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EXTINÇÃO DE CRÉDITO
REMISSÃO ABDICATIVA
LEI N.º 13/2023
DE 03/04
Sumário
I - Na sequência das alterações à legislação laboral introduzidas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, o legislador introduziu um novo preceito no Código do Trabalho, que veio determinar que os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação não são suscetíveis de extinção por remissão abdicativa, exceto por transação judicial. II - Esta alteração legal foi introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 03/04 e entrou em vigor a 01-05-2023, razão pela qual desde esta data, deixou de ser possível, como sucedia até então, o trabalhador, por outra forma que não uma transação judicial, proceder à extinção dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, através de remissão abdicativa. III - Estando em vigor, aquando da celebração do contrato de remissão abdicativa, que a Ré deu a assinar à autora, no dia 21.09.2023, o n.º 3 do art.º 337.º do CT. a remissão abdicativa não é válida, nem eficaz, nem relevante, já que de acordo com o citado preceito para que tal contrato fosse válido teria de ter sido celebrado através de transação judicial.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., ..., ..., com o patrocínio do Ministério Público, instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “EMP01..., Têxteis, Lda.”, com sede na Rua ...-... ..., ..., e pede a condenação da Ré a pagar-lhe:
1) as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a declarar a ilicitude do despedimento, cifrando-se já em €765,00;
2) €2.295,00 a título de indemnização em substituição da reintegração;
3) €91,88 de juros de mora vencidos;
4) Juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, e tal como se fez constar da sentença recorrida, alegou que foi admitida ao serviço da ré no dia ../../2014 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar as funções de costureira, mediante o pagamento da retribuição de 505,00€, em 2014, acrescida do valor de 2,40€ de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, retribuição esta que, à data de 2023, ascendia ao valor de 765,00€ acrescida do dito subsídio de alimentação. No dia ../../2023, após ter tido alta médica, veio a ser-lhe transmitido pela legal representante da ré que não queria que fosse mais trabalhar, o que configura um despedimento ilícito. Reclama o pagamento de uma indemnização em vez da reintegração e as retribuições intercalares até ao trânsito em julgado da sentença.
A Ré veio contestar negando ter procedido ao despedimento da autora na data por esta indicada, dizendo que veio sim a proceder ao seu despedimento em 21/9/2023 por motivo de “morte do empregador, extinção ou encerramento da empresa”, tendo, na sequência, pago à autora “todos os direitos laborais inerentes ao despedimento”.
A Autora respondeu à exceção invocada na contestação, tendo aduzido que assinou os papéis que lhe foram apresentados pela ré sem os ler, nem ter consciência do seu conteúdo, não lhe tendo a ré pago qualquer quantia pelo termo do contrato.
O processo prosseguiu com a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença pela Mma. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo: “Termos em que decido julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condeno a ré a proceder ao pagamento à autora das seguintes quantias: 1) as retribuições que deixou de auferir desde ../../2024 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, descontadas das eventuais quantias que tenha recebido a título de subsídio de desemprego, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar a partir do momento em que tal crédito se torne líquido e até efetivo e integral pagamento; 2) a quantia de €2.295,00 a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.
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O valor da ação já foi fixado no despacho saneador. Custas da ação pela autora e ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 3% para a autora e 97% para a ré – cfr. art. 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil. Registe e notifique. Comunique à Segurança Social, nos termos e para os efeitos do art. 75.º, n.º 2, do CPT.”
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Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:
”A) Salvo o devido respeito, que é imenso, não concordamos com sentença do Venerando Tribunal “a quo”. B)Entendemos que o Ré explicou e provou em Julgamento todos os factos e circunstancialismos que promoveram o processo disciplinar… C) Salvo o devido respeito, que é imenso, não concordamos no Venerando Tribunal “a quo” no se respeita aos factos dados como não provados, pois como se pelas declarações de quitação e recebimento assinadas pela autora a ré NADA deve á ré. D) Com o devido respeito que é muito, não pode o Tribunal descredibilizar a prova documental arrolada pela Ré… E)Nomeadamente as declarações de quitação e recebimento. F) Somos de concluir que o Tribunal deveria considerar a prova documental bastante para absolver a ré. Termos em que deve a sentença do Tribunal de 1ª Instancia ser revogada. Nomeadamente na parte em que determina a ilicitude do despedimento. E consequentemente ser a Ré ABSOLVIDA. Assim se fará justiça”
Respondeu a Recorrida/Apelada pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II – OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a seguinte questão:
- Erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que aquando do término do contrato a Ré liquidou à autora tudo o que lhe era devido.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS:
A. A Ré tem por objeto o corte, confeção e embalagem de artigos de vestuário em série, comercio a retalho de artigos de vestuário para adultos e crianças.
B. A Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 2 de janeiro de 2014 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar as funções da categoria de costureira, nas instalações da Ré, com a retribuição base mensal de € 505,00, em 2014, acrescida de € 2,40 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, com o período normal de trabalho diário de 8 horas e o horário semanal de 40 horas.
C. A Autora trabalhou sempre para a Ré desde ../../2014 até ../../2023.
D. A Autora teve períodos de incapacidade para o trabalho desde 8/9/2022 até ../../2023, por doença oncológica.
E. No dia ../../2023, após ter tido alta, a Autora dirigiu-se ao seu local de trabalho para reiniciar funções.
F. Nesse mesmo dia, a D. BB, sócia-gerente da Ré e pessoa que sempre lhe deu instruções, fiscalizava e dirigia o seu trabalho, disse-lhe “não queria que fosse mais trabalhar” e que lhe ia dar um papel para o fundo de desemprego.
G. Desde o dia ../../2023 a autora não voltou a desempenhar as funções referidas em B.
H. À data de ../../2023, a Autora auferia o salário base de 765,00, acrescido de 2,40€ de subsídio de almoço por cada dia de trabalho.
I. A Autora foi contactada telefonicamente pela gerente da Ré, que lhe disse para se deslocar no dia 21/9/2023 às instalações daquela, a fim de levantar o papel para o fundo de desemprego afirmando que nada tinha a pagar-lhe pelo fim do contrato.
J. No dia 21/9/2023, a Ré entregou à Autora o modelo 5044 da Segurança Social assinalado com o ponto “21” “extinção ou encerramento da empresa” e declaração de extinção do seu posto de trabalho.
K. A Autora assinou, em 21/9/2023, uma declaração de onde constam, ademais, os seguintes dizeres: “(…) recebeu no dia de hoje, todos os valores correspondentes aos seus créditos laborais. (…) Mais declara que na presente data também recebeu todos os seus direitos inerentes à antiguidade laboral (…) DECLARANDO assim de forma expressa e voluntária que NADA mais tem a receber da supra referida sociedade pelo que dá total quitação a todos os créditos laborais quer detinha à data da resolução do seu contrato de trabalho”.
L. A Autora assinou o papel referido em K. sem o ler, nem ter consciência do seu conteúdo, sentido e alcance, tendo-se a legal representante da ré aproveitado do facto de a Autora ser pessoa de pouca instrução, se encontrar muito fragilizada e emocionalmente desgastada devido a doença oncológica
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FACTOS NÃO PROVADOS:
1. A Ré procedeu despedimento da Autora em 21 de setembro de 2023 com o motivo “morte do empregador, extinção ou encerramento da empresa”.
2. A ré pagou todos os créditos laborais à autora.
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IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que aquando do término do contrato a Ré liquidou à autora tudo o que lhe era devido.
Antes de mais cabe deixar consignado que não tendo a Ré impugnado a matéria de facto é com base na factualidade apurada em 1.ª instância, que se irá apreciar se foi cometido qualquer erro jurídico ao proceder-se à submissão dos factos ao direito.
Importa ainda frisar que o facto de a Ré/Apelante afirmar em sede de recurso que não concorda com a matéria de facto dada como não provada, em face do prescrito no art.º 640.º do CPC., é manifestamente insuficiente para que se possa concluir pela verificação dos requisitos mínimos impostos para a apreciação pelo tribunal superior da matéria de facto.
Acresce ainda dizer que, não se compreende o que pretende a Recorrente com a conclusão B) da alegação de recurso, ao consignar “Entendemos que a Ré explicou e provou em Julgamento todos os factos e circunstancialismos que promoveram o processo disciplinar...”.
Com efeito, no caso não foi instaurado qualquer procedimento disciplinar à autora, razão pela qual não se entende a que factos e a que circunstancialismos pretende a Recorrente referir.
Por último, no que respeita à descredibilização da prova documental que a Ré/Apelante refere que foi dada pelo Tribunal a quo, também não se entende o que pretende, pois ao invés do afirmado pela Recorrente, o Tribunal a quo deu como provada toda a prova documental apresentada pela Ré, apenas dela não extraiu as conclusões por aquela pretendidas.
Mas vejamos.
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o tribunal a quo não ter considerado de suficiente a prova documental, designadamente as declarações de quitação e de recebimento, bastantes para absolver a Ré, designadamente na parte em que se determina a ilicitude do despedimento.
A sentença recorrida a este propósito é muito clara e concisa, não deixando qualquer dúvida designadamente no que respeita à valorização das declarações de quitação e de recebimento, ao fazer constar da motivação da decisão da matéria de facto o seguinte: “Por fim, a ré não produziu qualquer prova a respeito do pagamento dos créditos laborais da autora, anotando-se que, à data em que a autora assinou as declarações constantes dos autos, estava já em vigor a redação atual do n.º 3 do art. 337.º do Código Trabalho, introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3/4, que é de aplicação aos contratos anteriormente celebrados (vide art. 35.º da referida lei), preceito que proíbe a extinção do crédito do trabalhador por meio de remissão abdicativa, pelo que a declaração da autora não pode ter o efeito confessório/extintivo pretendido, por ser arredada por lei a sua admissibilidade (cfr. art. 354.º, alin. a), do Código Civil).
Por outro lado, no que respeita à ilicitude do despedimento, teremos de dizer que atenta a factualidade provada nos pontos F), G) e I) dos pontos de facto provados revela-se de manifesta e inequívoca a vontade do empregador fazer cessar o contrato de trabalho de forma unilateral, revelando-se de flagrante a ilicitude do despedimento verbal de que a Autora/Recorrida foi alvo.
Com efeito, resulta da factualidade provada que a Autora/Recorrida ao se apresentar para trabalhar, após período de baixa prolongado, de forma perentória, sem deixar margem para dúvida, a sócia gerente da Ré dirigindo-se à autora, disse-lhe que “não queria que fosse mais trabalhar” e que lhe ia dar um papel para o fundo de desemprego, como efetivamente veio a suceder passado alguns dias.
Importa referir que o despedimento é uma das formas de extinção do contrato de trabalho, que se consubstancia na resolução unilateral do mesmo por parte do empregador (arts. 340.º e 351.º e ss. do Código do Trabalho), que pressupõe uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º do CT[1], sob pena de ser considerado de ilícito.
No caso, está demonstrada a rutura da relação laboral por ato unilateral do empregador (despedimento) e que tal formalismo não foi observado, já que o despedimento não foi precedido de qualquer procedimento, razão pela qual, bem andou o Tribunal a quo, ao concluir pela sua ilicitude, nos termos do art.º 381.º, al. c), do CT.
Resta agora averiguar se em face da declaração de quitação e de recebimento, ou seja, em face da remissão abdicativa, são devidos à autora os montantes apurados pelo Tribunal a quo.
A este propósito o Tribunal recorrido consignou o seguinte:
“De anotar que a declaração de quitação emitida pela autora não tem a virtualidade de extinguir os aludidos direitos decorrentes da cessação do contrato pois que, como já acima se deixou dito, à data em que a autora assinou as declarações constantes dos autos, estava já em vigor a redação atual do n.º 3 do art. 337.º do Código Trabalho, introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3/4, que é de aplicação aos contratos anteriormente celebrados (vide art. 35.º da referida lei), preceito que proíbe a extinção do crédito do trabalhador por meio de remissão abdicativa.
Em face do prescrito no n.º 3 do artigo 337.º do CT. não podemos deixar de concordar com o decidido.
É de realçar que, frequentemente sucedida, aquando da cessação do contrato de trabalho, designadamente nas situações de cessação do contrato, por acordo revogatório, era celebrado em simultâneo um contrato de remissão abdicativa, nos termos do qual o trabalhador renunciava a todo e qualquer direito de que, eventualmente, fosse titular, por conta do contrato de trabalho e da sua cessação. Praticamente de forma pacífica, a jurisprudência defendia a aplicação desta figura da remissão abdicativa no domínio das relações laborais, desde que celebrada em data posterior à data da cessação do contrato de trabalho.
Contudo, na sequência das alterações à legislação laboral introduzidas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, o legislador introduziu um novo preceito no Código do Trabalho, que veio determinar que os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação não são suscetíveis de extinção por remissão abdicativa, exceto por transação judicial.
Ora, é precisamente a Lei n.º 13/2023, de 03/04, que veio introduzir uma nova norma no art.º 337.º CT, passando este a dispor de um número 3 no qual se prescreve o seguinte: “O crédito de trabalhador, referido no n.º 1, não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial.”.
Esta alteração legal entrou em vigor a 01-05-2023, razão pela qual desde esta data, deixou de ser possível, como sucedia até então, o trabalhador, por outra forma que não uma transação judicial, proceder à extinção dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, através de remissão abdicativa.
Mais veio prever, o art.º 35.º n.º 1 da referida Lei n.º13/2023, que: “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento.”.
Assim sendo é inequívoco que no caso concreto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, designadamente no que respeita à forma como foi obtida a assinatura da Autora, fácil é de concluir, que estando em vigor, aquando da celebração do contrato de remissão abdicativa, que a Ré deu a assinar à autora, no dia 21.09.2023, o n.º 3 do art.º 337.º do CT. a remissão abdicativa não é válida, nem eficaz, nem relevante, já que de acordo com o citado preceito para que tal contrato fosse válido teria de ter sido celebrado através de transação judicial.
Em conclusão teremos de dizer que não assiste qualquer razão à recorrente, já que não tendo logrado provar ter liquidado os créditos laborais reclamados pela autora, mais não restava ao tribunal a quo, no que respeita aos créditos devidos condenar no seu pagamento, tal como sucedeu.
Nestes termos improcedem as conclusões formuladas pela recorrente, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.
V - DECISÃO
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por EMP01..., TÊXTEIS, LDA, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Guimarães, 24 de abril de 2025
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso
[1] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, Cascais, 2012, p. 151.