no ac. de 7-10-21, processo 5403/18.1T8VNF.G1; “A consideração deve, contudo, ter em atenção um critério são, pois, factos há que podem ser desmontados noutros factos, numa extensa cadeia. Assim, tratando-se de factos instrumentais, ou factos que não constituam o cerne da questão, nem resolvam por si a questão de direito, um critério menos exigente e mais “compreensivo”, mais conforme ao modo como a vida se expressa, aceitando termos que embora jurídicos têm ou adquiriram um sentido comum, e acolhidos neste sentido, aceitando asserções factuais que embora mais genéricas não deixem de ser factuais, conquanto constituam o apuro de um conjunto de elementos probatórios que poderiam desdobrar-se, são aceitáveis.
Tanto mais no novo CPC que avança no sentido de uma aproximação de uma justiça cada vez mais material, não se atribuindo o relevo que anteriormente se atribuía ao “conceito jurídico”, ou por analogia ao “facto com alguns laivos de conclusão”, se não constituírem matéria que se integre no thema decidendum.
Como refere Abrantes Geraldes, ressalta do novo código uma assunção mais clara no sentido de não atribuir excessivo relevo a argumentos formais, que levaram a alguns excessos, importando que, no que tange à matéria de facto, “que a realidade em causa possa ser compreendida, sem que restem dúvidas quanto ao sentido do que é afirmado ou negado. Por conseguinte, propugna-se uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, com prevalência de critérios que não sejam demasiado rigoristas, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando depois os motivos que o determinaram, com destaque para os factos instrumentais de onde extraiu as ilações ou presunções judiciais.” - “Sentença Cível” – António Santos Abrantes Geraldes, “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de janeiro de 2014. Disponível na net.”
No caso a consideração ou não da entidade “Águas…”, como entidade “executante”, releva ao caso, atentos os termos que que os recorrentes colocam a questão.
Importa, contudo, referir que são os próprios recorrentes que na sua petição aludem a tal entidade como dona da obra, sem mais, não havendo quanto a esta matéria qualquer divergência. Todos os intervenientes aceitam que era essa a entidade dona da obra. Não se trata, pois, de questão que esteja em discussão, sendo de manter o facto respetivo.
Quanto ao ponto da matéria de fato não provada, a sua eliminação nada adiante, é que se trata de matéria dada como não provada, onde naturalmente a utilização de termos conclusivos ou de direito não tem os riscos que envolvem a sua utilização na matéria considerada provada, apenas indicam que o tribunal apreciou tal questão e entendeu não se ter demonstrado. Dá, pois, cumprimente ao dever de pronúncia e fundamentação, sem as mesmas exigências, a este nível, que a matéria considerada não provada.
A questão que importa, não é a utilização da expressão na matéria considerada não provada, mas sim saber se quanto à factualidade respetiva ocorre ou não erro de julgamento.
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Dos factos não provados:

 Referem o alegado em 38. “Era esta 4ª Ré quem fornecia e a quem incumbia na verdade o fornecimento de todos os materiais necessários à execução dos trabalhos, nomeadamente era esta que indicava e fornecia mediante estudo prévio e necessidade por si avaliada de todo o material eventualmente necessário para a segurança de todas as obras.
Em 39. “Nomeadamente era esta 4ª R. - DO/EE quem decidia se e quando era necessário material de entivação, de que tipo e que o fornecia e fazia chegar às obras, tudo unicamente a seu cargo.”
E em 40. “Desta forma era a 4ª Ré que indicava qual o material de entivação que seria necessário e que o fornecia para a obra a decorrer.”
Referem que a ré confessou parcialmente o alegado. Mais referem que a matéria foi confessada pelo representante da R. “EMP02..., Lda.

Pretendem seja aditado:
 “EE. Ficou combinado entre a 2ª Ré, através do Falecido, e a 4ª Ré, através do seu encarregado geral EE, que a 4ª Ré disponibilizaria a entivação e que a mesma seria colocada no local da obra, no dia útil seguinte (data do início dos trabalhos e do acidente), da parte da manhã ou da parte da tarde.”
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Pretende-se ainda seja aditado:
12. o acidente ocorreu no dia em que se iniciaram os trabalhos naquela obra e que se iniciou a abertura da vala por meios mecanizados e que, nesse dia não estava previsto que ninguém acedesse ao interior da vala.
Referem tratar-se de factos contraditados e discutidos. Tais factos foram contraditoriamente discutidos aquando do depoimento de DD, e depoimento da testemunha FF
Deverá aditar-se referem:
“FF. A escavação da vala iniciou-se na manhã do dia 12/04/2021, sendo que durante esse dia não estava previsto o acesso de trabalhadores ao fundo da vala que foi aberta.”
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Os recorrentes na sua petição referem que a segunda ré, de que o sinistrado era sócio-gerente, apenas fornecia mão de obra, ocorrendo os trabalhos por contra e sob direção da 4º ré. Esta respondeu negando, referindo que recorreu aos serviços da segunda ré, não tendo ela, contestante, executado qualquer parte da obra. Entregou o plano de escavações e aterros, identificando os trabalhos a executar – o serviço a prestar -, os riscos associados e as medidas de prevenção a adotar. Enviou-lhe igualmente as normas técnicas, relativas condições técnicas e de segurança especificamente para os prolongamentos de rede e execução dos ramais de ligação de água e de saneamento a que a 2ª Ré se deveria submeter e fazer cumprir, nas quais se previa a necessidade de entivação.
Consta da fundamentação:
“ Não foi já produzida qualquer prova a respeito da existência de qualquer coexecução da obra pela EMP04... ou sequer do efetivo exercício de qualquer fiscalização pela mesma (que não o hipotético poder de fiscalização que lhe advinha da circunstância de ser a dona da obra), muito menos que a EMP04..., antes da realização da obra, soubesse da natureza do local a escavar.
De facto, da prova produzida, mormente do depoimento do legal representante da ré EMP02... e do depoimento da testemunha HH, funcionário da EMP04... responsável pela transmissão da ordem de serviço à ré, resultou clarividente que a EMP04... era a dona da obra em questão, cuja execução adjudicou, por contrato de empreitada, à sociedade EMP02..., com quem mantinha colaboração desde 2012, tendo ainda resultado claro do depoimento das referida testemunha HH e da testemunha II, também funcionário da EMP04..., que foi esta entidade quem ficou em exclusivo responsável pela execução da obra em questão, e não também a EMP04..., tanto assim que o legal representante da ré EMP02..., em total arrimo com o declarado pela testemunha FF, confirmou que foi a ré EMP02... quem tratou de subcontratar a escavação à empresa EMP05..., para a qual a testemunha FF trabalhava, uma vez que não tinha meios para, por si, realizar o trabalho, dada a profundidade da vala a abrir.
Ora, considerando que, como confirmou o legal representante da ré EMP02..., não era costume estar nas obras qualquer funcionário da ré EMP04... e que, como asseverado pelas testemunhas FF e II, a referida sociedade EMP04... se limitava a fornecer à ré EMP02... os tubos/caixas a implementar na rede, apenas cedendo à ré EMP02..., em consideração ao longo e bom relacionamento comercial que existia entre as partes, o material de segurança, mormente de sinalização das obras, que era normalmente destinado ao uso interno da EMP04..., se e apenas se o mesmo se mostrasse disponível, tendo sido exatamente no âmbito de tal colaboração que a testemunha II declarou ter transportado para o local da obra material de sinalização, tendo depois ali permanecido a limpar ferramentas na tentativa de se furtar à presença no estaleiro da EMP04... que lhe poderia trazer “dissabores” (entenda-se, trabalhos acrescidos para a EMP04...), sendo que a permanência da referida testemunha no local sem qualquer ocupação efetiva acabou por ser admitida pelo próprio representante legal da ré EMP02..., o tribunal não logrou minimamente convencer-se que a EMP04... fosse também coexecutante da obra ou que na mesma tivesse destacada alguém para a sua efetiva fiscalização, assim como não se convenceu que tivesse sido estabelecido entre as partes que o fornecimento de material de proteção competia à EMP04..., tanto assim que nada a esse respeito consta mencionado na ordem de serviço de fls. 68 e ss. e o legal representante da ré confirmou que era a sociedade ré quem tratava de comprar o seu próprio equipamento de proteção individual.”
 Da prova resulta que a sociedade de que o sinistrado era gerente era a executante da obra, no sentido de que lhe competia de acordo com o contrato verbal celebrado com a dona da obra e do projeto por esta fornecido, executar a totalidade desta, veja-se que é esta entidade que por sua iniciativa contrata uma outra empresa para abrir a vala, sendo ela que dá ordens ao funcionário dessa para abrir a vala bem como para suspender o trabalho, conforme depoimento deste. É ela que disponibiliza a mão de obra, no caso os sócios gerentes, também únicos trabalhadores da ré, conforme depoimento do representante desta, sob suas ordens e direção.
Assim, DD, legal representante da ..., referiu que eram os dois sócios e os dois únicos funcionários da firma. Refere que o sinistrado também tinha a categoria de manobrador, mas era o depoente que fazia sempre. Refere que na ocasião o sinistrado trabalhava para a ....  Refere que já trabalhavam com as EMP04... há nove anos. Os trabalhos começaram naquele dia. Este serviço foi igual a outros. Quem tratava desses contratos, da parte burocrática, era o sinistrado. Havia fichas em papeis. Refere que “tinham” empresa de higiene e segurança. Subcontrataram outra empresa para fazer a escavação da vala, porque a máquina que tinham não dava para aquela “fundura”. Foi o depoente que falou com esta outra empresa.  “Nós faríamos o resto”, colocar os tubos e arrasar a vala. Referiu que na obra estava um funcionário das águas, mas que não sabe o que estava lá a fazer. Não estava a executar trabalho, “nós é que tínhamos que fazer aquele serviço”. Não é normal estar lá alguém das “Águas”. O Material era fornecido pelas “Águas”, os tubos e caixas de visita. A entivação ia ser as “Águas” que iam levar para obra, foi o que lhe disse o sinistrado. Nunca utilizavam, porque nas outras obras não iam tão fundo. Referiu mais, que o material de segurança eramos “nós” que fornecíamos.
A entivação não fazia falta naquele dia, só dia seguinte, não era necessário naquele dia entrar na vala. Naquela data a ... não tinha material de entivação. Quanto à deslocação do sinistrado à vala, referiu que o colega “foi lá abaixo medir, com a fita”. Não sabe bem porquê. 
O HH, funcionário das “EMP04...”, referiu que faziam entrega dos trabalhos para a ... executar já desde 2012. O interlocutor, normalmente era o sinistrado. Este ia buscar as ordens de serviço para executar. Saía “documento, croquis das redes existentes, locais, tubagens a utilizar, profundidades…”, entregue em mão. As “EMP04...” forneciam o material. Quanto ao material de sinalização e proteção não, apenas se houvesse disponibilidade e se pedido, podiam ceder. As “EMP04...” não fiscalizavam as obras da .... O funcionário que foi no dia para a obra, referiu, foi para apoiar na gestão do trânsito e sinalização, foi o que lhe disseram. Não era habitual ter alguém.
II, é funcionário das EMP04..., com categoria de servente. Referiu que estava no local. O encarregado do depoente pediu-lhe para levar os semáforos para a obra, para regular o trânsito, deixou-lhos e eles montaram. Ficou lá. Aludiu a que antes do acidente tinham parado, por ordem dos dois, “são os dois que mandam”, referindo-se aos gerentes da .... Não viu acidente, só ouviu o barulho.
 Do depoimento resulta que o depoente não tinha qualquer função na obra em si, muito mesmo a nível de fiscalização ou relativa aos trabalhos.
O depoente FF, funcionário da subcontratada, refere que quem mandou abrir a vala, foram o sinistrado e o sócio. Foram eles que disseram como fazer. Antes do acidente estava parado, “disseram para esperar um bocado”, “disseram os dois, são os dois que mandam”. Não viu acidente, ouviu barulho, não o viu entrar na vala. Refere que não era suposto ir lá para dentro.
Da prova resulta que era a ... a entidade executante, no sentido atrás referenciado. Foi ela que subcontratou, que deu ordens ao trabalhador da subcontratada quanto à abertura da vala e paragem do trabalho de abertura, e a quem competia prestar o serviço que constava da ordem de serviços.
Assim e nesta parte é de confirmar o decidido. 
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Quanto ao ponto 38 da alegação, do qual consta; “Era esta 4ª Ré quem fornecia e a quem incumbia na verdade o fornecimento de todos os materiais necessários à execução dos trabalhos, nomeadamente era esta que indicava e fornecia mediante estudo prévio e necessidade por si avaliada de todo o material eventualmente necessário para a segurança de todas as obras”.
Apenas resulta provado que a dona da obra fornecia os materiais a instalar, designadamente tubos e caixas. Já quanto à segurança, não resulta o que se pretende. Conforme depoimento prestado, a empresa emprestaria, quando solicitado e se disponível, o material de entivação, como se ia verificar no caso. Quanto à primeira parte, vem provado em J. que era a sociedade EMP04..., S.A., quem fornecia os tubos e demais materiais que compunham a rede necessários à execução dos trabalhos. Assim e quanto a este item é de manter o decidido.
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Em 39 da petição refere-se, “nomeadamente era esta 4ª R. - DO/EE quem decidia se e quando era necessário material de entivação, de que tipo e que o fornecia e fazia chegar às obras, tudo unicamente a seu cargo. E 40 da petição, “desta forma era a 4ª Ré que indicava qual o material de entivação que seria necessário e que o fornecia para a obra a decorrer.”
Pretendem seja aditado:
 “EE. Ficou combinado entre a 2ª Ré, através do Falecido, e a 4ª Ré, através do seu encarregado geral EE, que a 4ª Ré disponibilizaria a entivação e que a mesma seria colocada no local da obra, no dia útil seguinte (data do início dos trabalhos e do acidente), da parte da manhã ou da parte da tarde.”
Pretende-se ainda seja aditado:
12. o acidente ocorreu no dia em que se iniciaram os trabalhos naquela obra e que se iniciou a abertura da vala por meios mecanizados e que, nesse dia não estava previsto que ninguém acedesse ao interior da vala.
 “FF. A escavação da vala iniciou-se na manhã do dia 12/04/2021, sendo que durante esse dia não estava previsto o acesso de trabalhadores ao fundo da vala que foi aberta.”
Conforme atrás referido não resultou provado que a dona da obra era quem decidia da segurança. Apenas resultou que disponibilizou, a pedido, o material de entivação, até porque a ... não dispunha desse material. Quanto ao início da obra e dia do sinistro já resulta dos factos.
Relativamente a não estar prevista a entrada na vala, tal foi referido pelo sócio do sinistrado e pelo manobrador. Contudo a entrada ocorreu, tendo sido referenciado, para fazer medidas. As obras decorriam sob direção da ..., de que o sinistrado era sócio-gerente, não tendo sido apresentado qualquer plano pormenorizado dos trabalhos de que resulta que nesse dia não era necessária a entrada na vala.
Em conclusão, não resulta de todo demonstrado, antes pelo contrário, que a ... apenas fornecesse mão ode obra, ante era ela que tinha a direção das obras. Assim é de manter o decidido.
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Do Direito

Os recorrentes questionam a descaraterização do sinistro, referindo que a dona da obra era também entidade executante, sendo também imputável a esta a violação de regras de segurança.
Na decisão considerou-se ocorrer descaraterização, por haver violação de regras de segurança por parte da empregadora, sendo que o sinistrado é sócio-gerente desta. Refere-se na decisão:
“ No caso em apreço, afigura-se-nos evidente que o acidente mortal verificado se ficou efetivamente a dever a atuação culposa da ré EMP02..., que não cumpriu as regras sobre segurança no trabalho a que estava obrigada.
De facto, resulta da matéria de facto assente que a ré EMP02... se encontrava a executar trabalhos que pressupunham a abertura de uma vala destinada à execução do prolongamento de um ramal da rede de saneamento de uma habitação, pelo que, atenta a natureza da obra a realizar, há que chamar à colação a disciplina do D.L. n.º 273/2003, de 29/10 (cfr. art. 2.º, n.º 2, alin. a)), prevendo-se, no art. 29.º do referido diploma, que, até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção, mantêm-se em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11/8, e a Portaria n.º 101/96, de 3 de abril, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho em estaleiros temporários ou móveis.
Resulta do art. 13.º desta Portaria que os trabalhos em escavações, poços, zonas subterrâneas, túneis, terraplenagens e coberturas, e os trabalhos com utilização de vigamentos metálicos ou de betão, cofragens, elementos pré-fabricados pesados, ensecadeiras e caixotões e trabalhos de demolição, realizados no estaleiro, devem obedecer às prescrições da legislação aplicável.
Assim, as prescrições mínimas de segurança para trabalhos de escavação e abertura de valas e trincheiras são as estabelecidas nos arts. 66.º e ss. do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Decreto nº 41821, de 11/8.
No art. 66.º deste Regulamento prescreve-se que os trabalhos de escavação serão conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos, devendo haver um técnico, legalmente idóneo, que seja responsável pela organização dos trabalhos e pelo estudo e exame periódico das escavações (§ único).
Por sua vez, o art. 67.º estabelece que é indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação, que será do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, excetuando-se desta obrigação as escavações de rochas e argilas duras (§ único).
Por fim, nos arts. 69.º a 72.º, estabelecem-se as normas que as obras auxiliares e os equipamentos devem respeitar, bem como as respeitantes à sua utilização, prevendo-se no primeiro daqueles normativos que a entivação duma frente de escavação, como é o caso das trincheiras, compreende normalmente elementos verticais ou horizontais de pranchões que suportem o impulso dos terrenos. E no art. 72.º prevêem-se as características técnicas das entivações a utilizar na abertura de trincheiras com profundidades compreendidas entre 1,20 m e 3m, considerando o legislador que com a sua observância ficarão asseguradas as condições de segurança contra desmoronamentos perigosos.
No caso, é óbvio que foram desrespeitadas pela ré EMP02... as normas atrás citadas…
Também é certo que a mesma não cumpriu com o dever de elaborar e dar a conhecer o plano de segurança/fichas de procedimento de segurança, obrigação que lhe derivava dos arts. 5.º, n.ºs 3 e 4, 7.º, 14.º e 20.º do referido D.L. n.º 273/2003, atendendo aos riscos especiais que a obra comportava, dada a elevada profundidade da vala a abrir e a proximidade de condutas de água. Porém, não temos como afirmar que o incumprimento dos referidos deveres, por si só, foi de alguma forma a propiciar a eclosão do acidente, ou seja, não consegue o tribunal concluir que o cumprimento dos referidos deveres seria de molde a obstar à produção do acidente se não tivesse havido a necessária entivação da obra.

No caso, só a falta de entivação poderia evitar o desmoronamento das terras… Ora, sendo possível estabelecer, nas circunstâncias do caso concreto, uma causalidade entre a violação das regras de segurança a que a ré patronal estava sujeita na execução dos trabalhos a que procedia, que lhe impunham a necessidade de entivação da vala, e o acidente ocorrido, pois que se a vala tivesse sido dotada de entivação nem as terras cederiam, nem consequentemente o tubo de água teria jorrado, e dispensando-se a análise da questão da culpa, que se presume , teremos de concluir pela efetiva atuação culposa da entidade patronal, nos termos e à luz do art. 18.º do RJAT.

Sucede que, no caso, estamos perante um sócio-gerente, portanto, alguém que tinha poderes de representação e gestão da entidade patronal e que nenhuma subordinação jurídica apresentava em relação à mesma, sendo que, em face de tal, há que verificar se deverá proceder-se à descaracterização do acidente.
Ora, o regime jurídico dos acidentes de trabalho prevê causas de descaracterização de um acidente de trabalho.
Assim, nos termos do art. 14.º do RJAT, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que, entre outros, provier de ato ou omissão do trabalhador que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei (alin. a)), considerando-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la (n.º 2).

Ora, no caso, inexistem dúvidas, nos termos já acima referidos, que houve a violação de normas de segurança, ou seja, a realização de trabalhos em vala não entivada quando a sua entivação era legalmente exigida, que ocorreu pela mão de quem era gerente da sociedade empregadora, portanto, pessoa civilmente responsável pelas infrações laborais cometidas pela sociedade que representava e geria (vide art. 551.º, n.º 3, do CT).
E dada a condição de gerente que o sinistrado detinha, não pode dissociar-se o mesmo do conhecimento das regras de segurança estabelecidas para o exercício da atividade que a entidade patronal levava a cabo, pois que era exatamente através de si que tal conhecimento tinha de estar adquirido, não se descortinando ademais qualquer motivo justificativo para alguém se introduzir numa vala com uma profundidade de quase 4 metros, cujas terras eram pouco consistentes, ao lado da qual se encontravam tubos em carga, sem qualquer tipo de entivação, a não ser, como infelizmente acabou por acontecer, para prestar socorro à vítima ou retirar o corpo da vala.
Em suma, afigura-se-nos que efetivamente estão verificados os pressupostos para a descaracterização do acidente pois que não estamos a ver uma outra situação em que tão cristalinamente se possa dar aplicação ao referido art. 14.º, n.º 1, alin. a), do RJAT, reiterando-se que entre o gerente e a sociedade que representa (e gere) não há qualquer relação de subordinação jurídica e é através dos gerentes que a sociedade atua, pelo que se nos afigura que constituiria uma incongruência jurídica concluir, aliás a pedido dos beneficiários, pela culpa da entidade patronal, derivada da violação das regras de segurança, com a consequente atribuição aos mesmos da indemnização agravada, e esquecer que aquela violação foi exatamente cometida por atuação/omissão do sinistrado, enquanto gerente da sociedade, por omissão do dever de agir com cuidado (a que estava obrigado, nos termos do art. 64.º, n.º 1, alin. a), do CSC), omissão que o tornou civilmente responsável pelos danos..., e que, à luz do art. 18.º do RJAT, o torna também civilmente responsável pelas consequências do acidente ocorrido pois que, como representante da entidade patronal, não cuidou que a sua representada tivesse observado as regras de segurança relativas à entivação, nos termos já acima referidos, dando causa ao seu próprio soterramento, do qual é simultaneamente causador e vítima, ou seja, lesante e lesado…”
Refere-se na decisão, em abono, o Ac. RC de  8/1/2004, processo n.º 3449/03, disponível in www.dgsi.pt, onde se defende que, “ contando-se entre as obrigações dos sócios-gerentes a de assegurar a segurança dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho, ocorrendo violação desse dever há que imputar a responsabilidade pelo facto aos sócios-gerentes (dados os poderes de administração de que gozam), o que descarateriza um dado acidente em que tenha sido vítima um dos sócios-gerentes da empresa – artº 7º, nº 1, al. a), da LAT.” Refere-se no acórdão:
“ dada a qualidade de sócio gerente do A- e atentos os poderes de administração da sociedade que dela lhe advinham- não se pode dissociar a sua pessoa da empresa de que é sócio, pois que o cumprimento de tais normas, a tomada das cautelas exigíveis à prevenção de sinistro era evidentemente da responsabilidade da Bombet..., mas materializava-se através da conduta pessoal do aqui recorrente, a quem competia a prática dos atos necessários e a tal finalidade atinentes.”.
Em idêntico sentido o Ac. RC de 13-12-2007, processo nº 944/04.7TTCBR.C1.
O sinistrado era gerente da sociedade, competindo-lhe, dentro dos poderes legalmente concedidos, representar a mesma – artigos 252º, 259º do CSC - dar corpo, com o seu comportamento (ainda que em gerência plural, e enquanto parte do órgão), à vontade da empregadora, no que respeita à observância das regras de segurança. Esta circunstância implica uma abordagem algo diversa do que ocorre com trabalhadores sujeitos à direção – em obra -, da empregadora, já que é ao próprio trabalhador que como gerente cabe essa direção.
O sinistrado era quem, como gerente, competia dar corpo e execução às regras de segurança, o que não fez, e, não ignorando a falta dessas condições, já que lhe competia a sua implementação antes de qualquer entrada na vala, por si ou por outro; entrou numa vala com profundidade considerável.
Competindo-lhe, conforme indicado, prover os meios de segurança, tal circunstância impunha-lhe especiais cuidados, já que não era um trabalhador qualquer, sujeito às ordens da empregadora, tendo-se deslocado ao fundo da vala sem a respetiva entivação, não podendo ignorar os riscos envolvidos que como gerente lhe competia evitar.
Como consta da decisão recorrida, relativamente à especial posição do sinistrado e à falta de motivo justificativo:
“Dada a condição de gerente que o sinistrado detinha, não pode dissociar-se o mesmo do conhecimento das regras de segurança estabelecidas para o exercício da atividade que a entidade patronal levava a cabo, pois que era exatamente através de si que tal conhecimento tinha de estar adquirido, não se descortinando ademais qualquer motivo justificativo para alguém se introduzir numa vala com uma profundidade de quase 4 metros, cujas terras eram pouco consistentes, ao lado da qual se encontravam tubos em carga, sem qualquer tipo de entivação, a não ser, como infelizmente acabou por acontecer, para prestar socorro à vítima ou retirar o corpo da vala.”
Assim é de confirmar a decisão.
***
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso confirmando a decisão.
*
Custas pelos recorrentes sem prejuízo do apoio judiciário.
24-4-25

Antero Veiga
Leonor Barroso
Francisco Pereira