CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SEGURANÇA SOCIAL
AGRAVAÇÃO
JUROS DE MORA
CONTABILIZAÇÃO
Sumário

Na indemnização por danos emergentes do crime de abuso de confiança contra Segurança Social agravado p. e p. pelos artigos 6.º, 107.º, n.ºs 1 e 2, ex vi 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7.º, todos do RGIT, são devidos juros de mora, vencidos até à data do pagamento do valor das cotizações, calculados nos termos do disposto no nº 3 do DL 73/99, de 16/03, e do artºs 211º e 212º, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial), e não juros de mora à taxa legal civil de 4%, nos termos da Portaria 291/2003, de 8 de abril.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo: 4406/21.3T9MTS.P1



Relator
João Pedro Pereira Cardoso
Adjuntos
1 José Castro
2 Maria Dolores da Silva e Sousa








Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:




1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo 4406/21.3T9MTS do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 2, foi proferida sentença, na qual – além do mais - se decidiu (transcrição):
I) condenar o arguido AA:
- pela prática de um crime de abuso de confiança contra Segurança Social agravado p. e p. pelos artigos 6.º, 107.º, n.ºs 1 e 2, ex vi 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7.º, todos do RGIT, na pena dum ano e três meses de prisão, substituídos por 450 (quatrocentas e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
- pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos arts. 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, e 105.º, ns. 1, 2, 4, als. a) e b), e 7 do RGIT, pelo período de janeiro de 2020, na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de sete euros, o que perfaz uma multa no valor de € 560,00;
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II) condenar os arguidos/demandados A... Unipessoal, Lda, BB e AA no pagamento solidário à demandante Segurança Social da quantia de € 38.467,83, sendo que a sociedade mencionada e BB são ainda solidariamente responsáveis pelo pagamento solidário adicional de € 77,45, sendo que sobre tais montantes acrescem juros de mora à taxa legal civil, desde a data em que cada uma das cotizações em dívida eram devidas, até efetivo e integral pagamento”.
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Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso a demandante Segurança Social e o arguido AA, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes
“conclusões” da Segurança Social, que se transcrevem:
A. O presente Recurso vem interposto do Douta Sentença proferida em 30/10/2024 no processo supra referenciado, na parte em que condenou os arguidos/demandados A... Unipessoal, Lda, BB e AA no pagamento solidário à demandante Segurança Social da quantia de €38.467,83, sendo que a sociedade mencionada e BB são ainda solidariamente responsáveis pelo pagamento solidário adicional de €77,45, sendo que sobre tais montantes acrescem juros de mora à taxa legal civil, desde a data em que cada uma das cotizações em dívida eram devidas, até efetivo e integral pagamento (sublinhado nosso).
B. Em 5/06/2023, o ISS, IP, Assistente / Demandante, ora Recorrente deduziu o pedido civil contra os Arguidos / Demandados pelo dano indemnizatório correspondente à quantia total de Euros:38.545,28 e reclamou ainda os respectivos encargos legais sobre a quantia peticionada, os quais vencidos aquela presente data ascendiam ao montante total de Euros:5.423,38, bem como o acrescido de juros de mora vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
C. Saliente-se desde já que os juros de mora foram contabilizados à taxa de 5,997%, nos termos do Aviso n.º 177/2023, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 4 de janeiro de 2023, em vigor à data da dedução do pedido civil.
D. Ora, é consabido que, a taxa legal dos juros civis, nos termos do Art. 559.º, n.º 1 do Código Civil e Art. 1º da Portaria n.º 291/2003, de 8.Abril é fixada em 4%, sendo igualmente, consabido que, a taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, nos termos do Art. 3º n.º 1 do DL n.º 73/99, de 16 de Março, na sua redação atual, à data da dedução do pedido civil era de 5,997%, nos termos do Aviso n.º 177/2023, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 4 de janeiro de 2023 e, actualmente, nos termos do Aviso n.º 678/2024, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Janeiro de 2024 é de 8,876 %.
E. Assim, a única questão que se coloca com interesse para o presente recurso é saber e decidir se a taxa de juros de mora civis em que os Arguidos / Demandados foram condenados é a de 4% ou 5,997% (até 1.Janeiro.2024) e a taxa de 8,876 % (desde 1.Janeiro.2024).
F. E, afigura-se que, a Douta Sentença recorrida proferida em 30/10/2024 é omissa na parte em que deveria ter fixado a taxa de juros civis a aplicar, designadamente, a taxa de 5,997% (até 1.Janeiro.2024) e a taxa de 8,876 % (desde 1.Janeiro.2024).
G. Sendo certo que, nos termos do Art. 380º do CPP (ex vi Art. 614º do CPC), tal omissão pode ser corrigida por simples despacho, por iniciativa do Meritíssimo Juiz a quo, antes do recurso subir e caso assim se entenda ser de proferir despacho a rectificar e aplicar a taxa de juros de mora em 5,997% (até 1.Janeiro.2024) e a taxa de 8,876 % (desde 1.Janeiro.2024), o presente recurso não deverá subir e deverá ser devolvida a taxa de justiça paga pela interposição do mesmo e, em caso contrário, deverá o mesmo ser admitido e ordenada a subida ao Tribunal da Relação do Porto.
H. Pois que, como refere a sentença recorrida, estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual conexa com a responsabilidade penal, sendo assim aplicável o regime regulado pela lei civil (Art. 129º do Cód. Penal).
I. O Art. 806º n.º 1 do Cód. Civil, dispõe que: “” e no n.º 2 que: “Tais juros corresponderão aos juros legais, salvo de antes da mora for devido um juro mais elevado ou houver convenção das partes” e ainda no n.º 3 que, “quando se trate de responsabilidade por facto ilícito”, pode o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros devidos, nos termos do número anterior”.
J. Destes preceitos resulta que, na responsabilidade civil por fatos ilícitos, como é o presente caso, em que o incumprimento da prestação é também um ilícito criminal, o credor tem direito a ser ressarcido de todos os danos que lhe causa esse incumprimento, sendo que tais danos só corresponderão aos juros legais, cuja taxa é fixada nos termos do Art. 559º do Cód. Civil e Portarias conjuntas dos Ministros da Justiça e das Finanças, quando o dano sofrido não for superior. Por isso, se o capital vencia um juro à taxa superior à taxa legal, os juros de mora a atender serão os mais elevados (Art. 806º n.º 2 do Cód. Civil). Se o credor provar que a mora lhe causou um dano superior aos juros legais, será desta dano que é ressarcido.
K. No caso de incumprimento da relação jurídica contributiva perante a segurança social, o regime indemnizatório da respectiva obrigação pecuniária, actualmente, encontra-se definido especificamente no Art. 59º da Lei de Bases da Segurança Social (Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro) e nos Arts. 42º e 43º do Código Contributivo (Lei nº 110/2009 de 16 de setembro), segundos os quais, é obrigação do empregador de reter na fonte, ou seja, nos salários dos trabalhadores ao seu serviço, as cotizações, e proceder à sua entrega entre os dias 10 e 20 de cada mês.
L. No âmbito do sistema contributivo da segurança social, todas as operações indispensáveis à liquidação das contribuições estão a cargo das entidades contribuintes, i.é., são equivalentes às situações que no direito tributário são qualificadas como autoliquidação.
M. Nos termos do Art. 211º da Lei n.º 110/2009: “Pelo não pagamento de contribuições e quotizações nos prazos legais, são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fração” e de acordo com o Art. 212º do mesmo diploma: “A taxa de juros de mora é igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e é aplicada nos mesmos termos.”
N. Havendo, portanto, remissão expressa na matéria relativa a juros de mora, para a legislação tributária, onde o n.º 1, do Art. 44º da LGT, prevê que:
O. “São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal” e n.º 3 que: “A taxa de juros de mora será definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas”.
P. Ora, até Março de 1999 (art. 83º do Cód. Processo Tributário já revogado) a taxa de juros de mora estava fixada em 15% e, a partir de Março de 1999 foi publicado o DL n.º 73/99, de 19.Março, diploma que veio alterar o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas.
Q. Segundo este diploma, a taxa de juros de mora por dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas, prevista no Art. 3º do referido DL n.º 73/99, de 16.Março, era de 1% ao mês se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.
R. Sucede que, em cumprimento do disposto no Art. 3º n.º 1 do DL n.º 73/99, de 16 de Março, na sua redação atual, a taxa de juros de mora tem vigência anual com inicio em 1 de Janeiro, de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP, IP), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior, sendo que, a taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, actualmente, foi fixada em em 5,997% (até 1 Janeiro 2024), nos termos do Aviso n.º 177/2023, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 4 de janeiro de 2023 e, actualmente, em 8,876 %, conforme Aviso n.º 678/2024, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Janeiro de 2024.
S. Trata-se de lei especial que não pode ser derrogada pela lei geral (Art. 7º n.º 3 do Cód. Civil), designadamente pelo Código Civil e Portarias que fixam as taxas de juros previstas naquele diploma legal e, existindo uma taxa de juros especial prevista em lei especial, a mesma seja aplicável por força do n.º 2 do Art. 806º do Cód. Civil.
T. Pelo que, entende o ora Recorrente / Demandante que taxa de juros de mora aplicável aos autos, actualmente, não é de 4%, mas a taxa de 5,997% (até 1.Janeiro.2024) e a taxa de 8,876 % (desde 1.Janeiro.2024), nos termos do disposto no Art. 3º n.º1 do DL n.º 73/99, de 16 de Março (na sua redação atual) e do Aviso n.º177/2023, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 4 de janeiro de 2023 e, actualmente, do Aviso n.º 678/2024, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Janeiro de 2024.
U. De igual modo, entende o ora Recorrente / Demandante que, tendo os ora Recorridos / Demandados, retido as quantias peticionadas nos autos e tendo decidido não as entregar (autoliquidar) à Segurança Social nos prazos legais, bem conhecendo a sua obrigação de entregar, mensalmente, juntamente com as folhas de remunerações pagas, os quantitativos retidos, constituiu-se devedor da ora Recorrente / Demandante, não só da quantia peticionada a título de quotizações, mas também, sem necessidade de interpelação, constituiu-se em mora, o que legitima o direito da ora Recorrente / Demandante exigir os respectivos juros legais, a partir do 10º e 20º dia do mês seguinte àquele a que as cotizações dizem respeito.
V. Foram, por isso, violadas as seguintes disposições legais: Art. 105º n.º 4 alínea a), art. 107º, n.º 1, por referência ao art. 105º, n.ºs 1 a 5 e 7, Art. 2º, 6º, 7º e 8º do RGIT, Arts. 563º e 566º do C. Civil, Art. 71º, 77º n.º 1 e 2, 78º do CPP, Art. 129º do C. Penal, Art.483º, 798º, 804º, 805.º, n.º 2, alínea a), 806º n.º 1, 2 e 3 do Cód. Civil, Art. 59º da Lei de Bases da Segurança Social (Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro) e nos Arts. 42º, 43º, 211º, 212º do Código Contributivo (Lei nº 110/2009 de 16 de setembro), Art. 44º n.º 1 e 3 LGT, Art. 3º n.º 1 do DL n.º 73/99, de 16 de Março e Aviso n.º177/2023, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 4 de janeiro de 2023 e, actualmente, do Aviso n.º 678/2024, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Janeiro de 2024.
W. Neste sentido, seguimos de perto o Acórdão do TRPorto – 1ª Secção Criminal, Proc. n.º 131/20.0T9VCD.P1, proferido em 10/04/2024, pelos Juízes Desembargadores Lígia Figueiredo, Maria Joana Grácio e Paula Guerreiro e Acórdão do STJ de 18/06/2015, proferido no Proc. n.º 623/10.T3SNT.L1.S1 (relatora Helena Moniz), bem como o que acima se destacou a este respeito.
Nestes termos e nos melhores de direito, dando-se integral provimento ao presente recurso, deverá ser revogada a Douta Sentença recorrida e, em consequência, substitui-la por outra que, mantendo a condenação criminal dos Arguidos / Demandados, condene civilmente os Arguidos / Demandados A... Unipessoal, Lda, BB e AA no pagamento solidário à demandante Segurança Social da quantia de €38.467,83, sendo que a sociedade mencionada e BB são ainda solidariamente responsáveis pelo pagamento solidário adicional de €77,45, relativas às cotizações retidas nas remunerações dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, não entregues e não pagas à Segurança Social dos meses de Novembro de 2019, Janeiro, Março e Julho de 2020 a Novembro de 2020, Março e Maio de 2021, tudo acrescidos de juros vencidos e vincendos, à taxa de 5,997% (até 1.Janeiro.2024) e a taxa de 8,876 % (desde 1.Janeiro.2024), nos termos do disposto no Art. 3º n.º1 do DL n.º 73/99, de 16 de Março (na sua redação atual) e do Aviso n.º177/2023, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 4 de janeiro de 2023 e, actualmente, do Aviso n.º 678/2024, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Janeiro de 2024, desde 10º e 20º dia do mês seguinte àquele a que as cotizações dizem respeito até efectivo e integral pagamento”.

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“conclusões” do arguido AA, que se transcrevem:
A) O arguido entende que as penas que lhe foram aplicadas, atendendo às circunstâncias dadas como provadas, e a toda a sua realidade demonstrada nos autos, peca por manifestamente excessiva, não se diferenciando suficientemente a sua conduta daquela outra praticada pelo co-arguido BB.
B) A escolha da medida da pena aplicada ao arguido – designadamente a pena quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social – é contraditória com a fundamentação e análise vertida na sentença, na parte em que distingue as condutas e grau de participação, assim de culpa, dos arguidos nos factos dados como provados, e onde o Tribunal a quo qualifica o grau de intervenção e de preponderância da actuação do arguido AA como muito menor, ou muito menos relevante, que a do arguido BB, não extraindo depois as necessárias consequências ao nível da escolha da pena e sua medida concreta.
C) Apesar de deixar expresso que as razões de prevenção especial que no caso se fazem sentir quanto ao recorrente são reduzidas (por o mesmo não ter antecedentes criminais, estar inserido a todos os níveis e a sua conduta não ter a mesma censurabilidade que a do coarguido BB) a verdade é que depois na escolha da medida da pena, apenas diferencia os dois arguidos com 3 meses de prisão, aplicando uma pena de 1 ano e 3 meses a um e de 1 ano e 6 meses a outro, sendo de frisar que este último tem 4 antecedentes criminais por crimes da mesma natureza e o outro é primário.
D) A fundamentação da sentença é, também, incompreensível quando se ancora numa pretensa confissão integral e sem reserva dos factos pelo arguido BB, e dita interiorização do desvalor da conduta, pretensamente em contraponto com o arguido AA, quando na verdade essa confissão integral e sem reservas não ocorreu.
E) O Tribunal a quo não pode censurar o facto de o arguido recorrente ter apresentado uma versão dos factos diversa daquela que constava na acusação e que, a final, veio a proceder – ainda que meramente em parte – na sentença. A versão dos factos, conforme constam da acusação, não foi procedente na íntegra, tendo a sentença dado como provada uma versão diversa, precisamente na medida em que não equiparou a conduta do arguido AA à de BB, antes atribuindo um maior controlo da empresa e poder decisório a este último.
F) Repare-se que a ter vingado a tese da acusação, com a qual o arguido demonstrou não concordar, teria vingado a tese por aquela preconizada de que os arguidos tinham posições absolutamente iguais no que aos destinos da empresa diz respeito, não havendo qualquer distinção de grau de responsabilidade entre si, o que como se viu não correspondia à verdade. Isto é, o arguido não confessou integralmente e sem reservas os factos contidos na acusação porque a aludida versão não correspondia à verdade, como a sentença veio a final a reconhecer.
G) Acresce que o arguido confessou as condutas que lhe foram imputadas e que se vieram a demonstrar, corporizadas na prática objectiva de determinados actos concretos como sejam o ter acesso e ter movimentado as contas bancárias, ter assinado documentos, etc. Nessa parte nunca fugiu à responsabilidade pela prática dos actos que cometeu e, aliás, assumiu isso desde o primeiro momento no processo, ainda em fase de inquérito, quando foi chamado a prestar declarações junto do OPC, assumindo uma postura 100% colaborante com a descoberta da verdade, carreando para os autos inúmeros elementos probatórios, aptos a dar ao Tribunal uma luz diversa dos factos daquela que a simplista (e que se vem a ver muito lacónica) versão que constava da acusação.
H) Não fosse a colaboração do arguido aqui recorrente, que agora é desvalorizada e relegada para um segundo plano, e jamais o Tribunal teria elementos para descobrir a verdade, assim como jamais o arguido BB se acharia na necessidade de assumir a verdade (ainda que nunca toda, diga-se).
I) Já o arguido BB, cuja postura processual é elogiada, não prestou declarações em inquérito, optando (legitimamente, diga-se) por esperar pelo desfeche da investigação, e depois ainda requerendo a abertura da instrução negando nessa peça o domínio das empresas no período em que AA era gerente de direito…
J) Só veio a rever a sua posição, já em julgamento, apenas e tão só porque a defesa do arguido AA expos em grande medida e com o máximo detalhe que lhe foi possível (sem qualquer apoio do MP ou do Assistente), as diversas nuances da gestão empresarial de BB, os factos incompreensíveis da sua vida pessoal, familiar e profissional, ao ponto de este se sentir na necessidade de não correr riscos e ter de assumir (ainda que não na totalidade) aquilo que foi a sua verdadeira actuação e preponderância na gerência das empresas.
K) A isto acresce que o Tribunal praticamente desvalorizou o facto de o arguido BB ter 4 antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, em factos em tudo idênticos, senão iguais, aos aqui em julgamento, tendo deixado dívidas avultadíssimas em anteriores empresas sob a sua gestão, estando em curso já a criação de duas novas empresas, com outro gerente “de direito” estranho aos destinos das sociedades, conforme testemunha ouvida em julgamento (CC).
L) Não há, assim, qualquer interiorização do desvalor da conduta por parte de BB que possa merecer um tratamento de maior tolerância por parte do Tribunal, muito menos em termos comparativos com a conduta processual do arguido aqui recorrente.
M) Atendendo a que a pena de BB se consolidou, por força da não interposição de recurso pelo MP, resta concluir que o desequilíbrio na escolha das penas entre estes dois arguidos só pode ser resolvida através da redução substancial da pena aplicada ao arguido AA, considerando as muito menores razões de prevenção especial, a medida da culpa do mesmo, muito menor influência na prática dos factos (reconhecida na sentença), a sua primariedade, total colaboração objectiva e tangível com a justiça e integração a todos os níveis e, a final, o princípio da igualdade.
N) Entendemos, assim, que a punição do arguido AA escolhida pelo Tribunal a quo excede a medida da culpa do mesmo, sendo violadora do art.º 40.º, n.º 2 e 71.º, nº 1, ambos do CP.
O) Outrossim, impunha o princípio da igualdade, sopesados os diversos critérios que devem presidir à escolha da medida da pena, que os factores que militam a favor do arguido aqui recorrente tivessem um peso superior na escolha da medida da sua pena, conduzindo à sua punição pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social com a pena mínima de 1 ano, única forma de garantir um tratamento de igualdade entre os dois arguidos, atendendo à clara benevolência do Tribunal a quo para com o arguido BB ao aplicar-lhe uma pena muito próxima do mínimo legal, mesmo perante os antecedentes criminais do mesmo e a sua conduta mais grave, e a impor maiores exigências de prevenção especial.
P) Ao aplicar a pena de 1 ano e 3 meses de prisão ao arguido aqui recorrente (quando com os factores que sopesavam contra o arguido BB, a sentença apenas aplicou a este uma pena de 1 ano e 6 meses) o Tribunal a quo violou o art.º 13.º, n.º 1 da CRP.
Q) Aqui chegados, e fixada, como se impunha, a pena do arguido aqui recorrente no mínimo legal (1 ano de prisão), como se requer, deveria o Tribunal a quo ter ponderado – como o fez na verdade, ainda que limitado pela sua própria decisão de condenar em medida superior ao mínimo legal – a substituição da pena de multa fixada em medida não superior a 1 ano, por uma pena de multa, ao abrigo do disposto no art.º 45.º, n.º 1 do CP, em lugar da sua substituição por trabalho a favor da comunidade, o que acaba por representar uma sanção francamente pesada de 450 horas de trabalho, que se perpetuarão por anos até que se consiga cumprir, sob pena de comprometer a vida profissional do arguido.
R) O que, diga-se, teria sido coerente com o que o Mm.º Juiz de julgamento expressou verbalmente aquando da leitura da sentença, quando afirmou que se tivesse a possibilidade legal de aplicar ao aqui recorrente uma pena de multa fá-lo-ia!
S) Pelo exposto, deve a pena a arbitrar ao arguido ser fixada no mínimo legal de 1 ano de prisão (pena quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social) e ser substituída por multa, ao abrigo do art.º 45.º, n.º 1 do CP, o que é consentâneo com os fins das penas e com as necessidade de prevenção geral e especial positivas, com o limite da culpa do agente e considerada a igualdade que deve presidir no tratamento dos dois arguidos face à actuação e à gravidade das condutas de cada um”.
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Os recursos foram regularmente admitidos a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Responderam o Ministério Público e a demandada “A..., UNIP., Lda” aos recursos do arguido AA e da Segurança Social respetivamente, pugnando ambos pela sua improcedência.
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Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso do arguido AA e pela procedência do recurso da Segurança Social.
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Na sequência da notificação a que se refere o art.417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi efetuado o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Posto isto,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
Da medida concreta das penas aplicadas ao arguido AA pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social e sua substituição por trabalho a favor da comunidade
Da taxa de juros de mora devida à Segurança Social
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No que ao caso interessa, com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar
a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte (transcrição):
A – Factos provados
Com relevo para a presente decisão provaram-se os seguintes factos:
Factos relativos à acusação/pronúncia dos presentes autos principais:
1) A sociedade A..., Unipessoal, Lda. tem sede na Rua ..., ..., ....
2) A referida sociedade encontra-se matriculada sob o n.º ...92, junto da Conservatória do Registo Comercial de Torres Vedras.
3) E iniciou a sua atividade em 26-03-2014.
4) A referida sociedade tem por objeto social a prestação de serviços e reparação, montagens e assistência técnica no ramo da indústria metalomecânica; atividades de mecânica em geral; construção e engenharia civil; consultadoria de meios de produção e recursos humanos, recrutamento e seleção de mão de obra qualificada.
5) No período compreendido entre 13.07.2017 a 26.02.2021 a gerência da sociedade arguida esteve a cargo do arguido AA, responsável por parte da atividade daquela, atuando em nome e no interesse da sociedade arguida, decidindo sobre os seus destinos, nomeadamente, a afetação dos meios financeiros necessários aos pagamentos devidos ao Estado a título de contribuições sociais e representava legalmente a sociedade arguida.
6) A partir de 14.04.2021 foi registada a gerência da sociedade arguida a cargo do arguido BB, responsável por toda atividade daquela, atuando, em nome e no interesse da sociedade arguida, decidindo sobre os seus destinos, nomeadamente, a afetação dos meios financeiros necessários aos pagamentos devidos ao Estado a título de contribuições sociais e representava legalmente a sociedade arguida.
7) No período compreendido entre abril de 2017 e maio de 2021, inclusive BB foi, juntamente com o arguido AA no período em que o mesmo foi também gerente, responsável por toda atividade daquela, atuando sempre em nome e no interesse da sociedade arguida, decidindo sobre os seus destinos, nomeadamente, a afetação dos meios financeiros necessários aos pagamentos devidos ao Estado a título de contribuições sociais.
8) Durante os referidos períodos os arguidos AA e BB exerceram de facto, funções de gestão e administração da sociedade A..., Unipessoal, Lda satisfazendo prestações a diversos clientes e pagando aos seus fornecedores e demais credores.
9) Eram os arguidos AA e BB, nos períodos indicados, que davam as ordens aos trabalhadores, tomavam as decisões, vinculavam a empresa, e assinavam contratos.
10) Era o arguido BB quem, para além do referido em 8) e 9), contratava pessoal e recebia pagamentos de clientes.
11) No exercício da sua atividade, durante os períodos 04/2017 a 06/2017, 07/2018 a 12/2018, 11/2019, 01/2020, 03/2020, 07/2020 a 11/2020, 03/2021 e 05/2021 inclusive a sociedade arguida empregou diversos trabalhadores, que prestaram serviço sob as suas ordens e direção, por intermédio dos arguidos AA (este apenas desde julho de 2017 até fevereiro de 2021) e BB, no estabelecimento localizado na sua sede e a quem eram pagas mensalmente as correspondentes remunerações, depois de descontadas e retidas as percentagens relativas às contribuições de tais trabalhadores para a Segurança Social.
12) A referida sociedade, através dos arguidos AA e BB, nos períodos indicados, pagava, também, aos respetivos membros dos órgãos estatutários as devidas remunerações, descontando e retendo sobre as mesmas a percentagem relativa às contribuições devidas à Segurança Social.
13) Assim, a sociedade arguida, durante os períodos de 07/2018 a 12/2018, 11/2019, 01/2020, 03/2020, 07/2020 a 11/2020, inclusive, por decisão e através dos arguidos AA e BB, descontou nas remunerações que pagou aos sócios gerentes e aos trabalhadores as cotizações que relativamente a estes, eram devidas à Segurança Social, à taxa de 11%; taxa de 7,5% para os pensionistas de velhice em atividade e taxa de 8,9% para pensionistas por invalidez e não procedeu à sua entrega nos serviços da Segurança Social, retendo-as em proveito próprio.
14) E nos períodos de 04/2017 a 06/2017, 03/2021 e 05/2021 o arguido BB descontou nas remunerações que pagou aos sócios gerentes e aos trabalhadores as cotizações que relativamente a estes, eram devidas à Segurança Social, à taxa de 11%; taxa de 7,5% para os pensionistas de velhice em atividade e taxa de 8,9% para pensionistas por invalidez e não procedeu à sua entrega nos serviços da Segurança Social, retendo-as em proveito próprio.
15) Desta forma, a quantia retida nos salários pagos e não entregues à Segurança Social, nos períodos de 07/2018 a 12/2018, 11/2019, 01/2020, 03/2020, 07/2020 a 11/2020, 03/2021, foi de € 113.584,24 (cento e treze mil quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos).
16) E a quantia retida nos salários pagos e não entregues à Segurança Social nos períodos de 04/2017 a 06/2017, 3/2021 e 5/2021, é de € 59.927,42 (cinquenta e nove mil novecentos e vinte e sete euros e quarenta e dois cêntimos).
17) Os arguidos AA e BB integraram, assim, no património da sociedade arguida ao longo do período de gerência do primeiro, o montante global de 113.584,24 (cento e treze mil quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), sendo que BB integrou ainda, antes e posteriormente, o montante de € 59.927,42 (cinquenta e nove mil novecentos e vinte e sete euros e quarenta e dois cêntimos) respeitante às contribuições dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários da sociedade arguida relativas aos meses supra indicados, que infra se discriminam:






18) A sociedade arguida através dos arguidos AA e BB, enquanto representantes legais da mesma, não efetuou a entrega dos montantes acima referenciados aos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam.
19) Acresce, que nos noventa dias subsequentes a esse prazo, a sociedade arguida, por intermédio dos arguidos AA e BB, não procedeu à entrega das referidas contribuições junto Segurança Social, respeitante a contribuições legalmente imputadas aos trabalhadores durante os períodos 04/2017 a 06/2017, 07/2018 a 12/2018, 11/2019, 01/2020, 03/2020, 07/2020 a 11/2020, 03/2021 e 05/2021, inclusive.
20) Os arguidos AA e BB foram notificados em 23.03.2022 para, no prazo adicional de 30 dias, procederem ao pagamento das quantias em dívida, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável, com a advertência de que o referido pagamento determinaria a não punibilidade das suas condutas e a extinção do procedimento criminal, contudo, nada foi pago.
21) Ao atuar conforme o descrito, a sociedade arguida, através dos arguidos AA e BB quis e conseguiu, fazer suas as mencionadas quantias, utilizando e dissipando as mesmas em proveito próprio, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam, mas sim, à Segurança Social e que, como tal, delas não podia dispor como suas, cabendo àquela, apenas, deduzir os aludidos montantes e entrega-los à Segurança Social.
22) Agiu a sociedade arguida através dos arguidos AA e BB, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que tais factos eram proibidos e penalmente punidos por lei.
23) Por sua vez, agiram os arguidos AA e BB, de forma livre, deliberada e conscientemente, em nome e no interesse da sociedade que geriam, com o propósito concretizado de ver enriquecido o património da sociedade arguida, apesar de saberem de que estavam obrigados a fazer com que a mesma entregasse as importâncias referidas nos cofres do Estado, dentro dos referidos prazos, bem sabendo que, com as suas condutas estavam a lesar o erário da Segurança Social, não obstante agiram conforme o descrito.
24) Agiram os arguidos AA e BB de forma livre, deliberada e conscientemente, atuando em nome e no interesse da sociedade arguida, com vista a enriquecer o património da sociedade, ao fazerem ingressar no mesmo as quantias monetárias que sabiam não lhe pertencerem e que deveriam ser entregues à Segurança Social, dentro do prazo legalmente estipulado, não obstante agiram conforme o descrito, o que quiseram e conseguiram.
25) Ademais, agiram, ainda, os arguidos A... Unipessoal, Lda., AA e BB durante o período de tempo supra referido, reiterando sucessivamente o mesmo propósito e cometendo de forma homogénea os respetivos atos de apropriação, motivados pelo facto de, após a primeira atuação, nada lhes ter sucedido de negativo e, assim, se manter a mesma situação factual que lhes permitiu desenvolver a sua atuação acima descrita, o que quiseram e conseguiram.
26) Bem sabiam os arguidos, que as condutas supra descritas são proibidas e punidas por lei.
Factos relativos à acusação proferida no apenso A:
27) A sociedade arguida “B... Unipessoal, Lda.” era uma sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ..., sala ...3, ..., com o NIPC ...28 e que tinha por objeto social, entre o mais, a atividade de seleção e colocação de pessoal, orientação e formação profissional, encontrando-se coletada para o exercício de atividade principal de atividades das empresas de trabalho temporário – CAE 78200, na área do Serviço de Finanças de Matosinhos, enquadrada em IVA no regime normal mensal.
28) A mencionada sociedade foi constituída em 06.11.2008, tendo nessa data sido nomeado gerente da sociedade o arguido BB, o qual foi, entre tal data e 04.03.2021, sucessivamente, assumindo e cessando as suas funções como legal representante da sociedade, até que em 04.03.2021, assumiu, novamente, as funções de gerente.
29) Apesar das sucessivas renúncias, o arguido BB desempenhou sempre funções de gestão efetiva da sociedade comercial arguida, tomando decisões sobre o seu funcionamento, faturação, contratação de trabalhadores, pagamento de salários e impostos, entre outras, essenciais ao prosseguimento da atividade comercial.
30) Acresce que, no período compreendido entre 12.07.2017 e 26.02.2021, o arguido AA foi nomeado gerente da sociedade arguida, tendo no respetivo período de tempo, assumido, juntamente, com o arguido BB, as funções de gestão e administração da sociedade arguida nos termos acima indicados.
31) Eram assim os dois arguidos quem dava ordens, decidiam o giro económico e de afetação das receitas às despesas, tomavam as decisões que vinculavam a empresa, assinavam contratos, liquidavam nas faturas que emitiam o IVA incidente sobre essas operações e cobravam-no aos seus clientes, procediam ao apuramento contabilístico do imposto exigível, declarando-o aquando da remessa à Administração Tributária das respetivas declarações periódicas do IVA e procediam ao pagamento de impostos.
32) No âmbito da atividade comercial desenvolvida pela arguida, os arguidos emitiram faturas dos serviços prestados, liquidaram nelas o respetivo IVA, cobraram-no e receberam-no dos seus clientes e remeteram à Administração Tributária as respetivas declarações periódicas.
33) Em janeiro de 2020 e em junho de 2021, a sociedade comercial arguida prestou serviços, que faturou, e, pelos quais, se fez pagar.
34) Contudo, quanto ao período de janeiro de 2020, ambos os arguidos, e quanto ao período de junho de 2021, o arguido BB, não entregaram nos cofres do Estado o IVA que havia sido apurado a favor daquele, nos aludidos períodos, pela sociedade comercial arguida, resultante da diferença entre o IVA por esta suportado na aquisição de bens e serviços e o IVA liquidado e efetivamente recebido dos seus clientes.
35) Com efeito, a sociedade comercial arguida, através dos arguidos, submeteu eletronicamente as declarações periódicas de IVA relativas aos períodos acima mencionados, tendo sido apurado IVA a entregar ao Estado, nos seguintes termos:

Imposto Período IVA
Apurado na
DP
IVA efectivamente recebido até ao termo do prazo da entrega da prestação tributária
IVA Janeiro
2020
de 30.231,21€ 11.495,42€ (até 16.03.2020)
IVA Junho
2021
de 28.963,21€ 12.509,37€ (até 06.09.2021)

36) Nessas declarações periódicas foi apurado imposto (IVA) a entregar ao Estado nos valores supra referidos.
37) Porém, o arguido BB, por si e em representação da sociedade arguida, não efetuou o pagamento de tais montantes de € 11.495,42 e € 12.509,37, referentes aos períodos de janeiro de 2020 e junho de 2021, nos respetivos prazos legais, ou seja, até ao dia 16.03.2020 e 06.09.2021.
38) E o arguido AA, por si e em representação da sociedade arguida, não efetuou o pagamento do montante de € 11.495,42, referente ao período de janeiro de 2020, no respetivo prazo legal, ou seja, até ao dia 16.03.2020.
39) Ambos os arguidos pessoas singulares no período de janeiro de 2020, e o arguido BB no período de junho de 2021, em representação da sociedade arguida B..., receberam, efetivamente, até à data de entrega da declaração e retiveram o imposto de IVA relativo às transações efetuadas, que após as devidas deduções, se cifraram nos montantes de 11.495,42€ no que respeita ao período de janeiro de 2020, e 12.509,37€ no que respeita ao período de junho de 2021, quantias, estas, que os arguidos não entregaram dentro do prazo legal para o efeito, nem nos 90 dias posteriores.
40) Os arguidos foram notificados para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento das aludidas quantias, acrescidas dos juros respetivos e do valor das coimas aplicáveis, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, al. b), e n.º 7, do RGIT, não o tendo feito.
41) Os arguidos apropriaram-se, assim, dos montantes acima referidos, integrando-os na sociedade arguida B... Unipessoal, Lda e afetando-os à satisfação de outros compromissos sociais prementes.
42) Os arguidos AA e BB agiram com o propósito concretizado de não entregar as quantias acima indicadas, não ignorando que os valores apurados em sede de IVA não lhes pertenciam e que, investidos na condição de meros depositários dos mesmos, sobre eles impendia a obrigação de os entregar ao Estado, nos prazos previstos na lei.
43) Mais atuaram com o intento conseguido de fazer da sociedade por si representada aquelas quantias monetárias, bem sabendo que procediam sem autorização e contra a vontade do Estado, prejudicando-o, pela diminuição das respetivas receitas, em medida correspondente.
44) Os arguidos AA e BB, por si e enquanto gerentes e legais representantes, de facto e de direito, da sociedade arguida, agiram de forma deliberada, livre e conscientemente, decidindo não proceder ao pagamento das sobreditas quantias de IVA, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente puníveis.
Factos retirados das contestações e defesas apresentadas:
45) A sociedade arguida A..., Lda foi constituída em 20-03-2014, tendo como sócia única a sociedade C... – SGPS, S.A., NIPC ...57.
46) A sociedade C... – SGPS, S.A. - NIPC ...57), foi constituída em 12 de março de 2008, tendo um capital social de € 50.000,00 e sendo acionistas: i) O arguido BB (20.000 ações de € 1,00); ii) DD (20.000 ações de € 1,00); iii) EE, mãe do arguido BB (20.000 ações de €1,00); iv) FF (100 acções de € 1,00); v) GG, pai do arguido BB (100 ações de € 1,00);
47) À data da constituição da sociedade A..., Lda foi nomeada gerente da mesma FF, companheira do arguido BB.
48) A sociedade arguida B... Unipessoal, Lda, foi constituída sob a firma inicial D..., Lda, com um capital social de € 10.000,00, tendo como sócios DD e a sociedade C... – SGPS, S.A..
49) À data da constituição da sociedade arguida B... foram nomeados como seus gerentes o arguido BB e DD.
50) As sedes e locais de funcionamento das sociedades A..., Lda e B..., Unipessoal, Lda eram a Rua ..., ..., em ....
51) Sendo que os funcionários de uma prestavam serviços para uma e outra de forma indiscriminada.
52) Sendo que a atividade de facto de ambas as sociedades consistia no mesmo: fornecer mão de obra a empresas terceiras para trabalhos de mecânica/eletromecânica no âmbito de empreitadas ou prestar diretamente esses serviços.
53) BB sempre foi o principal mentor da atividade das sociedades anteriormente referidas, incluindo as sociedades arguidas.
54) O arguido AA conheceu o arguido BB porque a sua irmã exercia funções de contabilidade para algumas sociedades do arguido BB através da sociedade comercial “E..., Lda”.
55) Fruto desse conhecimento, e aproveitando-se da relação de confiança existente, em meados do ano de 2017, o arguido BB abordou o aqui arguido pedindolhe que o ajudasse, assumindo temporariamente o cargo de gerente das sociedades comerciais arguidas A... e B..., Unipessoal, Lda.
56) Justificou esse pedido, a que AA acedeu, com o facto de a gerência de então (exercida por FF) pretender sair, e de o mesmo não poder figurar como gerente por ter muitas dívidas e necessitar de alguém com o nome “limpo” para aparecer perante entidades terceiras como o gerente das sociedades arguidas.
57) Tendo à data o arguido BB dívidas de outras sociedades por si geridas à Administração Tributária e à Segurança Social.
58) Em momento simultâneo com a nomeação como gerente das sociedades arguidas o arguido AA foi admitido como funcionário das mesmas, como assistente administrativo em ambas, auferindo vencimentos mensais enquanto tal.
59) Em 26-02-2021 o arguido renunciou ao cargo de gerente das sociedades arguidas.
60) O arguido BB já prosseguia, anteriormente à constituição das sociedades arguidas, funções de administração em empresas com a mesma atividade, nomeadamente a F..., Lda”, NIPC ...42, “G..., Lda” NIPC ...54, “H..., Lda”, NIPC ...66 e I..., Lda, NIPC ...20.
61) Sociedades essas que ficaram a dever ao Estado (Segurança Social e Autoridade Tributária) valores a rondar:
i) cerca de € 3.300.000,00 no caso da G...;
ii) cerca de € 800.000,00 no caso da F...;´
iii) cerca de € 1.350.000,00 no caso da H....
62) Tais sociedades tinham como funcionários, pelo menos em parte, os mesmos das sociedades aqui arguidas.
63) O arguido AA não conhecia nem lidava com os clientes das sociedades arguidas, o que era assegurado pelo arguido BB.
64) O arguido AA não tinha chaves de entrada no edifício do escritório/sede nem códigos para desativação do alarme das instalações das sociedades arguidas.
65) Dependia, para aceder aos escritórios, da presença de algum outro funcionário ou do próprio arguido BB.
66) Deslocava-se apenas cerca de duas vezes por mês aos escritórios das sociedades arguidas.
67) Não tinha um posto de trabalho fixo nas sociedades arguidas, nem computador, ou telemóvel cedido pela empresa.
68) O arguido AA era a ponte entre a contabilidade e a administração das sociedades arguidas, atenta a relação familiar que o ligava à empresa de contabilidade que prestava serviços às mesmas.
69) As sociedades arguidas tinham cartões de crédito associados às contas bancárias de que era titulares no Banco 1....
70) Tais cartões estavam em nome de FF, GG e BB.
71) Encontra-se registada a favor de HH a propriedade do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., descrito na CRP de ..., descrito na CRP de ... com o n.º ...70/19940805, desde 24-03-2014, por doação feita pelo arguido BB e FF.
72) O referido prédio encontrava-se à data da doação onerado por hipoteca para pagamento de crédito bancário
73) Em 2017, HH, filho de BB, adquiriu uma fração autónoma de tipologia t4-duplex junto à praia em ..., pelo valor de € 890.000,00.
74) Para o efeito, HH contraiu um mútuo com a Banco 2... no valor de € 920.000,00, sendo € 890.000,00 para aquisição e € 30.000,00 para obras, indexado à taxa Euribor a 12 meses, acrescida de um spread de 1,1%, o que implica uma taxa de juro global de 0,943.
75) BB e FF assumiram-se fiadores de tal mútuo.
76) Em 2021 foram constituídas as sociedades J..., Unipessoal, Lda, NIPC ...61 e K..., Unipessoal, Lda, NIPC ...79.
77) As quais tiveram como gerente, HH, filho do arguido BB.
78) Tendo a sociedade K..., Unipessoal, Lda também como gerente o arguido BB.
79) Tendo ambas as referidas sociedades também sede na Rua ..., ... em ....
80) Para as quais transitaram funcionários das sociedades arguidas.
81) As sociedades arguidas debateram-se em 2020 e 2021 com dificuldades económicas decorrentes da insolvência de duas sociedades clientes de grande dimensão: L..., S.A. com o NIPC ...92 com insolvência declarada em 22-07-2021 no âmbito do processo 4454/20.0T8SNT, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 2, que ficou a dever cerca de € 2.5.000,00 às sociedades arguidas e M..., S.A., com o NIPC ...24, que em 2021 entrou em incumprimento generalizado das suas dívidas e com insolvência declarada anos mais tarde, em 27/11/2023, no âmbito do processo ..., Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 3, que ficou a dever cerca de € 200.000,00 de faturas emitidas à sociedade arguida B....
82) Foram, entretanto, pagas pelos arguidos todas as cotizações em dívida mencionadas 17), com exceção das respeitantes aos períodos de novembro de 2019, janeiro, março e julho a novembro de 2020, e março e maio de 2021, totalizando o montante atual de cotizações em dívida o montante de € 38.545,28 (trinta e oito mil quinhentos e quarenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos) – sendo € 77,45 (setenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) respeitantes aos períodos de março e maio de 2021.
Mais resultou provado que:
83) O arguido BB foi já condenado: (…).
84) O arguido AA foi já condenado pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal, em 5/2020 a 9/2020 e 11/2020, na pena única de 180 dias de multa, à razão diária de € 6,00, por sentença transitada a 31-1-2024 no âmbito do processo .... (…)
92) O arguido AA é motorista TVDE, auferindo um salário mensal de € 865,00.
93) Vive com uma filha, com regime de guarda partilhada, em casa cedida pela irmã.
94) Comparticipa no pagamento do colégio da filha com €150,00 mensais.
95) Tem o 12º ano de escolaridade.”
***

Conhecendo as questões suscitadas, cumpre decidir.
Da medida concreta da pena aplicada ao arguido AA pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social e sua substituição por trabalho a favor da comunidade
O arguido AA foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de abuso de confiança contra Segurança Social agravado p. e p. pelos artigos 6.º, 107.º, n.ºs 1 e 2, ex vi 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7.º, todos do RGIT, na pena dum ano e três meses de prisão, substituídos por 450 (quatrocentas e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
Segundo o recorrente AA a pena aplicada revela-se excessiva, já que, na sua perspetiva, o tribunal não ponderou devidamente as circunstâncias atenuantes que o caso impõe.
Na verdade, vistas as razões da discordância apontadas pelo recorrente, confrontadas com a pena aplicada ao arguido BB, mal se compreende se o recorrente AA considera excessiva a sua ou branda aquela aplicada aquele.
Por compreender fica também a impugnação de uma pena de substituição na qual consentiu expressamente em julgamento.
Avançando,
atenta-se na fundamentação relevante da sentença recorrida:
“Comecemos por apreciar as penas aplicáveis ao arguido AA.
O mesmo praticou, conforme referido, um crime de abuso de confiança contra Segurança Social p. e p. pelos artigos 6.º, 107.º, n.ºs 1 e 2, ex vi 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7.º, todos do RGIT, e um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos arts. 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, e 105.º, ns. 1, 2, 4, als. a) e b), e 7 do RGIT (por falta de entrega de quantias de IVA devidas ao Estado).
As molduras abstratas aplicáveis a tais crimes correspondem a:
- condenação com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do art. 105º, n.º 1 do RGIT;
- condenação com pena de prisão de um a cinco anos por força do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, nos termos dos arts. 105º, n.º 5 e 107º do RGIT;
As exigências de prevenção geral relativamente a ambos os crimes são médias, antevendo a sociedade, cada vez com maior preocupação, o não cumprimento cabal das obrigações para com a Segurança Social e Administração Fiscal, atento o estado cada vez mais precário dos serviços públicos nacionais, e correspondente necessidade de todos os obrigados a contribuírem para a sua manutenção respeitarem escrupulosamente os seus deveres.
No tocante às exigências de prevenção especial as mesmas são aqui baixas, pois pese embora o registo de outra condenação deste arguido pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal, o certo é que a mesma não é antecedente face à data da prática destes factos – existindo assim uma situação de concurso de infrações, e não de desrespeito por uma anterior condenação e advertência que lhe foi dirigida.
Certo é igualmente que o mesmo se encontra social e profissionalmente inserido, o que tem de ser relevado a seu favor.
Menos favorável é já a aparente falta de interiorização do desvalor da conduta, negando qualquer responsabilidade pela prática dos crimes aqui em apreço.
Não obstante, sendo certo que não vingou a posição da defesa que referia que este arguido não teve qualquer influência nos destinos das empresas arguidas e, consequentemente, sobre as faltas de entrega que determinaram a sua condenação nos crimes aqui em apreço, também ficou o Tribunal convencido, como já se referiu, que a influência deste arguido em tais destinos era bem menor que a do co-arguido BB, que era quem tinha maior (mas não único) poder decisório nos destinos das sociedades aqui em causa. Essa circunstância faz reduzir, em muito, a censurabilidade das condutas imputadas a este arguido, impondo uma diminuição das penas a aplicar ao mesmo.
Penas em cuja fixação teremos de ter também de ter em consideração os valores que não foram pagos, no período de gerência deste arguido, bem como os montantes que vieram, entretanto, a ser parcialmente pagos no tocante à dívida para com a Segurança Social.
(…)
No tocante ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, atenta a moldura prevista no art. 105º, n.º 5 do RGIT aqui aplicável, a pena aplicável terá obrigatoriamente de ser de prisão – não podendo ser aplicada pena de multa.
Dentro da moldura de um a cinco anos de prisão aplicável, temos como justa a aplicação de pena próxima do limite mínimo, tendo em especial consideração para o efeito a menor (mas não inexistente, repete-se) influência deste arguido nos destinos das empresas aqui em causa.
Fixando-se assim a mesma, tendo em conta tudo o supra exposto, num ano e três meses de prisão.
Cumpre, no entanto, aferir se se justifica a substituição de tal pena aplicada a título principal por uma outra pena substitutiva, seguindo-se o entendimento de que as penas de prisão efetiva, pelo seu efeito estigmatizante e dessocializador, devem ser aplicadas como ultima ratio.
Atenta a medida da pena de prisão aplicada, será possível proceder à sua substituição por pena de trabalho a favor da comunidade ou por suspensão da execução da pena de prisão.
No presente caso as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, bem como as finalidades que devem ser almejadas pela punição são plenamente satisfeitas pela aplicação de uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade – tendo o arguido dado o seu consentimento, na audiência de leitura da sentença, para o cumprimento eventual de tal pena.
Atenta a medida da pena de prisão aplicada a título principal, a pena substitutiva corresponderá a 450 (quatrocentas e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade – cfr. art. 58º, n.º 3, do CP.”
Cumpre apreciar.
De acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, tendo presente que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade (artº 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal, para determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores:
- a culpa manifestada pelo arguido na prática do(s) crime(s) em causa, como limite máximo da pena concreta;
- as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem; e
- as necessidades de prevenção especial manifestadas pelo arguido, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para o reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre ele um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.
Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do Código Penal, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no n.º 2 do referido preceito legal.
Tendo presentes os princípios e critérios que imperam neste domínio, e que de resto o tribunal recorrido explanou em termos proficientes, cumpre reconhecer que, perscrutada a fundamentação da decisão recorrida, são perfeitamente inteligíveis os fatores atendidos e de resto relevantes em sede de determinação da medida concreta.
Dito isto, concorda-se inteiramente com a ponderação valorativa atribuída a cada um dos fatores considerados na determinação daquela pena, aliás, muito próxima do mínimo legal.
Tudo visto, devidamente sopesadas as fortes exigências de prevenção geral, julgamos que só por insuficiência a pena aplicada se pode considerar desadequada no quadro da moldura legal correspondente.
Deste modo, e em suma, atenta a modalidade do dolo com que o recorrente atuou, a ilicitude dos factos, e as exigências de prevenção geral, que de todo podem ser desconsideradas, sem descurar as reduzidas necessidades de prevenção especial, atenta a proibição da reformatio in pejus, não merece reparo a decisão recorrida, a qual em sede de medida da pena analisou e ponderou equilibradamente as circunstâncias relevantes in casu, sendo aquela de manter.
Tanto mais que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, o que aqui não se verifica, havendo, por isso, de manter-se.
Por conseguinte, carece de fundamento, nesta parte, a pretensão recursiva do arguido AA.
O arguido discorda da substituição da pena de prisão aplicada pela de trabalho a favor da comunidade, a qual – entende – dever ser substituída por multa, ao abrigo do art.º 45.º, n.º 1 do Código Penal.
Não impugna o arguido o quantum correspondente à pena de substituição (450 horas de trabalho a favor da comunidade).
Ora, são pressupostos da aplicação da pena de prestação e trabalho a favor a comunidade (art.58º, do Código Penal):
- o consentimento do arguido;
- a determinação de uma pena de prisão de medida concreta não superior a 2 anos;
- a adequação e suficiência da PTFC às finalidades da punição, ou seja, à proteção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade.
Visto que o arguido consentiu na aludida substituição e a pena de prisão aplicada não é superior a 2 anos, estão verificados os pressupostos formais que aquela convoca.
Se é certo que a lei penal não hierarquiza entre si cada uma das diversas penas de substituição, ressuma indubitável que o julgador aplicará aquela que cumprir melhor a sua finalidade, numa ótica de adequação, suficiência, sem descurar as finalidades de prevenção geral e especial e o princípio da proporcionalidade que impõe que se opte pela pena de substituição menos grave, entre aquelas capazes de cumprir tal desiderato.
No entanto, atenta a natureza do recurso, cumpre também aqui ressalvar a margem de subjetividade do julgador quanto à escolha da pena de substituição, a qual só poderá ser alterada nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensiva a sua desadequação ou desproporção no cumprimento das finalidades da punição.
Compreende-se que, no modo de vida do arguido, motorista TVDE, o cumprimento de trabalho a favor da comunidade, ainda que em plano a definir, ao invés da multa que a situação económica lhe permitiria pagar, lhe crie sacrifício e impacto na sua vida pessoal, como é, aliás, suposto no cumprimento de qualquer pena.
Mas, um sistema de medidas alternativas às penas curtas de prisão não pode deixar de envolver para quem as sofre um efeito mais ou menos penoso e, outrossim, ser capaz de manifestar a reprovação pública pelo crime, o que lhes concede o carácter de verdadeiras penas.
Dito isto, cumpre reconhecer que a opção pela pena de trabalho a favor da comunidade não se mostra desadequada ou desproporcionada no cumprimento das finalidades da punição que o caso reclama, razão pela qual a sua alteração não tem fundamento no âmbito dos poderes de correção deste tribunal de recurso.
Assim, improcede, também nesta parte, o recurso do arguido AA.
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Da taxa de juros de mora devida à Segurança Social
Pelo Instituto da Segurança Social foi requerida e deferida a sua constituição como assistente e foi ainda apresentado pedido de indemnização cível deduzido contra os arguidos, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 43.968,66 (quarenta e três mil novecentos e sessenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), conforme doc. 1 e 2 junto ao pedido de indemnização civil, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Insurge-se a demandante Segurança Social apenas em relação à taxa de juros de mora determinada na sentença recorrida, concretamente a taxa legal civil de 4%, em vez da taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, nos termos do Art. 3º n.º 1 do DL n.º 73/99, de 16 de março.
De resto, no despacho de admissão de recurso, o tribunal a quo clarificou que à Segurança Social são devidos “juros de mora à taxa legal civil” de 4%, nos termos da Portaria 291/2003, de 8 de abril, e não “as taxas de juro apontadas pela Segurança Social decorrentes de legislação especial, como se retira do também referido na página 54 da sentença recorrida”, acompanhando a jurisprudência citada do ac RC 08-02-2012, no Proc. 4/02.9IDMGR.C1 e no ac RL no Proc. 2020/08.8TAVFX.L1-3, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em suma, a questão que aqui se coloca é apenas saber qual a taxa de juros de mora aplicável.
Indo diretos ao cerne da questão, adianta-se que, salvo o devido respeito, assiste razão à recorrente Segurança Social.
De resto, no processo 2020/08.8TAVFX citado pelo tribunal a quo, o ac STJ de 06/02/2014 (Souto de Moura), acabou por sufragar um dos argumentos apontados pela recorrente, considerando ter aplicação o disposto no n.º 2 do art. 806.º do CC, quando afasta os juros legais, civis, se antes da mora for devido um juro mais elevado, como aqui é o caso - https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2014:2020.08.8TAVFX.L1.S1.DB?search=NRbsgUO5zlxwpWS28tM.
É certo que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. No domínio da responsabilidade civil extracontratual conexa com a responsabilidade penal, é aplicável o regime regulado pela lei civil (art. 129º do Cód. Penal).
Ora, na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, mas os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado - art.806º, nº1 e 2, do Código Civil.
Se o capital vencia um juro à taxa superior à taxa legal (art.559º, do Código Civil), os juros de mora a atender serão os mais elevados (art. 806º n.º 2 do Cód. Civil).
Nos termos do art.211º, nº1, da Lei n.º 110/2009 (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social): “Pelo não pagamento de contribuições e quotizações nos prazos legais, são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fração” e de acordo com o art. 212º do mesmo diploma: “A taxa de juros de mora é igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e é aplicada nos mesmos termos.”
O regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas encontra-se definido no DL n.º 73/99, de 16 de Março, sendo que, de acordo com o seu art.3º, nº1, a taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de dezembro do ano anterior.
Ora, no que ao caso interessa, embora prejudicada quanto às cotizações entretanto pagas (ponto 82 dos factos provados), a evolução da referida taxa aplicável foi a seguinte:



Intervalo de DatasAvisoTaxa
2017-01-01 a 2017-12-31Aviso n.º 139/2017, de 4 de janeiro4,966 %
2018-01-01 a 2018-12-31Aviso n.º 235/2018, de 4 de janeiro4,857 %
2019-01-01 a 2019-12-31Aviso n.º 212/2019, de 4 de janeiro4,825 %
2020-01-01 a 2020-12-31Aviso n.º 366/2020, de 9 de janeiro4,786 %
2021-01-01 a 2021-12-31Aviso n.º 369/2021, de 7 de janeiro4,705 %
2022-01-01 a 2022-12-31Aviso n.º 396/2022 de 7 de janeiro4,51 %
2023-01-01 a 2023-12-31Aviso n.º 177/2023, de 4 de janeiro5,997 %
2024-01-01 a 2024-12-31Aviso n.º 678/2024, de 12 de janeiro8,876 %
2025-01-01 a 2025-03-01Aviso n.º 29181/2024/2, de 27 de dezembro8,309 %


Assim, para além do valor das cotizações são devidos juros de mora, calculados nos termos do disposto no nº 3 do DL 73/99, de 16/03, e do artºs 211º e 212º, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial), vencidos até à data do pagamento do valor das cotizações, conforme jurisprudência dominante que aqui se segue – cfr. STJ 21-06-2012, processo 10987/05.1TDLSB.L1.S1, RP 26-05-2015, processo 684/11.4TAVLG.P2, RG 15-12-2016, processo 285/10.4TAVVG.G1, RC 21-09-2016, processo 63/14.1TATBU.C1, RC 22-02-2017, processo 599/14.4TACBR.C1, RL 25-03-2021, processo 1671/18.7T9LSB.L1-9, RL 24-01-2023, processo 7874/19.0T9LSB.L1-5, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por conseguinte, procede o recurso da demandante Segurança Social.



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3. DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:

I) conceder provimento ao recurso da Demandante Segurança Social e em consequência, revogando a sentença recorrida quanto à taxa de juros de mora a pagar pelos arguidos/demandados A... Unipessoal, Lda, BB e AA, condenam-se os mesmos no pagamento da sobredita taxa de juros de mora aplicável às dívidas ao Estado e outras entidades públicas;
II) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em consequência, ressalvada a alteração referida em I), confirmar no mais a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente arguido AA, fixando-se a taxa de justiça em cinco UCs (art.515 n.º 1 al.ª b) do CPP e art.8 n.º9 e tabela III anexa do RCP).
Custas pela demandada A... Unipessoal, Lda, por decaimento na oposição ao recurso limitado à parte cível da Segurança Social, fixando-se a taxa de justiça em três UCs (art.527º do Código Processo Civil, ex vi art.523º, do Código Processo Penal e art.8 n.º9 e tabela III anexa do RCP).

Notifique.









Porto, 23.04.2025

(Elaborado e revisto pelo relator – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

João Pedro Pereira Cardoso
José Castro
Maria Dolores da Silva e Sousa