PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO
REGIME
RECURSO
OBJECTO
VANTAGEM PATRIMONIAL
VANTAGENS ILEGÍTIMAS
QUANTIFICAÇÃO
LEI APLICÁVEL
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADA
CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADO
REQUISITOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO
PRESTAÇÕES TRIBUTÁRIAS
IMPOSSIBILIDADE
INEXIGIBILIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

I - A aferição da violação do princípio da não auto-incriminação deve ser casuística, impondo aos recorrentes que a invocam a especificação cumulativa da indicação dos concretos documentos que, por correlação ao enunciado facto impugnado, serviram de base à sua prova direta e/ou indireta, do exato momento em que esses documentos foram fornecidos à AT pelo contribuinte, a coberto do dever de colaboração e do concreto momento anterior em que esse contribuinte foi constituído arguido ou devia tê-lo sido.
II - Ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões não conhecidas pelo tribunal recorrido na decisão de que se recorre, pelo que a questão da proibição de valoração dos relatórios inspetivos deve ser expressamente suscitada na fase de julgamento, por se tratar de prova pré-constituída, a fim de viabilizar o conhecimento dessa questão em recurso.
III - A remissão para legislação tributária na quantificação de vantagem patrimonial ilegítima, constante do art.103.º, n.º 3, do RGIT, não viola o princípio da legalidade (e tipicidade) criminal previsto no art.29.º, n.º 1, da C.R.P.
IV - O recente AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025 (processo 92/07.1 TELSB-M.S.1), veio fixar jurisprudência no sentido da consumação do crime, momento relevante para efeitos de contagem do prazo prescricional, corresponde à data em que a última declaração, onde constam as informações relativas às faturas falsas, foi, ou deveria ter sido, entregue.
V - Para que exista crime de fraude qualificada previsto no art.104.º do RGIT devem mostrar-se preenchidos, primeiramente, todos os elementos do crime de "fraude simples" tipificado no art.103.º do RGIT, incluindo a condição objetiva de punibilidade prevista no art. 103.º n.º2, do RGIT, traduzida na obtenção de vantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos igual a 15 mil euros.
VI - É conforme com a Constituição a interpretação do art.14.º, do RGIT, que não condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento integral das quantias em dívida.
VII - Viola os princípios da proporcionalidade e da culpa. (art.2º e art.18º, nº2, ambos da C.R.P.), a imposição ao arguido de um dever que, à data da sentença, se sabe de cumprimento impossível.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo: 515/21.7T9VFR.P1

Relator

Pedro Pereira Cardoso

Adjuntos

1 William Themudo Gilman

2 Isabel Namora

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do processo nº515/21.7T9VFR, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de ..., foi proferida sentença em 14.09.2024 que decidiu, além do mais:

“Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria e na forma consumada, do crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º, n.º 1, alínea c), e 104.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, de que vinha acusado;

- Condenar o arguido BB pela prática, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 3 (três anos) de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros);

Condenar a sociedade arguida A... UNIPESSOAL, LDA. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 7.º n.º1, 103.º n.º 1 alínea c) e 104.º n.º 1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

Condenar o arguido DD pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

Condenar a sociedade arguida B... UNIPESSOAL LDA. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 7.º n.º1, 103.º n.º 1 alínea c) e 104.º n.º 1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

Condenar a arguida EE pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de a arguida comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

Condenar a sociedade arguida C..., UNIPESSOAL, LDA. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 7.º n.º1, 103.º n.º 1 alínea c) e 104.º n.º 1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), num total de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros);

Condenar a sociedade arguida D..., LDA. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 7.º n.º1, 103.º n.º 1 alínea c) e 104.º n.º 1 e 2 alínea a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 2.000,00€ (dois mil euros);

Condenar o arguido FF pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros).”


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Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes“conclusões” do Ministério Público, que se transcrevem:

O Tribunal “a quo” condenou os arguidos BB, CC, DD, EE e FF pela prática do crime de fraude fiscal qualificada em penas de prisão suspensas na sua execução;

Porém, não condicionou essa suspensão ao pagamento do valor total do benefício indevido que as condutas dos arguidos causaram à Autoridade Tributária – cf. art.º 14º do RGIT – sem prejuízo de poder fixar condições mínimas acessórias a serem observáveis no decurso da suspensão associadas a esse pagamento – cf. art.º 50º, n.ºs 1 e 2 do C.P.;

Face ao exposto, deverá o arguido BB ser condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 5 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 99.372,50€ à Autoridade Tributária, mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 100,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos; o arguido CC ser condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 41.760,00€ à Autoridade Tributária (solidariamente com o arguido DD), mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos; o arguido DD ser condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 41.760,00€ à Autoridade Tributária (solidariamente com o arguido CC), mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos; a arguida EE ser condenada na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 38.544,00€ à Autoridade Tributária, mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos; o arguido FF ser condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 265.094,40€ à Autoridade Tributária, mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos.

IV.A sentença recorrida violou o disposto no artigo 14º do RGIT.


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“conclusões” do arguido BB, que se transcrevem:

1.Foi a Arguido acusado da prática em co-autoria de um crime que terá realizado conjuntamente com um indivíduo de nome GG.

2.Vem a ser condenado em autoria.

3.O referido GG não tem qualquer intervenção nos autos.

4.Dos factos dados como provados resulta a existência de um terceiro, não identificado, que terá – esse sim – acordado com GG a utilização de faturas em nome do Recorrente.

5.Também esse terceiro inominado não terá tido intervenção nos Autos.

6.Foi dado como provado que o Recorrente não entrou em acordo com GG e não emitiu faturas.

7.Apenas terá o Recorrente solicitado a emissão de livro de faturas em seu nome.

8.Salvo melhor opinião tal não configura crime e muito menos aquele por que vinha acusado – fraude fiscal em coautoria, por celebração de negócio simulado.

9.Os factos provados (solicitação de livro de faturas) são, em si, atípicos, pelo que condenar o Recorrente pelos mesmos, designadamente por fraude fiscal qualificada configura violação de lei (artigo 412.º n.º 2 CPP), por se considerar preenchido o artigo 112.º n.º 1 c) RGIT quando, manifestamente, o tipo legal não está preenchido, o que redunda em violação da tipicidade penal (artigo 2.º CP e 29.º n.º 1 CRP), todos a exigirem um cumprimento exigente de todos os elementos do tipo o que, aqui, manifestamente, não ocorreu.

10.Também ocorreu violação de lei por incorreta aplicação do artigo 29.º CP, que contempla diferentes modo de autoria e não permite confundir a coautoria (da acusação) com a autoria (da condenação) .

11.Da mera leitura da sentença resulta, além do mais, uma desadequação entre os factos provados e a condenação (mera solicitação de livro de faturas vs emissão de faturas; emissão de faturas vs faturas em nome de BB, aliás não assinadas) o que corresponde as vício do 410º n.º2 b) CPP).

12.Também da mera leitura da sentença decorre uma violação do princípio in dubio pro reo (violação de direito constitucional – artigo 32.º n.º2, 1.ª parte), que redunda, dado o modo como é explicitado na sentença, numa verdadeira contradição entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º n.º2 b) CPP).

13.A parte decisória (atribuição da pena concreta, pena de substituição, quantitativo a entregar à AT) é toda indicada de modo muito sucinto, sem a fundamentação exigida a decisões judiciais, maxime uma decisão que pode levar o Recorrente ao cumprimento efetivo de pena, padecendo a decisão de vícios de fundamentação, por violação dos artigos 97.º n.º5 e 374.º n.º2 CPP e 205.º CRP.

14.O Recorrente é condenado por factos que não constam da acusação, designadamente o tal terceiro que surge em substituição do acordo com GG, em violação do artigo 359º e 379.º n.º1 b) CPP.

15.Verifica-se uma concatenação de vícios formais, de aplicação da lei processual e material e até de violações de índole constitucional.

16.Do conjunto do suprarreferido na fundamentação e do agora apresentado em conclusões resulta que a correta aplicação da lei, designadamente do RGIT, levaria à conclusão que o Recorrente não preencheu o artigo 102.º n.º 1 c) do RGIT, pelo que nunca poderia ser condenado nestes autos.

17.Acresce a questão da amnistia afastada – de modo erróneo – pelo tribunal recorrido.


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“conclusões” dos arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE, que se transcrevem:

1- Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de ..., Juízo Local Criminal de ..., Juiz 3 que julgou procedente a acusação formulada pelo Ministério Público e decidiu:

a) Condenar a sociedade arguida A... UNIPESSOAL, LDA. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 7.º n. º1, 103.º n.º 1 alínea c) e 104.º n.º 1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

b)Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

c)Condenar o arguido DD pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

d)Condenar a sociedade arguida B... UNIPESSOAL LDA. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 7.º n.º1, 103.º n.º 1 alínea c) e 104.º n.º 1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

e)Condenar a arguida EE pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de a arguida comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros); A... Unipessoal Ldª.

2- Conforme decorre por simples leitura da acusação e decisão condenatória está-se na presença de:

a) 1 (uma) fatura, com o nº 118 datada de 24/08/2011, com base tributária de 80.300,00€, e IVA correspondente de 18.469,00, da sociedade B... Ldª, e devidamente registada nas duas sociedades, emitente e recetora, sendo esta a sociedade E... Unipessoal Ldª;

b) 1 (uma) fatura, com o nº 8 datada de 14/12/2011, com base tributária de 87.000,00 €, e IVA no valor de 20.010,00€, da sociedade A... Unipessoal, Lda, igualmente emitida a favor da sociedade E... Unipessoal Ldª;

3- Do inquérito em causa constata-se que os autos se iniciaram em resultado do prévio conhecimento da AT, no seu dizer do relatório inspetivo realizado pela Direção de Finanças de Aveiro, na deteção de indícios de ocorrência de operações simuladas envolvendo a empresa E... Lda: “Os presentes autos iniciaram-se com a participação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira dando conta que, no exercício de 2011 a 2013, a sociedade E..., Ldª teria contabilizado valores com base em faturas emitidas entre outros, por D…, Lda (doravante denominada por D...), não correspondendo tais transações reais, tratando-se, pois, de faturas falsas, o que integra, em abstrato, a prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo artigo 104º n.º 1 do RGIT.”

4- Daí a participação efetuada pela mesma AT dando conta que, no exercício de 2011 a 2013, a sociedade E... Lda teria contabilizado valores com base em faturas emitidas por vários clientes, e no que importa agora, dos arguidos nos presentes autos, e nos quais estão as sociedades arguidas/recorrentes, que não correspondiam a transações reais, tratando-se, pois, de faturas falsas, o que integraria, em abstrato e desde logo, a prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelo artº 104ºnº1 do R.G.I.T.

5- De resto, e a este propósito, é elucidativo o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, e em complemento do relatório inspetivo - os senhores inspetores tributários arrolados – HH, II e JJ, e como justificativo das diversa Inspeções Tributárias subsequentes aos agora arguidos, e se dúvidas porventura pudessem subsistir do mesmo, o referem como justificativo inicial da Inspeção Tributária á sociedade E... Lda seguida das demais inspeções tributárias ás sociedades arguidas.

6- Se irrefutável assim é, e estando-se na presença de indícios sérios para a AT, ao agir desta forma, subverteu-se o princípio de que as inspeções, legítimas, o são para apurar a exata situação tributária dos contribuintes e de liquidar impostos porventura em falta, e daí existir a obrigação fiscal de colaborar e fornecer todos os elementos pretendidos nessa mesma Inspeção,

7- Para somente após, e com a obtenção e colaboração dos contribuintes, sem os mesmos sequer conhecerem a verdadeira finalidade dessas inspeções, comprovadas no início dos apensos juntos aos autos de inquérito, até em face de aí serem vastas as comunicações remetidas á mesma sociedade E... Lda, para apresentar os mais diversos documentos contabilísticos, sendo tais notificações sempre identificando o processo inspetivo, e para apresentação da contabilidade, outros elementos e esclarecimentos, e com a referência expressa de cominação de…”caso o não faça, poderá ser considerado como recusa de entrega, exibição ou apresentação de escrita e outros elementos…” – (anexo 26 fls 337 a 341 e anexo 27 fls 342 e 343)

8- Sempre pois justificadas ao abrigo, e cumprimento dos deveres de prestação de informações, entrega de documentos, apresentação da contabilidade, prestação de depoimentos, sem a prévia informação dos verdadeiros direitos dos contribuintes, e para o inequívoco processo de inquérito judicial aberto, obtendo desta forma elementos que não o deveriam nem poderiam ser obtidos dessa forma, e para instruir tal processo, como por simples leitura se constata, nomeadamente pelos diversos anexos ao processo principal.

9- Elucidativo também é a declaração, na mesma inspeção tributária, da sociedade comercial E... Unipessoal Lda, ter declarado que as duas supra identificadas faturas das sociedades arguidas correspondem a transações efetivas (fls 242 e outras do anexo 27) “Face ao teor da notificação, importa referir que todas as faturas levadas à contabilidade da firma correspondente a transações efetivas, sendo os NIF nelas apostas atribuídos pela Administração Fiscal” sem que, e para o que importa aos presentes autos, fosse tida na devida conta, e com a singularidade de serem consideradas únicas faturas indevidas durante todo o ano de 2011…

10- Assim, respeitando-se outro entendimento, mas não deixando de se louvar as decisões proferidas, designadamente Tribunal Administrativo e Fiscal e Tribunal Judicial Criminal, a favor das sociedades A... unipessoal, Lda e B... Unipessoal Lda – Processo n.º ... do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e Processo n.º ... do Juízo Local Criminal de Grândola, que contrariam as deduções dos relatórios inspetivos.

11- Não se conformam, pois, os Recorrentes com a douta decisão proferida e daí a interposição do presente recurso, que tem por motivação a nulidade de prova produzida em audiência, porque fez uso de prova proibida por violação do direito à não autoincriminação, inconstitucionalidade do artº 103 do RGIT.

12-Impugnação de pontos da matéria de facto que se entende terem sido incorretamente julgados, impondo uma modificação da decisão do Tribunal a quo, aos pontos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55, em face da prova produzida e que infra melhor se justificará, e também, e ainda por incorreta e indevida utilização de prova indiciária indireta, para considerar factos provados que o não poderiam nem o deveriam ser, e ainda a desproporcionalidade das penas aplicadas aos arguidos EE, DD e CC, e respetivas sociedades recorrentes, e para além, em última instância, também as consequências das exceções deduzidas, ou entretanto ocorridas na sequência das audiências realizadas nos presentes autos.

13- A prova que sustentava a acusação, e na qual se alicerça a decisão condenatória ora recorrida (relatórios inspetivos e prova documental anexa e testemunhal obtida e fundamentada nesse pressuposto) constitui desde logo prova proibida, isto porque, tendo sido elaborada e recolhida ao abrigo do dever de colaboração dos contribuintes, quando a sociedade E... Unipessoal, Lda e os ora arguidos eram já suspeitos de crime, e visados em inquérito pendente, a sua utilização no processo penal viola o direito à não auto incriminação.

14 - Resulta da douta sentença, para dar como provada a factualidade que originou a condenação dos recorrentes, o Tribunal a quo socorreu-se essencialmente do respetivo relatório de inspeção, bem como das faturas, guias de remessa, elementos contabilísticos (registo de compra e vendas, conta Caixa, conta fornecedores e bancários, juntos ao apenso 131/12.4IDAVR, Anexo 7, Vol. 1 (cf pág. 1564/ 16/23 a 23/23) e sobre a atividade desenvolvida pela sociedade E... Lda,

15- Por outro lado é referido, na motivação, a prestação das declarações, de forma isenta e segura das testemunhas, inspetores tributários, que no exercício das suas funções tiveram contacto direto com a factualidade em causa nos autos, sendo responsáveis pela elaboração do relatório junto ao apenso 131/12.4IDAVR, Anexo 5, e Srº Inspetor HH, responsável pelas diligências inspetivas à E... no ano de 2015, o qual se encontra junto ao apenso 544/20.8T9VFR ((pág. 1552).

16- O Tribunal a quo para dar como provada a factualidade imputada sustentou-se pois em elementos recolhidos em sede inspetiva, como por exemplo, o referido controlo quantitativo e da capacidade de produção, inventariação, análise das compras e vendas efetuadas, bem como às quantidades que declarou possuir no inventario inicial e final desse ano da E... e da análise aos elementos contabilísticos também das sociedades A... Lda e B... Unipessoal Lda, com relevância às compras e às vendas efetuadas e inventários (cfr, entre outros, anexo 13, e anexo 7 fls 1/23 a 15/23…

17-Elementos essenciais para a motivação foram, pois, os relatórios inspetivos (e prova anexa) efetuados ás sociedades arguidas e á sociedade MA, que já estava indiciada, e constituída como arguida, no âmbito do processo nº 61/15.8IDAVR.

18-A própria AT era conhecedora que, decorrendo a ação inspetiva, os recorrentes e sociedades, com quem mantinham relações comerciais eram já visadas por inquérito penal pendente no DIAP de ... tendo sido inclusive remetida cópia do relatório produzido e dos documentos anexos ao processo de inquérito nº 61/15.8IDAVR.

19-No Acórdão n.º 340/2013, o TC decidiu julgar não inconstitucional a norma que resulta da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, d), e 125.º do Código de Processo Penal (CPP), com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte.

20-Para o TC, “a imposição aos contribuintes de deveres de cooperação com administração tributária, que poderá incluir a entrega, a solicitação desta, de documentos que, depois, num processo de natureza sancionatória penal, possam ser usados contra esses próprios contribuintes, constitui uma compressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, que se traduz numa restrição não desprezível daquele princípio”.

21-Para “apreciar se tal restrição é ou não constitucionalmente aceitável”, ter-se-á que analisar os pressupostos enunciados no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, como condição da admissibilidade de restrições a direitos, liberdades e garantias: estarem essas restrições previstas em lei prévia e expressa, de forma a respeitar a exigência de legalidade e obedecerem tais restrições ao princípio da proporcionalidade, tendo como finalidade a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos

22-Já no acórdão n.º 298/2019, o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, CRP, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), CPP, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e no artigo 59.º, n.º 4, LGT por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo.

23-Mais recentemente, no Acórdão nº 279/2022, o TC teve oportunidade de apreciar semelhante questão de constitucionalidade normativa num enquadramento fáctico distinto dos anteriores. Neste caso estava em causa uma situação que o TC descreve e avalia nos seguintes termos (cfr nº 14): a colaboração do contribuinte “ocorreu num momento anterior ao início do subsequente processo criminal, não havendo qualquer motivo para se entender que se devia ter iniciado anteriormente o inquérito criminal e que a autoridade tributária tenha agido de má fé nesta sucessão de atos procedimentais e processuais, dado que a ‘deteção da infração’ ocorreu na sequência da entrega desses documentos pela arguida, dando rapidamente origem ao respetivo inquérito criminal, no decurso do qual se realizaram outras diligências probatórias, incluindo a junção de novos elementos documentais relativos à inspeção tributária, mas que nunca implicaram qualquer nova colaboração da aí arguida e aqui recorrente” e daqui retirou o TC a conclusão de se tratar de uma situação equiparada à subjacente ao Acórdão n.º 340/2013 (ou seja, em que o processo criminal é posterior à inspeção tributária) pelo que julgou não inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 125.º CPP, no sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9º, n.º 1 RCPITA, e 59°, nº 4 LGT, ocorrida previamente à instauração da fase de inquérito, podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte.

24-Da jurisprudência constitucional citada resulta pacífica a afirmação do valor constitucional do direito à não autoincriminação (princípio nemo tenetur se ipsu accusare), ínsito no artigo 32º, nº 1, CRP (cfr. também o nº 8 do mesmo artigo) sendo que este princípio tem, aliás, expressa consagração no plano legal, na vertente do direito ao silêncio – artigo 61.º, n.º 1, al. d), CPP – e da consequente proibição de valoração do silêncio contra o arguido: artigos 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1, CPP [cfr. também os artigos 58.º, n.º 2, 61.º, n.º 1, al. h), 141.º, n.º 4, al. a), e 343.º, n.º 1, CPP].

25-Resulta claro que o TC admite que esse direito fundamental possa, nos termos constitucionais, ser restringido em atenção a outros valores constitucionais (como a eficiência do sistema fiscal), respeitados que sejam os limites do artigo 18º CRP, e, decisivamente, o princípio da proporcionalidade. Tal é o caso, na questão da comunicabilidade entre a inspeção tributária e o processo penal, quando aquela ocorre antes e independentemente deste, e, por isso, antes de qualquer suspeita de infração criminal. Ou seja: quando o cumprimento pelos contribuintes do dever de colaboração com a Administração fiscal lhes é por esta solicitado, enquanto ainda pura administração fiscal, e não já como órgão de polícia criminal (veste em que fica investida depois da instauração do processo criminal por crimes fiscais).

26-Dúvidas não subsistem de que o processo nº 515/21.7T9VFR, se iniciou com a participação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dando conta que, no exercício de 2011 a 2013, a sociedade E..., teria contabilizado valores com base em faturas emitidas pelos arguidos, não correspondendo aquelas a transações reais, tratando-se de faturas falsas, o que consubstanciara, desse modo, a prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artº 104 nº1 do RGIT;

27-Assim, pois, ter-se-á de considerar nula a prova produzida para efeitos de aproveitamento neste processo crime, tanto mais que, incontroverso é que o depoimento dos Srs. Inspetores HH, KK e II, cujos depoimentos foram valorados na motivação, se basearam nas respetivas inspeções e foi com base nas mesmas que responderam ao tribunal, e como se conclui pelas transcrições supra dos respetivos depoimentos, e a colaboração da sociedade E... Lda ocorreu num momento posterior ao conhecimento da notícia do crime, pelo que a AT agiu de má fé nesta sucessão de atos procedimentais e processuais com reserva intencional.

28-Tal decisão, até em termos processuais e relativamente a E..., que não é arguida nos presentes autos, ainda é mais justificada pois todos os elementos, considerados provados e que importam ao crime em causa, o são justificados naquela inspeção, ou justificação por prova indireta, não existindo sequer um contraditório, e cujas consequências resultantes do relatório inspetivo, ainda corre nos Tribunais Fiscais, sem decisão proferida e como tal nem sequer podem valorar a motivação constante dos artigos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55 da douta sentença;

29-Nem se diga que, atenta a decisão instrutória em tempo proferida pelo TIC na sequência do RAI– parte da sentença que se refere á nulidade da acusação – pois por um lado, prova proibida é e será sempre prova proibida, e por outro representará uma nulidade que se não corrigiu, por desobediência ao citado Acórdão nº 279/2022 do Tribunal Constitucional, e por outro crê-se que à semelhança do decidido no acórdão n.º 1555/14.8TAGMR-E.P1 do Tribunal da Relação do Porto de 14/09/2022, disponível em www.dgsi.pt assim sumariado “I – O despacho em crise, enquadrando-se apenas na esfera do art. 33º nº 1 do CPP prefigura-se irrecorrível, o que se justifica por razões “de maior celeridade na tramitação do processo e designadamente na definição do tribunal competente” – neste sentido vide Tribunal da Relação de Guimarães de 09.03.2009, no Proc. 1397/07.7TAOER-A.G1 disponível em www.dgsi.pt.: Não tem aplicação o disposto no art. 105º, n.º 4 do CPC, na matéria em que o processo penal estabelece o mecanismo a adotar, excluindo claramente a possibilidade de recurso e muito menos o da reclamação direta da decisão em que se declara a incompetência territorial.

Não tem sentido invocar qualquer nulidade insanável do art. 119º do CPP a propósito dos despachos proferidos em 02.03.22 e 09.03.22, o primeiro porque embora seja enxuto está devidamente fundamentado e percetível quanto ao pronunciamento da questão em causa e o segundo por se limitar a remeter para os fundamentos do anterior, dando conta que a questão já foi decidida, tratando-se este de um mero despacho de expediente, insuscetível sequer de recurso.

Em todo caso a nulidade, se existisse, teria natureza sanável.

Apesar de se invocar o art. 32º da CRP, que garante o direito ao recurso em processo criminal, o mesmo não o impõe em todos os casos. Cfr. o referido no Acórdão do TC n.º 209/90 de 19.06.90, BMJ, 398, p. 152, tal imposição existe se estiverem em causa decisões que tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.

A decisão de que se pretende recorrer/reclamar não é condenatória nem afeta o direito à liberdade ou outros direitos fundamentais, pelo que nenhuma norma constitucional se encontra violada ou posta em causa.

O legislador claramente seu a estes casos a prevalência à celeridade, valor também processualmente importante.

Nessa medida, impõe-se a rejeição do recurso – cfr. art.s 33º, 36º, 400º/1-g), 414º/2, 420º/1-b) do CPP.”

30-Referem pois, que o recurso o deve ser na decisão final, até porque, todas as questões o são, como in casu, conhecidas na prolação da respetiva decisão judicial.

31-Assim, pois, ao não ter sido considerada nula essa prova inspetiva para os presentes autos por afronta ao direito á não autoincriminação, a prova recolhida em inspeção tributária ao abrigo do dever de colaboração dos contribuintes, é ilegal por violação do disposto nos artigos 61º, nº1, al.d),125 e 126 nºs1 e 2, alínea a) do CPP (relatórios e prova anexa constante dos anexos do inquérito identificado).

32– Caso assim se não entenda, desde já se suscita, para todos os efeitos legais, e com base nos argumentos acima expendidos, a questão da inconstitucionalidade, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.ºs 1 e 8, CRP, da interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), CPP, segundo a qual podem ser utilizados como prova no processo criminal tributário os relatórios inspetivos e documentos fiscalmente relevantes obtidos, ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, RCPITA e no artigo 59.º, n.º 4, LGT, por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, na pendência de inquérito penal.

33-O crime de fraude fiscal (artº 103 do RGIT) é um crime de perigo ao nível da estrutura típica, na medida em que não exige para a realização do tipo o efetivo prejuízo das receitas fiscais e consequente lesão do património do estado

34-Verifica-se o preenchimento dos elementos objetivos do tipo com a adoção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento de prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais idóneas a causarem uma diminuição de receitas tributárias (artigo 103 nº 1 a, b e c)

35-Assim as condutas tipificadas terão de ser idóneas a provocar fraude fiscal sendo que a expressão “visem” significa que as condutas terão de ser “adequadas”

36-As condutas previstas no artigo 103º do RGIT terão de ser operadas de forma idónea a originarem a não liquidação, entrega ou pagamento de prestação tributaria ou obtenção indevida de benefícios fiscais ou outras vantagens suscetíveis de causarem diminuição das receitas. O dolo do tipo tem, pois, de incidir sobra a idoneidade.

37-As condições de punibilidade externas ao ilícito, futuras e incertas não dependendo da vontade do agente, sendo, pois, as circunstâncias que se encontram em relação imediata com o facto mas que não pertencem nem ao tipo de ilícito nem à culpabilidade, o consagrado no artigo 103 nº2 não poderá ser dogmaticamente classificado como tal, mas sim como elemento do tipo.

38-Sendo a situação tributária de um sujeito passivo apurada com base em normas tributárias que, em regra, na sua aplicação, recorrem aos dados e informações fornecidas pelo próprio contribuinte quando o agente pratica dolosamente o comportamento proibido, tem maneira de saber a quanto a sua vantagem patrimonial ilegítima poderá ascender.

39- O resultado idóneo não inferior a €15.000 não é alheio ao domínio individual do agente, pelo que não constitui uma condição (um facto futuro e incerto) nem é objetiva, dado que não resulta plenamente alheio à vontade do autor já que no crime de fraude fiscal, com recurso a faturas falsas, o agente tem controlo absoluto sobre o valor indevidamente deduzido em sede de IVA na medida em que quando incorpora a fatura sabe qual o valor de IVA constante da mesma e consequentemente o valor que irá deduzir indevidamente e quando procede à entrega da DP (declaração periódica) o agente sabe qual o montante de IVA dedutível que fez constar daquela declaração.

40- A vantagem patrimonial ilegítima de €15.000 tem, pois, de estar compreendida no dolo do agente.

41- Consagrando o nº 3 do artigo 103º do RGIT que,

“Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária,”, estamos perante uma norma penal em branco verificando-se um procedimento de reenvio para legislação tributária.

42- Os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados nos termos do disposto no artº412 nº3 alínea a) do CPP, são os dos artigos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55, uma vez que a prova produzida impõe decisão diversa, atento o depoimento dos Srºs Inspetores II e JJ, relativamente às sociedades arguidas, razão pela qual supra se transcreveu o depoimento dos mesmos a este propósito (e para além dos citados, ainda do Inspetor HH, não se compreende a sua alegação relativamente aos recorrentes de que: foram inspecionados contribuintes caracterizados como emitentes de faturação falsa).

43-O Tribunal a quo constrói o seu processo decisório para chegar á conclusão que o recorrente CC, era gerente de direito e de facto por conclusões erróneas e contraditórias, atento o documento- certidão permanente, mas de todos os depoimentos prestados pelos inspetores ouvidos, nenhuma demonstração factual a comprova.

44-Ainda e relativamente ao também arguido DD, com referência á procuração emitida, e depoimentos também prestados pelos senhores inspetores, se não compreende a justificação de que o mesmo era gerente de facto, e de direito o demais arguido CC, condenando assim ambos.

45-Livre apreciação da prova, não corresponde a arbitrariedade pelo que a apreciação probatória feita pelo Tribunal a quo deverá ser censurada pelo Tribunal de recurso quando essa opção é inadmissível face às regras da experiência e notoriamente contrária a raciocínios lógicos.

46-A base factual/probatória em que o Tribunal a quo se apoiou para formar a sua convicção não existe, e é justificada com recurso a prova indireta:

…” Cumpre, desde logo, referir que, não existindo nos autos prova directa de que as faturas em causa nos autos não titulam operações efectivamente realizadas, é sabido que a demonstração da verdade dos factos juridicamente relevantes não se faz exclusivamente através da prova directa dos mesmos. A nossa convicção pode e deve ser igualmente formada com base em prova indiciária, Ou seja, de factos considerados em si mesmo irrelevantes, mas dos quais se pode, por raciocínio lógico, inferir a existência dos primeiros” (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal II, pag. 298”

47-Quer isto dizer pois que dos autos não resulta factos capazes de comprovar a alegação de que se estava na presença de operações não realizadas, e pois, assim com a justificação desse recurso a prova indireta, e sendo que, incompreensivelmente, foram tais considerandos, no tocante aos ora Recorrentes desmentidos nos processos judiciais identificados, e no mínimo deverá ter aplicação o principio in dubio pro reo.

48 Que regra da experiência e presunção judiciária é que, com a necessária certeza jurídica exigida no processo penal, permite concluir que duas (2) sociedades, sem qualquer condenação criminal ou outra no ano de 2011, e contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais, a inserção numa terceira empresa, MA, 1 fatura cada, desse relativo montante, com a agravante da B... Lda ter até uma existência fiscal sem incidentes nos anos anteriores da sua atividade comercial.

49-De resto, os aludidos Tribunais, com as decisões proferidas são inequívocos de que tais relatórios inspetivos partiram de pressupostos que não permitem concluir nos termos da mesma vertida conclusão.

50-Não revelam também o recurso, prévio á audiência de discussão e julgamento, á sua regra da experiência e presunção judiciária, mormente quando se está na presença de matéria fiscal onde o(s)mesmo(s) tem até especial competência.

51-Nem se diga que são inúmeras as circunstâncias que concorrem para a conclusão de que a(s) fatura(s) emitida(s) pela(s) Recorrente(s) não correspondem a transação(ões) reais, pela simples análise ao relatório inspetivo a MA, no exercício de 2011 – que é o que, em relação aos recorrentes, está em causa e nada tiveram a ver com as faturas dos demais arguidos e nos anos de 2012 e 2013 – e quando aceita a AT que essa sociedade tinha uma abundante lista de fornecedores e compradores e movimentou quase 2.000.000,00 (dois milhões) de euros…e se conclui com essa segurança que apenas 1 fatura de cada das identificadas sociedades é falsa!?... e porque não são alguma(s) dos aludidos demais fornecedores?...

52-Nem se diga que o depoimento dos inspetores HH e KK, que fiscalizaram a MA, e como referem no seu relatório, são demonstrativos dessa afirmada certeza e segurança fiscal, no tocante ás duas sociedades, e com base na ausente MA.

53-E no tocante aos depoimentos de II e JJ que tiveram relação a posteriori com as sociedades Recorrentes, o mesmo depoimento e nas circunstâncias em que ocorreu na audiência de discussão e julgamento, nem se conclua pela certeza da pretendida falsidade da(s)transações, referindo-se até a singularidade de na decisão judicial a tal propósito…não foi essa a conclusão do Tribunal de Grândola, como se infirma da sentença referida anteriormente e agora pretendida juntar.

54- Tendo em consideração os depoimentos das testemunhas acima mencionadas e às mais elementares regras de experiência aliadas ao primado fundamental da presunção de inocência do arguido, que sufraga o in dubio pro reo na ausência de meios de prova e/ou na confrontação do julgador com indícios insuficientes para a eventual corroboração da versão apresentada na acusação, deveria ter-se proferido uma decisão factualmente distinta.

55-Isto porque além de ser uma garantia subjetiva constitucional, consagrada no art.º 32.º n.º 2 da CRP, reconhecida internacionalmente no art.º 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art.º 6.º/n.º 2 da Convenção Europeia para a proteção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e art.º 14.º/n.º 2 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o princípio in dúbio pro reo é também uma imposição dirigida ao julgador no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, perante a incerteza ou a insuficiência probatória.

56- O Tribunal a quo face à prova produzida não poderia ter dado como provados os pontos da matéria de facto que se impugnaram supra impondo-se a modificação da decisão sobre a matéria de facto face à prova produzida mos termos do disposto no artigo 431 do CPP, dando-se por não provados os factos constantes dos artigos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55, absolvendo-se os arguidos do crime pelo qual foram condenados.

57- Da jurisprudência citada retiram-se os seguintes ensinamentos:

a.Não se podem pôr em causa algumas transações pelo facto de os emitentes das faturas serem conhecidos como emitentes habituais de faturas falsas. A qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fáticos que revelem falsificação das faturas é manifestamente insuficiente para ilidir a presunção de veracidade [neste caso diríamos: presunção de inocência];

b.Os factos índice de falsidade devem ser suficientemente fortes, credíveis e consistentes para abalar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes;

c.Salvo raras exceções, essa elevada probabilidade e consistência dos indícios não se deve bastar com aqueles que respeitam apenas ao emitente, pois invocando-se um acordo simulatório terão de ser recolhidos também na esfera do utilizador;

d.Não se cumpre o ónus da prova quando se extrapolam conclusões obtidas em inspeções externas aos fornecedores, com carácter genérico para os destinatários das faturas, sem uma análise casuística da atividade desenvolvida pelo destinatário e das operações que concretamente são reputadas como falsas;

e. A falta de racionalidade económica aparente das operações comerciais e a falta de credibilidade do emitente não constituem, só por si, indício fundado de que essas operações não existiram;

f. Se o destinatário recebeu a mercadoria, cabe à AT apresentar provas bastantes de que este sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas faturas.

g. O utilizador das faturas não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente que lhe entrega a mercadoria;

h. Resumir um procedimento a apurar se o contribuinte contabilizou faturas de um sujeito passivo a quem se colocou o rótulo de “emitente de faturas falsas” é entrar numa situação de “pesca de arrasto”;

i. Quem titula faturas falsas numas circunstâncias, pode emitir faturas que titulam operações reais noutras circunstâncias, e o facto de não entregar declarações de IVA não significa que não o tenha liquidado nos termos legais.

58-Daqui se retira uma súmula – o indício só é prova quando, para além de qualquer dúvida, se constatar que não pode conviver com qualquer realidade alternativa senão aquela que se pretende provar. Por outro lado,

59-Para que se pudesse conceber a emissão de faturas falsas, necessário se tornaria que ficasse inequívoco que as compras também não ocorreram. Caso contrário, qualquer realidade diferente teria ocorrido que não a falsidade das faturas de aquisição, o que não acontece nos autos.

60-Ora, como já acima se verificou, não só não há indícios sustentados de essas vendas não ocorreram como existem na maioria dos casos uma efetiva confirmação das transações das compras.

61-Essa realidade é insofismável, e necessariamente incompatível com a tese da falsidade de uma única fatura durante todo o ano de 2011, até porque todas as compras foram aceites como verdadeiras.

62-Ocorreu, pois, uma clara violação do princípio in dubio pro reo,

63-O tribunal recorrido adotou a mesma técnica seguida pela inspeção tributária e não obstante considerar que as sociedades arguidas tinham atividade real, considerou as duas (2) faturas, uma de cada uma das sociedades, emitidas á sociedade E... Lda em 2011 como falsas, e com os respetivos pressupostos inspetivos.

64-De notar que, como comprovam as certidões dos Tribunais fiscais e Criminais juntas aos autos – e com especial relevância a certidão agora requerida juntar, com a nota de trânsito em julgado, os arguidos recorrentes foram absolvidos.

65-Nos presentes autos é inquestionável que o MP, previamente á dedução da acusação, determinou o arquivamento, sempre que, os valores das faturas fossem de montante inferior a 15.000,00 euros, nos termos do disposto nos artigos 103 nº2 e 104º nº2 alínea a) ambos do RGIT, e desde que o sendo, a vantagem patrimonial ilegítima indiciariamente obtida o fosse inferior a esse montante;

66-Tudo isto porque se está no âmbito de um processo de natureza fiscal, especial, e porque esse montante o era o fixado nesses determinativos;

67- Ora, compulsados os autos, e nos termos da acusação constata-se que esta refere a esse propósito:

“28. Na sequência do plano acima aludido em 5), GG acordou com a arguida EE e DD que estes, em representação da arguida B...- Unipessoal, Lda iriam emitir faturas, como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a transações ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal, Lda e, desse modo, beneficiassem da dedução do IVA respetivo, como se o tivessem pago.”

“57. Os arguidos BB, CC, DD, EE, AA, FF, B...- Unipessoal, Lda, C..., Lda, D..., Lda e A..., Lda agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que tinham emitido e entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transações reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, cientes que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00, por cada declaração discal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram.”

68-Mas, e o que é inequívoco, e estando-se na presença de um único imposto, o IVA, que está sujeito ao método subtrativo indireto, não pode, pois, ser duplamente recebido, não podendo as arguidas sociedades pagar o mesmo IVA duas (2) vezes;

69-Assim sendo, e tendo em conta a aceitação para efeitos de IRC das existências das duas sociedades, tinham que ser provadas cumulativamente duas vertentes: que as faturas eram falsas - o que se não aceita - e ter sido atingido o limiar dos 15.000,00€, como vantagem patrimonial indevida, e ilegítima, nesse período;

70-Ora incontroverso é que tal prova não resulta dos autos, pois não é possível comprovar qual a vantagem patrimonial das sociedades; e pois não pode deixar de, repete-se, como o que se alegou na audiência de discussão e julgamento, que o valor constante da acusação, como vantagem, não está comprovado, e o está errado, por exagerado,

71-Tendo em conta inclusive, e por razão incontroversa que, atenta a rentabilidade aplicada em IRC, teria esta de ser recalculada, e o não foi, e tais reflexos nesta sede motivariam correção, em face de estar demonstrado IRC positivo, não corrigido, impeditivo de saber-se se sim ou não, tal limite de vantagem patrimonial foi, no que singelamente é alegado, como o sendo o IVA constante da(s) fatura(s), não se sabendo, pois, se foi ou não atingido o limiar de valor da condição objetiva de punibilidade…

72-E a acusação não conseguiu assim provar, com a certeza jurídica do processo penal, esse inequívoco requisito, o que não pode deixar desde logo de potenciar a absolvição dos arguidos recorrentes, e respeitado o princípio in dúbio pro reo (cfr nº 2 do artigo 103º do RGIT, na redação introduzida pelo artº60A/2005, de 30 de setembro).

73- Ou caso assim não se entenda, sempre se considera que as penas são desajustadas, atento o facto de os arguidos/recorrentes serem primários, e como tal não deveriam ser superiores ao mínimo legal, ou seja um ano de pena de prisão suspensa na sua execução por igual período, e ainda, pelo facto de atualmente terem uma condição económica modesta, o valor a liquidar à AT ser reduzido para o valor de 1.000,00€ (mil euros).

74-Tendo decidido como decidiu a douta sentença recorrida, violou entre outros, o disposto nos artigos 7 nº 1, 103 nº 1 c) e 104º nº 1 e 2 do RGIT, artº 31º nº 2 e 59 nº 4 LGT, artºs 9 nº 1, 28 nº 1 e 2, 29º e 30º do DL 413/98 de 31 de dezembro; artº 18º nº 2 e 32º da CRP, e artigos 33º, 36º, 58 nº 2, 61º nº 1 al. d) h), 119º, 125º, 126º nº 2 al a), 141º nº 4 a), 343º, 345º 400 nº 1 g) 414 nº 2, 420 nº 1 b) do CPP.

75- Requer-se a junção aos autos da certidão da sentença proferida no âmbito do processo nº ... que correu termos no Juízo Local Criminal com nota de trânsito em julgado (certidão com código de acesso ...9), ocorrido em data posterior ao encerramento da audiência de julgamento, (tendo a cópia simples sido recusada), porque objetiva e manifestamente a mesma mostra-se relevante para a descoberta da verdade, e nos termos do disposto do artigo 340 nº 2 do CPP, e artigo 423º nº 3 e 651º do CPC.


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Na sequência do despacho convite proferido nos autos, os arguidos/recorrentes A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... LDª, E EE apresentaram em aditamento as seguintes conclusões:

1º- Da inconstitucionalidade do tipo legal da condenação: o artigo 103º do RGIT: a) Violação do princípio da legalidade: norma penal em branco e a inexistência de garantia de pré determinação normativa das condutas ilícitas:

Conclusões:

- O artº 103º do RGTI prevê que as condutas previstas no mesmo, terão de ser operadas de forma idónea a originarem a não liquidação, entrega e ou pagamento de prestação tributária ou obtenção indevida de benefícios fiscais ou outras vantagens suscetíveis de causarem diminuição das receitas, e assim sendo, o dolo do tipo tem de incidir sobre a idoneidade…relembrando que no caso dos arguidos recorrentes está-se na presença de apenas uma (1) fatura, que foi valorada em termos do IRC.

- Dos argumentos despendidos na motivação, suscita-se pois assim, a questão da inconstitucionalidade levantada por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32º, n.ºs 1 e 8 CRP, da interpretação normativa dos artigos 61º, n.º 1, alínea d), 125º e 126, n.ºs 1 e 2 alínea a) CPP, segundo a qual não podem ser utilizados como prova, no processo criminal tributário, os relatórios inspectivos e documentos fiscalmente relevantes obtidos ao obrigo do dever de cooperação previstos no artigo 9º, nº 1, RCPITA e no artigo 59º, n.º 4 LGT por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte na pendência de inquérito penal.


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b) Violação do princípio da igualdade:

Conclusões:

- Consagrando o n.º 3 do artigo 103º do RGIT que para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária, estamos perante uma norma penal em branco verificando-se um procedimento de reenvio para legislação tributária.

- A problemática das normas penais em branco é discutida tendo por base o conflito com o princípio da legalidade (problemáticas inerentes a questões de reserva de lei) e de emanações daquele como, por exemplo, o princípio da tipicidade, (a lei penal tem obrigatoriamente de ser certa, precisa e determinável sendo percetível pelos seus destinatários).

- Ora, através da técnica das normas penais em branco o legislador tipifica crimes cuja situação de facto são diferidas para outras normas através de remissões o que poderá colocar em causa a sua legitimidade constitucional.

- Sendo as normas penais em branco, normas que necessitam de complemento e que tal complemento há-de surgir em disposições externas que originarão uma formulação acabada viola-se o artigo 29 da CRP quando a remissão que o tipo faz para legislação tributária origina uma indefinição dos elementos objetivos da incriminação não sendo os mesmos apreendidos de forma clara pela comunidade sendo tal materialmente inconstitucional.

- A remissão operada pelo artigo 103º n.º 3 do RGIT não é compatível com o princípio da legalidade já que a lei penal por si só não permite conhecer aquilo que é proibido já que só pela leitura do CIVA e pela determinação do regime de IVA aplicável ao agente é que poderemos apreender a conduta proibida.

- O texto da lei penal por si só não dá “possibilidade de conhecimento da atuação penalmente cominada” pelo que é inconstitucional.

- Atendendo à mutabilidade da legislação fiscal o artigo 103º n.º 3 não garante a pré determinação normativa das condutas ilícitas.

- Sendo a pré determinação das condutas ilícitas uma garantia de certeza para os cidadãos sobre que condutas constituem ilícito penal, não estando suficientemente concretizada a conduta aniquilada está a segurança jurídica.

- O reenvio que o artigo 103º do RGIT faz para as normas tributárias poderá abarcar normas futuras que podem entrar em vigor a qualquer momento transmutando imediatamente o ilícito e as condutas puníveis. Estamos perante uma indeterminação de aspetos relativos à conduta desde logo ao consagrar-se um limite de € 15000 por referência a “cada declaração a apresentar”.

- Tal remissão não é compatível com a exigência de pré determinação (constituindo esta geralmente uma garantia de vinculação de juiz à lei) que no caso das normas penais em branco corresponderá à necessidade de evitar dificuldades de apreensão do conteúdo das normas pelos cidadãos já que tal não se alcança somente pela leitura da lei penal sendo necessário ter conhecimento dobre obrigações tributárias acessórias nomeadamente as obrigações declarativas e bem assim conhecimento sobre o regime de IVA.

- O artigo 103 do RGIT é materialmente inconstitucional por violar o princípio da legalidade conflituando com o artigo 29º n.º 1 e 3 da CRP.

- Os “procedimentos de reenvio” constantes do artigo 103º são igualmente violadores da Constituição da República Portuguesa porquanto fazem depender a incriminação do regime normal de IVA ser de periodicidade mensal ou trimestral violando-se o princípio da igualdade (artigo 13 da CRP).

- Com efeito, uma mesma conduta praticada por dois sujeitos passivos distintos visando a dedução indevida de quantias de 15.000 euros pode ou não ser punível consoante o regime normal de IVA seja de periodicidade trimestral ou mensal.

- Tal distinção não tem qualquer fundamento tendo em consideração o bem jurídico protegido (receitas tributárias).

- A lesão ao bem jurídico tem a mesma intensidade, contudo tendo em consideração os normativos tributários em vigor um sujeito será perseguido criminalmente e o outro não.

- Tal é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, não tendo tal distinção por fundamento qualquer critério de proteção do bem jurídico.

- O que determina a incriminação não são necessidades de proteção do bem jurídico, mas sim as normas referentes ao Código do IVA e às obrigações declarativas dos constituintes.

- Assim o artigo 103º do RGIT ao remeter elementos objetivos do tipo para normas de índole fiscal é inconstitucional por violação do artigo 29º n.º 1 da CRP uma vez que pelo que o tipo legal não apresenta precisão suficiente para permitir ao destinatário da norma a antecipação do comportamento vedado tornando-se por isso incompatível com a exigência de lei certa, decorrente do n.º 1 do artigo 29º da Constituição.

- O artigo 103º do RGIT é igualmente inconstitucional porquanto faz depender a incriminação do regime normal de IVA ser de periodicidade mensal ou trimestral violando-se o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) não tendo tal qualquer fundamento tendo em consideração o bem jurídico protegido (receitas tributárias).


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2º- Da aplicação do perdão previsto na Lei n.º38-a/2023, de 1/8:

inconstitucionalidade do artigo 2º, n.º 1.

Conclusões:

- O Tribunal recorrido deveria em qualquer circunstância, ter aplicado aos arguidos recorrentes o perdão de pena de 1 ano previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, atendendo a que o limite de aplicação desse perdão aos agentes que tenham até 30 anos é manifestamente inconstitucional.

- O termo “juventude”, previsto nessa Lei é vago e não possui definição jurídica, e o legislador não estabeleceu critérios específicos para o limite de até 30 anos, sendo esse limite, em concreto, 31 anos menos um dia para a aplicação da dita Amnistia.

- Ora, norma do artigo 2º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, é materialmente inconstitucional, por ofensa à norma do artigo 13º, n.º 2 da CRP.

- Pelo que, às penas aplicadas, em cúmulo jurídico, deveria ter sido deduzido um ano, correspondente ao perdão estabelecido naquela lei de amnistia, e deveria o tribunal a quo ter desaplicado o limite de 30 anos para o agente dele beneficie.

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3º Da condição de pagamento para suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos, A..., DD e EE ao pagamento integral das quantias.

Conclusões:

- Para aplicação da pena, a douta sentença considera que os arguidos são primários, e que os factos ocorreram há cerca de 15 anos, com a agravante de se estar na presença de uma única fatura, e de montante relativamente baixo.

- Ou seja, crê-se que a condenação não deveria estar sujeita ao pagamento de qualquer quantia, atento o tempo decorrido desde a sua emissão, e ainda o facto de a situação económica dos mesmos, como a douta sentença reconhece, ser modesta, e como tal impossibilidade real de cumprimento das condições de suspensão, em desrespeito pelos critérios de suspensão prevista nos artigos 50º e ss CP, designadamente:

No n.º 1 do art.50º CP que atende à realização de modo adequado e suficiente das finalidades da punição.

No n.º 2 do artº 50º CP, que impede a imposição de deveres cujo cumprimento não seja razoavelmente de exigir.

- Ainda se crê que se justifica uma atenuação da pena pela conduta dos arguidos durante estes cerca de 15 anos subsequentes, em que os mesmos não sofreram qualquer condenação, o que deve ser tido em consideração.


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4º Suspensão do processo: efeitos processuais da impugnação judicial das liquidações (por parte do receptor E... Ldª) artº 47º nº 1 do RGIT.

Conclusões:

- Nos termos do artigo 47º do RGIT, é aplicável ao processo penal fiscal a suspensão do processo crime, até que transite em julgado as Sentenças de Impugnação instaurados no Tribunal Administrativo e Fiscal pela sociedade recetora E... Ldª, conforme atestam os documentos juntos aos autos.

- De resto, e por simples leitura da douta sentença, foram considerados factos como provados relativamente à sociedade E..., quando na verdade, relativamente aos mesmos corria à data da audiência processo de impugnação fiscal junto do Tribunal Administrativo e Fiscal, e jamais esta sociedade interveio nos presentes autos.

-Assim sendo, estando a correr ainda o processo de Impugnação Judicial, nos termos do Código do Procedimento e Processo Tributário, em que se discute situação tributária, cuja definição depende a qualificação criminal dos factos imputados aos arguidos, o processo penal fiscal deveria suspender-se até que transite em julgado a respetiva sentença.

- É este o entendimento dos arguidos recorrentes, e que se crê resulta da lei, até porque a questão fiscal é prévia, relativamente ao processo penal em curso, dependendo dela a qualificação dos factos objeto do processo de inquérito, até para evitar decisões desconformes e diminuição das garantias devidas aos arguidos.

- E isto, porque o processo penal não é o meio próprio, não só para o sujeito passivo atacar a legalidade de tal divida, mas também para conhecer da exigibilidade da mesma ao contribuinte já que retiraria aos sujeitos passivos ou contribuintes meios próprios de reagir contra tais liquidações para o competente Tribunal Administrativo e Fiscal.

- Ou seja, através do meio próprio, o contribuinte ataca a legalidade ou exigibilidade do imposto que lhe é imputado e do qual depende, inclusive, a própria qualificação do crime que lhe é assacado ou mesmo a própria existência do crime.

- Aliás, no caso do processo penal tributário há uma questão prejudicial necessária não penal que impõe que a sua resolução seja anterior à decisão do próprio processo penal e que visa o apuramento do elemento constitutivo da infração criminal.

- No caso sub judice, quanto ao imposto e períodos em causa na acusação, estes foram objecto de Impugnação Judicial para o Tribunal Administrativo e Fiscal Aveiro, pela sociedade E..., recetora, o que deve determinar a suspensão dos presentes autos até ser ali proferida decisão.”


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Os recursos foram admitidos para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta aos recursos dos arguidos, defendendo a improcedência de todos eles.

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Também os arguidos FF, BB responderam ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência.

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A Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual, aderiu aos fundamentos do recurso e das respostas do Ministério Público junto da 1ª instância, aditando apenas que, “não operando automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em caso de omissão de cumprimento da obrigação de pagamento imposto pelo art.º 14.º do RGIT, sempre importará verificar se se tratará de omissão voluntária, pelo que os argumentos esgrimidos para afastar a aplicação da norma em causa, a nosso ver, não se revelam pertinentes”.

Termos em que, entende, “os recursos dos arguidos não deverão merecer provimento, merecendo-o, isso sim, o recurso interposto pelo MP, pelo que deverá a sentença ser parcialmente revogada, e substituída por decisão que condicione a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos, ao pagamento, por cada um deles arguidos, da totalidade do montante que constitui a vantagem que obtida mercê da sua actuação”.


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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [1], após o que se procedeu a exame preliminar e, colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.

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II - Fundamentação

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.412.º, n.º1 e 417.º, n.º3, do Código Processo Penal [2]), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º2 ou o art.º 379.º, n.º1.

Todas as conclusões apresentadas pelos recorrentes, ainda que em aditamento, sem suporte na motivação do respetivo recurso, são tidas como inexistentes. A falta de motivação nas conclusões de um recurso penal resulta na desconsideração do recurso na parte correspondente. Isto acontece porque a omissão da motivação viola o artigo 412.º, n.º 1, do Código Processo Penal.

As questões colocadas à apreciação deste tribunal são as seguintes:

“conclusões” do Ministério Público, que se transcrevem:

- Suspensão da execução da pena sob condição de pagamento – art.14º do RGIT (arguidos BB, CC, DD, EE e FF).

“conclusões” do arguido BB, que se transcrevem:

- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

- Da nulidade da sentença por vício de alteração substancial de factos

- Da impugnação restrita da matéria de facto: da insuficiência para a decisão da matéria de facto, contradição insanável e violação do princípio in dubio pro reo

- Do preenchimento do tipo legal de crime de fraude fiscal e da sua forma de (co)autoria - artigo 412.º n.º 2

- Da aplicação do perdão previsto na lei n.º 38-A/2023, de 2/8

“conclusões” dos arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE, que se transcrevem:

Da junção do documento superveniente: certidão da sentença proferida no âmbito do processo nº ...

Da violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare: violação do princípio do contraditório

Da impugnação ampla da matéria de facto: pontos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55 factos provados (prova indiciária e in dubio pro reo

- Do preenchimento do tipo legal de crime de fraude fiscal

- Da medida concreta das penas aplicadas aos arguidos EE, DD e CC, e respetivas sociedades recorrentes

Do aditamento:

1. Da inconstitucionalidade do tipo legal da condenação: o artigo 103 do RGIT:

a- violação do princípio da legalidade: norma penal em branco e a inexistência de garantia de pré determinação normativa das condutas ilícitas

b- violação do princípio da igualdade

2. Da aplicação do perdão previsto na lei n.º 38-A/2023, de 2/8: inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º1

3. Da condição de pagamento para suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos A..., DD e EE

4. Suspensão do processo: efeitos processuais da impugnação judicial das liquidações


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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade e motivação em que assenta a condenação proferida:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos provados

Com relevância para a boa decisão da causa, o tribunal deu como provados os seguintes factos:

A sociedade E..., Unipessoal Lda foi constituída em 20.07.2005, tendo como objecto social a indústria da cortiça e a sua sede situava-se na Rua ..., ..., ..., em ....

Desde a data da sua constituição era sócio único da referida sociedade GG, também seu gerente, vinculando-se a sociedade com a intervenção do mesmo.

A gerência de direito e de facto da sociedade E..., Unipessoal Lda sempre esteve afecta, desde a sua constituição, a GG, incumbindo-lhe a realização de todos os actos de direcção da respectiva actividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efectuava contactos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos, incumbindo-lhe também o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, nas quais se incluíam liquidação e pagamento de impostos.

A sociedade E..., Unipessoal Lda, em termos fiscais, era contribuinte n.º ...37 e encontrava-se colectada no serviço de Finanças ..., Feira 4, para o exercício da actividade de “fabricação de rolhas de cortiça”, com o CAE 016294, estando enquadrada, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), nos anos de 2011 a 2013, no regime de periodicidade mensal e em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no regime geral de tributação.

Nos anos de 2011, 2012 e 2013, GG decidiu que iria inscrever na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda diversas faturas que não correspondiam a qualquer transacção real, como se se tratasse do comprovativo de pagamento do dinheiro relativo a essas transacções, o que na realidade não sucedia, para, desse modo, beneficiar da dedução do IVA respectivo, como se o tivessem pago, o que, por não ter sido celebrado qualquer negócio, efectivamente não sucedeu.

arguido BB

Para tanto, nesse período temporal, GG acordou com indivíduo cuja identidade não se apurou que este iria emitir faturas em nome do arguido BB, como se se tratasse do comprovativo de recebimento, por aquele arguido, do dinheiro relativo a transacções ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedeu, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda. e, desse modo, beneficiassem da dedução do IVA aí inscrito, como se o tivessem pago.

Em cumprimento deste plano, no ano de 2012, foram emitidas as seguintes faturas em nome de BB não correspondentes a qualquer transacção real, nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam:

N.º Factura Data Base tributável

(€)

IVA (€) Total (€)
54 30/11/2012 32.500,00€ 7.475,00€ 39.975,00€
56 8/11/2012[3] 64.850,00€ 14.915,00€ 79.765,50€
58 4/12/2012 62.000,00€ 14.260,00€ 76.260,00€
61 19/12/2012 63.250,00€ 14.547,50€ 77.797,50€
TOTAL  222.600,00€ 51.198,00€ 273.798,00€

 

Para concretização do plano referido em 6) e 7) dos factos provados, o arguido BB solicitou a elaboração de livros de faturas, de recibos e de guias de transporte, que cedeu a terceiros, recebendo, em contrapartida, a quantia de, pelo menos, 675,00€.

A sociedade E..., Unipessoal Lda. inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respeitante aos meses de Novembro e Dezembro de 2012, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efectivamente pago a título de IVA em troca das transacções nelas descritas.

Porém, os valores de IVA declarados e acima referenciados não foram pagos pela sociedade E..., Unipessoal Lda. ao arguido BB por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem BB entregou aqueles bens, nem a sociedade E..., Unipessoal Lda pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas.

O arguido BB nunca exerceu qualquer actividade relacionada com o sector da cortiça, apesar de se ter colectado para a actividade “Comércio por grosso de cortiça – CAE 046213” em 19.12.2011, nem no sistema informático da Autoridade Tributária existe nenhum sujeito passivo a declarar vendas ao arguido, nunca tendo o mesmo feito qualquer compra de cortiça, de rolhas ou de qualquer outro produto ou subproduto de cortiça.

Na verdade, o arguido BB nunca teve qualquer estrutura empresarial para exercer esta actividade, quer em termos de organização económico/financeira, quer de instalações pois, o local onde supostamente exercia a sua actividade, situado na Rua ..., ..., em ..., trata-se de casa de habitação sem área suficiente para armazenar o volume de cortiça mencionado naquelas faturas.

O arguido nunca recebeu o valor de €347.844,00 relativo ao valor das supostas compras de E..., Unipessoal Lda.

sociedade A... Unipessoal, Lda.

A sociedade A... Unipessoal, Lda. (doravante mencionada apenas por A...) foi constituída em 16 de Junho de 2011, tendo como objecto social o comércio por grosso de cortiça em bruto, fabricação de rolhas e outros produtos de cortiça, situando-se a sua sede na Rua ..., ..., ..., em ....

Desde a data da sua constituição era sócio único daquela sociedade o arguido CC, seu gerente, vinculando-se a sociedade com a intervenção deste.

Porém, apesar de CC ser o seu único gerente de direito, também o arguido DD geria aquela sociedade, tendo CC concedido procuração para esse efeito.

Assim, cabia, indistintamente, aos arguidos CC e DD a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade A..., a realização de todos os actos de direcção da respectiva actividade comercial, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos, incumbindo aos mesmos o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como a liquidação e pagamento de impostos.

Na sequência do plano acima aludido em 5), GG acordou com os arguidos CC e DD que estes, em representação da sociedade A... iriam emitir faturas, como se se tratasse do comprovativo de recebimento, por estes arguidos, do dinheiro relativo a transacções ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda e, desse modo, beneficiasse da dedução do IVA respectivo, como se o tivesse pago.

Em cumprimento deste plano, no ano de 2011, os arguidos CC e DD, através da sociedade A..., emitiram a seguinte factura não correspondente a qualquer transacção real na data e montante que a seguir melhor se discriminam:

N.º Factura Data Base tributável

(€)

IVA (€) Total (€)
8 14/12/2011 87.000,00€ 20.010,00€ 107.010,00€

 

A sociedade E..., Unipessoal Lda inseriu na sua contabilidade a factura acima identificada, bem como na sua declaração de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2011, atendendo à data nela inscrita, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efectivamente pago a título de IVA em troca das transacções nelas descritas.

Porém, o valor de IVA declarado, no montante de €20.010,00, não foi pago pela sociedade E..., Unipessoal Lda à arguida A... por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem a arguida A... entregou aqueles bens, nem a sociedade E..., Unipessoal Lda pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como os arguidos sabiam.

Apesar de se ter colectado para a actividade “Comércio por grosso de cortiça – CAE 046213” em 19.12.2011, esta sociedade não tinha qualquer estrutura empresarial para exercer esta actividade, quer em termos de organização económico/financeira, quer de instalações, nem nunca recebeu o valor relativo àquelas supostas compras de E..., Unipessoal Lda.

sociedade B... - Unipessoal, Limitada

A sociedade B... - Unipessoal, Limitada foi constituída em 10.01.2008, situando-se a sua sede na ..., apartado ...02, ..., ....

Desde a data da sua constituição era sócia única daquela sociedade a arguida EE, sua gerente, vinculando-se a sociedade com a intervenção desta.

Cabia à arguida EE a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade B... - Unipessoal, Limitada, a realização de todos os actos de direcção da respectiva actividade comercial, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e aos mesmos incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.

Na sequência do plano acima aludido em 5), GG acordou com a arguida EE que esta, em representação da arguida B... – Unipessoal, Lda iria emitir faturas, como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a transacções ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda e, desse modo, beneficiassem da dedução do IVA respectivo, como se o tivessem pago.

Em cumprimento deste plano, no ano de 2011, a arguida EE através da sociedade B... – Unipessoal, Lda emitiu a seguinte factura não correspondente a qualquer transacção real na data e montante que a seguir melhor se discriminam:

N.º Factura Data Base tributável

(€)

IVA (€) Total (€)
118 24/08/2011 80.300,00€ 18.469,00€ 98.769,00€

 

A sociedade E..., Unipessoal Lda. inseriu na sua contabilidade a factura acima identificada, bem como na sua declaração de IVA respeitante ao mês de Agosto de 2011, atendendo à data nela inscrita, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efectivamente pago a título de IVA em troca das transacções nelas descritas.

Porém, o montante de €18.469,00 de IVA declarado acima indicado não foi pago pela sociedade E..., Unipessoal Lda à sociedade B... – Unipessoal, Lda por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquela factura, isto é, nem B... – Unipessoal, Lda. entregou aqueles bens, nem a sociedade E..., Unipessoal Lda. pagou os montantes nela referido, ou seja, trata-se de factura falsa, como a arguida sabia.

A sociedade B... – Unipessoal, Lda. nunca recebeu o valor relativo àquelas supostas compras de E..., Unipessoal Lda.

sociedade C...

A sociedade C..., Unipessoal, Lda (doravante designada apenas por C...) foi constituída em 10.01.2008, tendo como objecto social o comércio, preparação e transformação da cortiça, situando-se a sua sede na Quinta ..., Bairro ..., em ....

Era sócio da mesma, desde a sua constituição, o arguido AA, sendo também este o único gerente, vinculando-se a sociedade pela intervenção exclusiva de AA.

Na sequência do plano acima aludido em 5), GG acordou com indivíduo com poderes de representação da sociedade, mas cuja identidade não se apurou, que este, em nome e no interesse da arguida C... iria emitir faturas, como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro por aquele recebido relativo a transacções ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda. e, desse modo, beneficiassem da dedução do IVA respectivo, como se o tivessem pago.

Em cumprimento deste plano, no ano de 2013, foi emitida a seguinte factura da arguida C..., não correspondente a qualquer transacção real na data e montante que a seguir melhor se discriminam:

N.º Factura Data Base tributável

(€)

IVA (€) Total (€)
120 14/05/2013 66.000,00€ 15.180,00€ 81.180,00€

 

A sociedade E..., Unipessoal Lda. inseriu na sua contabilidade a factura acima identificada, bem como na sua declaração de IVA respeitante ao mês de Junho de 2013, atendendo à data nela inscrita, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efectivamente pago a título de IVA em troca das transacções nelas descritas.

Porém, o montante de €15.180,00 de IVA declarado não foi pago pela sociedade E..., Unipessoal Lda. à arguida C... por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquela factura, isto é, nem a arguida C... entregou aqueles bens, nem a sociedade E..., Unipessoal Lda. pagou o montante nela referido, ou seja, trata-se de factura falsa.

A arguida C... nunca recebeu o valor relativo àquelas supostas compras de E..., Unipessoal Lda., nem foi efectuado o transporte das mesmas.

Sociedade D...

A arguida D..., Lda. (doravante designada apenas por D...) foi constituída em 21.08.2012, tendo como objecto social o comércio, a preparação e a transformação da cortiça e de produtos de cortiça, situando-se a sua sede em Quinta ..., Bairro ..., ....

Eram sócios da mesma, desde a sua constituição, os arguidos AA, FF e GG, incumbindo a gerência a FF e a GG, este também gerente da sociedade E..., Unipessoal Lda.

Efectivamente, cabia, indistintamente, aos arguidos GG e FF a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade D..., a realização de todos os actos de direcção da respectiva actividade comercial, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e aos mesmos incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.

Na sequência do plano acima aludido em 5), GG (simultaneamente gerente da D... e da sociedade E..., Unipessoal Lda) acordou com o arguido FF que iriam, em representação da arguida D..., emitir faturas, como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a transacções ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda. e, desse modo, beneficiassem da dedução do IVA respectivo, como se o tivessem pago.

Em cumprimento deste plano, no ano de 2013, o arguido FF e GG através da sociedade D... emitiram as seguintes faturas não correspondentes a qualquer transacção real nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam:

N.º Factura Data Base tributável

(€)

IVA (€) Total (€)
11 26/05/2013 47.000,00€ 10.810,00€ 57.810,00€
12 28/05/2013 42.680,00€ 9.816,40€ 52.496,40€
13 31/05/2013 24.000,00€ 5.520,00€ 29.520,00€
15 19/06/2013 100.000,00€ 23.000,00€ 123.000,00€
19 17/07/2013 66.000,00€ 15.180,00€ 81.180,00€
21 22/07/2013 66.600,00€ 15.318,00€ 81.918,00€
27 30/09/2013 96.000,00€ 22.080.00€ 118.080,00€
29 31/10/2013 110.000,00€ 25.300,00€ 135.300,00€
TOTAL  552.280,00€ 127.024,40€ 679.304,40€

A sociedade E..., Unipessoal Lda inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respeitantes aos meses de Maio, Junho, Julho, Setembro e Outubro de 2013, atendendo às datas nela inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efectivamente pago a título de IVA em troca das transacções nelas descritas.

Porém, os valores de IVA declarados e acima referenciados não foram pagos pela sociedade E..., Unipessoal Lda. à sociedade D... por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem D... entregou aqueles bens, nem a sociedade E..., Unipessoal Lda. pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como o arguido FF sabia.

A sociedade D... é uma sociedade com existência meramente formal, nunca tendo desenvolvido qualquer actividade comercial ou industrial efectiva, nomeadamente nunca exerceu qualquer actividade relacionada com o sector da cortiça, apesar de se ter colectado para essa actividade, sendo as suas compras também suportadas em faturas falsas.

Na verdade, esta sociedade nunca teve qualquer estrutura empresarial para exercer esta actividade, quer em termos de organização económico/financeira, quer de instalações, nunca tendo empregados ao seu serviço, nem nunca recebeu o valor relativo àquelas supostas compras de E..., Unipessoal Lda, nem foi efectuado o transporte das mesmas.

Apesar de estarem cientes da falsidade destas faturas, GG inseriu aquelas faturas na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal, Lda. como se fossem verdadeiras, deduzindo o IVA nelas mencionado nas declarações periódicas de IVA, nos moldes acima referidos, com o objectivo de receber benefícios fiscais que não lhe eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, o que os arguidos sabiam e quiseram.

Em suma,

Em suma, por força dos actos acima descritos, a sociedade E..., Unipessoal, Lda obteve, nos períodos tributários que a seguir se indicam as seguintes vantagens patrimoniais relativas a IVA, imposto indevidamente deduzido e que nunca foi pago:

Período Tributário Vantagem Patrimonial Indevida
Agosto 2011 18.469,00€
Dezembro 2011 20.010,00€
Dezembro 2012 43.723,00€
Maio 2013 26.146,40€
Junho 2013 38.180,00€
Julho 2013 30.498,00€
Setembro 2013 22.080,00€
Outubro 2013 25.300,00€
TOTAL 231.881,40€

 

Para além disso, por força dos actos acima descritos, a sociedade E..., Unipessoal, Lda obteve, nos períodos tributários que a seguir se indicam as seguintes vantagens patrimoniais em sede de IRC, dado que as faturas acima mencionadas foram indevidamente contabilizadas como gasto:

Descrição Exercício
2011 2012 2013
IRC EM FALTA 41.825,00€ 55.650,00€ 154.570,00€

 

Os arguidos sabiam que, em sede de IVA, o apuramento do montante de imposto devido em cada período é efectuado pela dedução ao imposto liquidado do imposto suportado no pagamento das aquisições, isto é, que o operador económico pode deduzir em cada período o IVA que consta mencionado nas faturas de aquisição de bens e serviços, sendo o imposto a entregar ao Estado o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas faturas de venda e o IVA mencionado nas faturas de aquisição de bens e serviços.

Assim, sabia GG que se apresentasse aquelas faturas, que documentavam o pagamento de valores que na realidade não tinha suportado, na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal, Lda que geria, como efectivamente fez, assim agindo fazia com que, tratando-se de montantes superiores ao IVA que a sociedade tinha recebido em transacções que efectuou, pela diferença anularia o valor que tinha recebido a título de IVA e que devia entregar ao Estado ou, mesmo excedendo-o e assim não teria de entregar esse valor, ainda recebendo em caso de excesso, sabendo que assim agindo induzia em erro a Administração Fiscal e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebia vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida do referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.

Através da sociedade E..., Unipessoal, Lda, GG actuou de modo concertado e em conjugação de esforços, meios e intenções com:

- os arguidos CC e DD, enquanto representantes da arguida A..., Unipessoal Lda.,

- EE, enquanto representante da arguida B... – Unipessoal, Lda,

- com o representante da arguida C... cuja identidade não se apurou e

- com FF enquanto representante da arguida D...,

que conscientemente emitiram e facultaram as faturas, assim permitindo a GG através da sociedade E..., Unipessoal, Lda. obter aquelas vantagens ilícitas.

Os arguidos CC, DD, EE, FF, B... – Unipessoal, Lda, C..., Lda, D..., Lda e A..., Unipessoal Lda. agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que tinham emitido e/ou entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, cientes que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram.

O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, admitindo como possível que as faturas que entregou fossem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, e que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, conformando-se com tal resultado.

Mais sabiam os arguidos BB, CC, DD, EE, FF, B... – Unipessoal, Lda., C..., Lda., D..., Lda. e A..., Unipessoal Lda. que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

O arguido FF confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.

Condições pessoais

Em 22/01/2019, a sociedade arguida C..., Unipessoal Lda. procedeu ao pagamento da quantia de 14.775,99€ a título de IVA referente ao 2.º trimestre de 2013.

O arguido BB é mecânico, auferindo o salário mínimo nacional; encontra-se registado como trabalhador da sociedade F..., Unipessoal, Lda. desde 7/09/2022; vive com a companheira, a qual aufere o salário mínimo nacional; habitam em casa arrendada, suportando renda mensal no valor de 500,00€; têm dois filhos, um deles menor e a cargo; como habilitações literárias tem o 4.º ano de escolaridade.

O arguido CC exerceu actividade entre 16/06/2011 e 12/2018 como trabalhador da sociedade A..., Unipessoal Lda., auferindo como remuneração o valor de 580,00€; e entre 11/08/2020 e 6/2021, como trabalhador da sociedade G... Lda., auferindo como remuneração o valor de 580,58€.

O arguido DD é corticeiro, encontrando-se desempregado há 3 anos; não aufere quaisquer rendimentos mensais; tem, como última remuneração registada, o vencimento no valor de 700,00€, em Janeiro de 2012, como trabalhador da sociedade  H... Unipessoal Lda.; vive com a sua mulher (a co-arguida EE) e dois filhos, um dos quais menor e a cargo; habitam em casa própria da sogra do arguido, não suportando qualquer despesa com habitação; como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade.

A arguida EE é doméstica, não auferindo quaisquer rendimentos; não tem qualquer remuneração registada nos serviços da Segurança Social; vive com o seu marido (o co-arguido DD) e dois filhos, um dos quais menor e a cargo; habitam em casa própria da mãe da arguida, não suportando qualquer despesa com habitação; beneficia de apoio económico de familiares.

As sociedades arguidas A..., Unipessoal Lda. e B... – Unipessoal, Lda. encontram-se inactivas, estando pendentes de dissolução administrativa.

O arguido AA é corticeiro, actualmente reformado; foi trabalhador da sociedade C..., Unipessoal Lda. entre 11/01/2010 e 8/2021, tendo como última remuneração registada o valor de 1.330,00€; aufere pensão de velhice no valor de 422,51€; aufere rendimentos da actividade no sector da cortiça no valor médio mensal de 700,00€; vive com a sua mulher, a qual se encontra reformada e aufere pensão no valor de 700,00€; habitam em casa própria, suportando prestação bancária no valor aproximado de 1.000,00€; como habilitações literárias tem o 4.º ano de escolaridade.

A sociedade C..., Unipessoal Lda. mantém-se em laboração em instalações próprias, tendo três trabalhadores ao serviço.

O arguido FF foi trabalhador da sociedade C..., Unipessoal Lda. entre 1/12/2010 e 5/2024, tendo como última remuneração registada o valor de 820,00€; é corticeiro e aufere a quantia mensal média de 1.000,00€; vive sozinho, em casa arrendada, suportando o valor de 200,00€ a titulo de renda; suporta prestação mensal de 200,00€ a titulo de credito automóvel; não tem filhos; como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade.

A sociedade D... Unipessoal Lda. encontra-se inactiva desde 2014, não tendo instalações, equipamentos ou trabalhadores.

Antecedentes criminais

Os arguidos A..., Unipessoal Lda., CC, DD, B... – Unipessoal, Lda., EE, C..., Unipessoal Lda., AA, D... Unipessoal Lda. e FF não têm antecedentes criminais.

O arguido BB sofreu já as seguintes condenações transitadas em julgado:

PS 557/01.9GEVNG (822/2011), foi condenado por sentença transitada em julgado em 10/12/2001, pela prática em 22/11/2001, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa, extinta pelo pagamento em 11/12/2002;

PCS 889/05.4TAOVR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 29/06/2007, pela prática em 30/06/2005 e 4/07/2005, de um crime de falsificação de documento e um crime de burla simples na pena única de 15 meses de prisão suspensa por 3 anos, extinta pelo decurso do período em 24/02/2012;

PCS 621/05.5GBMTS, foi condenado por sentença transitada em julgado em 23/11/2010, pela prática em 5/2005 e 9/2005 de um crime de falsificação de documento e um crime de burla simples na pena única de 380 dias de multa, extinta por prescrição em 16/07/2016;

PCS 8/09.0IDAVR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 10/05/2012, pela prática em 4/01/2007, de um crime de fraude fiscal qualificada na pena de 15 meses de prisão suspensa por 15 meses, extinta pelo decurso do período em 24/01/2014;

PCS 36/09.6GGVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 21/10/2013, pela prática em 6/11/2009, de um crime de simulação de crime na pena de 40 dias de multa, extinta pelo cumprimento em 3/05/2017;

PCC 1047/08.4TAVFR, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 6/07/2017, pela prática em 2008 de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva;

PCS 4027/12.1TDPRT, foi condenado por sentença transitada em julgado em 1/06/2017, pela prática em 8/09/2011, de um crime de ameaça na pena de 4 meses de prisão suspensa por 1 ano, extinta pelo decurso do período em 4/06/2018;

PCC 380/13.8IDAVR-B, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 23/04/2018, pela prática em 2009 de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 14 meses de prisão efectiva;

em cúmulo jurídico das condenações referidas em f) e h), por acórdão proferido no no PCC 380/13.8IDAVR.1 e transitado em julgado em 15/01/2019, foi condenado na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão efectiva, extinta pelo cumprimento em 13/04/2020 (data da sua liberdade definitiva);

PCS 398/14.3IDAVR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 7/12/2020, pela prática em 7/09/2012, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento em 17/07/2012.


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Factos não provados

Para além dos factos não referidos por irrelevantes, conclusivos, por conterem matéria de direito ou por se apresentarem em contradição com os factos provados, não se provaram, com relevância para a boa decisão da causa, os demais factos constantes da acusação e das contestações, designadamente que:

GG acordou com o arguido BB que este iria emitir as faturas descritas em 7) dos factos provados, o que este fez.

A sociedade B... – Unipessoal, Lda nunca desenvolveu qualquer actividade comercial ou industrial efectiva, nem teve qualquer estrutura empresarial para exercer esta actividade, quer em termos de organização económico/financeira, quer de instalações.

O arguido DD geria a sociedade B... - Unipessoal, Lda., cabendo-lhe a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade B... - Unipessoal, Limitada, a realização de todos os actos de direcção da respectiva actividade comercial, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e aos mesmos incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.

O arguido DD actuou da forma descrita em 26) a 29) dos factos provados.

O arguido AA actuou da forma descrita em 33) a 36) dos factos provados.

A sociedade C... é uma sociedade com existência meramente formal, nunca tendo desenvolvido qualquer actividade comercial ou industrial efectiva, nomeadamente nunca exerceu qualquer actividade relacionada com o sector da cortiça, sendo as suas compras também suportadas em faturas falsas.

Esta sociedade nunca teve qualquer estrutura empresarial para exercer esta actividade, quer em termos de organização económico/financeira, quer de instalações, nunca tendo empregados ao seu serviço.

O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que tinha emitido e/ou entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, ciente que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que o arguido representou e quis.

O arguido AA sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

GG actuou de modo concertado e em conjugação de esforços, meios e intenções com o arguido BB.


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Motivação

O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no art. 127.º do C.P.P.

Desde logo, quanto à constituição das sociedades em causa nos autos, bem como a atribuição da gerência de direito a cada um dos arguidos, tal resultou da análise das certidões comerciais actualizadas juntas aos autos por referência a cada uma das sociedades, não tendo sido impugnado o seu teor.

Quanto aos demais factos em causa nos autos, cumpre referir que os arguidos DD e EE se recusaram validamente a prestar declarações ao abrigo do seu direito ao silêncio. Por outro lado, o arguido CC consentiu que o julgamento se realizasse na ausência, pelo que não compareceu em audiência.

Nessa medida, o tribunal apenas valorou as declarações prestadas, quanto à factualidade imputada nos autos, pelos arguidos BB, AA e FF.

Ademais, para prova dos factos em julgamento, foram relevantes os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, designadamente:

HH, Inspector Tributário que realizou inspecção tributária à sociedade E..., Unipessoal, Lda.;

KK, Inspector Tributário e coordenador do procedimento inspectivo;

LL, Inspectora Tributária que realizou inspecção tributária à sociedade I..., Lda.;

MM, Inspectora Tributária que realizou inspecção tributária ao arguido BB;

II, Inspector Tributário que realizou inspecção tributária à sociedade arguida A..., Unipessoal Lda.;

JJ, Inspector Tributário que realizou inspecção tributária à sociedade arguida B... – Unipessoal, Lda.;

NN, Inspectora Tributária;

OO, Inspector Tributário;

PP, corticeiro;

QQ, contabilista da sociedade arguida A... Unipessoal, Lda.;

RR, contabilista da sociedade arguida B... Unipessoal Lda.;

SS, industrial;

TT, agricultor, actualmente reformado;

UU, corticeiro;

VV, corticeiro, actualmente reformado;

WW, corticeira;

XX, corticeiro.

Foi ainda valorada a seguinte prova documental: participação inicial de fls. 101 a 129 e parecer de fls. 934 a 950; documentos de fls. 28 a 49, 468 a 658; certidão permanente da sociedade E..., Unipessoal, Lda de fls. 18 a 21 (junta também em 6/09/2024); certidão permanente da sociedade A... de fls. 1577 a 1578 (junta também em 6/09/2024); certidão permanente da sociedade B... – Unipessoal Limitada de fls. 1579 a 1580 (junta também em 6/09/2024); certidão permanente da sociedade D... de fls. 1581 a 1582 (junta também em 6/09/2024); certidão permanente da sociedade C... de fls. 1583 a 1584 (junta também em 6/09/2024); documentos juntos pela defesa dos arguidos em sede de instrução, com as contestações e no decurso do julgamento; relatórios das inspecções tributárias aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, relativos aos arguidos, juntos aos autos por ofícios datados de 16/01/2024 e 17/01/2024 e organizados em Anexo próprio.

Cumpre, desde logo, referir que, não existindo nos autos prova directa de que as faturas em causa nos autos não titulam operações efectivamente realizadas, é sabido que a demonstração da verdade dos factos juridicamente relevantes não se faz exclusivamente através da prova directa dos mesmos. A nossa convicção pode e deve ser igualmente formada com base em prova indiciária. Ou seja, de factos “considerados em si mesmos irrelevantes, mas dos quais se pode, por raciocínio lógico, inferir a existência dos primeiros” (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág.298).

Assim, na apreciação e valoração da prova, a lei admite o recurso pelo juiz a regras da experiência ou presunções judiciárias, em ordem a extrair de factos conhecidos um outro ou outros sobre os quais se não fez prova directa.

Com efeito, “o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2007, P.º 07P2279, em www.dgsi.pt), sendo que, como é comummente aceite, os dados indiciários com aptidão para sustentar a convicção da verificação do facto probando devem ser graves, precisos e concordantes.

São graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direcção (La prova penale, 4.ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157).

Assim, a prova indirecta, circunstancial ou indiciária, sujeita à livre apreciação do julgador, exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, para que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis, exigindo-se, ainda, alguns requisitos: “pluralidade de factos-base ou indícios; precisão de que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal, de como se chegou à inferência” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9/05/2012, P.º 347/10.8PATNV.C1 (www.dgsi.pt) .

No caso em apreço, consideramos que são inúmeras as circunstâncias que concorrem para a conclusão de que as faturas emitidas por BB e pelas sociedades A... Unipessoal, Lda., B... Unipessoal Lda., C..., Unipessoal, Lda. e D..., Lda., e contabilizadas pela sociedade E..., Unipessoal Lda., não correspondem a transacções ou a prestações de serviços efectivas, titulando tão-só negócios simulados, com o objectivo de obterem, como obtiveram, benefícios fiscais e patrimoniais indevidos.

Vejamos:

sociedade utilizadora GG

No que concerne à factualidade respeitante à actividade da sociedade utilizadora E..., Unipessoal Lda., o tribunal valorou o seguinte acervo probatório:

Foram analisados todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; a cópias das faturas descritas nos pontos 7), 19), 29), 37) e 46) dos factos provados, constituindo prova directa dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da acção inspectiva iniciada em 3/12/2013, aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, subscrito pelo inspector tributário HH e junto no respectivo Anexo.

Desde logo, o tribunal valorou depoimento do inspector tributário HH, o qual foi objectivo, claro, lógico e imparcial. O mesmo afirmou que realizou acção inspectiva a esta sociedade, sobre os exercícios de 2011, 2012 e 2013. Segundo este inspector, apurou que esta sociedade era efectivamente gerida pelo arguido GG, apesar deste não ter colaborado com a inspecção.

O inspector HH afirmou que, tendo sido inspeccionados contribuintes que foram caracterizados como emitentes de facturação falsa os quais, efectuado o cruzamento dos mapas recapitulativos dos clientes fornecedores, foram declarados como fornecedores pela sociedade E..., Unipessoal Lda., foi efectuada inspecção a esta sociedade com vista a serem analisadas as supostas transacções ocorridas com esses operadores. Para tal, foram apreendidos os elementos contabilísticos da sociedade, designadamente os respeitantes a esses mesmos supostos fornecimentos, mas nunca contactou com qualquer dos arguidos.

Quanto ao inspector KK, o mesmo esclareceu que coordenou o procedimento inspectivo, tendo acompanhado diversas diligências realizadas pelos demais inspectores em cada uma das acções desenvolvidas e a que os autos respeitam.

Ora, analisado o acervo documental junto aos autos, conjugado com a prova testemunhal produzida em julgamento, resulta evidenciado dos autos que as faturas das alegadas transacções suportadas pela E..., Unipessoal Lda não podem corresponder a verdadeiras transacções comerciais porquanto:

a sociedade registou compras de cortiça e existências incompatíveis com uma sociedade com as suas características, i.e., em termos de liquidez, comerciais e organizacionais;

as compras de mercadorias registadas na contabilidade da sociedade estão suportadas em faturas de aquisição a outros operadores económicos que, devidamente analisados pela inspecção tributária, se apurou não terem qualquer actividade no ramo da cortiça: é o caso de - para além da actividade dos restantes co-arguidos, que adiante se analisará – compras suportadas por faturas emitidas pela operadora económica YY (a que se reportou o inspector HH e surge espelhado no seu relatório) e pela sociedade I..., Lda. (como explicado pela testemunha LL, a qual conduziu inspecção a esta sociedade);

no que respeita a pagamentos das referidas compras registadas na contabilidade da sociedade, inexistem qualquer documentos contabilísticos comprovativos de que o mesmo tenha ocorrido, pese embora o elevadíssimo montante a que respeitam;

esta sociedade não apresentava registo de compras ou vendas que justificassem as aquisições tituladas pelas faturas;

efectuado o "corte" de inventários na sociedade E..., Unipessoal Lda, comparando as compras e vendas de cortiça tituladas pelas faturas em causa nos autos, verifica-se a existência de mercadoria que não foi vendida, não foi transformada nem ficou em stock, o que é demonstrativo da falta de consistência dos negócios a que tais faturas se reportam.

Em suma, não podemos deixar de concluir que esta sociedade, embora tivesse uma actividade efectiva, mas muito aquém do volume de negócios que pretendia simular, não dispunha de uma estrutura económica e produtiva que lhe permitisse suportar as compras tituladas pelas faturas em causa nestes autos, sendo incompatível com o volume de negócios apresentado nas faturas emitidas por BB e pelas sociedades A... Unipessoal, Lda., B... Unipessoal Lda., C..., Unipessoal, Lda. e D..., Lda.

A isto acresce que estes emitentes também evidenciam falta de capacidade produtiva para fornecer as quantidades tituladas pelas faturas emitidas por cada uma e contabilizadas pela E..., Unipessoal Lda., como passaremos a analisar.


*

emitente BB

No que concerne à factualidade respeitante à actividade do operador económico emitente BB, o tribunal valorou o seguinte acervo probatório:

Desde logo, o arguido BB prestou declarações, negando conhecer a sociedade E..., Unipessoal Lda. ou o seu representante GG. A este propósito, relatou que, em 2011/2012, foi abordado por um individuo de nome PP, o qual lhe propôs que se colectasse nas finanças e solicitasse livro de faturas, o que efectivamente acabou por fazer, recebendo em troca … e perspectiva de trabalho no sector da cortiça. Mais referiu que assinou quatro ou cinco faturas, não preenchidas, entregando o livro de faturas a esse mesmo indivíduo, desconhecendo o destino que lhe foi dado. Ademais, afirmou que emigrou para França em Setembro / Outubro de 2012, regressando a Portugal em 2017/2018, pelo que não se encontrava em território nacional aquando das datas da emissão das faturas em causa nos autos. Confrontado com essas mesmas faturas a fls. 552 a 558 dos autos, o arguido BB reconheceu-as como sendo emitidas em seu nome, mas não o seu preenchimento, cujo conteúdo disse desconhecer. Por fim, reconheceu que nunca exerceu a actividade no ramo da cortiça, pelo que os negócios titulados por aquelas mesmas faturas nunca ocorreram.

Foram analisados todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a cópia das faturas descritas no ponto 7) dos factos provados, constituindo prova directa dos seus elementos, designadamente, número, data, emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da acção inspectiva ao exercício de 2012, junto ao processo no respectivo Anexo.

No que concerne à prova testemunhal, foi ouvida a inspectora tributária MM, a qual efectuou acção inspectiva a este operador económico entre Abril e Agosto de 2013, quanto ao exercício de 2012, tendo apurado que este apenas esteve colectado para o exercício da actividade durante um período de cerca de três meses (Setembro a Dezembro de 2012). Segundo esta testemunha, não conseguiu contactar pessoalmente com o arguido BB (ainda que a mesma tenha decorrido poucos meses volvidos da emissão das faturas aqui em apreço), sendo que o seu domicílio fiscal (onde a depoente se deslocou em Abril de 2013) correspondia à residência da sua progenitora (casa modesta, onde nunca teria existido qualquer actividade similar), a qual desconhecia o paradeiro do arguido, e o local indicado para o exercício da actividade era inexistente (era o viaduto de acesso à A1).

Por outro lado, referiu que contactou com o contabilista do arguido, o qual lhe disse que este nunca lhe chegou a entregar qualquer documentação que permitisse entregar as declarações fiscais relativas a este período de actividade. Segundo a testemunha, o mesmo referiu não ter quaisquer outros elementos contabilísticos para além da declaração de início de actividade, da factura da tipografia onde foram requisitadas as faturas e da declaração de cessação de actividade, a qual fora entregue por aquele a pedido do arguido. O arguido era também um contribuinte não declarante (nunca entregou declarações de IVA) e também não existiam quaisquer vendas a ele declaradas.

Quanto às diligências realizadas, esclareceu ainda que se deslocou à tipografia onde foram impressas as faturas, confirmando que foi o arguido quem requisitou, levantou e pagou dois livros de faturas, um primeiro em Setembro de 2012 e um segundo em Novembro de 2012, visto dali constar uma cópia do seu cartão de cidadão. Com efeito, assinalou que, conforme resulta dos elementos juntos como anexos 1 e 6 ao relatório inspectivo datado de 12/08/2013 e constante do Apenso, o arguido BB assinou as requisições em apreço e forneceu o cartão de cidadão e a declaração de início de actividade (também por si subscrita).

A propósito deste arguido, foi ainda ouvido o inspector tributário II, o qual participou de diligências tendentes a averiguar do paradeiro do arguido e do local onde o mesmo teria exercido a actividade espelhada nas faturas emitidas.

Em suma, relativamente às faturas das alegadas transacções ocorridas entre o arguido BB e a sociedade E..., Unipessoal Lda., a prova carreada para os autos impõe a conclusão de que as mesmas não podem corresponder a verdadeiras transacções comerciais porquanto:

- o próprio arguido BB reconheceu que não exerceu qualquer actividade no ramo da cortiça neste período, não realizou qualquer transacção com a aludida sociedade e não recebeu qualquer quantia para pagamento das mercadorias que figuram nas faturas n.º 54 (a fls. 552), n.º 56 (a fls. 554), n.º 58 (a fls. 556) e n.º 61 (a fls. 558);

o arguido BB não dispunha de quaisquer instalações onde pudesse armazenar a cortiça que alegadamente teria sido vendida à sociedade;

era não declarante para efeitos fiscais;

não dispunha de imóveis ou viaturas que lhe permitissem exercer qualquer actividade no ramo da cortiça, nomeadamente os fornecimentos das quantidades descritas nas faturas em causa nos autos.

Em face da prova assim produzida, resulta assim evidente que as faturas n.º 54, 56, 58 e 61, descritas no ponto 7) dos factos provados, não revelam transacções reais.

Resta apurar a concreta intervenção do arguido BB na prática destes mesmos factos. Recordando as declarações prestadas pelo próprio, certo é que o arguido reconheceu que se colectou no Serviço de Finanças e solicitou a documentação necessária para a emissão destas faturas, sustentando unicamente não ter sido o próprio a preencher e entregar as mesmas para utilização da sociedade E..., Unipessoal Lda., mas um terceiro que identificou como “PP” e cuja morada veio facultar por requerimento de 17/01/2024.

Por outro lado, asseverou ainda este arguido que não foi o emitente destas faturas porquanto se ausentou de Portugal e emigrou para França em Setembro / Outubro de 2012, regressando somente em 2017/2018. Ora, analisados os documentos apresentados pela defesa por requerimentos datados de 2/04/2024 e 18/04/2024, cuja tradução se encontra junta em 24/04/2024, dos mesmos se extrai que o arguido se encontrava a trabalhar em ... nos dias 25 e 26 de Setembro de 2012, em ... entre 2/09/2013 e 4/11/2013 e que, em 1/12/2014, celebrou um contrato de trabalho temporário, para exercer funções em ..., ....

Todavia, destes mesmos elementos não resulta que o arguido tenha permanecido interruptamente, em território estrangeiro, a partir de Setembro de 2012, tanto mais que existem diversos elementos probatórios no processo que impõem até conclusão diversa. Com efeito, retira-se de fls. 304 e ss. do Anexo composto pelos relatórios de inspecção, mormente do anexo 9 ao relatório subscrito pela testemunha MM, que o arguido se deslocou ao Posto Territorial da GNR ..., em 31/10/2012, com vista a participar do furto de objectos (entre os quais do seu primeiro livro de faturas). Ademais, conforme resulta dos documentos a fls. 293 e 298-v.º do mesmo Anexo – anexo 6 ao relatório de inspecção –, o arguido deslocou-se à tipografia “J...”, em ..., ..., nos dias 27/09/2012 e 12/11/2012, para requisitar os livros de faturas acima referidos. Daqui decorre que, pelo menos nestas datas, o arguido se encontrava em território nacional, contrariando o por si alegado quanto à sua permanência em França neste período.

Por outro lado, sustentou o arguido que actuou a pedido de um indivíduo de nome PP, ao qual entregou os livros de faturas, desconhecendo o fim que lhes foi dado. No entanto, revisitando os referidos documentos de fls. 304 e 305 do Anexo, verifica-se que o arguido, não só denunciou o furto do livro de faturas em 31/10/2012, como de seguida, em 6/11/2012, comunicou à AT esse mesmo furto do livro de facturação do n.º2 ao n.º50 (do que resulta tratar-se do primeiro livro que havia requisitado em 27/09/2012). Mais, após o alegado furto, o arguido solicitou um segundo livro de faturas em Novembro de 2012, sendo deste concreto livro (facturação do n.º 50 ao n.º 100) que foram emitidas as faturas em causa dos autos. Tais elementos probatórios mostram-se, assim, incongruentes com a versão adiantada pelo arguido BB.

A isto acresce que, ouvido PP como testemunha – pessoa que o arguido BB, na sua presença, confirmou tratar-se do indivíduo a quem entregou as faturas – este negou esta versão, in totum, referindo apenas conhecer o arguido de vista e nunca ter feito semelhante acordo com o mesmo. Mesmo após realização de acareação entre os dois indivíduos, ambos mantiveram as suas versões, não sendo possível aferir qual das mesmas se encontra mais próxima da verdade histórica.

Por outro lado, analisadas as faturas de fls. 552, 554, 556 e 558, verifica-se que estas, apesar de aparentarem similitude entre si no seu preenchimento, não permitem concluir que o mesmo foi efectuado pelo arguido BB, que o rejeitou expressamente. Ademais, tais faturas apresentam elementos comuns a outras faturas localizadas na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda. A título de exemplo, da factura n.º 54 consta a menção à viatura de transporte de matrícula ..-FB-.., a qual vem mencionada na factura de fls. 470 a 472 dos autos, emitida por YY, mas que, como consta do relatório da inspecção à sociedade E..., Unipessoal Lda. (fls. 440 a 444 dos autos) e foi confirmado pelo seu subscritor, HH, foi considerada forjada.

Em suma, o tribunal deparou-se com dúvidas quanto à autoria do preenchimento das faturas emitidas em nome de BB e subsequente entrega à sociedade E..., Unipessoal Lda., designadamente se o arguido teve directa intervenção nesses factos.

Ora, é perante estas situações em que o tribunal se depara com a dúvida insanável, razoável e objectivável, sobre factos determinantes para a decisão da causa, que o princípio do in dubio pro reo, constitucionalmente plasmado, enquanto emanação e corolário da garantia constitucional da presunção de inocência, é chamado a intervir, determinando que a valoração da prova seja feita em benefício do arguido.

Nessa medida, o tribunal apenas logrou dar como provado – porque directamente resultante da defesa – que o arguido participou desta conduta através da requisição e posterior entrega das faturas a terceiro, designadamente a troco de uma contrapartida que o próprio reconheceu e quantificou.

Como decorrência e em obediência ao referido princípio constitucional, foi dado como não provado que tivesse sido o arguido a celebrar um acordo com o legal representante da sociedade E... Unipessoal Lda. e, consequentemente, a emitir essas mesmas faturas, antes se provando que tais factos foram praticados por pessoa cuja identidade não se apurou.

Não obstante, certo é que inexistem dúvidas de que o arguido actuou da forma descrita e pelo mesmo reconhecida, sendo evidente que o arguido sabia que tais faturas iriam ser preenchidas e usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, tanto mais que, à data em que tais factos ocorreram, já o arguido havia sido condenado – por sentença transitada em julgado em Maio de 2012 – pela prática de crime de fraude fiscal qualificada, sendo, por isso, conhecedor deste modus operandi relacionado com a emissão e utilização de facturação falsa.

Por fim, importa concluir que, ao abrir mão daqueles livros de faturas e ao permitir que terceiros as preenchessem e utilizassem livremente, estava o arguido claramente ciente de que permitia ao seu utilizador a obtenção de vantagens patrimoniais de valor superior a €15.000,00, razão pela qual é forçoso concluir que, pelo menos, admitiu como possível esse resultado da sua conduta e se conformou com o mesmo.

Sendo a redacção dos factos integradores do elemento subjectivo um mero minus relativamente ao dolo que constava da acusação, não carece tal facto de ser comunicado à defesa – neste sentido, por exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 72/05 (www.tribunalconstiucional.pt). Com efeito, “a acusação de ter o arguido agido com intenção de realizar o facto típico e de enganar outrem - feita na pronúncia - já contém logicamente a acusação - em que se funda a decisão recorrida - de que o arguido representou como consequência possível da sua acção a realização do facto típico e a possibilidade de vir a enganar outrem e se conformou com essa representação. E isto é assim porque, ao contrário do que afirma o recorrente, dolo directo e dolo eventual não são, para o que agora importa, coisas diferentes, mas antes distintos graus de intensidade das mesmas coisas - de representação e de vontade de realizar um facto típico -, sendo certo que o dolo eventual constitui, em qualquer caso, um grau menos intenso de vontade (conformação) do que aquela que está presente no dolo directo (intenção)”.


*

emitente A..., Unipessoal, Lda.

No que concerne à factualidade respeitante à actividade da sociedade emitente A..., Unipessoal, Lda., o tribunal valorou todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; cópia da factura n.º 8, descrita no ponto 19) dos factos provados, e que consta de fls. 585, constituindo prova directa dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da acção inspectiva iniciada em 24/02/2014, aos exercícios de 2011 e 2012, subscrito pelo inspector tributário II.

No que concerne à prova testemunhal, foi ouvido este mesmo inspector tributário II, o qual efectuou acção inspectiva a esta sociedade, quanto aos referidos exercícios de 2011 e 2012, a que se seguiu uma segunda inspecção aos exercícios de 2013 e 2014.

Segundo a testemunha, deslocou-se ao local da sede da sociedade, apurando que a mesma correspondia a um gabinete de contabilidade. Ademais, quando solicitou a presença do sócio e gerente CC, quem compareceu foi o arguido DD, o qual se identificou como responsável e dispunha de uma procuração que lhe conferia poderes de representação. Aliás, apurou junto daquele mesmo gabinete de contabilidade que era o arguido DD quem ali comparecia para tratar de todos os assuntos relacionados com a sociedade A..., Unipessoal, Lda.

Quanto às diligências realizadas, por indicação daquele mesmo arguido DD, a testemunha deslocou-se ao local onde seria exercida a actividade da sociedade, em ..., mas afirmou não ter detectado qualquer indício da mesma.

Conforme relatou a testemunha, então apurou que a totalidade das compras registadas na contabilidade desta sociedade estavam suportadas em aquisições a operadores fictícios, mormente sem qualquer actividade no sector da cortiça., inexistindo qualquer documento comprovativo dos pagamentos a esses mesmos alegados fornecedores.

Por outro lado, afirmou esta testemunha que, segundo análise à contabilidade da empresa, verificou que a mesma não dispunha de qualquer estrutura organizacional que, no ano de 2011, evidenciasse o efectivo exercício de actividade, mormente registo de despesas com trabalhadores, transportes, custos relacionados com a actividade, instalações, viaturas, comprovativos de pagamentos ou recebimentos.

Foi ainda ouvido como testemunha o inspector tributário JJ, o qual colaborou em diligências relativas à sociedade A..., Unipessoal Lda., igualmente confirmando que, quando se deslocou às ditas instalações em ... e contactou com o arguido DD, não localizou qualquer indicio de ali ter sido exercida a actividade em causa.

A testemunha QQ, contabilista da sociedade arguida A... Unipessoal, Lda., prestou depoimento, dizendo que foi responsável pela contabilidade desta sociedade durante todo o período do seu funcionamento, o qual cessou em 2022. Afirmou ter aceitado que a sede da sociedade fosse o seu gabinete de contabilidade porquanto tal lhe foi pedido pelo arguido DD, com a justificação de que iria arrendar um estaleiro no Norte do país, o que nunca veio a acontecer. No mais, referiu que tratou da constituição da sociedade com ambos os arguidos, CC e DD, ficando com a convicção de que se trataria de um negócio por que ambos eram responsáveis, apesar de ser com o segundo que tratava das questões da contabilidade da sociedade. No mais, disse apenas conhecer a actividade da empresa através dos documentos que lhe foram entregues. Quanto à factura de fls. 585 dos autos, confirmou que a mesma está registada na contabilidade da sociedade, constando o registo de pagamento em numerário, o que aceitou mediante a explicação então apresentada pelos arguidos de que tal método era usual no Alentejo. Por fim, referiu que era efectuada a conciliação bancária, mas que este movimento nunca surgiu reflectido na conta bancária da sociedade.

Quanto à testemunha SS, o mesmo referiu conhecer apenas os arguidos DD e EE, mas do seu depoimento resultou ter celebrado negócios tão só com a arguida EE e com a sociedade por esta gerida.

Por fim, foram ouvidas as testemunhas WW e XX, os quais surgem na contabilidade como fornecedores da sociedade arguida A... Unipessoal, Lda. em 2011 e 2012 (sendo que a factura n.º 8 de que cuidamos data de Dezembro de 2011).

A testemunha WW afirmou que, à data, exercia actividade relacionada com cortiça, dizendo que não tinha instalações, viaturas ou trabalhadores, mas que adquiria cortiça a pessoas que faziam revenda, negociava com a A... Unipessoal, Lda. (na pessoa do arguido DD) e fazia o transporte para o estaleiro dos arguidos DD e EE, sendo o pagamento das faturas efectuado em numerário. Todavia, quando confrontada com as faturas de fls. 255 e ss. do Anexo dos relatórios de inspecção, não soube esclarecer quais as concretas quantidades fornecidas à sociedade, quem efectuou a carga das mercadorias, quem emitia as guias de transporte, quem preenchia as declarações de quitação e os contratos ou qual a razão pela qual alguns desses documentos não se encontram assinados. Por fim, quanto questionada quanto ao período em que exerceu essa actividade, a testemunha referiu que o fez até 2013, não logrando apresentar qualquer explicação para a circunstância de constar do relatório da AT que cessou a actividade em 31/12/2012 ou para o facto de, apesar disso, constarem fornecimentos declarados por terceiros em seu nome que ultrapassam os 3.121.000,00€ nesse mesmo ano de 2013.

A testemunha XX igualmente afirmou que realizou negócios com o arguidos DD e EE, o primeiro enquanto representante da A... Unipessoal, Lda e a segunda enquanto representante da B... – Unipessoal, Lda.. Disse que fazia a entrega da mercadoria no estaleiro em ..., assegurando o transporte da mesma numa carrinha alugada para o efeito, e que todos os pagamentos eram efectuados em numerário. Mais referiu que tinha um ou dois trabalhadores por sua conta, de forma irregular e a quem pagava em numerário. Todavia, não soube concretizar minimamente qual o seu volume de negócios nos anos de 2011, 2012 e 2013, quem emitia as guias de transporte ou explicar o preenchimento dos contratos que acompanham as faturas registadas na contabilidade da sociedade.

Em face de tais considerações, importa desde já referir que nenhuma credibilidade nos mereceu estes depoimentos prestados pelos alegados fornecedores da sociedade A... Unipessoal, Lda. Com efeito, estamos perante dois operadores económicos não declarantes em sede de IVA ou IRS, que pouco ou nada souberam explicar do alegado negócio de cortiça que haviam exercido durante, pelo menos, dois a três anos, demonstrando não disporem de qualquer estrutura que lhes permitisse efectuar fornecimentos que, no caso da testemunha WW, ascenderam a valores superiores a 4 milhões de euros (v. p. 26 do relatório de inspecção de A... Unipessoal, Lda.) e, no caso da testemunha XX, a valores superiores a 1,5 milhões de euros (v. p. 32 do relatório de inspecção de A... Unipessoal, Lda.). Tais montantes de facturação só seriam compatíveis com operadores que demonstrassem dispor de uma estrutura física, logística e organizativa compatível com tal volume de negócios (no caso, inexistente), documentação comprovativa dos respectivos fornecimentos, transportes e pagamentos (dos quais não existe qualquer evidência) e capacidade financeira para disponibilizar e movimentar tais quantias.

Daqui resulta que os depoimentos destas testemunhas em nada contribuíram para formar a convicção de que a sociedade A... Unipessoal, Lda lhes havia adquirido a mercadoria que alegadamente vendeu à E..., Unipessoal Lda., antes resultando à saciedade que tais negócios também não corresponderam à realidade.

Em suma, relativamente à factura da alegada transacção ocorridas entre a A..., Unipessoal, Lda. e a E..., Unipessoal Lda, a prova carreada para os autos impõe a conclusão de que a mesma não pode corresponder a uma verdadeira transacção comercial porquanto:

a sede da sociedade localizava-se no respectivo gabinete de contabilidade, em ..., o qual não dispunha de condições logísticas para o exercício da actividade, não tendo sido localizadas quaisquer outras instalações com indícios concretos daquela mesma actividade;

a sociedade A..., Unipessoal, Lda. não apresentava, por referência ao exercício de 2011, uma estrutura que permitisse o concreto exercício da actividade relacionada com a compra e venda de cortiça, porquanto não possuía qualquer activo fixo tangível afecto à sua actividade e apresentando gastos limitados ao vencimento do seu único trabalhador (o gerente e arguido CC) e serviços de contabilidade;

não foram identificados reais fornecedores da mercadoria que a sociedade alegadamente vendeu, concluindo-se que os alegados fornecimentos prestados pelas testemunhas WW e XX não configuram transacções verdadeiras, tendo sido totalmente desconsiderados;

as contas bancárias da sociedade não eram utilizadas para efectuar pagamentos aos seus alegados fornecedores (cfr. anexo 6 ao relatório de inspecção), sendo registados, contabilisticamente, como pagamentos por caixa, em numerário, pese embora o elevadíssimo montante a que respeitam;

da factura em causa não consta qualquer lugar de carga / descarga ou indicação de viatura, sendo que não foram contabilizados pela sociedade qualquer custo com o transporte desta mercadoria, sendo que a contabilidade não espelha qualquer evidencia de que tenha ocorrido o transporte dessa cortiça;

no que respeita ao pagamento da E..., Unipessoal Lda. à A..., Unipessoal, Lda., estes foram registados na contabilidade de ambas a título de numerário, mas inexiste qualquer entrada ou saída das respectivas contas bancárias ou documento comprovativo deste mesmo pagamento / recebimento, pese embora o elevado montante a que respeita

(107.010,00€);

o pagamento desta factura surge contabilizado na E..., Unipessoal Lda.

nos meses de Janeiro a Novembro quando a factura foi emitida somente em Dezembro de 2011 (cfr. fls. 583), contrariando a lógica empresarial e sendo os respectivos movimentos omissos dos extractos bancários de ambas as sociedades (v. Anexos I a V);

analisada a factura n.º 8, datada de 14/12/2011, verifica-se que a mesma titula a suposta compra de uma pilha com 15.000 kg de cortiça ao preço de 3 euros o kg e ainda de 140 fardos de cortiça, ao preço de 300 euros cada um. Todavia, analisado o inventário final do ano de 2011 (cfr. fls. 547), verifica-se que essas quantidades de cortiça não se encontravam lá relevadas, sem que a 

E..., Unipessoal Lda. tenha declarado as correspondentes vendas dessa mesma cortiça (cfr. fls. 518 e ss.).

Em face da prova assim produzida, ficou o tribunal com a convicção segura de que a factura n.º 8, descrita no ponto 19) dos factos provados, não revela uma transacção real, visto que, a sociedade A..., Unipessoal Lda. nunca poderia ter fornecido os bens titulados por aquelas faturas.

No que concerne à gerência efectiva da sociedade A..., Unipessoal Lda., nomeadamente quem representava esta sociedade e detinha poder decisório, designadamente quanto à emissão de faturas que não correspondiam à realidade, ficou o tribunal efectivamente convencido de que a mesma pertencia a ambos os arguidos, CC e DD.

Resulta da certidão do registo comercial da sociedade que a mesma foi constituída em 16/062011, sendo sócio e gerente, desde a data da sua constituição, o arguido CC.

Ora, a nomeação formal para a gerência permite-nos, por via do registo, presumir a administração de facto, nos termos do disposto no art. 11.º do Código do Registo Comercial.

Porém, num direito penal em que a responsabilidade criminal se funda na culpa enquanto juízo ético-jurídico de imputação pessoal da conduta ao agente, nenhum comportamento jurídico-penalmente relevante poderá gerar responsabilidade criminal sem a verificação efectiva (não meramente presuntiva) dos factos que permitam a sua imputação subjectiva.

Por isso, como tem vindo a entender-se de forma pacífica na jurisprudência, a imputação de factos a representantes legais de pessoas colectivas não se basta com a existência de nomeação formal para cargo dessa natureza, postulando-se que lhe corresponda um exercício fáctico das inerentes incumbências.

Até porque é conhecida a recorrente desconformidade entre a realidade jurídica e fáctica, com situações em que representantes de direito nada decidem na vida da sociedade, funcionando como meros “testas de ferro” do verdadeiro administrador, e representantes de facto que nunca aparecem

formalmente como tal, mas que na realidade dominam todas decisões relativas à sociedade, os chamados “shadow directors” - a propósito, Pedro do Nascimento, na tese de mestrado sob o título “A Responsabilidade dos Gerentes e Administradores de Facto no C.I.R.E.”, págs. 8 a 11, Universidade Católica Portuguesa, 2012, publicada online.

Temos assim que se exige um exercício real e efectivo da administração, com determinado grau de intensidade, qualitativo e quantitativo, aqui se excluindo a simples actividade de supervisão ou de controlo e autonomia decisória, isto é, poder de impor decisões ou influenciar a gestão de forma vinculativa.

Certo é que foram diversos os elementos probatórios carreados para os autos que permitiam ao tribunal formar convicção segura de que a gerência de facto da sociedade era exercida pelos dois arguidos, CC e DD.

Quanto ao arguido CC:

o mesmo figura formalmente como gerente da sociedade desde a sua constituição em Junho de 2011, sendo o seu único trabalhador inscrito e auferindo remuneração mensal, nessa mesma qualidade de gerente, até 2021;

nessa mesma qualidade de gerente, emitiu uma procuração conferindo poderes ao arguido DD para praticar todos os actos de gestão da sociedade (cfr. fls. 231 do Anexo composto pelos relatórios de inspecção);

segundo a testemunha QQ, contabilista da sociedade arguida A... Unipessoal, Lda., contactou directamente com o arguido CC, o qual se identificou como gerente e responsável pela sociedade, depois lidando com o mesmo, com alguma frequência, para tratar de assuntos com a mesma relacionados.

Quanto ao arguido DD:

pelo gerente formal da sociedade foi, em 20/06/2011 (quatro dias após a constituição da sociedade), outorgada procuração que conferiu os mais amplos poderes de gestão ao arguido DD;

os inspectores tributários JJ e II, quando solicitaram a comparência do gerente da sociedade A... Unipessoal, Lda., apenas contactaram com o arguido DD, sendo que, em tal fase embrionária do processo e aquando da realização das diligências tendentes à identificação dos responsáveis pela prática dos actos de gestão da sociedade, foi este arguido quem se apresentou perante a administração tributária e identificou como gerente [4];

a testemunha QQ, contabilista da sociedade arguida A... Unipessoal, Lda., afirmou que foi o arguido DD quem a contactou aquando da constituição da sociedade, que entregava a documentação necessária à elaboração da contabilidade e com quem lidava para tratar de assuntos relacionados com a sociedade;

também os alegados fornecedores, WW e XX identificaram o arguido DD como sendo a pessoa responsável pela sociedade A... Unipessoal, Lda.

Em suma, da prova carreada para os autos, resulta que, aquando da emissão da factura n.º 8, datada de 14/12/2011, ambos os arguidos, CC e DD, detinham o domínio dos factos e o controlo efectivo da sociedade, estando a par da sua situação económica e financeira. Nessa medida, não podiam aqueles olvidar que esta factura emitida à E..., Unipessoal Lda. não titulava qualquer transacção real e que, por essa via, permitam àquela sociedade a obtenção de uma vantagem indevida correspondente à dedução do IVA de uma factura que nunca foi efectivamente paga e ao incremento dos custos para efeitos de IRC.


*

emitente B... – Unipessoal, Lda

No que concerne à factualidade respeitante à actividade da sociedade emitente B... – Unipessoal, Lda., o tribunal valorou todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; cópia da factura n.º 118, descrita no ponto 27) dos factos provados, e que consta de fls. 596, constituindo prova directa dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da acção inspectiva iniciada em 23/07/2013, aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, subscrito pelo inspector tributário JJ (cfr. fls. 444 e ss. do Anexo).

No que concerne à prova testemunhal, foi ouvido este mesmo inspector tributário JJ, o qual efectuou acção inspectiva a esta sociedade, quanto ao exercício de 2009, ampliada para os referidos exercícios de 2010 a 2012.

Segundo a testemunha, deslocou-se ao local da sede da sociedade, verificando que se tratava de um terreno amplo, com aspecto abandonado, sem qualquer indicio do exercício de actividade relacionada com a cortiça. Ademais, tendo solicitado a presença da sócia e gerente EE, quem compareceu foi o arguido DD, o qual se identificou como responsável pela actividade dessa sociedade e disponibilizou os elementos de contabilidade.

Ademais, analisou a contabilidade da sociedade B... – Unipessoal, Lda., tendo constatado que a mesma não tinha trabalhadores registados, apenas era titular de uma viatura ligeira, não tinha qualquer registo de subcontratação de serviços (transportes, mão de obra) ou despesas relacionadas com o exercício da actividade.

Por outro lado, quando identificou e verificou os fornecedores da sociedade, concluiu que estas faturas também evidenciavam a simulação dos respectivos negócios, porquanto se tratavam de entidades sem capacidade para fornecimento das respectivas mercadorias (sendo um dos seus principais fornecedores precisamente a sociedade A..., Unipessoal Lda. que acima analisámos).

A testemunha RR, contabilista da sociedade arguida B... – Unipessoal, Lda., prestou depoimento, dizendo que foi responsável pela contabilidade desta sociedade durante todo o período do seu funcionamento e que esta era uma sociedade que se dedicava à compra e venda de cortiça e que apresentava as declarações fiscais de forma regular. Questionado quanto à concreta actividade da empresa, recusou que a mesma fosse meramente formal, dizendo que chegou a conhecer as instalações e a ver cortiça armazenada no local. Quanto à gerência da sociedade, referiu que era a arguida EE quem tratava de todos os assuntos, quem o contratou, assinava os cheques para pagamento dos serviços de contabilidade, tinha acesso às contas bancárias e se deslocava ao gabinete para entregar os elementos necessários para a apresentação das declarações fiscais. Todavia, referiu que a mesma ia acompanhada do marido, DD, o qual a ajudaria nesta actividade, a que igualmente se dedicava, tanto mais que a arguida EE era a única trabalhadora inscrita. No que concerne à concreta factura n.º 118, disse não se recordar em concreto da sua contabilização, mas afirmou não estranhar o pagamento em numerário, dizendo que era habitual no negócio da cortiça.

Quanto à testemunha SS, o mesmo referiu conhecer apenas os arguidos DD e EE, asseverando ter celebrado negócios com a arguida EE e com a sociedade por esta gerida. A este propósito, afirmou conhecer as instalações junto à habitação dos arguidos, sendo que o transporte da mercadoria era assegurado pelo próprio. Negou ter celebrado quaisquer negócios com o arguido DD, apesar de ter acabado por referir que este chegou a procura-lo para propor negócios de compra de cortiça. Quanto aos pagamentos, afirmou que estes eram sempre efectuados por cheque.

Por fim, foram ouvidas as testemunhas WW e XX, os quais surgem na contabilidade como fornecedores da sociedade arguida B... – Unipessoal, Lda. em 2011 (sendo que a factura n.º118 de que cuidamos data de 24/08/2011).

A testemunha WW afirmou que, à data, exercia actividade relacionada com cortiça, dizendo que não tinha instalações, viaturas ou trabalhadores, mas que adquiria cortiça a pessoas que faziam revenda, negociava com a B... – Unipessoal, Lda. (na pessoa da arguida EE) e fazia o transporte para o estaleiro dos arguidos DD e EE, sendo o pagamento das faturas efectuado em numerário. Todavia, quando confrontada com a circunstância de haver uma discrepância entre o valor das mercadorias alegadamente fornecidas à sociedade B... – Unipessoal, Lda. em 2011 e por esta contabilizadas (no valor de 175.275,00€) e o valor das vendas por si declaradas a esta sociedade (0,00€), a testemunha não soube esclarecer, limitando-se a dizer que não comunicou as faturas de venda à AT. Por fim, quanto questionada quanto ao período em que exerceu essa actividade, a testemunha referiu que o fez até 2013, não logrando apresentar qualquer explicação para a circunstância de constar do relatório da AT que cessou a actividade em 31/12/2012 ou para o facto de, apesar disso, constarem fornecimentos declarados por terceiros em seu nome que ultrapassam os 3.121.000,00€ nesse mesmo ano de 2013.

A testemunha XX igualmente afirmou que realizou negócios com o arguidos DD e EE, o primeiro enquanto representante da A... Unipessoal, Lda e a segunda enquanto representante da B... – Unipessoal, Lda. Disse que fazia a entrega da mercadoria no estaleiro em ..., assegurando o transporte da mesma numa carrinha alugada para o efeito, e que todos os pagamentos eram efectuados em numerário. Mais referiu que tinha um ou dois trabalhadores por sua conta, de forma irregular e a quem pagava em numerário. Todavia, não soube concretizar minimamente qual o seu volume de negócios nos anos de 2011, 2012 e 2013, quem emitia as guias de transporte ou explicar o preenchimento dos contratos que acompanham as faturas registadas na contabilidade da sociedade. Por outro lado, quando confrontado com a circunstância de haver uma discrepância entre o valor das mercadorias alegadamente fornecidas à sociedade B... – Unipessoal, Lda. em 2011 e por esta contabilizadas (no valor de 77.490,00€) e o valor das vendas por si declaradas a esta sociedade (0,00€), a testemunha não soube esclarecer.

Em face de tais considerações, também aqui se conclui que nenhuma credibilidade nos mereceu estes depoimentos prestados pelos alegados fornecedores da sociedade B... – Unipessoal, Lda. Como referimos supra, estamos perante duas testemunhas que pouco ou nada souberam explicar do alegado negócio de cortiça que haviam exercido durante, pelo menos, dois a três anos, demonstrando não disporem de qualquer estrutura que lhes permitisse efectuar fornecimentos que, no caso da testemunha WW, ascenderam a valores superiores a 4 milhões de euros, e, no caso da testemunha XX, a valores superiores a 1,5 milhões de euros. Tais montantes de facturação só seriam compatíveis com operadores que demonstrassem dispor de uma estrutura física, logística e organizativa compatível com tal volume de negócios (no caso, inexistente), documentação comprovativa dos respectivos fornecimentos, transportes e pagamentos (dos quais não existe qualquer evidência) e capacidade financeira para disponibilizar e movimentar tais quantias. Daqui resulta que os depoimentos destas testemunhas em nada contribuíram para formar a convicção de que a sociedade B... – Unipessoal, Lda. lhes havia adquirido a mercadoria que alegadamente vendeu à E..., Unipessoal Lda.

Não se olvida que, em sede de impugnação judicial apresentada por esta sociedade quanto às liquidações de IVA relativos a diversos períodos dos anos de 2010, 2011 e 2012 (cfr. fls. 326 e ss. e 1477 e ss.), o tribunal decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação, aceitando como reais os negócios titulados pelas faturas emitidas pelos fornecedores ZZ e a sociedade K..., WW, XX e AAA. Todavia, em face das particularidades do processo tributário e do próprio ónus da prova que ali vigora, importa referir que tal decisão não vincula este tribunal nem impede conclusão diversa. Todavia, ainda que assim não fosse, certo é que ali se concluiu que as compras tituladas por faturas emitidas pela sociedade A..., Unipessoal, Lda. (um dos seus maiores fornecedores) à sociedade B... – Unipessoal, Lda. não correspondiam a reais transacções.

Em suma, o tribunal não logrou formar convicção segura quanto à ausência de exercício efectivo de actividade no ramo da cortiça por parte da sociedade B... – Unipessoal, Lda. (o que se deu como não provado), ainda que seja evidente que esta actividade nunca poderia ter a dimensão que a contabilidade espelha.

Em particular, analisada toda a prova documental e testemunhal, relativamente à factura da alegada transacção ocorridas entre a B... – Unipessoal, Lda. e a E..., Unipessoal Lda., os elementos carreados para os autos impõem a conclusão de que a mesma não pode corresponder a uma verdadeira transacção comercial porquanto:

da factura em causa não consta qualquer lugar de carga / descarga ou indicação de viatura ou guia de transporte, sendo que não foram contabilizados por nenhuma das sociedades quaisquer custos com o transporte desta mercadoria entre o estaleiro em ... e as instalações da adquirente em ...;

no que respeita ao pagamento da E..., Unipessoal Lda., inexiste qualquer relação entre os meios de pagamento indicados por esta e o correspondente recebimento pela B... – Unipessoal, Lda. (cfr. extractos bancários constantes do Anexo I a V), sendo que os valores não surgem reflectidos nos saldos bancários da sociedade nem foram emitidos quaisquer recibos;

como explicou o inspector tributário HH, o controlo quantitativo das aquisições e vendas da empresa E..., Unipessoal Lda. permite concluir que há uma incongruência entre as quantidades de mercadorias compradas e vendidas, do que resulta uma ausência de lógica na aquisição da cortiça titulada por esta factura para o desenvolvimento da sua actividade.

Em face da prova assim produzida, ficou o tribunal com a convicção segura de que a factura n.º 118, descrita no ponto 27) dos factos provados, não revela uma transacção real, visto que inexiste qualquer evidência de que a sociedade B... – Unipessoal, Lda. tenha fornecido os bens titulados pela mesma.

No que concerne à gerência efectiva da sociedade B... – Unipessoal, Lda., nomeadamente quem representava esta sociedade e detinha poder decisório, designadamente quanto à emissão de faturas que não correspondiam à realidade, ficou o tribunal efectivamente convencido de que a mesma pertencia a EE.

Resulta da certidão do registo comercial da sociedade que a mesma foi constituída em 10/01/2008, sendo sócia e gerente, desde a data da sua constituição, a arguida EE.

Da análise da documentação apreendida nos autos, o inspector JJ afirmou que era a arguida EE quem assinava os cheques e fazia levantamentos ao balcão, sendo a única trabalhadora inscrita e auferindo remuneração mensal, nessa mesma qualidade de gerente.

Ademais, segundo a testemunha RR, contabilista da sociedade arguida, era a arguida EE quem tratava de todos os assuntos relacionados com a mesma, quem o contratou, assinava os cheques para pagamento dos serviços de contabilidade, tinha acesso às contas bancárias e se deslocava ao gabinete para entregar os elementos necessários para a apresentação das declarações fiscais.

Por fim, as testemunhas SS, WW e XX identificaram a arguida EE como sendo a pessoa responsável pela sociedade B... – Unipessoal, Lda.

Já quanto ao arguido DD, é certo que resultou demonstrado que, aquando da acção inspectiva, iniciada em Julho de 2013, os inspectores tributários JJ e II solicitaram a presença do gerente da sociedade B... – Unipessoal, Lda., tendo sido o arguido DD quem compareceu e se identificou como gerente.

No entanto, esta circunstância, por si só e desacompanhada de outros elementos probatórios, não permite concluir que este arguido detinha efectivos poderes de gestão da sociedade, designadamente à data em que foi emitida a factura em causa nos autos. Com efeito, nenhuma outra testemunha cuja razão de ciência permita aferir do seu conhecimento efectivo da dinâmica organizacional da empresa confirmou que o arguido DD praticava actos de gerência na B... – Unipessoal, Lda. Ainda que tenha sido afirmado que o arguido se dedicava a negócios no ramo da cortiça nas mesmas instalações da sociedade B... – Unipessoal, Lda., certo é que tal local correspondia à casa de habitação do casal DD e EE. Ademais, os documentos carreados para os autos também não evidenciam a sua participação nos factos em julgamento, visto não terem sido identificados elementos documentais ou contabilísticos que demonstrem a prática de actos de gestão por parte daquele arguido.

Em face do exposto, foi dado como não provado que o arguido DD igualmente exercia a gerência de facto da sociedade B... – Unipessoal, Lda. à data da emissão da factura em juízo.

Em suma, da prova carreada para os autos, resulta que, aquando da emissão da factura n.º 118, datada de 24/08/2011, era a arguida EE quem detinha o domínio dos factos e o controlo efectivo da sociedade, estando a par da sua situação económica e financeira. Nessa medida, não podia a mesma olvidar que esta factura emitida à E..., Unipessoal Lda. não titulava qualquer transacção real e que, por essa via, permita àquela sociedade a obtenção de uma vantagem indevida correspondente à indevida dedução do IVA de uma factura que nunca foi efectivamente paga e ao incremento dos custos para efeitos de IRC.


*

emitente C...

No que concerne à factualidade respeitante à actividade da sociedade emitente C..., Unipessoal Lda., o tribunal valorou o seguinte acervo probatório:

Desde logo, o arguido AA prestou declarações, negando a prática dos factos em julgamento. Não obstante admitir que foi o legal representante da C..., Unipessoal Lda. e que conhecia GG, afirmou que, a partir da constituição da sociedade D... Unipessoal Lda. (Agosto de 2012), por coincidir com período em que atravessou problemas de saúde, o seu filho e arguido FF passou a exercer também actos de gestão em nome da C..., Unipessoal Lda., designadamente a emissão de faturas, movimentação das contas bancárias e entrega de documentação junto da contabilidade. Assim, negou ter celebrado qualquer acordo com aquele GG, ter emitido a factura n.º120 em causa nos autos ou ter recordação deste negócio ter ocorrido. Aliás, confrontado com o documento de fls. 638, disse não reconhecer a caligrafia ou o seu preenchimento. Segundo o arguido, as instalações da C..., Unipessoal Lda. dispunham de máquinas e equipamentos para o exercício da actividade no ramo da cortiça, sendo que, a partir da constituição da D... Unipessoal Lda., estes passaram a ser utilizados também por esta. Por fim, afirmou que chegou a celebrar alguns negócios com GG, sendo o transporte assegurado por este último, mas sendo estas vendas de valores manifestamente inferiores ao constante da referida factura n.º 120.

Por outro lado, também o arguido FF prestou declarações quanto a estes factos, reconhecendo a autoria dos mesmos, designadamente ter ele quem emitiu a factura em nome da C..., Unipessoal Lda., admitindo que a mesma não corresponde a qualquer transacção real. Mais asseverou que o seu pai, o arguido AA, não teve conhecimento ou qualquer participação nestes factos. Segundo o arguido, acordou com o GG, além do mais, a emissão desta factura da C... (por razões de desconto), sem que tivesse ocorrido a respectiva venda ou o recebimento do preço, factos de que o seu pai nunca teve conhecimento, visto que, à data, lhe confiava a prática dos actos de gestão da sociedade.

Foram analisados todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; cópia da factura n.º 120, descrita no ponto 34) dos factos provados, e que consta de fls. 638, constituindo prova directa dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da acção inspectiva iniciada em 5/07/2016, ao exercício de 2013, subscrito pelo inspector tributário OO.

Ora, desde logo, em face das declarações prestadas pelos arguidos AA e FF, resulta admitido pelos mesmos que a factura n.º 120 não corresponde a qualquer transacção comercial real, visto terem reconhecido que a sociedade arguida C..., Unipessoal Lda. nunca vendeu aquela mercadoria e a E..., Unipessoal Lda. nunca procedeu ao seu pagamento.

Todavia, cumpre acrescentar que essa mesma conclusão sempre se extrairia dos demais elementos carreados para os autos, designadamente:

não foram contabilizados pela sociedade qualquer custo com o transporte desta mercadoria, sendo que a contabilidade não espelha qualquer evidência de que tenha ocorrido o transporte dessa cortiça (note-se que o documento de fls. 1817 não permite estabelecer qualquer relação com a factura, seja pelos seus dados, seja pela data que do mesmo consta);

no ano de 2013, inexistem fornecedores a declarar nos mapas recapitulativos qualquer venda à sociedade C..., Unipessoal Lda.;

no que respeita ao pagamento à C..., Unipessoal Lda., estes foram registados na contabilidade a título de numerário, mas inexiste qualquer entrada ou saída das respectivas contas bancárias ou documento comprovativo deste mesmo pagamento / recebimento, pese embora o elevado montante a que respeita (81.180,00€);

no que concerne à contabilidade da E..., Unipessoal Lda., as contas mostram-se saldadas com um documento interno de compensação directa entre saldos de conta corrente de clientes e de fornecedores sem qualquer relação entre si, ao que acresce a emissão que um único cheque, no valor de 1.000,00€, emitido à própria utilizadora.

Em suma, dúvidas não restam que esta factura não titula qualquer transacção comercial verdadeira, tratando-se de negócio simulado unicamente com vista à obtenção de benefícios fiscais indevidos.

Cumpre notar, porém, que, quando analisada a referida prova, não ficou o tribunal convencido da total ausência de exercício efectivo de actividade no ramo da cortiça por parte da sociedade C..., Unipessoal Lda.

Desde logo, ambos os arguidos AA e FF descreveram a actividade a que a sociedade se dedicava e ainda dedica, referindo que as instalações estavam dotadas de equipamentos adequados ao exercício da actividade.

Por outro lado, o inspector tributário OO afirmou ter-se deslocado às instalações da C..., dizendo que ali laborava uma pequena empresa, com todas as condições para a laboração. Isso mesmo fez constar do seu relatório, designadamente que a empresa dispunha de um conjunto de equipamentos industriais e duas viaturas de mercadorias, apresentando condições físicas para o desenvolvimento da sua actividade: instalações apropriadas, máquinas e equipamentos, viaturas para transporte de mercadorias (cfr. fls. 484 - v.º do Anexo)

Também a inspectora tributária NN fez constar do relatório de inspecção à sociedade D... Unipessoal Lda. (a laborar nas mesmas instalações) que “no local efectivamente existem instalações compatíveis com o exercício da actividade, sendo visíveis do exterior pilhas de cortiça e um pavilhão” (cfr. fls. 541-v.º do Anexo) e ainda que “através da visita às instalações constatamos a evidencia do efectivo exercício da actividade, nomeadamente a existência de um tanque onde se procede à cozedura da cortiça e várias máquinas para a fabricação de rolhas” (cfr. fls. 542 do Anexo), o que confirmou quando ouvida em julgamento.

A este propósito, a testemunha TT afirmou que chegou a trabalhar de forma irregular e “aos dias” para o arguido AA e depois para o arguido FF, embora não lograsse concretizar qual a sociedade que suportava os custos da sua remuneração, confirmando que ali era exercida actividade no sector da cortiça.

Também UU, corticeiro e afinador de máquinas de cortiça, afirmou ter sido trabalhador na sociedade E..., Unipessoal Lda. entre 2009 e 2014, razão pela qual visitou as instalações das sociedades C..., Unipessoal Lda. e D... Unipessoal Lda., enquanto fornecedores daquela, nomeadamente para efectuar carregamentos de mercadoria.

Por fim, ouvida a testemunha VV, corticeiro que trabalhou ao serviço da sociedade E..., Unipessoal Lda. entre 2005 e 2021, afirmou conhecer as instalações das sociedades C..., Unipessoal Lda. e D... Unipessoal Lda., dizendo que as mesmas dispunham de equipamentos, tanque e estaleiro, sendo que se dedicavam, efectivamente, à venda de cortiça e rolhas. Aliás, esta testemunha afirmou que, no decurso do ano de 2013 (data que concretizou por referência ao seu divórcio, ocorrido em Fevereiro de 2013 conforme documento junto por requerimento datado de 23/05/2024), esteve cerca de um mês a trabalhar naquelas instalações, por conta do seu empregador E..., Unipessoal Lda., ainda que não tenha logrado concretizar se a mercadoria se destinava a esta mesma empresa ou a outra.

Em face da prova assim produzida, ficou efectivamente demonstrado que – não obstante a prova da simulação do negócio titulado pela referida factura n.º 120 – a C..., Unipessoal Lda. exercia actividade efectiva no ramo da cortiça, razão pela qual não se deu como provado que esta sociedade tivesse uma existência meramente formal.

Resta tomar posição quanto à autoria destes factos, designadamente quanto ao agente que actuou em representação da sociedade C..., Unipessoal Lda. Neste tocante, ficou o tribunal com dúvida inultrapassável quanto à imputação destes factos ao arguido AA – gerente de facto e de direito – ou ao arguido FF – somente gerente de facto – ou mesmo a ambos, actuando em comunhão de esforços. Com efeito, se por um lado as versões de ambos os arguidos são coincidentes e eximentes da responsabilidade do arguido AA, certo é que resultou da prova testemunhal que, mesmo após a emissão desta factura, o arguido AA se manteve na gerência da empresa, estava diariamente presente nas instalações e que sempre se identificou como o responsável pela sociedade.

Com efeito, a inspectora NN relatou as diligências que realizou aquando da acção inspectiva à D... Unipessoal Lda., dizendo que, em deslocação às instalações, em 2014, ali se encontravam ambos os arguidos, AA e FF, tendo sido o primeiro quem se identificou como gerente da C..., sem que tivesse indicado qualquer outra pessoa que praticasse os respectivos actos de gestão desta sociedade.

Da mesma forma, o inspector tributário OO, aquando da acção inspectiva que conduziu à C..., disse ter contactado com o arguido AA em visita às instalações, sendo que o próprio se identificou como gerente da sociedade.

Ademais, em período coincidente, a testemunha VV afirmou que esteve cerca de um mês a trabalhar nas instalações da C..., Unipessoal Lda., tendo asseverado que ali se encontravam ambos os arguidos, AA e FF.

Por fim, a testemunha TT disse ter trabalhado para o arguido AA e depois para o filho deste, FF. Todavia, mostrou-se desconhecedor de qualquer período de ausência do primeiro por razões de saúde.

Somente a testemunha UU corroborou o alegado afastamento do arguido AA, no decurso do ano de 2013, recordando-se que o mesmo havia sido submetido a uma cirurgia.

Daqui decorre que, apesar dos alegados problemas de saúde, o arguido AA se manteve diariamente nas instalações da sociedade C..., Unipessoal Lda., tinha acesso a toda a documentação e às contas bancárias da sociedade, conhecia e tinha uma relação de confiança com GG (a ponto de figurar, juntamente com aquele, como sócio na sociedade D... Unipessoal Lda.), o que igualmente é susceptível de indiciar ter este arguido participado dos factos em julgamento.

Aliás, em face da relação de parentesco que liga ambos os arguidos, não se estranharia que o arguido FF adoptasse uma tal conduta com vista a proteger e ilibar o seu pai, o que vem acrescer à dúvida quanto à participação de um ou outro (ou ambos) os arguidos nestes factos.

Nessa medida, o tribunal apenas logrou dar como provado – porque directamente resultante da defesa – que foram emitidas estas faturas em nome da sociedade C..., Unipessoal Lda., por indivíduo com poderes de representação mas cuja identidade não se apurou, por não se poder afirmar, com a segurança necessária e para além da dúvida razoável, qual (ou quais) dos arguidos foi responsável pela prática destes factos. Nessa medida, foi dado como não provado que o arguido AA tivesse actuado, na qualidade de representante da sociedade C..., Unipessoal Lda., da forma que lhe vinha imputada.


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emitente D...

No que concerne à factualidade respeitante à actividade da sociedade emitente D... Unipessoal Lda., o tribunal valorou o seguinte acervo probatório:

Desde logo, o arguido FF prestou declarações, confessando integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados. O arguido reconheceu ter aderido ao plano que lhe foi proposto por GG, com vista à emissão de facturação falsa, o que disse ter feito na perspectiva de melhorar a condição económica da sociedade que haviam constituído. Todavia, disse nunca ter recebido qualquer contrapartida pela emissão de tais faturas, tendo actuado na expectativa de que tais negócios simulados viessem a concretizar-se, com o correspectivo pagamento e melhoria da condição económica da empresa. Por fim, afirmou que, porque tal nunca sucedeu, acabou por perder a confiança no seu sócio GG, razão pela qual deixou de fazer qualquer negócio com o mesmo e encerrou a actividade da sociedade que haviam constituído.

Foram ainda analisados todos os documentos juntos ao processo, nomeadamente a certidão permanente da sociedade; cópia das faturas n.º 11, 12, 13, 15, 19, 21, 27 e 29, descritas no ponto 42) dos factos provados, e que constam de fls. 640 a 653, constituindo prova directa dos seus elementos, designadamente, número, data, sociedade emitente, valor, taxa de IVA aplicável, e correspondente valor; e ainda o relatório da acção inspectiva iniciada em 22/07/2014, ao exercício de 2013, subscrito pela inspectora tributária NN.

Foram ainda ouvidos os depoimentos das testemunhas HH, KK, OO e NN, inspectores tributários com intervenção directa nos autos e que, tendo analisado as realidades organizativas das sociedades em causa, elencaram as diversas razões pelas quais a Administração Tributária concluiu que estas faturas não titulavam reais transacções (v.g. falta de documentos comprovativos do efectivo pagamento das faturas, inexistência de aquisições de mercadoria, ausência da evidência da carga e transporte; falta de documentação de despesas associadas ao fornecimento; inexistência de uma estrutura autónoma, activo fixo tangível ou disponibilidade financeira), como, aliás, o arguido FF acabou por reconhecer em julgamento ao confessar os factos de forma integral e sem reserva.

Em face de tal prova, resulta indiscutível que as faturas dadas como provadas em 42) não correspondem a qualquer transacção comercial real, visto que a D... Unipessoal Lda. nunca vendeu aquela mercadoria e a E..., Unipessoal Lda. nunca procedeu ao seu pagamento.

Mais resultou provado que, ao actuar da forma descrita, o arguido FF sabia que permitia à sociedade E..., Unipessoal Lda. a obtenção de uma vantagem indevida correspondente à indevida dedução do IVA de faturas que nunca foram efectivamente pagas e ao incremento dos custos para efeitos de IRC.


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Em face da prova assim produzida, o tribunal ficou com a convicção segura de que as transacções tituladas pelas faturas referidas na factualidade provada e utilizadas pela sociedade E..., Unipessoal Lda. não correspondem, de facto, a transacções reais. Esta conclusão racionalmente extraída desses elementos não foi infirmada por nenhum elemento probatório validamente produzido. Os múltiplos indícios acima referidos são, destarte, graves, precisos e concordantes, inexistindo qualquer elemento probatório que tenha abalado a forte convicção que dos mesmos resulta, numa análise à luz das regras de experiência comum e de normalidade do ser.

Ademais, só mediante a existência de um acordo prévio gizado entre os respectivos emitentes e o utilizador é que tais faturas poderiam ter sido emitidas sem qualquer substrato real, visando naturalmente a obtenção de vantagens indevidas por parte da sociedade E..., Unipessoal Lda., a qual logrou integrar essas mesmas faturas na sua contabilidade, sem que configurassem um efectivo custo suportado e ainda beneficiando da indevida dedução do montante do IVA liquidado. Por conseguinte, não temos dúvidas que tal actuação ocorreu mediante a delineação e execução do plano dado como provado entre o legal representante da E..., Unipessoal Lda. e cada um dos emitentes das faturas.

Relativamente aos valores dos benefícios indevidamente obtidos pela sociedade E..., Unipessoal Lda. a prova dos mesmos resultou da análise dos relatórios e pareceres juntos ao processo e respectivos anexos, conjugada com o depoimento dos inspectores tributários inquiridos em julgamento. Com efeito, para apuramento daqueles valores foi considerado unicamente o valor do IVA respeitante às faturas descritas na acusação e que foi indevidamente deduzido pela sociedade nas respectivas declarações periódicas, com a respectiva correcção do quadro, mediante operação aritmética de subtracção dos valores respeitantes a outras faturas que não constam da factualidade provada e cujo montante não excede os 15.000,00€. Já em sede de IRC, tendo sido detectado que os valores que constavam da acusação / pronúncia incluíam montantes respeitantes a outras faturas contabilizadas no mesmo período mas que extravasam o objecto deste processo, foram as tabelas rectificadas, mediante cálculo aritmético e aplicação, sobre o valor do indevido incremento dos custos, da mesma taxa de IRC de 25% (vigente nos anos de 2011, 2012 e 2013) que resulta das correcções efectuadas pela AT e constantes do parecer de fls. 934 a 950 (v. fls. 945), sendo os valores contabilizados unicamente quanto às faturas dadas como provadas neste processo e expurgados das demais.

A este propósito, cumpre também referir que nenhum reflexo tem na convicção do tribunal a circunstância de, em termos fiscais, ter a Administração Tributária optado por, em algumas inspecções não efectuar qualquer correcção em sede de IRC ao lucro tributável. Como bem explicaram os inspectores tributários, não sendo possível recolher elementos que permitam fixar o lucro tributável – designadamente por não ter sido possível estabelecer qual a concreta actividade exercida – não foi efectuada alteração aos rendimentos declarados, os quais foram tributados em sede de IRC. Não quer isto dizer que a Administração Tributária tenha assumido as faturas como verdadeiras, mas tao só que não procedeu à correcção da matéria colectável por questões meramente fiscais, relacionadas com a inexistência de elementos que permitissem a sua correcção.

Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta dos arguidos foi considerado assente a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas apreciadas à luz das regras da experiência a que alude o artigo 127.º do Código Processo Penal, já que a consciência e vontade dos arguidos é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

No que se refere à co-autoria, considerando os contornos dos factos, utilização por um de faturas falsas emitidas por outros tendo em vista a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas, não podia deixar de se concluir que cada um dos arguidos na qualidade de emitentes das faturas actuaram em conjunto e em comunhão de esforços com o utilizador, uma vez que a própria emissão das faturas tem subjacente, pelo menos, um acordo entre o utilizador e o respectivo emitente, acordo com o plano estruturado entre eles, em conjugação de esforços e comunhão de interesses.

Todavia, face à prova produzida, as actuações de cada um dos arguidos emitentes são estanque entre si, pois não têm conhecimento uns dos outros e da respectiva actuação, assim como cada um ignora que faturas – que não as suas – os utilizadores iriam contabilizar na respectivas contabilidades (quais, se verdadeiras, se falsas), pelo que se terá de concluir que cada emitente apenas poderá colocar a hipótese de que o prejuízo global para o Estado seria superior a €15.000,00 em cada período de tributação, a menos que isso já resultasse do valor das faturas que, de per si, cada um emitiu. Ora, se é certo que não resultou da prova que os arguidos/emitentes tivessem o domínio do facto global praticado unicamente pelo utilizador das faturas, não se tendo apurado qualquer conluio ou concertação entre todos os emitentes e o utilizador, resulta da prova produzida que as faturas emitidas por cada um dos arguidos emitentes e a sua utilização nos períodos a que respeitam efectivamente determinaram um prejuízo superior a 15.000,00€.

No que respeita ao facto dado como provado em 56), o mesmo – matéria alegada na contestação apresentada pelos arguidos C..., Unipessoal Lda. e AA – resultou do teor dos documentos de fls. 1819 e 1820 dos autos.

Para prova das condições sociais, pessoais e profissionais dos arguidos foi relevante o teor das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, conjugadas com as pesquisas efectuadas nas bases de dados disponíveis.

Antecedentes criminais

Foi ainda valorado o certificado de registo criminal de cada um dos arguidos quanto aos seus antecedentes criminais.

No que concerne ao certificado de registo criminal do arguido DD é certo que do mesmo consta que o mesmo sofreu já as seguintes condenações transitadas em julgado:

PCS 66/09.8IDSTB, foi condenado por sentença transitada em julgado em 1/12/2012, pela prática em 2008, de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 200 dias de multa, extinta em 27/04/2012;

PCS 54/13.0IDSTB, foi condenado por sentença transitada em julgado em 2/02/2016, pela prática em 2009, de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, na pena de 210 dias de multa, declarando-se que os factos pelos quais foi condenado nos processos referidos em a) e b) englobam a mesma continuação criminosa.

Todavia, o tribunal não as considerou em face do que dispõem os art. 11.º n.º1 alínea b) e n.º4 alínea a) da Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio).

Com efeito, considerando os prazos de cancelamento previstos no art. 11.º n.º1 da Lei da Identificação Criminal, importa ter presente que os mesmos já se mostram integralmente decorridos relativamente às referidas condenações.

Ao impor como condição de cancelamento do certificado de registo criminal que “entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;” e não que seja ocorrido a prática de novo crime, tal significa que a data relevante para aferir do decurso daqueles prazos de cancelamento é a do trânsito em julgado da decisão condenatória (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/06/2022, P.º 107/12.1TXPRT-AV.P1, em www.dgsi.pt).

Porque a Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, faz depender o cancelamento da circunstância de não ter ocorrido entretanto nova condenação, nos casos de sucessão de condenações no decurso do prazo de cancelamento, o cancelamento só ocorre quando tiver ocorrido o prazo de reabilitação mais longo estabelecido, contado do termo da respectiva pena, sem nova condenação, Cfr. Maria do Céu Malhado, In Noções de Registo Criminal, §532, págs. 317, apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/09/2021, P.º 96/21.1GAMCN.P1 (www.dgsi.pt).

A pena aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 66/09.8IDSTB foi extinta em 27/04/2012, sendo que o arguido sofreu nova condenação por sentença transitada em julgado em 2/02/2016, no âmbito do processo n.º 54/13.0IDSTB, isto é, em prazo inferior a cinco anos.

No entanto, verificado este último boletim verifica-se que os factos pelos quais o arguido DD foi condenado em ambos os processos englobam a mesma continuação criminosa, sendo aplicada a pena de 210 dias de multa por um único crime continuado.

Ora, nos termos do art. 11.º n.º4 alínea a) da Lei de Identificação Criminal, “Cessam também a sua vigência no registo criminal: a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução de decisões cuja vigência haja cessado nos termos do n.º 1”.

Temos assim que esta decisão, sendo complementar daquela que havia sido proferida no processo n.º 66/09.8IDSTB, cessa igualmente a sua vigência no prazo de cinco anos contados da extinção da pena inicialmente aplicada.

Decorridos 5 anos desde a data da extinção da pena de multa, ocorrida em 27/04/2012, sem que o arguido tenha sofrido qualquer outra condenação, impõe-se então concluir pelo necessário cancelamento dos referidos registos.

Conforme resume o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2022, P.º 490/17.2GAPTL-A.S1 (www.dgsi.pt), “Vem sendo entendido na doutrina (Claus Roxin, Derecho Processal Penal, Editores del Puerto, 2000, p. 192; Almeida Costa, O Registo Criminal – História.

Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, 1985, p. 377 e ss) e alguma jurisprudência (acs. TRE de 14.07.2015, e 10.05.2016, ac. TRL 28.01.2016, acs. TRP, de 29.02.2012 e de 14.04.2021, todos acessíveis em www.dgsi.pt), partindo do disposto no art. 11º da Lei 37/2015, de 5 de maio, que rege a organização e o funcionamento da identificação criminal e determina que o decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir impõe o cancelamento dos registos criminais e, por isso, se este não tiver sido efectivado, em conformidade com a lei, não podem ser considerados contra o arguido, por constituírem meio de prova proibida”.

Em suma, configurando, assim, aqueles boletins respeitantes às condenações sofridas nos referidos processos, um meio de prova que não poderá ser atendido pelo tribunal, foi dado como provado que o arguido DD não tem antecedentes criminais.”


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Apreciando os fundamentos do recurso,

por ordem de precedência lógico substantiva

Da junção do documento superveniente

Os arguidos recorrentes A... e outros vieram requerer, com o requerimento de interposição de recurso, a junção da certidão da sentença proferida em 24.06.2024 no processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Grândola, com nota de trânsito em julgado, este ocorrido em data posterior ao encerramento da audiência de julgamento, (tendo a cópia simples sido recusada), porque objetiva e manifestamente a mesma mostra-se relevante para a descoberta da verdade, e nos termos do disposto do artigo 340 nº 2 do CPP, e artigo 423º nº 3 e 651º do CPC.

O Ministério Público opôs-se, em resposta ao recurso, à junção da referida certidão, argumentando o seguinte:

“a) Os recorrentes não arguiram tempestivamente a nulidade do despacho que indeferiu a junção daquele elemento de prova

documental – cf. art.º 120º, n.º 2, al. d) e n.º 3, al. a) do C.P.P.;

b) Os arguidos também não recorreram do despacho de indeferimento da junção daquele elemento probatório até ao dia 13/09/2024 (30 dias após o conhecimento do despacho);

c) O que foi decidido no processo n.º ... não tem qualquer relevância já que se tratou da apreciação de relações comerciais distintas (aqui as sociedades arguidas estão acusadas de terem emitido faturas falsas para a sociedade E... Unipessoal, Lda., o que não foi apreciado naqueles autos) e a prova aí produzida e valorada em sede de sentença não tem qualquer efeito extraprocesual, designadamente para fazer prova que as faturas objeto da acusação destes autos não eram falsas;

d) Apresentando os recorrentes um documento que não foi admitido em julgamento e, por isso, não foi tido em consideração na prolação da decisão recorrida (tal documento foi junto aos autos apenas com a motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação), a sua junção é manifestamente extemporânea e injustificada, não podendo o mesmo ser atendido e ponderado na apreciação do recurso, pois não valem em julgamento quaisquer provas que não tivessem sido produzidas e examinadas em audiência – cf. art.º 355º, n.º 1 do C.P.

Cumpre apreciar.

Como os próprios invocam, os recorrentes viram anteriormente rejeitada em 28.06.2024 a junção da sentença de 24.06.2024 proferida no processo nº ..., transitada em julgado em 9.09.2024.

Com efeito, o Tribunal “a quo” já tinha decidido, por despacho proferido no dia 28/06/2024, transitado em julgado, que:

“Relativamente ao documento apresentado por requerimento que deu entrada no dia de ontem [27-06-2024], verifica-se que o mesmo se reporta a uma sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Grândola, ainda não transitada em julgado e na qual os ali arguidos, parcialmente comuns aos presentes autos, vinham acusados da prática de crime de fraude fiscal com fundamento em factualidade que é absolutamente distinta daquela que consta da acusação e do despacho de pronúncia em causa nestes autos.

Com efeito, ali se apurou a responsabilidade dos arguidos «A..., Unipessoal Lda.», «B... - Unipessoal Limitada», DD, CC e EE, por reporte a factualidade respeitante a alegada emissão de faturas pela Sociedade «A..., Unipessoal Lda.» e utilização pela Sociedade «B... - Unipessoal Limitada», nos anos de 2011 a 2013.

Trata-se, portanto, de factualidade diversa daquela que em causa se encontra nos presentes autos e com a qual não tem qualquer conexão, sendo que, além do mais e ainda que assim não fosse, o juízo que ali foi efectuado, por decisão, recorde-se, não transitada em julgado, em nada seria susceptível de vincular este Tribunal.

Por tal razão, tratando-se de documento que extravasa o objecto do processo, indefere-se a sua junção.”

Posto isto, não foi apenas a ausência de trânsito em julgado que motivou a rejeição da junção da sentença em causa.

A sua não admissão resultou também da falta da sua necessidade para a descoberta da verdade dos factos em discussão nestes autos, relevância probatória que não lhe adveio com o respetivo trânsito em julgado.

Por conseguinte, sendo irrelevante para a apreciação da matéria de facto, como agora o é para a sua reapreciação, não se admite a junção da certidão em causa.


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ADITAMENTO

Da suspensão do processo: efeitos processuais da impugnação judicial das liquidações

Os arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE vieram invocar que correm termos no TAF de Aveiro seis processos de impugnação judicial elencados no despacho de fls. 1561.

Concretamente, esclarece que a Direção Geral dos Impostos procedeu à correção da matéria tributável, conforme resulta do relatório, mas a sociedade que usou aquelas faturas, E..., Lda impugnou judicialmente os atos tributários de liquidação em sede de IRC e IVA relativos aos exercícios de 2011 a 2013, o que deu origem aos processos 477/16.2BEAVR, 476/164BEAVR, 794/16.1BEAVR, 793/16.3BEAVR, 571/16.OBEAVR e 572/16.8BEAVR.

Por esse motivo, por despacho proferido a 14.09.2017 no processo principal n.º 61/15.8IDAVR (fls. 1308 do mesmo) foi determinada a suspensão dos presentes autos até ao trânsito em julgado das sentenças a proferir naqueles processos, nos termos do disposto no artigo 47º, nº2 do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Todavia, por despacho de 3/03/2021 (fls. 1561), entendeu-se no referido processo principal n.º 61/15.8IDAVR, que ocorreu impugnação das liquidações acima efetuadas por parte da sociedade E..., Lda, mas inexiste qualquer impugnação apresentada pelas sociedades que emitiram as faturas, pelo que, sendo a impugnação estritamente pessoal, não pode beneficiar ou prejudicar terceiros, pelo que quanto as sociedades não impugnantes deve prosseguir o processo, inexistindo motivo para a suspensão.

Daí que nesse processo tenha sido ordenada a separação dos presentes autos designadamente em relação aos aqui recorrentes (emitentes), conforme despacho de fls.1561.

Contudo, afirmam os recorrentes não concordar com a posição já adotada pelo tribunal, em sede de instrução, quando, por despacho datado de 3/05/2022, indeferiu a suspensão do processo requerida pelos arguidos nos mesmos moldes, pois existe fundamento para suspensão dos autos até conhecimento da impugnação judicial apresentada pela sociedade E..., Unipessoal Lda.

Ora, como bem se atentou no tratamento das questões prévias da sentença recorrida, a referida questão foi decidida por despacho proferido nos autos em 3/05/2022 (fls.1990 ss), transitado em julgado, que indeferiu a aludida suspensão deste processo penal nº515/21.7T9VFR.

Nessa medida, importa concluir pela insusceptibilidade de novo conhecimento quanto ao alegado vício por ter sido já objecto de apreciação no despacho proferido na fase de instrução, formando caso julgado formal sobre a referida questão, já que não ocorrem factos supervenientes que imponham decisão diferente.

Já no que concerne à impugnação judicial apresentada pela sociedade arguida B... – Unipessoal, Lda., no processo n.º ... do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, relativamente às liquidações de IVA relativos a diversos períodos dos anos de 2010, 2011 e 2012 (cfr. fls. 326 e ss.), esta em nada contende com a responsabilidade criminal que nestes autos se apura.

Com efeito, na referida impugnação judicial [já decidida por sentença proferida (junta por requerimento de 16/02/2024), confirmada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por acórdão transitado em julgado em 8/01/2021 (cfr. fls. 1476 e ss.)], estão exclusivamente em causa faturas que exorbitam o objecto deste processo, já que as liquidações adicionais de IVA que ali se sindica têm por base a indevida dedução de IVA, pela sociedade aqui arguida B... – Unipessoal, Lda., liquidado em diversas faturas emitidas naqueles exercícios pelos seus alegados fornecedores.

Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso.


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Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

O arguido BB veio invocar a nulidade da sentença, por insuficiência da fundamentação quanto à determinação da pena concreta, pena de substituição, quantitativo a entregar à AT, em violação dos artigos 97.º n.º5 e 374.º n.º2 CPP e 205.º CRP.

Contudo, logo o recorrente refere que a fundamentação da sentença foi efetuada de modo muito sucinto.

Ora, da leitura da decisão recorrida é possível reter que dela consta a respetiva e obrigatória motivação da decisão da matéria de direito quanto aos referidos itens invocados pelo arguido BB, na qual o tribunal explicita de forma suficiente no que se estribou para os resolver, naquilo que ali se impunha.

Independentemente da discordância do recorrente BB, a sentença inclui menção dos fundamentos nos quais ancorou a sua decisão nessa parte, sabido que apenas a falta completa de fundamentação, e não também a sua insuficiência, constituiu causa de nulidade da sentença, nos termos dos arts. 374º, nº 2 e 379º nº 1 alínea a) do Código Processo Penal.

Assim, improcede nesta parte o recurso do arguido BB.


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Da nulidade da sentença por vício de alteração substancial de factos

O arguido BB veio invocar a nulidade da sentença, por vício de alteração substancial de factos, já que foi condenado por factos que não constavam da acusação, designadamente o tal terceiro que surge em substituição do acordo com GG, em violação do artigo 359º e 379.º n.º1 b) CPP.

Concretizando,

O arguido BB veio argumentar que foi acusado/pronunciado pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, mas condenado, em alteração substancial dos factos, como autor desse mesmo crime.

Vejamos o arco normativo em causa.

“Artigo 103.º - Fraude

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

(…)

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

(…)”

“Artigo 104.º - Fraude qualificada

1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:

(…)

2 - A mesma pena é aplicável quando:

a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou

b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.

(…)”

Desenvolvendo, refere o arguido BB que em conformidade com a acusação,

- o Arguido, mediante acordo com outrem (GG), iria proceder à emissão de faturas em favor deste (ponto 6 da acusação)

- tendo o Arguido emitido faturas (ponto 7 da acusação).

Ora, segundo o arguido, tal nem ocorreu, nem ficou provado nos autos, constando da sentença matéria provada discrepante com a matéria da acusação.

Assim, e como consta da sentença, nos factos provados 6 e 7:

- “GG acordou com indivíduo cuja identidade não se apurou que este iria emitir faturas em nome do arguido BB”

- “foram emitidas as seguintes faturas em nome de BB”

Vale isto dizer que, de acordo com os factos provados, foram emitidas faturas em nome de BB (Arguido), mas não por BB.

Deste modo, não se provou o objeto constante da acusação, tendo se provado uma realidade diversa e alternativa.

Sendo que, dessa realidade diversa e alternativa resulta que o Arguido não praticou nem o crime de que foi acusado (em coautoria), nem o crime por que foi condenado (em autoria), pois não celebrou qualquer negócio simulado - como de facto não celebrou, nem o confessou, nem tal foi dado como provado na sentença - termos em que não se preencheu o tipo legal previsto no artigo 103.º n.º1 c) RGIT referido na acusação.

Conclui o arguido que o tribunal recebeu um objeto para julgar e optou por condenar por objeto diverso, baseado em factos novos, face aos quais o Arguido nunca teve hipótese de ser confrontado ou se defender, o que, além do mais, configura nulidade da sentença – art.379.º n.º 1, al. b).

Cotejando,

Factos da acusação/pronunciaFactos provados da sentença
6. Para tanto, nesse período temporal, GG acordou com o arguido BB que este iria emitir faturas, (…)6. Para tanto, nesse período temporal, GG acordou com indivíduo cuja identidade não se apurou que este iria emitir faturas em nome do arguido BB (…)
7. Em cumprimento deste plano, no ano de 2012, o arguido BB emitiu as seguintes faturas (…)7. Em cumprimento deste plano, no ano de 2012, foram emitidas as seguintes faturas em nome de BB não correspondentes a qualquer transacção real, (…)
56. Através da sociedade E..., Unipessoal, Lda, GG actuou de modo concertado e em conjugação de esforços, meios e intenções, com os arguidos BB, (…) que conscientemente emitiram e facultaram as faturas, assim permitindo a GG através da sociedade E..., Unipessoal, Lda obter aquelas vantagens ilícitas.8. Para concretização do plano referido em 6) e 7) dos factos provados, o arguido BB solicitou a elaboração de livros de faturas, de recibos e de guias de transporte, que cedeu a terceiros, recebendo, em contrapartida, a quantia de, pelo menos, 675,00€.
57. Os arguidos BB, CC, DD, EE, AA, FF, B... – Unipessoal, Lda, C..., Lda, D..., Lda e A..., Lda agiram de foram livre, voluntária e consciente, sabendo que tinham emitido e entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, cientes que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram.54. O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, admitindo como possível que as faturas que entregou fossem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, e que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, conformando-se com tal resultado.

Em torno do enquadramento jurídico da conduta do arguido BB, recorda-se que o crime de fraude fiscal que lhe era imputado contendia com a emissão e com a utilização das (quatro) faturas n.º 54 (a fls. 552), n.º 56 (a fls. 554), n.º 58 (a fls. 556) e n.º 61 (a fls. 558) não correspondentes a transacções ou prestações de serviços reais, entre os operadores respectivos.

Isto porque, como referido na sentença recorrida, no crime de fraude fiscal, mediante simulação de negócios titulados por faturas falsas, não só os arguidos que procedem à dedução do IVA e apuramento de IRC como também aqueles que emitem as faturas falsas, quer a simulação seja relativa ou absoluta, são agentes do crime, na forma de coautoria.

A comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria supõe dois elementos:

a) uma decisão conjunta, tendo em vista um determinado resultado criminoso (elemento subjectivo); b) uma execução igualmente conjunta (elemento objectivo) – art. 26.º do Código Penal.

A decisão conjunta pode consistir num acordo - expresso ou tácito, passível de se produzir tacitamente ou mediante actos concludentes – mas pode também consistir numa simples consciência de colaboração bilateral.

A execução conjunta supõe uma intervenção contributiva para a realização típica, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto. Não é indispensável nem necessário que cada um dos co-autores cometa integralmente o facto punível, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo indispensável à produção do resultado.

A co-autoria importa, segundo a doutrina sufragada, o domínio funcional do facto.

Ora, em relação à atuação do arguido BB, o tribunal a quo deu como não provada a atuação concertada e em conjugação de esforços, meios e intenções, com o arguido GG, em representação da sociedade E..., Unipessoal, Lda (alínea j) dos factos não provados).

Contudo, ao invés da emissão e entrega preenchida das sobreditas quatro faturas (alínea a) dos factos não provados), o tribunal a quo deu como provado que para concretização do plano referido em 6) e 7) dos factos provados, o arguido BB solicitou a elaboração de livros de faturas, de recibos e de guias de transporte, que cedeu a terceiros, recebendo, em contrapartida, a quantia de, pelo menos, 675,00€ (ponto 8).

Tudo com base nas declarações do arguido BB em julgamento, como se colhe da motivação da sentença, circunstância que, atenta a ressalva do nº2, do art.358º, afasta a necessidade de comunicação desta alteração factual nos termos previstos no art.358º, nº1.

Com efeito, tratando-se do mesmo bem jurídico protegido e situando-se a atuação do arguido, no plano abstrato da autoria, em sentido amplo, é de admitir que o novo acervo factual não conforma um crime diverso na sua correlacionada valoração das incidências naturalísticas e normativas pretéritas.

Considerando que essa alteração (os novos factos) também não agrava a moldura abstrata máxima das sanções aplicáveis ao arguido (art.1º, al.f), do Código Processo Penal), afigura-se correta a ajuizada não substancialidade da modificação comunicada e a disciplina procedimental seguida em torno do art.358º, nº1 e 2, do Código Processo Penal, com respeito das elementares garantias de defesa, especialmente o princípio do acusatório e contraditório, conforme dispõe os art.s 32º, nº1, e 5, da C.R.P..

Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso.


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Da impugnação restrita da decisão sobre matéria de facto: contradição insanável

Os vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

Não é permitido, para a demonstração da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.

O arguido BB invoca a existência de:

- insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; e

- contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão.


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Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

O arguido BB veio invocar que ter sido condenado por fraude fiscal qualificada, por, supostamente ter “celebrado negócio simulado”.

Nos termos da acusação esse negócio teria sido celebrado com com GG.

No entanto, e como resulta dos factos dados como provados 6 e 7, o Recorrente não fez qualquer acordo com GG, antes este o fez com “indivíduo cuja entidade não se apurou”.

Logo, acrescenta o recorrente, nunca a matéria dada como provada (designadamente a solicitação e emissão de livros de faturas, matéria constante do facto dado como provado em 8) é por si só suficiente para dar como provado a prática do crime pelo qual o Recorrente veio a ser condenado: como pôde o mesmo ter celebrado negócio simulado com agente com que não fez acordo (facto provado 6 e facto não provado a) )?

Por conseguinte, segundo o recorrente BB, a matéria de facto dada como provada nunca poderia suscitar a condenação, por insuficiência da mesma em função dos elementos típicos previstos, nos termos do artigo 410.º n.º2 a) CPP e até com violação da tipicidade penal (artigo 2.º n.º1 CP e 29.º n.º1 CRP).

Pois se se provou a solicitação da elaboração de livros de faturas e tal facto, por si, não configura qualquer crime.

E provou-se a emissão de faturas em nome do Recorrente, não assinadas por ninguém.

Se daqui de retirasse uma fraude fiscal, além do mais qualificada, coincidente com “celebração de negócio simulado”, tal configura uma leitura da letra da lei claramente incompatível com o princípio da tipicidade da lei penal, inerente a qualquer Estado de Direito.

Cumpre apreciar

O vício previsto no art.410º, nº 2, al. a), ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito alcançada na decisão porque o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão final.

O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa pois que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão.

Deste modo, a insuficiência em causa neste vício decisório reporta-se aos factos indispensáveis para a decisão de direito, daí que o vício se considere demonstrado quando a sentença, por si só considerada evidencie que os factos dados como provados não permitiam atingir a decisão de direito a que se chegou. Ou seja, o vício ocorre quando a matéria de facto provada se mostra exígua para fundamentar a decisão de direito, em resultado de o tribunal ter omitido o dever de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão.

Portanto a insuficiência diz respeito aos factos e não à prova, por isso, o que importa indagar é se a sentença contém falha, hiato ou omissão ao nível dos factos e não se a decisão da matéria de facto tem apoio na prova ou se era exigível ao tribunal produzir ou valorar de forma diversa as provas.

Também não será esse o caso quando, como vem invocado pelo aqui recorrente, embora o tribunal não tenha omitido aquele dever de investigação, se discorda da subsunção jurídico penal efetuada quanto aos factos dados como provados, questão que se reconduz à impugnação da decisão sobre a matéria de direito (art.412º, nº2).

No fundo, o recorrente apela ao seu entendimento dissonante quanto ao enquadramento jurídico penal dos factos provados, o que nada tem a ver com a insuficiência enquanto vicio decisório, tal como acabou de se expor.

A verificação do vício em causa implicaria a deteção, na própria decisão, de uma lacuna no apuramento da matéria de facto provada e não provada necessária para a imputação do crime em causa, o que não se vislumbra no texto da sentença.

Deste modo, resta concluir que a decisão recorrida não padece do supra apontado vício, mostrando-se a sua arguição infundada.


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Da contradição insanável

A contradição insanável ocorre no seio da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. A fundamentação, para efeitos deste preceito e do próprio conceito, é não só aquela que se reporta ao facto, mas, também a que se reporta à decisão e a esta na sua relação com a fundamentação de facto.

A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada e/ou a exata razão probatória que a suporta.

Ora, o arguido BB invoca a existência de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º n.º2 b) CPP).

Quanto à primeira, o recorrente BB defende que, não obstante no ponto 8 dos factos provados se referir que o arguido recebeu, em contrapartida, a quantia de, pelo menos, 675,00€, certo é que na motivação da sentença se afirma que recebeu “em troca … e perspectiva de trabalho no sector da cortiça.”

Ora, ainda que se possa afirmar que, a partir do excerto da transcrição das declarações do arguido BB constantes do texto da motivação, ocorre insuficiência da fundamentação para dar como provado que aquele recebeu, em troca, pelo menos, 675,00€, certo é que também nada o contradiz.

Tanto mais que o arguido BB logo adiante confirma que: “Nessa medida, o tribunal apenas logrou dar como provado – porque directamente resultante da defesa – que o arguido participou desta conduta através da requisição e posterior entrega das faturas a terceiro, designadamente a troco de uma contrapartida que o próprio reconheceu e quantificou.”

Prosseguindo, o arguido BB recorta ainda do texto da motivação a referência às faturas emitidas por BB, quando, na verdade, se dá como não provado que tivesse emitido qualquer fatura.

Contudo, percorrendo o texto da motivação, facilmente se percebe que estamos perante um lapso de escrita, já que sobejamente ali explicitado não ter havido prova, à margem do princípio do in dubio pro reo, daquele arguido ter emitido alguma das quatro faturas em causa, ainda que emitidas em seu nome.

Deverá, assim, ler-se “faturas emitidas em nome de BB”, onde se escreveu “faturas emitidas por BB” no segmento da impugnação invocado pelo recorrente BB, posto que o texto da própria fundamentação da matéria de facto permite suprir aquele lapso.

O arguido BB argumenta ainda ter ocorrido violação do in dubio pro reo e contradição entre a fundamentação e a decisão.

Concretamente argumenta que, “em obediência ao referido princípio constitucional, foi dado como não provado que tivesse sido o arguido a celebrar um acordo com o legal representante da sociedade E... Unipessoal Lda. e, consequentemente, a emitir essas mesmas faturas, antes se provando que tais factos foram praticados por pessoa cuja identidade não se apurou.”

Por ser assim, afirma, é “ininteligível como desta constatação em sede de fundamentação resulta uma decisão condenatória do Recorrente, a qual, mais que configurar incompatibilidade entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º n.º 2 b) CPP), reflete uma ostensiva violação do princípio in dubio pro reo (princípio probatório decorrente do artigo 32,º n.º2 1.ª parte CRP).

Ora, se bem analisamos a impugnação do recorrente, o que este discorda é da subsunção dos factos dados como provados, aliás, diretamente resultantes da defesa do arguido, ao tipo legal de crime de fraude fiscal, pelo qual foi condenado, o que em nada se relaciona com o âmbito de aplicação do princípio in dubio pro reo, este circunscrito a decisão sobre a matéria de facto e não também de direito.

Por conseguinte, com ressalva da retificação do lapso de escrita enunciado, no mais improcede a impugnação restrita do arguido BB quanto à invocada contradição insanável.


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Da violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare

Os arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE invocaram a violação do direito à não autoincriminação e a consequente nulidade da prova.

Argumentam os recorrentes este processo nº 515/21.7T9VFR, se iniciou com a participação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dando conta que, no exercício de 2011 a 2013, a sociedade E..., teria contabilizado valores com base em faturas emitidas pelos arguidos recorrentes, não correspondendo aquelas a transações reais, tratando-se de faturas falsas, o que consubstanciara, desse modo, a prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artº 104 nº1 do RGIT;

Concretamente, está em causa na decisão condenatória:

- 1 (uma) fatura, com o nº 118 datada de 24/08/2011, com base tributária de 80.300,00€, e IVA correspondente de 18.469,00, da sociedade B... Ldª, e devidamente registada nas duas sociedades, emitente e recetora, sendo esta a sociedade E... Unipessoal Ldª;

- 1 (uma) fatura, com o nº 8 datada de 14/12/2011, com base tributária de 87.000,00 €, e IVA no valor de 20.010,00€, da sociedade A... Unipessoal, Lda, igualmente emitida a favor da sociedade E... Unipessoal Ldª.

Ora, no entender dos recorrentes, a prova que alicerça a decisão condenatória (relatórios inspetivos e prova documental anexa e testemunhal obtida e fundamentada nesse pressuposto) constitui desde logo prova proibida, já que elaborada e recolhida ao abrigo do dever de colaboração dos contribuintes, quando a sociedade E... Unipessoal, Lda e os ora arguidos eram já suspeitos de crime, e visados em inquérito pendente.

Assim, a utilização dessa prova no processo penal viola o direito à não auto incriminação.

Concretamente, argumentam os recorrentes, que para dar como provada a factualidade que originou a sua condenação, o Tribunal a quo socorreu-se essencialmente:

- do respetivo relatório de inspeção, bem como das faturas, guias de remessa, elementos contabilísticos (registo de compra e vendas, conta Caixa, conta fornecedores e bancários, juntos ao apenso 131/12.4IDAVR, Anexo 7, Vol. 1 (cf pág. 1564/ 16/23 a 23/23) e sobre a atividade desenvolvida pela sociedade E... Lda; e

- na prestação das declarações, de forma isenta e segura das testemunhas, inspetores tributários, que no exercício das suas funções tiveram contacto direto com a factualidade em causa nos autos, sendo responsáveis pela elaboração do relatório junto ao apenso 131/12.4IDAVR, Anexo 5, e Srº Inspetor HH, responsável pelas diligências inspetivas à E... no ano de 2015, o qual se encontra junto ao apenso 544/20.8T9VFR ((pág. 1552).

Para dar como provada a factualidade imputada, o tribunal a quo sustentou-se em elementos recolhidos em sede inspetiva, como por exemplo, o referido controlo quantitativo e da capacidade de produção, inventariação, análise das compras e vendas efetuadas, bem como às quantidades que declarou possuir no inventario inicial e final desse ano da E... e da análise aos elementos contabilísticos também das sociedades A... Lda e B... Unipessoal Lda, com relevância às compras e às vendas efetuadas e inventários (cfr, entre outros, anexo 13, e anexo 7 fls 1/23 a 15/23…

Elementos essenciais para a motivação foram, pois, os relatórios inspetivos (e prova anexa) efetuados ás sociedades arguidas e á sociedade MA, que já estava indiciada, e constituída como arguida, no âmbito do processo nº 61/15.8IDAVR.

A própria AT era conhecedora que, decorrendo a ação inspetiva, os recorrentes e sociedades, com quem mantinham relações comerciais eram já visadas por inquérito penal pendente no DIAP de ... tendo sido inclusive remetida cópia do relatório produzido e dos documentos anexos ao processo de inquérito nº 61/15.8IDAVR.

Assim, concluem os recorrentes, ter-se-á de considerar nula a prova produzida para efeitos de aproveitamento neste processo crime, tanto mais que o depoimento dos Srs. Inspetores HH, KK e II, cujos depoimentos foram valorados na motivação, se basearam nas respetivas inspeções e foi com base nas mesmas que responderam ao tribunal, e como se conclui pelas transcrições supra dos respetivos depoimentos, e a colaboração da sociedade E... Lda ocorreu num momento posterior ao conhecimento da notícia do crime, pelo que a AT agiu de má fé nesta sucessão de atos procedimentais e processuais com reserva intencional.

Tal decisão, até em termos processuais e relativamente a E..., que não é arguida nos presentes autos, ainda é mais justificada pois todos os elementos, considerados provados e que importam ao crime em causa, o são justificados naquela inspeção, ou justificação por prova indireta, não existindo sequer um contraditório, e cujas consequências resultantes do relatório inspetivo, ainda corre nos Tribunais Fiscais, sem decisão proferida e como tal nem sequer podem valorar a motivação constante dos artigos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55 da douta sentença.

Cumpre apreciar.

A este respeito, os recorrentes fundamentam a sua posição na jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional.

Desde logo no Acórdão n.º 340/2013, 17 de junho, o TC decidiu julgar não inconstitucional a norma que resulta da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, d), e 125.º do Código de Processo Penal (CPP), com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte.

No entanto, atentando na fundamentação do citado Acórdão n.º 340/2013, já “a utilização como prova em processo penal de documentos obtidos na atividade de fiscalização tributária, não deixará de ser proibida, nos termos do artigo 126.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal, quando se revele que a entidade fiscalizadora tenha desencadeado ou prolongado deliberadamente a fase inspetiva, com a finalidade de recolher meios de prova para o processo penal a instaurar, abusando do dever de colaboração do contribuinte”.

Assim, se extrai do referido, que apenas numa análise casuística deve ser feita a ponderação entre o princípio nemo tenetur se ipsum accusare e a restrição que ao mesmo é imposta no caso concreto e os valores constitucionais que se pretendem salvaguardar com essa restrição, de modo a concluir-se que a mesma se revela ou não desproporcionada.

Já no acórdão n.º 298/2019, de 15 de maio, o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, CRP, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), CPP, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e no artigo 59.º, n.º 4, LGT por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo.

No caso tratado no Acórdão TC nº 279/2022, de 26 de abril, a colaboração do contribuinte “ocorreu num momento anterior ao início do subsequente processo criminal, não havendo qualquer motivo para se entender que se devia ter iniciado anteriormente o inquérito criminal e que a autoridade tributária tenha agido de má fé nesta sucessão de atos procedimentais e processuais, dado que a ‘deteção da infração’ ocorreu na sequência da entrega desses documentos pela arguida, dando rapidamente origem ao respetivo inquérito criminal, no decurso do qual se realizaram outras diligências probatórias, incluindo a junção de novos elementos documentais relativos à inspeção tributária, mas que nunca implicaram qualquer nova colaboração da aí arguida e aqui recorrente”.

Dai o citado Acórdão TC nº 279/2022 ter concluido se tratar de uma situação equiparada à subjacente ao Acórdão n.º 340/2013 (ou seja, em que o processo criminal é posterior à inspeção tributária), pelo que decidiu: não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 125.º CPP, no sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9º, n.º 1 RCPITA, e 59°, nº 4 LGT, ocorrida previamente à instauração da fase de inquérito, podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte.

Da jurisprudência constitucional citada resulta pacífica a afirmação do valor constitucional do direito à não autoincriminação (princípio nemo tenetur se ipsu accusare), ínsito no artigo 32º, nº 1, CRP (cfr. também o nº 8 do mesmo artigo) sendo que este princípio tem, aliás, expressa consagração no plano legal, na vertente do direito ao silêncio – artigo 61.º, n.º 1, al. d), CPP – e da consequente proibição de valoração do silêncio contra o arguido: artigos 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1, CPP [cfr. também os artigos 58.º, n.º 2, 61.º, n.º 1, al. h), 141.º, n.º 4, al. a), e 343.º, n.º 1, CPP].

Contudo, o TC admite que esse direito fundamental possa, nos termos constitucionais, ser restringido em atenção a outros valores constitucionais (como a eficiência do sistema fiscal), respeitados que sejam os limites do artigo 18º CRP, e, decisivamente, o princípio da proporcionalidade.

Tal é o caso, como bem referem os recorrentes, na questão da comunicabilidade entre a inspeção tributária e o processo penal, quando aquela ocorre antes e independentemente deste, e, por isso, antes de qualquer suspeita de infração criminal.

Este princípio “visa garantir a autodeterminação do arguido na orientação da sua defesa no processo e, consequentemente, a garantia da sua posição enquanto sujeito processual, impossibilitando que este seja metamorfoseado em instrumento da própria anátema, facultando meios de prova através de uma colaboração espontânea com a Administração, ou granjeada com expediente a meios coercivos ou enganosos.” [5].

O princípio da não auto-incriminação inclui o direito a não ser obrigado a fornecer qualquer elemento de prova que possa contribuir para a auto-incriminação.

Mas, como bem alerta Andreia Valadares Ferra, trata-se “de um princípio que deve ser invocado questão a questão, e não de uma forma global e abstracta. Este princípio também não protege o direito de prestar informações falsas, ele não pretende constituir um obstáculo intransponível à realização da justiça”.

Ora, no caso dos autos, não se vislumbra que tal princípio constitucional tenha sido violado com o eventual fornecimento pelos arguidos, no decurso da ação inspetiva, de documentos que serviram de base à prolação da sentença condenatória.

Na verdade, por si só, é irrelevante o momento da conclusão de relatório inspetivo, elaborado com base em elementos fornecidos pelo contribuinte.

A aquisição de prova assim obtida pela inspeção tributária pode ser usada no processo-crime, ainda que solicitada justamente para esse fim: apurar da eventual prática pelos arguidos dos mencionados crimes pelos quais foram acusados e, justamente, condenados [6].

A aferição da violação do aludido principio, impunha aos recorrentes, isso sim, a especificação cumulativa:

da indicação dos concretos documentos que, por correlação ao enunciado facto impugnado, serviram de base à sua prova direta e/ou indireta (neste caso, através de algum facto ou conclusão nele baseado constante do relatório de inspeção e/ou depoimento testemunhal designadamente do inspetor da AT que o elaborou);

do exato momento em que esses documentos foram fornecidos à AT pelo contribuinte no âmbito da ação inspetiva e em cumprimento da circunstanciada interpelação da AT para os juntar, a coberto do dever de colaboração;

do concreto momento (anterior) em que esse contribuinte foi constituído arguido ou devia tê-lo sido, por sobre ele recair fundada suspeita da emissão e/ou utilização das faturas falsas, hipótese em que deverá concretizar os factos indiciariamente imputados ao suspeito e os elementos probatórios pré-existentes (o correspondente meio de prova que se indica para o evidenciar).

Ora, por referência ao inquérito nº515/21.7T9VFR e ao inquérito principal nº61/15.8IDAVR, do qual aquele proveio, os aqui impugnantes não dão cumprimento ao referido ónus de especificação cumulativa para que este tribunal de recurso possa concluir que ocorreu qualquer procedimento enganoso ou astucioso da AT, levando algum dos contribuintes, designadamente a E... Lda, a julgar que facultava elementos de prova para fins exclusivos da inspeção tributária, e que acabaram por ser aproveitados direta e/ou indiretamente naquele(s) processo(s)-crime, quando no momento em que tais elementos foram fornecidos já havia fundadas suspeitas da emissão e/ou utilização das faturas falsas, a cuja prova aqueles elementos aproveitaram, mesmo que nenhum processo-crime tivesse sido instaurado e consequentemente sem aquele estar constituído arguido.

Vistas as conclusões do recurso, não é possível descortinar qual a concreta colaboração dos recorrentes e/ou da da sociedade E... Lda, da qual resultaram elementos autoincriminatórios, designadamente indícios da prática de crimes de fraude fiscal, fornecidos por algum deles ao abrigo da sua obrigação legal de colaboração e cooperação prevista nos artigos 59.º, número 4, da LGT e 9.º do RCPIT.

Consequentemente, no caso em apreço, também não é possível aplicar aos depoimentos dos inspetores da AT, que depusseram na qualidade de testemunhas, a doutrina dos «frutos da árvore envenenada», pois que, de nenhum vício se vislumbra feridos os precedentes meios probatórios documentais juntos por imposição de algum tipo de colaboração ao contribuinte.

Nem se diga que os relatórios inspetivos e seus anexos juntos aos autos não foram sujeitos ao principio do contraditório (art.32º, nº5, da CRP e art.327º, nº2, do CPP) quando os recorrentes tiveram plena possibilidade de sobre eles se pronunciarem em audiência de julgamento.

Assim, não pode ser considerada nula essa prova (relatórios inspetivos e seus anexos) recolhida em inspeção tributária, ao abrigo do dever de colaboração dos contribuintes, por afronta ao direito á não autoincriminação, decorrência do disposto nos artigos 61º, nº1, al.d),125 e 126 nºs1 e 2, alínea a) do CPP.

Por conseguinte, prejudicada fica a questão da inconstitucionalidade, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.ºs 1 e 8, CRP, da interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), CPP, segundo a qual podem ser utilizados como prova no processo criminal tributário os relatórios inspetivos e documentos fiscalmente relevantes obtidos, ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, RCPITA e no artigo 59.º, n.º 4, LGT, por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, na pendência de inquérito penal.

Na verdade, não se vê que o tribunal a quo tenha aplicado as normas ou interpretação normativa convocada pelos recorrentes e cuja constitucionalidade questionaram, valorando contra si documentos que serviram de prova para a sustentação da sua condenação após terem sido fornecidos pelos próprios e/ou a sociedade E... Lda, ao abrigo do dever de colaboração resultante do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e da Lei Geral Tributária.

Nem os recursos visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo ato recorrido. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas [7].

Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.

Questionando “quando se recorre, recorre-se de quê e para quê”, Sérgio Gonçalves Poças [8] responde com clareza: “Recorre-se de uma decisão que se tem como errada e pretende-se obter uma outra que corrija o erro da decisão recorrida”.

Enquanto meios de impugnação e de correção de decisões judiciais, os recursos não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas.

Daí que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões não conhecidas pelo tribunal recorrido na decisão de que se recorre.

O tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, suscitada apenas na fase de recurso, pois os recursos destinam-se exclusivamente ao reexame das questões de facto, de direito ou processuais decididas ou de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

Assim, sob pena de se desvirtuar a natureza corretiva dos recursos, com violação do princípio do duplo grau de jurisdição penal (art.32º, nº1, da C.R.P.), dada a supressão do recurso [9], a questão da proibição de valoração dos relatórios inspetivos e seus anexos sempre podia e devia ter sido expressamente suscitada na fase de julgamento na 1ª instância, por se tratar de prova pré-constituída, o que os aqui recorrentes não fizeram, de modo a provocar decisão sobre ela.

Por tudo o exposto, improcede nesta parte o recurso.


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ADITAMENTO

Da inconstitucionalidade do tipo legal da condenação: o artigo 103 do RGIT

- violação do princípio da legalidade: norma penal em branco e a inexistência de garantia de pré determinação normativa das condutas ilícitas

- violação do princípio da igualdade


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Violação do princípio da legalidade

Os arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE invocaram a inconstitucionalidade do tipo legal da condenação: o artigo 103 do RGIT (lei n.º 15/2001) norma penal em branco e a inexistência de garantia de pré determinação normativa das condutas ilícitas.

Concretamente, questionam o disposto no artigo 103.º, n.º 3, do RGIT, na medida em que, contendo remissão para legislação tributária na quantificação de vantagem patrimonial ilegítima, entendem romper com o princípio da legalidade (e tipicidade) criminal (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

Afirmam estarmos perante uma indeterminação de aspetos relativos à conduta desde logo ao consagrar-se um limite de € 15 000 por referência a “cada declaração a apresentar”. Tal remissão não é compatível com a exigência de pré determinação (constituindo esta geralmente uma garantia de vinculação do juiz à lei) que no caso das normais penais em branco corresponderá à dificuldade de apreensão do conteúdo das normas pelos cidadãos já que tal não se alcança somente pela leitura da lei penal sendo necessário ter conhecimentos sobre obrigações tributárias acessórias, nomeadamente as obrigações declarativas e bem assim conhecimento sobre o regime de IVA.

A resolução da questão jurídica colocada tem sido pacífica e unânime na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no sentido de que o segmento normativo convocado pela defesa, dita “normas penal em branco”, comporta o grau de determinação necessário para que cumpram a sua função específica de orientar condutas humanas, não sendo incompatível com o princípio da tipicidade constitucionalmente consagrado.

A questão foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, em termos que aqui se reiteram por inteiro, no Acórdão n.º 698/2016, 20 de dezembro (§6 a §10), Acórdão TC n.º 160/2017, 22 de março (§16), Acórdão TC Nº 48/2019, 23 de janeiro, DECISÃO SUMÁRIA N.º 525/2023 (TC), de 19 de junho, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20230525.html, não aduzindo os recorrentes argumentos novos que nos afastem desse juízo de não inconstitucionalidade unanimemente acolhido na jurisprudência aludida.


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Violação do princípio da igualdade

Outrossim, os recorrentes suscitam o vício de inconstitucionalidade com base na discriminação negativa (artigo 13º CRP) de agentes de fraude fiscal em IVA nos casos em que o sujeito passivo do imposto esteja sujeito a regime trimestral de periodização do imposto [artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA (CIVA)], por oposição a regime mensal (artigo 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA).

Porque a norma fiscalizada faz depender a incriminação de que exista vantagem tributária superior a €15.000,00 resultante da prática delitual no período, dizem os recorrentes que a conduta não será penalizada caso o desfalque possa ser diluído por três meses – como é o caso das empresas integradas em regime de periodicidade mensal de liquidação –, e não concentrado em apenas um período de três meses, prejudicando por isso os agentes a quem esteja imposto este segundo quadro tributário.

Cumpre apreciar.

A não inconstitucionalidade inerente a um tratamento criminal agravado conferido aos agentes de fraude em IVA em regime de periodicidade trimestral não tem aqui qualquer cabimento.

Com efeito, a sociedade E..., Unipessoal Lda, co-autora do crime de fraude fiscal por utilização das faturas falsas emitidas pelos recorrentes, achava-se, precisamente, enquadrada em regime mensal (e não trimestral) de periodização de IVA, convocando essa dimensão previsiva da norma do artigo 103.º, n.º 2, do RGIT (ponto 4 dos factos provados).

Assim, o vício de inconstitucionalidade alegado é impassível de atingir a norma incriminatória realmente aplicada pelo Tribunal “a quo” e impassível de abonar a pretensão absolutória dos recorrentes.

Na verdade, num exercício retórico deslocado, os recorrentes convocam precisamente a interpretação normativa, que na sua tese, os favorece.

O regime normal de IVA da sociedade E..., Unipessoal Lda (mensal e não trimestral) até vai em sentido contrário à argumentação trazida ao recurso.

Daí que, nesta parte, fica prejudicado o conhecimento do recurso, já que nenhuma repercussão teria na decisão da causa.

O errado exemplo aventado pelos recorrentes, mal tirado da DECISÃO SUMÁRIA N.º 525/2023 (TC), 19 de junho, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20230525.html, pretendendo ver interditada a incriminação de agentes de fraude em IVA enquadrados em regime de periodicidade trimestral com base em tratamento (desfavoravelmente) discriminatório, sempre deixaria incólume – como ali bem se observa - o juízo condenatório dos recorrentes, por não estar em causa a inconstitucionalidade da norma aplicada no caso concreto.

Nesta parte, a formulação da questão de inconstitucionalidade é absolutamente inócuo na situação dos autos, pelo que o recurso interposto está desprovido de qualquer utilidade, o que obsta à apreciação do seu mérito.


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Da impugnação ampla art.412º, n.º 3, do Código Processo Penal

Ao abrigo do disposto no art.412º, n.º 3, do Código Processo Penal, os recorrentes arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE suscitam a errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento, tendo sido violados – diz - os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, com a consequência de que foram incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55 da matéria de facto provada, impondo a prova indicada que se considerem não provados.


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Como é sabido a matéria de facto pode ser sindicada de dois modos:

1º no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do Código Processo Penal (diploma a que pertencem as disposições que, doravante, vierem a ser citadas sem indicação de origem), cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento, a chamada revista alargada;

2º) na impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412º, nºs 3, 4 e 6, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.

Vejamos, pois, este modo de sindicância da matéria de facto.

Nos termos do art. 428º, nº 1, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”

Sucede que a impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do C.P.P., tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.

Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado [10].

Para além disso, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.

O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.

O recorrente deverá referir o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP).

Ainda quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).

Saliente-se que a remissão para os suportes técnicos não é a simples remissão para a totalidade das declarações prestadas, mas para os concretos e precisos locais da gravação, que suportam a tese do recorrente, só assim se dando cumprimento à especificação das “concretas provas” que é dizer do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida [11].

Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares e precisas passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem ao facto impugnado.

Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente”, de acordo com o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência de 8/3/2012 (AFJ nº3/2012), publicado no DR - I - Série, nº77, 18/4/2012.

Assim, quanto ao cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal), com o AFJ (STJ) nº 3/2012, foi fixada a seguinte jurisprudência:

- Se a ata contiver a referência ao início e termo das declarações, basta a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal); – Ou, alternativamente, se a ata não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).

Na situação dos autos, os citados recorrentes impugnam os pontos 3, 5, 14, 16, 17,18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 55 dos factos provados, os quais consideram que devem ser dados como não provados.

Na abordagem da impugnação trazida pelos recorrentes importa ter presente que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso [12] .

Com efeito, o recurso da matéria de facto não representa um novo julgamento (o que só ocorre nos casos restritos de renovação da prova em segunda instância, nos termos do art.430º).

A impugnação da matéria de facto constitui um meio de reparar eventuais vícios de julgamento em primeira instância, tendo sempre em atenção que neste último o tribunal dispõe da oralidade e da imediação como princípios basilares na recolha dos elementos probatórios e, por isso, em melhores condições de avaliar a validade e a credibilidade de um documento, ou de um depoimento, quer de um declarante, quer de uma testemunha, quer mesmo de um arguido.

O juízo de credibilidade das provas oralmente produzidas depende logicamente do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta, não sendo tais qualidades apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas.

Daí que, por regra, o tribunal de recurso deva adotar o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo [13].

Para alterar a decisão sobre a matéria de facto, é necessário que as provas indicadas pelo recorrente imponham decisão diversa da proferida (artigo 412.º., n.º 3, alínea b), do CPP).

Não basta apontar disparidades, divergências, incongruências ou até contradições entre os vários depoimentos ou interpretações diferenciadas dos documentos juntos examinados em audiência de julgamento.

Por assim ser, na situação dos autos, nada obstava a que o tribunal formasse a sua convicção apenas no depoimento das testemunhas indicadas na motivação, conjugadas com os documentos ali referidos, contanto que se mostrem sérias e credíveis, devendo o julgador explicitar as razões do seu convencimento, aferidas segundo juízos de normalidade decorrentes das regras da experiência comum (e, portanto, com o princípio da livre apreciação da prova), e inteiramente suportada pelo princípio in dubio pro reo.

E nada obsta, ao contrário do que os recorrentes reclamam, que a prova de um facto seja lograda a partir de elementos obtidos:

- no processo de inspeção da AT, designadamente o seu relatório final, respeitados que sejam os princípios e garantias de defesa do arguido em matéria de direito probatório; e/ou

- de forma indireta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência.

Nestas situações é admissível que a prova seja feita por presunções, que não se confundem com presunções legais de culpa de consagração inadmissível de acordo com o artigo 32.º, n.º2, da CRP, mas sim presunções judiciais, nas quais a autoridade judiciária, com recurso a regras de experiência e lógica, retira conclusões em matéria de facto, apoiadas em elementos concretos apurados nos autos, mediante o seu desenvolvimento dedutivo, possuindo a prova indiciária resultante valor idêntico aos meios de prova clássicos.

Ali onde os arguidos referem ausência de prova, o tribunal a quo valorou essa prova indiciária.

Aos recorrentes competia especificar o conteúdo dos concretos meios de prova que objetivamente impunham decisão diversa da impugnada e não trazer à lide recurso a sua impressão, interpretação ou conclusões diferentes sobre a mesma, ainda que estas se mostrem plausíveis e nessa medida possam conduzir, mas não imponham indubitavelmente, uma apreciação contrária àquela.

Não satisfaz esse ónus de impugnação especificada a indicação a granel das provas que, no entender dos recorrentes, impõem decisão diversa, nem tão pouco a transcrição alongada dos depoimentos das testemunhas a que se referem, a mais sem menção do carimbo de tempo da passagem da gravação que consideram relevante.

No caso em apreço, em relação a cada um dos factos provados e impugnados, nenhuma circunstância probatória com menção da exata gravação de depoimento e teor de documento especificados pelos recorrentes é indicada para abalar inelutavelmente a convicção do julgador formada a partir da adequada presunção natural extraída dos apontados indícios fortes, firmes e concordantes, a partir dos quais, à luz das regras da experiência comum, o tribunal a quo formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados.

A presunção natural apontada na motivação da sentença recorrida sobre a falsidade das faturas em causa mostra-se corroborada, à luz das regras da experiência e da lógica, por todos os factos indiciários ali mencionados que insofismavelmente apontam- para além de qualquer réstia de dúvida razoável e fundada – que as referidas faturas não correspondem a quaisquer transações reais ocorridas entre as sociedades aqui impugnantes (emitentes) e a sociedade E..., Unipessoal Lda.

Tudo o mais adiantado na sentença explica a descredibilização atribuída à argumentação trazido a recurso.

A prova indicada na sentença encontra arrimo nas regras da experiência, explicitando aquela a credibilidade que lhe mereceram os depoimentos relevantes, no confronto com os documentos ali mencionados, a partir da razão de ciência (perceção direta e indireta dos factos).

Além disso, não se pode afirmar que a motivação de facto não encontra apoio nas regras da normalidade do acontecer e da experiência comum, ou que o juízo probatório não se encontra formulado de acordo com critérios de objetividade.

Expondo de forma clara e segura as razões que fundamentam a sua opção, justificando os motivos que levaram a dar credibilidade à versão dos factos resultante do conjunto da prova produzida, permitindo aos sujeitos processuais e a este tribunal de recurso proceder ao exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador, a decisão do tribunal encontra-se devidamente fundamentada e não merece reparo.

Resta, finalmente, saber se foi violado o princípio in dubio pro reo, ou seja, se perante a dúvida insanável, séria e fundada a respeito dos factos impugnados, o tribunal a quo decidiu contra os arguidos aqui impugnantes.

Certo é que o tribunal de 1ª instância, desde logo, não enuncia qualquer dúvida relativamente à verificação da factualidade impugnada pelos recorrentes, que pudesse ter resolvido de forma favorável aos mesmos.

Conforme já se fez notar, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.

Ora, este princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (art. 32º, nº 2 da CRP), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.

O convocado princípio in dubio pro reo constitui efetivamente uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

O aludido princípio impõe, pois, uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.

Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

Enquanto vício objeto de impugnação restrita (art.410º, nº2), a apreciação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Ora, os recorrentes concluem que em relação aos propalados factos por si impugnados, face à prova que indicam, houve violação do princípio in dubio pro reo.

No entanto, não resulta da decisão recorrida relativamente aos assinalados factos provados por si impugnados que o Tribunal a quo se defrontou com dúvidas que resolveu contra os aqui impugnantes ou demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido.

Emerge da motivação da decisão recorrida que o tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto ao cometimento pelos arguidos aqui impugnantes dos factos nucleares respeitantes à imputação efetuada, que se baseiam em prova legal, escorreita e consistente.

A alegação dos recorrentes, no sentido de que foram condenados sem prova bastante, e dessa forma violado o princípio in dubio pro reo, é baseada numa determinada perspetiva da defesa sobre a prova produzida, de todo não coincidente com aquela que foi a do tribunal recorrido e que está detalhadamente explanada no texto da decisão condenatória.

De resto, já em sede de impugnação ampla, nenhuma circunstância probatória com menção da exata gravação de depoimento e teor de documento especificados pelos recorrentes é indicada pelos aqui impugnantes para impor essa dúvida insuperável e razoável sobre a valorização da prova em relação a cada um dos factos provados e impugnados.

Pelo contrário, não obstante a interpretação subjetiva diferente dos recorrentes, da sentença resulta uma análise criteriosa da prova, de modo a permitir a compreensão da razão pela qual os factos em causa foram dados como provados e não provados, num adequado e pleno exercício da livre apreciação da prova, carecendo, pois, totalmente de fundamento a invocação de violação do princípio in dubio pro reo.

Assim, improcedem os argumentos aduzidos pelos recorrentes com base na invocação do princípio in dubio pro reo.

Em suma, não padecendo a sentença recorrida de erro ou vício na apreciação da prova que serviu de relevante fundamento decisório, a matéria de facto provada deverá ter-se por definitivamente consolidada, sem que da interpretação e aplicação do artigo 127.º do Código Processo Penal pelo Tribunal a quo, condenando o recorrente, se mostre violado o artigo 32.º, n.º 1 e 2 da CRP e o artigo 6.º da CEDH.

Tanto mais que, como referido, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso constitui, salvo os casos de renovação da prova (art.º 430º do Código de Processo Penal), uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento. Isto é, o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que sejam especificados e indicados como não corretamente julgados [sem prejuízo da audição da totalidade da prova para contextualização do alegado – cfr. nº 6 do art.º 412º do Código de Processo Penal].

Nem bastaria à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitissem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas impusessem a modificação da decisão de facto, isto é, que façam prova por si de que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo.

O que ressalta da motivação é que o recorrente tem opinião diversa da que foi expressa pelo tribunal a quo no que respeita à análise e valoração da prova indiciária, pretendendo sobrepor a sua convicção à do julgador, de forma não consentida pelo nosso sistema, que configura o recurso sobre a matéria de facto como um remédio jurídico, com o objetivo de detetar e corrigir erros de julgamento.

A prova deve ser apreciada na sua globalidade e em conjugação com juízos de normalidade (isto é, de plausibilidade), decorrentes das regras da experiência.

Ora, a prova analisada pelo tribunal de julgamento é suficientemente clara e precisa para afirmar, com a segurança exigível à superação da presunção de inocência ínsita no princípio in dubio pro reo, que os factos ocorreram do modo descrito na sentença recorrida.

Nenhuma censura merece, assim, a firme convicção do tribunal a quo quanto à demonstração da factualidade impugnada pelos recorrentes, mostrando-se esta decisão congruente com a prova produzida, aferida segundo juízos de normalidade decorrentes das regras da experiência comum (e, portanto, com o princípio da livre apreciação da prova), e perfeitamente suportada pelo princípio in dubio pro reo (sendo certo que o tribunal de 1ª instância, desde logo, não enuncia qualquer dúvida relativamente à verificação desta factualidade, que pudesse ter resolvido de forma desfavorável aos recorrentes, nem tal dúvida se evidencia perante a menção genérica da prova indicada pelos recorrentes).

Por fim, cumpre referir que a prova do dolo e da consciência da ilicitude, a que se reportam os factos impugnados, dificilmente se alcança de forma direta, a não ser por confissão, que não foi o caso, havendo que proceder à conjugação da demais factualidade julgada provada com as regras da experiência comum e do conhecimento da vida para se poder concluir pela prova daqueles, valendo em matéria de presunções naturais que interferem na valoração da prova indiciária os ensinamentos, que aqui acompanhamos, plasmados no ac STJ 06-10-2010 (Henriques Gaspar) www.dgsi.pt.

O dolo e a consciência da ilicitude pertencem à vida interior e afetiva de cada um e, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão.

Como fenómeno psicológico interno, só observável diretamente por quem o experiencia, o dolo, assim como qualquer outro estado subjetivo, é de difícil apreensão, o que na maioria das vezes dificulta a sua prova e respetiva imputação.

Quando não existe confissão, a prova do dolo tem que ser feita por inferência, isto é, terá que resultar da conjugação da prova de factos objetivos – em particular, dos que integram o tipo objetivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.

Além da confissão do arguido, o único meio de prova que realmente satisfaz a necessidade de provar o dolo é a prova indiciária (ou prova indireta). Na falta de confissão, todos os elementos de estrutura psicológica, como o conhecimento e a vontade de praticar um crime, terão de ser deduzidos de outros elementos, esses sim empiricamente observáveis e que funcionam, segundo as regras da experiência e da lógica, como indicadores da sua existência.

No caso concreto do dolo, terá de ficar demonstrado que, de acordo com os padrões racionais de comportamento e com os critérios de normalidade social, o arguido não pôde ter deixado de representar e querer os elementos típicos do crime.

Salientando a dificuldade de obtenção deste tipo de prova, Ragués i Vallès, in “Considerationes sobre la prova del dolo”, propõe, na falta da confissão, a utilização de regras de atribuição do conhecimento, convocando a análise das designadas regras da experiência sobre o conhecimento alheio que permitem determinar, a partir da concorrência de certos dados externos, o que representou o sujeito no momento de pôr em prática uma certa conduta.

Mas, segundo o mesmo Autor, o que permite ter como correta uma regra de experiência é a existência de um amplo consenso em torno da sua vigência. O juiz não deve construir ou inventar regras de experiência para cada caso, mas socorrer-se da interação social para as encontrar e, no caso particular da prova do dolo, deve deitar mão àquelas regras que se aplicam em sociedade para as atribuições mútuas de conhecimentos entre cidadãos.

Dentro das regras da experiência podem identificar-se dois grupos: as leis científicas (obtidos pelas investigações das ciências, a que se atribui o carácter de empíricas) e as regras de experiência quotidiana (obtidas através da observação, ainda que não exclusivamente cientifica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se podem estabelecer consenso.

Retomando o caso concreto, de acordo com as máximas da lógica e da experiência comum, baseadas no consenso social sobre a normalidade da vida, afigura-se que a comprovada atuação reiterada dos arguidos aqui impugnantes constitui um indicador seguro de que agiram, durante aquele período de tempo, com o conhecimento e vontade de praticar os factos descritos, sem poderem ignorar que tal conduta era proibida e punida por lei.

Improcede, assim, a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.


*

Do preenchimento do tipo legal de crime de fraude fiscal qualificada

Os arguidos recorrentes insurgem-se quanto à subsunção jurídico penal da sua conduta ao tipo legal de crime pelo qual foram condenados, a saber:

- o arguido BB pela prática, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias;

- o(a)s demais recorrentes pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2 alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias.


-

Cumpre apreciar.

Ultrapassada a questão do regime de alteração dos factos aplicável (art.358º, nº1, do Código Processo Penal), cumpre recortar o que de relevante se escreve na sentença recorrida sobre a natureza do crime de fraude fiscal qualificado, mediante o uso de faturas falsas.

O tipo matricial do crime de fraude fiscal está previsto no art.103.º do RGIT, nos termos do qual:

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Já o art.104º, do RGIT, no que ao caso interessa, estabelece o tipo qualificado nos termos seguintes:

Fraude qualificada

1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:

(…)

d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;

e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;

(…)

2 - A mesma pena é aplicável quando:

a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou

b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50.000.

--

O tipo objetivo de ilícito de fraude fiscal preenche-se com a adoção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

De acordo com a classificação dogmática dos crimes de perigo em crimes de perigo abstrato, de perigo abstrato-concreto e de perigo concreto, o crime de fraude fiscal é um crime de perigo abstracto-concreto [14], também designado pelas noções próximas de crime de aptidão ou de perigo hipotético (na medida em que basta que a conduta/ação seja apta ou idónea a criar perigo para o bem jurídico protegido – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2022, p. 829).

A proteção do bem jurídico protegido faz-se mediante a incriminação de factos capazes de o ofender, com o que não se exige a efetiva lesão do bem jurídico (pelo que não é um crime de dano), nem a efetiva colocação em perigo do bem jurídico protegido (por isso não é um crime de perigo concreto), embora não se baste com a mera potencialidade abstrata de lesão do bem jurídico, exigindo-se a comprovação, no caso concreto, da aptidão genérica daqueles factos para o lesar.

Como bem refere a sentença recorrida, “trata-se de um crime de perigo na medida em que a realização do tipo se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico. Para o preenchimento do tipo de fraude fiscal o legislador não exigiu que as condutas aí descritas efetivassem um dano ou lesão do bem jurídico. Porém, o tipo não se limita a descrever uma conduta genericamente perigosa, nem exige a comprovação concreta de uma situação de perigo, mas exige a comprovação de uma aptidão concreta da acção para diminuir as receitas fiscais (cfr. Paulo Dá Mesquita, “Sobre os crimes de fraude fiscal e burla”, Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo 1, 2001, p. 108).

Nos crimes de aptidão, o perigo converte-se em parte integrante do tipo e não num mero motivo da incriminação, como sucede nos autênticos crimes de perigo abstrato. Por outro lado, porém, a realização típica destes crimes não exige a efetiva produção de um resultado de perigo concreto (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2007, p. 311)”.

Reconhecendo na intervenção penal fiscal a tutela, quer de interesses patrimoniais do Estado, quer os valores de transparência e verdade fiscais, o recente AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025 (processo 92/07.1 TELSB-M.S.1), transitado em julgado, acolheu a doutrina daqueles que consideram o tipo de fraude fiscal um crime complexo [15].

Como sublinha a sentença recorrida, da própria descrição típica do citado art.103º, nº1, decorre que não é elemento do tipo a existência de efetivo prejuízo do Estado, enquanto Administração Fiscal, bastando que as condutas descritas no tipo visem a obtenção de vantagens fiscais suscetíveis de causar diminuição das receitas tributárias. Do mesmo modo, e porque necessariamente interligadas, também não é necessário que o agente obtenha efectivamente a vantagem patrimonial ilegítima que pretende obter, uma vez que o crime foi configurado como um crime de perigo, tendo o legislador optado "por privilegiar o desvalor da acção" - cfr. Alfredo José de Sousa, Infracções Fiscais (não aduaneiras), 3a ed., pág. 92.

Daí que a consumação do crime ocorra “mesmo que nenhum enriquecimento venha a ter lugar" e não ocorra "o resultado lesivo para o património fiscal".

Desta forma, para que o crime seja consumado, exige-se que o comportamento típico «seja idóneo a atingir uma vantagem patrimonial ilegítima alcançada em determinados moldes, mas já não que o perigo para o bem jurídico chegue efectivamente a ocorrer" - cfr. André Teixeira SANTOS, "O Crime de Fraude Fiscal: Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem jurídico ", Coimbra Editora, 2009, págs. 225 e 226.

O legislador quis deixar claro que considera como elemento típico do crime de ‘Fraude’ fiscal a aptidão, a idoneidade das condutas para diminuírem as receitas tributárias.

Ao utilizar a expressão “susceptíveis de causarem”, a lei pressupõe o carácter perigoso das condutas, traduzido no seu carácter idóneo, ou seja, na probabilidade séria, de acordo com as leis da experiência, de aquelas condutas determinarem a diminuição das receitas fiscais - cfr. Susana Aires de Sousa, “Os Crimes Fiscais, Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador”, Coimbra Editora, 2006, p. 76).

O crime de fraude fiscal é, ao nível da conduta, um crime de execução vinculada, uma vez que o modo de execução vem descrito no tipo (Artigo 103.º n.º 1 – A fraude fiscal pode ter lugar por…).

O objecto da acção é integrado pela concreta e singular prestação de imposto ou pela concreta vantagem fiscal a que se refere a conduta do contribuinte.

No que respeita ao tipo objectivo, e tendo por referência a incriminação base prevista no artigo 103. 0 do RGIT para que seja cometido o referido ilícito, impõe-se a verificação de três elementos:

- a existência de um mecanismo fraudulento — através da ocultação de factos (ou seu registo elou valores ou, então, através da simulação de negócio);

- uma finalidade específica — "visem a não liquidação"; e

- a idoneidade da conduta para diminuir a receita tributária.

Neste sentido, o tipo apenas impõe que o comportamento vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição da receita tributária, não sendo exigível que esse resultado se chegue a verificar.

No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, trata-se de um crime doloso, cuja realização típica comporta qualquer das modalidades de dolo (art. 14.º do Código Penal).

“Ao prosseguir uma das condutas ilegítimas tipificadas na lei, o agente representa a sua idoneidade para diminuir as receitas tributárias e, como reverso necessário, a obtenção de uma vantagem patrimonial. (…) A intenção do agente não tem a autonomia que corresponde a um especial elemento do tipo subjectivo de ilícito, antes se esgota no dolo do tipo” - cfr. Susana Aires de Sousa, Ob. Cit. p. 95.

Passando à análise da fraude fiscal qualificada, o tipo objectivo de crime contém os elementos que compõem o tipo matricial de fraude fiscal e ainda elementos que vão para além daquele tipo legal e que fundamentam a agravação da punição.

A previsão dos elementos qualificadores é taxativa.

Nos termos do art. 104.º n.º2, al.a), do RGIT, o crime é qualificado pela utilização de faturas ou documentos equivalentes (forjados) por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.

Prevê assim este normativo, tendo em conta a ofensividade e frequência destes casos, um tipo qualificado de fraude que se refere em especial às faturas falsas, situação que o legislador autonomizou do elenco das circunstâncias previstas no n.º1 e, concretamente, da alínea d).

Em conformidade, o n.º2 do art. 104.° refere-se expressamente à utilização de faturas ou documentos equivalentes forjados, situações que fundam por si só uma qualificação da fraude fiscal, sem necessidade de realização cumulativa de qualquer outra circunstância, classificando o legislador em três categorias as faturas falsificadas: faturas ou documentos equivalentes que referem valores diferentes dos valores reais, faturas ou documentos equivalentes que sugerem a intervenção de pessoas ou entidades diversas das envolvidas na operação subjacente, faturas ou documentos equivalentes relativos a operações inexistentes, que é, precisamente, o caso dos autos.

A doutrina considera as seguintes modalidades de utilização de faturas falsas [16]:

i) Atribuídas pelo utilizador a empresas. inexistentes;

ii) Atribuídas pelo emitente-utilizador a empresas existentes, com desconhecimento destas últimas;

iii) Emitidas por um terceiro, em conluio com o utilizador que as incorpora na sua contabilidade fiscal.

Sobre o conceito de factura, dispõem o art. 476.° do Código Comercial e o Decreto n.º 19490, de 21/03/1931 que é um documento escrito em que se contêm diversas menções respeitantes às transacções entre agentes económicos (compra e venda mercantil a prazo ... sempre que o preço não seja representado por letras), sendo que, contudo, para relevar em sede fiscal, e designadamente em sede de IVA, exige-se que contenham os requisitos mencionados nos art. 28.º e 35.º do Código do lVA e ainda que, como acentua Susana Aires de Sousa, in Ob, Cit., p. 118, as faturas forjadas utilizadas sejam idóneas para diminuir as receitas tributárias, só assim se podendo considerar preenchido o tipo de ilícito da fraude fiscal.

Para que seja praticado o crime de fraude fiscal, tais faturas fraudulentas terão sempre de ser idóneas para provocar uma diminuição das receitas tributárias.

Articulando o crime base previsto no artigo 103º, com a qualificativa constante do artigo 104º, nº2, alínea a), ambos do RGIT, o agente apenas pratica o crime de fraude fiscal se a utilização de faturas falsas se traduzir numa ocultação ou alteração de valores que assumam relevância tributária e, como tal, sejam suscetíveis de diminuir as receitas tributárias.

Será de se excluir a existência de ilícito penal — pelo menos neste âmbito fiscal — se o agente, apesar de utilizar documentos falsos, não adoptar uma conduta apta a causar uma diminuição das receitas fiscais, tratando-se, assim, de um comportamento atípico [17].

No que respeita ao crime de fraude fiscal, por utilização de faturas falsas, têm sido diferentes as respostas, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a respeito do momento da consumação do crime.

O recente AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025 (processo 92/07.1 TELSB-M.S.1), veio fixar jurisprudência no sentido da consumação do crime, momento relevante para efeitos de contagem do prazo prescricional, corresponde à data em que a última declaração, onde constam as informações relativas às faturas forjadas, foi, ou deveria ter sido, entregue [18].

Conforme se sufragou no ac RP 18.01.2023 (processo 1406/08.2TAVFR. P1, do aqui relator), o crime de fraude fiscal consuma-se com a apresentação da declaração que há de servir de suporte para a liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias [19].

Recortando a argumentação doutrinária citada no citado AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025: “Tal pressupõe que, caso as faturas falsas não sejam utilizadas perante a administração fiscal, estar-se-á perante meros actos de execução, que poderiam, eventualmente, consubstanciar uma tentativa do crime de fraude fiscal, como esclarece Nuno POMBO, op. cit., pág. 217, "(...) importa ainda insistir no facto de deverem ser os actos de execução idóneos, adequados, à consumação do crime. Caso contrário estaremos, tão-só, perante situações que sugerem a figura da tentativa impossível".

De igual modo, também como explicita Susana Aires de SOUSA, em ob. cit., pág. 85, a aquisição de uma factura falsa constitui um acto preparatório não punível». Assim, "não conferimos relevância ao momento da prática dos actos materiais de ocultação ou de alteração de factos ou valores, nem tão-pouco à celebração de negócios simulados, porquanto eles, em si mesmos, não se mostram aptos a causarem a diminuição das receitas tributárias. Só com a declaração (ou com a ausência dela) é que esses actos materiais podem produzir impacto na diminuição dessas mesmas receitas." neste sentido Nuno POMBO, op. cit., pág. 104.

Por isso que se afigura que tal actuação, de emissão de faturas falsas, é, deste modo, manifestamente insuficiente para que se considere verificada a prática dos elementos objectivos do tipo de fraude fiscal, pois que, como diz André Teixeira dos SANTOS, na ob. cit, pág. 219, tanto a ratio que preside à norma incriminadora como o requisito expresso na já referida oração subordinada adjectiva do corpo do n. 0 1 do art. 103. O do RGIT- "que visem. permitem concluir que o terceiro enganado pela camuflagem da realidade operada por intermédio do negócio simulado tem necessariamente se der a Administração Fiscal. Assim, esta conduta tem de ser conjugada com a possibilidade de o sujeito passivo informar, em tempo útil, a Administração Fiscal sobre o conteúdo correcto do negócio dissimulado. Só quando deixar de ocorrer essa possibilidade é que o crime se verificará. Claro que, se o sujeito informar de alguma forma a Administração Fiscal no sentido de corresponder à realidade o negócio simulado, - por exemplo, inscrevendo os seus efeitos na contabilidade ou na declaração fiscal — o crime ficará realizado com essa conduta".

Diz esta autora em op. cit. pág. 115, que "Sem a entrega da declaração não se pode considerar que o bem jurídico (...) fica exposto a um perigo, e, menos ainda, a um perigo que possa ser considerado apto a originar um efectivo dano.

A entrega da declaração defraudada constitui deste modo o momento em que, após a concepção e desenvolvimento do plano criminoso e a prática dos actos necessários à sua prossecução, o agente do crime dá por ultimada efinda a sua conduta, aguardando, a partir desse momento, a obtenção indevida de benefíciosfiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais. E é também esse o momento no qual as condutas tipificadas se tornam susceptíveis/idóneas/aptas de/a causarem diminuição das receitas tributárias".

Nesta medida, concluem Carlos TEIXEIRA e Sofia GASPAR, ob. cit., págs. 455 e 456 "(.. .) relevante será o momento em que o contribuinte dá conhecimento ou no termo do prazo em que devia dar às autoridades fiscais de declaração fraudulenta porque só aí mas desde aí induz em erro aquelas, susceptível de provocar prejuízo patrimonial para as receitas fiscais; de resto, não parece que a descrição típica exija que se verifique a produção de erro ou engano para que o crime se mostre consumado, já que, não obstante um certo resultado estar ínsito ao tipo de garantia ("susceptível de causar diminuição da receita tributária"), a verdade é que a ocorrência da acção típica realiza o tipo como crime de mera actividade".

Ou seja, apenas quando o agente utiliza a factura, dando-lhe um concreto fim, é que se poderá aferir da sua susceptibilidade para a diminuição do património fiscal. Para que se esteja perante um crime consumado torna-se necessário que seja apresentada a respetiva declaração fiscal, onde constem os valores referentes às faturas falsas, elemento essencial ao apuramento do imposto devido, uma vez que se trata do documento a partir do qual é apurado o rendimento tributável neste sentido,, Rui Correia MARQUES, em "Notas sobre a consumação do crime de fraude fiscal com recurso a faturas falsas", Revista do Ministério Público n.0 157, janeiro-março 2019, pág. 115.

Efectivamente, não sendo entregue a declaração fiscal, embora não corresponda à realidade dos factos, por si mesma, a factura não pode ser considerada um meio adequado a colocar em perigo o bem jurídico protegido. Caso não seja atribuída qualquer finalidade à factura fraudulenta, não se está, à partida, perante a prática de um ilícito criminal. Sobre a relevância criminal deste tipo de factura, veja-se o que diz Rui Correia MARQUES, ob cit., pág. 112, "(...) apenas surgirá consoante o uso que for dado a essas faturas. Caso as mesmas sejam utilizadas para enganar terceiros, poderão consubstanciar o elemento de "astúcia " no crime de burla. Caso sejam utilizadas numa declaração fiscal, terão a relevância de conduzir à agravação da pena prevista para o tipo base previsto no artigo 103. 0, n. 0 1, alínea c), do RGIT. Na hipótese de as mesmas nunca virem a ser utilizadas, não se tem por verificado qualquer crime".

Em suma, o crime de fraude consuma-se quando a conduta se esgota, portanto, no termo do prazo legal para a apresentação da declaração a que o imposto respeita, à administração fiscal, mais concretamente, quando o agente entrega a declaração fiscal, alterada ou omissa quanto a factos e valores que dela deviam constar, à administração tributária [20].

Conforme o AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025, o crime de fraude fiscal qualificado consuma-se quando a factura adulterada ou falsa é "utilizada", isto é, quando é inserida na respectiva declaração e entregue à Autoridade Tributária, antes e independentemente de se verificar o resultado pretendido pelo agente, por só aí se tratar de uma actuação, objectivamente, apta a produzir o resultado de diminuição de património fiscal, traduzindo-se numa ocultação ou alteração de valores que assumem relevância tributária [21].

Daí se ter fixado ali jurisprudência, no sentido da consumação do crime de fraude fiscal, com recurso à utilização de faturas fraudulentas, as designadas 'faturas falsas', ocorre na data da entrega da declaração na administração fiscal ou no termo do prazo da sua apresentação, momento apto a relevar para efeitos de cômputo do prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal.

Por outro lado, é hoje consensual o entendimento de que a exigência de um patamar mínimo da indevida vantagem patrimonial no valor de 15 mil euros constitui uma condição objetiva de punibilidade prevista no art. 103.º n.º2 do RGIT, sendo a mesma é igualmente aplicável ao crime de fraude fiscal qualificado previsto no art. 104.º do RGIT (cfr. RG 22-10-2024, processo 5/16.0IDBRG.G1, www.dgsi.pt).

Segundo este entendimento dominante na jurisprudência [22], aqui perfilhado, para que exista crime de fraude qualificada devem mostrar-se preenchidos, primeiramente, todos os elementos do crime de "fraude simples" tipificado no art.103.º do RGIT, incluindo a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos igual a 15 mil euros.

No que respeita à vantagem patrimonial ilegítima, esta “corresponde ao montante de impostos que o sujeito passivo pretendeu deixar de pagar em consequência da declaração defraudada ou simulada, pelo que esse elemento do tipo não se reconduz ao valor constante nas faturas forjadas, mas antes ao montante que, por virtude da sua utilização, para efeitos fiscais, o agente irá alcançar de benefício ilegítimo para si, por através desse meio conseguir reduzir as receitas tributárias de que era efectivamente devedor”. Assim, “o valor da vantagem patrimonial obtém-se apurando-se, atentas as taxas devidas nos impostos respectivos, o montante de que beneficiou, pelo facto de ter apresentado um custo que, na realidade, não suportou (o pagamento dos quantitativos constantes em tais faturas)” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/06/2024, P.º 91/19.0T9VPV.L1-3 (www.dgsi.pt).

Os ilícitos criminais de fraude fiscal, irrogados aos arguidos nestes autos, contendem com a emissão e com a utilização de faturas não correspondentes a transacções ou prestações de serviços reais, entre os operadores respectivos.

No crime de fraude fiscal, mediante simulação de negócios titulados por faturas falsas, não só os arguidos que procedem à dedução do IVA e apuramento de IRC como também aqueles que emitem as faturas falsas, quer a simulação seja relativa ou absoluta, são agentes do crime, na forma de coautoria.

A comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria supõe dois elementos: a) uma decisão conjunta, tendo em vista um determinado resultado criminoso (elemento subjectivo); b) uma execução igualmente conjunta (elemento objectivo) – art. 26.º do Código Penal.

A decisão conjunta pode consistir num acordo - expresso ou tácito, passível de se produzir tacitamente ou mediante actos concludentes – mas pode também consistir numa simples consciência de colaboração bilateral.

A execução conjunta supõe uma intervenção contributiva para a realização típica, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto. Não é indispensável nem necessário que cada um dos co-autores cometa integralmente o facto punível, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo indispensável à produção do resultado.

A co-autoria importa, segundo a doutrina sufragada, o domínio funcional do facto.

Note-se, no entanto, que os ilícitos se prolongam por períodos de tempo significativos, envolvendo vários agentes, não tendo as condutas de todos eles a mesma abrangência. Destarte, a cada arguido co-autor apenas é imputável o ilícito por si realizado, no âmbito do acordo gizado.

Cumpre agora apreciar a factualidade apurada nestes autos em face das considerações jurídicas supra expendidas a propósito do tipo legal de crime que aos arguidos vem imputado.

Quanto ao arguido BB,

ficou demonstrado que:

- GG acordou com indivíduo cuja identidade não se apurou que este iria emitir faturas em nome de BB, como se se tratasse do comprovativo de recebimento, por aquele arguido, do dinheiro relativo a transacções ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedeu, para que GG as introduzisse na contabilidade da sociedade E..., Unipessoal Lda. e, desse modo, beneficiassem da dedução do IVA aí inscrito, como se o tivessem pago.

- Em cumprimento deste plano, no ano de 2012, foram emitidas as faturas em nome de BB descritas em 7) dos factos provados, não correspondentes a qualquer transacção real.

- Para tal, o arguido BB solicitou a elaboração de livros de faturas, de recibos e de guias de transporte, que cedeu a terceiros, recebendo, em contrapartida, a quantia de, pelo menos, 675,00€.

-A sociedade E..., Unipessoal Lda inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respeitante aos meses de novembro e dezembro de 2012, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efectivamente pago a título de IVA em troca das transacções nelas descritas.

-Os valores de IVA declarados e acima referenciados não foram pagos pela sociedade E..., Unipessoal Lda ao arguido BB por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem BB entregou aqueles bens, nem a sociedade E..., Unipessoal Lda pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como o arguido BB bem sabia.

- O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, admitindo como possível que as faturas que entregou fossem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, e que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, conformando-se com tal resultado.

-Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


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Do exposto decorre que, com a sua conduta, o arguido disponibilizou e permitiu que fossem emitidas faturas em seu nome, a troco de uma contrapartida económica, bem sabendo que as mesmas iriam ser preenchidas e utilizadas por terceiros com vista à obtenção vantagens patrimoniais indevidas em sede de imposto e admitindo como possível que estas vantagens fossem superiores a 15.000,00€, conformando-se com tal resultado.

A sociedade E..., Unipessoal Lda encontrava-se colectada no serviço de Finanças enquadrada, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), nos anos de 2011 a 2013, no regime de periodicidade mensal e em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no regime geral de tributação.

Por força dos actos acima descritos, a sociedade E..., Unipessoal Lda obteve, nos períodos tributários que a seguir se indica as seguintes vantagens patrimoniais relativas a imposto indevidamente deduzido e que nunca foi pago:

- em sede de IVA relativo ao período de novembro de 2012, o valor global de 7.475,00€, não punível;

- em sede de IVA relativo ao período de Dezembro de 2012, o valor global de 43.722,50€ (14.915,00€ + 14.260,00€ + 14.547,50€);

- em sede de IRC do ano de 2012, o valor de 55.650,00€ (222.600,00€ x 25%).

Tendo, assim, contribuído para a obtenção de uma vantagem patrimonial indevida no valor global de 99.372,50€.

Esse valor, no caso de faturas falsas, implica que se calcule não só os efeitos decorrentes do IVA indevidamente deduzido, mas também os decorrentes da concomitante adulteração dos valores para efeitos de cálculo do IRC, sendo a esse valor global que deverá atender-se – cfr. RP 18-12-2018, processo 3459/16.0T8VFR.P1, www.dgsi.pt .

Daqui resulta o preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal de crime em causa – fraude fiscal –, ocorrendo a situação descrita na alínea c) do n.º 1 do art. 103.º, e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 104.º, ambos do RGIT.

No que concerne ao elemento subjectivo, o mesmo mostra-se igualmente preenchido, na modalidade de dolo eventual – cfr. art. 14.º n.º3 do C.P.

Em consequência, condena-se o arguido BB pela prática, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art.103.º, n.º 1, alínea c), e 104.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Concretamente, o arguido BB argumenta que os factos que lhe são imputados não configuram atos de execução do crime de fraude fiscal qualificado, sob a forma de co-autoria.

Contudo, não lhe assiste razão.

A requisição e entrega das quatros faturas em nome do arguido BB foi efetuada por si para concretização do plano criminoso referido em 6) e 7) dos factos provados (ponto 8), admitindo aquele como possível que as faturas que entregou fossem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, e que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, conformando-se com tal resultado.

Não existem fórmulas sacramentais e estanques para definir a co-autoria, tais como “agir de comum acordo e em comunhão de esforços”, nem a esta obsta a atuação do agente na modalidade de dolo eventual.

Para que haja coautoria, exige-se um elemento objetivo, que consiste na prática, por cada um dos agentes, pelo menos de uma parte dos atos típicos e um elemento subjetivo, que exige que à soma dos atos dos vários agentes esteja a presidir um desígnio comum ([23]), o qual uniformiza as condutas de cada um dos participantes e permite que a todos eles seja imputado o resultado típico na sua globalidade ([24]).

Verifica-se a coautoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.

Seguindo de perto as posições da doutrina e da jurisprudência, são elementos da comparticipação criminosa sob a forma de coautoria:

- a intervenção na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);

- o acordo para a realização conjunta do facto, acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem se ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem se ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo coautor;

- o domínio funcional do facto no sentido de «deter e exercer o domínio positivo do facto típico», ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do facto típico na forma planeada.

No pressuposto da reclamada alteração da matéria de facto, o arguido recorrente BB vem impugnar a subsunção da sua conduta à forma de participação (coautoria).

A questão posta pelo recorrente BB consiste em saber se é possível imputar-lhe essa forma de participação, ainda que não tivesse ficado provado quem preencheu e assinou as faturas que aquele requisitou e entregou para defraudar o fisco.

Contudo, a indefinição de quem preencheu e assinou as quatro faturas, nesse segmento da execução integral do plano criminoso, é totalmente irrelevante para a subsunção da participação do arguido BB na coautoria.

O facto de outro individuo, após as receber do arguido BB para o efeito, ter preenchido e assinado as quatro faturas (falsas) não invalida que aquele tivesse feito parte do processo constitutivo do facto ilícito assim planeado, para o qual ambos concorreram e que, subjetivamente, o arguido BB admitiu como possível e se conformou, em consonância com o plano e o modo de execução estabelecidos.

É irrelevante para efeitos de qualificação da coautoria se foi o recorrente que preencheu e assinou as faturas.

Da narrativa descrita resulta clara a consciência e vontade de colaboração bilateral do arguido BB, inserta num plano criminoso de atuação concertado com outro individuo não identificado, admitindo aquele como possível o preenchimento inverídico de vendas inexistentes nas faturas que entregou, a sua utilização e inserção dos respetivos dados na declaração fiscal de IVA para que o utilizador dessas faturas obtivesse uma vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, conformando-se com tal resultado.

A requisição e entrega das quatros faturas em nome do arguido BB foi efetuada por si para concretização do plano criminoso referido em 6) e 7) dos factos provados (ponto 8) e, como tal, são atos de execução já que, de acordo com o aludido plano, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam [(alínea c)] atos que preencham os elementos constitutivos do tipo legal de crime de fraude fiscal [(alínea a)] - art.22º, nº2.

No fundo, esta situação não é diversa do crime executado em coautoria, em que cada agente tem uma parte no plano referido em 6) e 7) dos factos provados, sem a qual o crime não fica consumado, e quem tem a tarefa final se se arrepender e não executar a parte que lhe cabe efetuar no plano impede a consumação do crime, conferindo-lhe o domínio funcional do facto.

Na execução do crime de fraude fiscal, o arguido BB atuou de acordo com o planeado, assim contribuindo para a utilização das faturas falsas com a consciência e vontade de colaboração com outro no cometimento do crime, sendo incontestável, segundo o plano estabelecido, a importância objetiva da parte do facto que qualquer deles assumiu na sua consumação.

Em conclusão, tendo em conta os princípios expostos, conexionados com a matéria de facto apurada, o arguido recorrente cometeu em coautoria o crime pelo qual foi condenado.

Do que se vem dizendo, impõe-se concluir pela correta subsunção dos factos ao direito, que se crê corretamente aplicado e interpretado pelo tribunal a quo, ainda que sem comprometimento quanto à exata identificação da (co)autoria do arguido BB.


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Quanto aos restantes recorrentes arguidos

A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE os mesmos vieram invocar, ao nível da realização subjetiva do tipo:

- a falta de dolo sobre a idoneidade da conduta; e

- a falta de dolo sobre a condição objetiva de punibilidade.

Qaunto ao dolo dos recorrentes sobre a idoneidade da sua conduta, o mesmo resulta da comprovação de os mesmos terem agido, em concertação de esforços e intentos com o utilizador das faturas, sabendo que tinham emitido e/ou entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transacções reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objectivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Autoridade Tributária, como veio efectivamente a suceder, cientes que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram (pontos 51 a 53 dos factos provados).

Também quanto ao dolo sobre o valor da vantagem ilegítima, para efeitos de exclusão da punibilidade, não assiste razão aos recorrentes, por se tratar de uma mera condição de punibilidade e objetiva, logo sobre ela não tem de recair o dolo do tipo.

Não obstante, como se observa no ponto 53 dos factos provados, os recorrentes atuaram com consciência e vontade que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram.

Por conseguinte, improcede nesta parte a pretensão dos recorrentes.


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Da aplicação da lei de amnistia ao arguido BB

Refere a sentença, como questão prévia, estar afastada a aplicação do regime da Lei n.º 38-A/ 2023, de 2 de agosto, em função da idade dos Arguidos à data dos factos (superior a 30 anos).

Invoca o arguido BB que nasceu em 1983 e os factos por que foi condenado ocorreram em 2012, isto é, antes de completar 30 anos.

Termos em que, defende, não colhe a justificação adiantada pelo Tribunal a quo para efeitos de afastamento do referido regime legal.

O arguido BB nasceu em ../../1983, tendo completado 30 anos de idade em 11.11.2013.

Ora, nesta data, o conteúdo ideologicamente falso das faturas já se encontrava vertido na declaração fiscal de IRC relativo ao exercício de 2012 e IVA relativo a dezembro de 2012, sem que – repete-se - o arguido BB tivesse completado 30 anos de idade.

Considerando que o crime de fraude fiscal qualificado não consta das exclusões previstas no art.7º, da Lei n.º 38-A/ 2023, de 2 de agosto, o arguido BB beneficiaria do perdão de um ano de prisão.

Contudo, o arguido BB foi condenado na pena de 3 (três anos) de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, subordinada à obrigação de comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros).

Ora, a pena de prisão suspensa na sua execução subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, como pena de substituição, está arredada do perdão de penas previsto no artigo 3º da Lei 38-A/2023 de 2.8, por cair no âmbito da exceção prevista na segunda parte da alínea d) do nº 2 do art.3º, da cit. Lei n.º 38-A/ 2023 (cfr. RC 5-06-2024, processo 116/20.7GBMBR.C2, www.dgsi.pt.

Isto apesar do perdão previsto no n.º 1, do art.3º, poder ter lugar se vier a ser revogada a suspensão da execução da pena – art.3º, nº3.

Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso do arguido BB.


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Também os demais arguidos recorrentes CC, DD E EE vieram impugnar a sentença recorrida, na parte que os excluiu do citado perdão, não obstante terem mais de 30 anos de idade à data da consumação do crime.

Considerando que estes três arguidos foram condenados em pena de prisão, suspensa na execução, subordinada à obrigação de comprovarem, no prazo da suspensão, o pagamento à Administração Tributária, vale aqui a exceção prevista na segunda parte da alínea d) do nº 2 do art.3º, da cit. Lei n.º 38-A/ 2023, quanto à exclusão do perdão.

Por conseguinte, prejudicada fica a apreciação, em abstrato, da invocada inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, por ofensa à norma do artigo 13.º, n.º 2 da C.R.P., ainda que a respeito o TC se venha pronunciando de forma unanime em sentido negativo.

Assim aconteceu no recente Acórdão Tribunal Constitucional n.º 166/2025 (Processo n.º 253/2024 ) de 20 de fevereiro de 2025 que – além do mais – decidiu não julgar inconstitucional a norma contida no art. 2º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, ao estabelecer como condição do perdão da pena que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, pelos fundamentos dos acórdãos TC n.º 898/2024, 900/2024 e 901/2024.

Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso.


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Da medida concreta das penas aplicadas

Os arguidos EE, DD e CC, e respetivas sociedades recorrentes vieram impugnar a sentença recorrida quanto à medida concreta das penas aplicadas, por considerem as mesmas desajustadas, atento o facto de:

- os arguidos/recorrentes serem primários;

- terem uma condição económica modesta; e

- o valor a liquidar à AT ser reduzido para o valor de 1.000,00€ (mil euros).

Concluem, com tais fundamentos, que as penas aplicadas não deveriam ser superiores ao mínimo legal.

Cumpre apreciar.

De acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, tendo presente que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade (artº 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal, para determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores:

- a culpa manifestada pelo arguido na prática do(s) crime(s) em causa, como limite máximo da pena concreta;

- as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem; e

- as necessidades de prevenção especial manifestadas pelo arguido, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para o reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre ele um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.

Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do Código Penal, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no n.º 2 do referido preceito legal.

O crime de fraude fiscal qualificado é punido punível com pena de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (cfr. art. 104.º do RGIT).

Os arguidos foram condenados:

-o arguido CC na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução;

-o arguido DD, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução;

-a arguida EE, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução;

-a sociedade arguida B... UNIPESSOAL LDA., na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

-a sociedade arguida A... UNIPESSOAL, LDA. na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa.

Valem isto dizer que o quantum da pena aplicada aos impugnantes se situou muito próximo do mínimo legal.

Tendo presentes os princípios e critérios que imperam neste domínio, e que de resto o tribunal recorrido explanou em termos proficientes, as penas aplicadas, ante as respetivas molduras abstratas, só por insuficiência se podem ter por desajustadas.

Perscrutada a fundamentação da decisão recorrida quanto à determinação das sobreditas penas, são perfeitamente inteligíveis os fatores atendidos e de resto relevantes em sede de determinação da medida concreta e ali claramente evidenciados.

Dito isto, concorda-se com a ponderação valorativa atribuída a cada um dos fatores considerados na determinação das penas.

Tudo visto, as penas aplicadas não são desadequadas no quadro da moldura legal correspondente.

Deste modo, e em suma, atenta a modalidade do dolo com que os recorrentes atuaram, a ilicitude dos factos e as exigências de prevenção geral, que de todo podem ser desconsideradas, sem descurar as reduzidas necessidades de prevenção especial, nenhum reparo merece a decisão recorrida, a qual em sede de medida das penas analisou e ponderou equilibradamente as circunstâncias relevantes in casu, sendo aquelas de manter.

Tanto mais que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, o que aqui não se verifica, havendo, por isso, de manter-se.

Por conseguinte, carece de fundamento, também nesta parte, a pretensão recursiva dos arguidos EE, DD e CC, e respetivas sociedades recorrentes.


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Da condição de pagamento para suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos BB, CC, DD, EE e FF

Os arguidos BB, CC, DD, EE e FF foram condenados pela prática, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos art. 103.º n.º1 alínea c) e 104.º n.º1 e 2:

- o arguido BB na pena de 3 (três anos) de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros);

-o arguido CC, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

-o arguido DD, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

-a arguida EE, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de a arguida comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros);

-o arguido FF, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada à obrigação de o arguido comprovar, nesse mesmo prazo, o pagamento à Administração Tributária da quantia de 3.000,00€ (três mil euros).

Inconformado, recorreu o Ministério Público defendendo que o tribunal a quo não condicionou a suspensão ao pagamento do valor total do benefício indevido que as condutas dos arguidos causaram à Autoridade Tributária – cf. art.º 14º do RGIT – sem prejuízo de poder fixar condições mínimas acessórias a serem observáveis no decurso da suspensão associadas a esse pagamento – cf. art.º 50º, n.ºs 1 e 2 do C.P.

A sentença recorrida violou, no entender do recorrente Ministério Público, o disposto no artigo 14º do RGIT.

Face ao exposto, argumenta, deverá:

- o arguido BB ser condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 5 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 99.372,50€ à Autoridade Tributária, mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 100,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos;

- o arguido CC ser condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 41.760,00€ à Autoridade Tributária (solidariamente com o arguido DD), mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos;

- o arguido DD ser condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 41.760,00€ à Autoridade Tributária (solidariamente com o arguido CC), mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos;

- a arguida EE ser condenada na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 38.544,00€ à Autoridade Tributária, mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos;

- o arguido FF ser condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos subordinada ao pagamento da quantia total de 265.094,40€ à Autoridade Tributária, mediante o pagamento da quantia mínima mensal de 125,00€ durante a suspensão, a serem comprovados nos autos.

Também os arguidos CC, DD e EE impugnam a condição de pagamento para suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos.

Entendem estes arguidos recorrentes que, em face do apurado quanto às condições económicas de cada um dos arguidos, não se mostra viável condicionar a suspensão da execução das penas ao pagamento integral das aludidas quantias, sendo manifesto que os arguidos não dispõem de rendimentos que lhes permita o cumprimento de tal condição.

Concretamente, sustentam os recorrentes arguidos CC, DD e EE que, em face das respetivas condições económicas, se deverá julgar justo, adequado e razoável determinar que a suspensão da pena de 1 ano e 4 meses de prisão aplicada a cada um deles, pelo período de 2 anos, fique condicionada ao pagamento da quantia mínima de 3.000,00€, numa quantia mensal de 125,00€ cada um deles.

Vejamos.

O art.º 14.º do RGIT [Suspensão da execução da pena de prisão] preceitua no seu n.º 1 que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

Como resulta expressamente da letra da referida norma, nos crimes tributários a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, bem como dos montantes indevidamente obtidos, é uma imposição e não uma mera faculdade.

Refere o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012 [25], que em vez de se deixar ao critério do julgador a aplicabilidade caso a caso do cumprimento do dever de pagamento das quantias em dívida como condição da suspensão da execução da pena, a lei estabelece a obrigatoriedade da imposição desse dever, ou seja, aparentemente, sem se possibilitar a aplicação do artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal.

O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado pela não inconstitucionalidade do regime do art.º 14.º do RGIT [26], enquanto condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida, considerando que se mostra conforme com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena [27]. São três as razões pelas quais afasta a objeção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição; a revogação é sempre uma possibilidade e não dispensa a culpa do condenado; o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena[28].

O Supremo Tribunal de Justiça, através do citado Acórdão n.º 8/2012, fixou jurisprudência no sentido de que no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, nº 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado de prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade por omissão de pronuncia.

A sentença recorrida, à luz da jurisprudência fixada no AUJ 8/2012, realizou o necessário juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade dos condenados satisfazerem esta condição legal de pagar ao demandante, durante determinado período, atendendo à fonte de rendimento, encargo mínimo de subsistência e ao montante da quantia a pagar.

Alguns Tribunais têm entendido que a necessidade do juízo de prognose só se verifica quando o crime tributário em causa é punível com pena de prisão ou pena não privativa da liberdade, por exemplo, pena de multa [v.g. crime de burla tributária simples, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1; crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 88.º; crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art.º 105.º, n.º 1, todos do RGIT]. Não se aplicaria, pois, aos crimes tributários puníveis apenas com pena de prisão [29].

Porém, não acompanhamos esse entendimento. Pelo contrário, consideramos que nada o autoriza, desde logo, porque não resulta da leitura do Acórdão n.º 8/2012.

Tal interpretação seria um forte atentado ao princípio da igualdade e não tem respaldo na base factual que originou o AFJ, alargando de forma inadmissível o objeto do mesmo.

Por outro lado, o voto apresentado pelo Conselheiro Manuel Joaquim Brás aponta inequivocamente no sentido de que assim não é, quando, no que concerne aos crimes do n.º 5.º do art.º 105.º, do RGIT, puníveis, para a pessoas singulares, só com pena de prisão, se refere às consequências da impossibilidade de o arguido cumprir a condição, por contraponto com os crimes puníveis, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa [30].

Assim, pensamos que a jurisprudência fixada no referido aresto também é aplicável aos crimes tributários puníveis apenas com pena de prisão, como acontece no caso vertente, dado que o crime de fraude qualificada é punível só com pena de prisão para as pessoas singulares [31].

Pronunciando-se no sentido da inconstitucionalidade da norma citada, decorrente da rigidez e obrigatoriedade do montante da condição, com fundamento na violação dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da igualdade, encontramos na doutrina José António Barreiros, Patologia Social, Crimes fiscais: suspensão contra pagamento, Janeiro 5, 2025 e Anabela Miranda Rodrigues, A Suspensão da Execução da Pena de Prisão no Regime Geral das Infrações Tributárias – O Dever de Imposição Obrigatória de Pagamento do Imposto Devido e Acréscimos Legais, Católica Review Law, Vol. VIII \ n.º 3 \ novembro 2024 \ 13-29; também assim, Vasco Sousa Vieira, «Sobre a suspensão da execução da pena de prisão nos crimes tributários: análise de alguns problemas emergentes da sua especialidade e contributo para a sua compreensão», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 28, 2018, n.º 2, pp. 253-4; Antonieta Nascimento, “Regime Geral das Infracções Tributárias- Dificuldades de Aplicação dos Art.s 14º/1 e 22, RPCC Ano 20, 2010, nº1, pp. 87-88; Isabel Marques da SILVA, Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina, p. 107.

No mesmo sentido de inconstitucionalidade Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta aos Acórdãos do TC n.º 376/03, de 15 de julho, e nº29/07, 17 de Janeiro), concluindo pela inconstitucionalidade dos números 6 e 7 do artigo 11.º do RJIFNA, em nome da violação dos princípios jurídico-constitucionais da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena, consagrados nos artigos 13.º e 18.º/2 da nossa Constituição.

Por conseguinte, ressalvado o devido respeito, bem andou o Tribunal a quo ao efetuar o necessário juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal, por parte dos arguidos pessoas singulares, de suspensão de execução da pena de prisão aplicada.

O arguido BB é mecânico, auferindo o salário mínimo nacional; encontra-se registado como trabalhador da sociedade F..., Unipessoal, Lda. desde 7/09/2022; vive com a companheira, a qual aufere o salário mínimo nacional; habitam em casa arrendada, suportando renda mensal no valor de 500,00€; têm dois filhos, um deles menor e a cargo; como habilitações literárias tem o 4.º ano de escolaridade.

O arguido CC exerceu actividade entre 16/06/2011 e 12/2018 como trabalhador da sociedade A..., Unipessoal Lda., auferindo como remuneração o valor de 580,00€; e entre 11/08/2020 e 6/2021, como trabalhador da sociedade G... Lda., auferindo como remuneração o valor de 580,58€.

O arguido DD é corticeiro, encontrando-se desempregado há 3 anos; não aufere quaisquer rendimentos mensais; tem, como última remuneração registada, o vencimento no valor de 700,00€, em janeiro de 2012, como trabalhador da sociedade 

H... Unipessoal Lda.; vive com a sua mulher (a co-arguida EE) e dois filhos, um dos quais menor e a cargo; habitam em casa própria da sogra do arguido, não suportando qualquer despesa com habitação; como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade.

A arguida EE é doméstica, não auferindo quaisquer rendimentos; não tem qualquer remuneração registada nos serviços da Segurança Social; vive com o seu marido (o co-arguido DD) e dois filhos, um dos quais menor e a cargo; habitam em casa própria da mãe da arguida, não suportando qualquer despesa com habitação; beneficia de apoio económico de familiares.

O arguido FF foi trabalhador da sociedade C..., Unipessoal Lda. entre 1/12/2010 e 5/2024, tendo como última remuneração registada o valor de 820,00€; é corticeiro e aufere a quantia mensal média de 1.000,00€; vive sozinho, em casa arrendada, suportando o valor de 200,00€ a titulo de renda; suporta prestação mensal de 200,00€ a titulo de credito automóvel; não tem filhos; como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade.

O mínimo absoluto de subsistência humana condigno é o valor da pensão social do regime não contributivo fixado em 2024 em € 255,25 – art. 19º, da Portaria n.º 372-B/2024/1, de 31 de dezembro, por força do art.738º, nº4, do Código Processo Civil.

Nestes termos, fácil se torna concluir que é totalmente desproporcionado, violador dos art.s 2º e art.18º, nº2, da C.R.P., ofensivo o pagamento integral das quantias em divida, no prazo fixada da suspensão.

Impô-lo, como pretende o recorrente Ministério Público, ressalvado o devido respeito, é o mesmo que impor aos arguidos um dever que hoje se sabe de cumprimento impossível e, com isso, se viola os princípios da proporcionalidade e da culpa, conforme se defendeu no ac RP 29.11.2023 (processo 2623/10.0TAMAI.P1, do mesmo relator), www.dgsi.pt.

É claro que sempre pode haver regresso de melhor fortuna, mas também de pior azar.

É verdade que a revogação da suspensão não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição. A revogação é sempre uma possibilidade e não dispensa a culpa do condenado; o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena.

Contudo, nada disto importa.

Relevante é apenas a situação pessoal conhecida do arguido, à data da sentença, para aferir da circunstanciada e atual possibilidade razoável daquele pagar o montante da condição de suspensão imposta.

Por contas retas, tal pressuporia um rendimento mensal liquido médio que, ressalvado aquele mínimo de subsistência, nenhum arguido pessoa singular dispõe à data da sentença recorrida.

Nesta conformidade, em face da circunstanciada e atual situação económico-financeira dos arguidos, não merece reparo o montante total fixado na sentença em relação a cada um dos arguidos, embora repartido, em prol de um controlo mais assertivo, em termos quantitativamente próximos daqueles propostos pelo Ministério Público:

- em cinco prestações anuais, iguais e sucessivas em relação ao arguido BB, vencendo-se a primeira no termo do prazo de um ano a contar do trânsito em julgado deste acórdão;

- em duas prestações anuais, iguais e sucessivas em relação aos demais arguidos, vencendo-se a primeira no termo do prazo de um ano a contar do trânsito em julgado deste acórdão;

a pagar à AT, com a devida comprovação de pagamento nos autos, nos 10 dias subsequentes ao vencimento de cada prestação anual.


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3. DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I) negar totalmente provimento ao recurso do arguido BB, sem prejuízo da aludida retificação do lapso de escrita enunciado;

II) conceder provimento parcial ao recurso do Ministério Público e em consequência determinar como condição da suspensão da execução da pena de prisão o pagamento faseado:

a) em cinco prestações anuais, iguais e sucessivas em relação ao arguido BB, até perfazer a quantia total de 5.000,00€ (cinco mil euros), vencendo-se a primeira no termo do prazo de um ano a contar do trânsito em julgado deste acórdão;

b) em duas prestações anuais, iguais e sucessivas em relação aos demais arguidos até perfazer a quantia total de 3.000,00€ (três mil euros), vencendo-se a primeira no termo do prazo de um ano a contar do trânsito em julgado deste acórdão;

c) todas a pagar à AT, com a devida comprovação de pagamento nos autos, nos 10 dias subsequentes ao vencimento de cada prestação anual.

III) negar totalmente provimento ao recurso dos arguidos A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE;

IV) não admitir a junção do documento apresentado com o requerimento de interposição de recurso destes arguidos;

V) no mais, confirmar integralmente a decisão recorrida.


-

Custas pelos arguidos recorrentes BB, A... UNIPESSOAL, LDA, CC, DD, B... UNIPESSOAL, LDA E EE, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 (cinco) UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).

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*Declaração de voto e voto de vencido:

Desembargador Adjunto William Themudo Gilman

Em primeiro lugar, quero referir que após melhor estudo e nova reflexão sobre o assunto mudei de entendimento quanto à impossibilidade da redução do montante da condição da suspensão prevista no artigo n.º 1 do artigo 14º do RGIT (ver no sentido da impossibilidade da redução, o Ac. do TRP de 18.03.2020, do qual fui relator proferido no proc. 396/17.5IDPRT.P1, não publicado em dgsi.pt mas disponível no livro de registo de sentenças), passando a entender, tal como no presente acórdão, que a obrigação de pagamento do imposto devido e acréscimos legais como condição da suspensão só pode ser imposta se e na medida em que houver a concreta possibilidade de o condenado a cumprir. É o princípio geral de direito segundo o qual uma obrigação só tem fundamento para ser imposta ou subsistir se houver a concreta possibilidade de o condenado a cumprir - «ad impossibilita nemo tenetur» - que impõe tal solução, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade das penas e de prejuízo para a harmonia do sistema face à consagração daquele princípio no artigo 51º, nº. 2 do Código Penal «Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.»

Tudo visto, admito a possibilidade da redução do montante a cujo pagamento se condiciona a suspensão da execução da pena, bem como até a exclusão da condição em caso de inviabilidade total de pagamento, designadamente nos casos em que o arguido viva no mínimo existencial ou abaixo dele.

O mínimo existencial é constituído por um mínimo vital (alimentação, vestuário, abrigo, saúde) e por um mínimo de sobrevivência condigna (educação, trabalho, habitação, transporte, lazer, segurança, segurança social, cultura, proteção à maternidade e à infância), que o Estado não pode subtrair aos cidadãos.

Se olharmos às condições económicas dos recorrentes CC, DD e EE, verificamos que o arguido CC exerceu atividade entre 16/06/2011 e 12/2018, auferindo como remuneração o valor de 580,00€; e entre 11/08/2020 e 6/2021, auferindo como remuneração o valor de 580,58€; o arguido DD é corticeiro, encontrando-se desempregado há 3 anos; não aufere quaisquer rendimentos mensais; a arguida EE é doméstica, não auferindo quaisquer rendimentos; não tem qualquer remuneração registada nos serviços da Segurança Social; vive com o seu marido (o coarguido DD) e dois filhos, um dos quais menor e a cargo; habitam em casa própria da mãe da arguida, não suportando qualquer despesa com habitação; beneficia de apoio económico de familiares.

Ora, com estas condições económicas, o que constatamos, se atentarmos na realidade das coisas da vida, em quanto importam as normais despesas de qualquer pessoa, seja em alimentação, habitação, vestuário ou no mais necessário, é a situação de pobreza em que se encontram estes recorrentes, os quais vivem abaixo do mínimo existencial, beneficiando até os dois últimos de apoio económico de familiares, ou seja, vivendo da caridade.

Concluindo, vivendo os arguidos abaixo do mínimo existencial, afigura-se que a sujeição da suspensão das respetivas penas à obrigação de pagamento, ainda que parcial, dos impostos devidos viola o princípio geral de direito «ad impossibilita nemo tenetur», desrespeita o princípio da proporcionalidade das penas e resulta em prejuízo para a harmonia do sistema, pelo que nessa parte voto vencido, pois daria provimento ao recurso dos três referidos arguidos quando defendem que a condenação não deveria estar sujeita ao pagamento de qualquer quantia, revogando a obrigação de pagamento que lhes foi imposta como condição de suspensão da execução da pena.


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Notifique.

Porto, 23.04.2019

(Elaborado e revisto pelo relator – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

João Pedro Pereira Cardoso

William Themudo Gilman (*com declaração de voto e voto de vencido)

Isabel Namora

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[1] Diploma a que se referem os normativos legais adiante citados, sem indicação expressa da sua origem.
[2] Diploma a que respeitam os demais artigos adiante citados, sem indicação da respetiva fonte legal.
[3] Contabilizada pela sociedade E..., Unipessoal Lda. na declaração de IVA relativa ao mês de dezembro de 2012.
[4] Como tem sido unanimemente afirmado pela nossa jurisprudência, nada obsta à valoração de tais declarações prestadas pelos suspeitos aos órgãos de policia criminal. Aderimos aqui, na integra, à síntese que é feita, por todos, no sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/06/2017, P.º 320/14.7GCMTJ.L1-9 (www.dgsi.pt), o qual, pela clareza e síntese da exposição, transcrevemos: 

I- Não existem conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o suspeito decide, por sua iniciativa, de forma volutária e sem actuação criticável das forças policiais, fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC, estando estes a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação;

II- As forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser constituídos arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, desde que não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição. E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova.

III-Face ao ordenamento português, o simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido.Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.

IV-Por isso a proibição de “conversas informais” só deve abranger afirmações posteriores à constituição de arguido e nunca antes da sua constituição pois ai nem existem propriamente “conversas informais”, mas sim afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. E este é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha.

V-Assim, a questão centra-se, no caso de situações de fronteira, na distinção a fazer entre as figuras de “suspeito” e “arguido”. Este goza de direitos, aquele é testemunha. O arguido goza do direito ao silêncio, o suspeito não.

VI- Logo a constituição formal de arguido constitui a “linha de fronteira” da admissibilidade da reprodução em audiência de julgamento das ditas “conversas informais”, sendo que a partir daquele momento as declarações só têm valor de prova quando prestadas em actos mencionados na lei, considerando-se sem carácter probatório todas as demais provas que foram recolhidas informalmente, em conversas ou em actos sem previsão ou legitimação legal.

VII-As afirmações produzidas nesta fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela, suspeito ou potencial testemunha do crime, não traduzem “declarações” strictu sensu para efeitos processuais, já que não existe, ainda, verdadeiramente um processo penal a correr os seus termos. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, dada a sua conformidade com o comando legal prescrito no art. 249º do CPP, não sendo, por isso, proibido o seu relato em audiência.”

[5] Andreia Valadares Ferra, in “A utilização em processo penal da prova obtida pela Autoridade Tributária ao abrigo do dever de colaboração e o direito à não auto-inculpação do contribuinte”, JULGAR Online abril de 2020, pg.5-6.
[6] Citado pelos recorrentes, Augusto Silva Dias esclarece acertadamente que o princípio nemo tenetur “não opera ainda, por isso que não há então qualquer conflito, quando os destinatários de deveres de cooperação são ‘convidados’ a cumpri-los pelas autoridades administrativas competentes para assegurar o regular funcionamento de determinadas operações ou atividades; assim, quando a Administração Tributária solicita a apresentação de documentos fiscalmente relevantes, quando a polícia de trânsito, durante uma regular operação ‘stop’, manda parar os condutores para que se sujeitem ao teste de alcoolemia, ou quando a CMVM solicita documentação aos intermediários financeiros …, nestas situações não vigora e, portanto, não é invocável, o nemo tenetur; só quando na dialética exercício de poderes de fiscalização e supervisão/cumprimento de deveres de cooperação surge a suspeita da prática da infração, só então, a garantia se torna funcional e accionável” (realce acrescentado - cfr. “ O direito à não auto-inculpação no âmbito das contra-ordenações do Código dos Valores Mobiliários”,  pp.  245-246:
https://www.concorrencia.pt/sites/default/files/importedagazines/Revista_CR01.pdf.
[7] Neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, em "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 395, afirma: "No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados."
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, em "Curso de Processo Penal", III vol., pg. 309: "O recurso é um meio de impugnação de decisões judiciais que tem por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão ilegal ainda não transitada em julgado, submetendo-a a uma nova apreciação por outro órgão jurisdicional, ou a correcção de uma decisão já transitada em julgado".
O mesmo entendimento vemos seguido na jurisprudência superior, destacando-se o ac STJ 25.03.2010 www.dgsi.pt que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[8] Sérgio Gonçalves Poças, in “Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto”, JULGAR - N.º 10 – 2010, pg. 22.
[9] Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Reimpressão da edição de fevereiro de 2014, Almedina, Coimbra, junho, 2014, p. 1183 e 1184.
[10] Sobre o alcance de cada uma das especificações – cfr. Ac. TRL de 21.05.2015 (Francisco Caramelo) www.dgsi.pt.
[11] Albuquerque, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed., 2009,. Universidade Católica Editora, anotação ao art.412, pg.1121, acompanhando no mesmo sentido o ac RP 15.11.2006 CJ, 5, 204 e RP 19.01.2000, CJ, 1, 235.
[12]  Ac STJ de 16.06.2005 in www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido, conforme se escreve no Ac. do STJ de 10.01.2007 www.dgsi.pt, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente.
[14] André Teixeira SANTOS, ob. cit., págs. 225 e 226.
Também assim classificado pelo recente AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025 (processo 92/07.1 TELSB-M.S.1), transitado em julgado, seguindo a jurisprudência já defendida no ac STJ 26/10/2023, Processo de habeas corpus n.0 5037/14.0TDLSB-P.S1, em www.dgsi.pt
[15] Na fundamentação do citado AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025 (§15), o bem jurídico primordial protegido pela presente incriminação é o património tributário — não obstante a incriminação visar ainda, reflexamente, a protecção dos valores de transparência fiscais.
Neste sentido defende Germano Marques da Silva, em "Direito Penal Tributário", Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009, Pág. 230, que "O objecto do crime de fraude fiscal é complexo. Por uma parte o património do Estado, enquanto componente do bem jurídico tutelado, mas também o dever de colaboração leal dos cidadãos na determinação dos factos tributários e, por isso, o objecto do crime é por uma parte o património tributário do Estado, enquanto bem jurídico tutelado, e por outro os deveres de informação e de verdade dos cidadãos perante o sistema fiscal, que constituem o objecto da acção.
A ratio do crime de fraude fiscal é o dano no património fiscal do Estado que se consubstancia na violação dos deveres de colaboração dos sujeitos passivos fiscais. "
No mesmo sentido, Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, in Comentário das Leis Extravagantes, vol. II, Lisboa, 2011, pg. pág. 462, clarificando que "(...) no actual crime de fraude fiscal, previsto no art. 104. 0, ressalta bem vincada uma concepção patrimonialista do bem jurídico, dirigida à arrecadação de receitas fiscais. Pode mesmo afirmar-se que a verdade e transparência fiscais, sendo valores também tutelados pelo tipo penal da fraude, constituem o chamado "bem jurídico-meio residindo no património activo ou receitas do Estado o "bem jurídico-fim " da tutela penal que a norma estabelece " (ob.cit., pg.454)
[16] Susana Aires de SOUSA, ob. cit., pág.78.
[17] cfr. Teixeira dos SANTOS, ob. cit., pág. 225; Também o recente AUJ (STJ) de 19 de fevereiro de 2025 (processo 92/07.1 TELSB-M.S.1), transitado em julgado.
[18] No mesmo sentido o ac STJ de 26-10-2023, processo n.0 5037/14.0TDLSB-P.S1, onde consta que "(...) o crime de fraude consuma-se quando a conduta se esgota, portanto, no termo do prazo legal para a apresentação da declaração a que o imposto respeita, à administração fiscal, mais concretamente, quando o agente entrega a declaração fiscal, alterada ou omissa quanto a factos e valores que dela deviam constar, à administração tributária.
[19] Germano Marques da Silva, in Responsabilidade Penal dos Dirigentes das sociedades, UCE, 2021, pg.125-8, apontando como elemento estrutural essencial do crime de fraude fiscal a falsificação ideológica da declaração apresentada pelo contribuinte para efeitos da referida liquidação, sendo irrelevante que o contribuinte venha a obter ou não a vantagem que intenta com a falsificação.
Daí, segundo o Autor, tratar-se de um crime de resultado cortado, bastando a intenção de obter o beneficio patrimonial, mas sem que o agente tenha de o conseguir.
No mesmo sentido, Manuel da Costa Andrade, in “A Fraude Fiscal, Dez anos depois, ainda um crime de resultado cortado? ”, in Direito Penal Económico e Europeu, Vol. II, Coimbra Editora, recordando a fraude fiscal como tipicamente um crime de falsidade, ainda que votado à proteção do património fiscal.
Considerando que a circunstância relevante é o momento da entrega/receção da declaração 'defraudada', ou o termo do prazo para a sua apresentação, entendida, como regra geral, sem prejuízo das especialidades que possam surgir, decorrentes da especificidade de cada imposto – cfr. Nuno POMBO, "A norma incriminadora, a simulação e outras reflexões", Almedina, 207, págs. 100 e 101, Germano Marques da Silva, em "Direito Penal Tributário", Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009, pág. 232, , Susana Aires de SOUSA, ob. cit., págs. 84 a 87, e, Carlos TEIXEIRA e Sofia GASPAR, ob. cit., págs. 455 e 456.
[20] cfr, Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 225, Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais, Reimpressão, 2009, Coimbra Editora, pág. 84 e seguintes.
Também assim André Teixeira dos Santos, “Do crime de fraude fiscal: em particular o uso de faturas falsas em casos práticos”, Julgar Online fevereiro 2024, pg.59: “O tipo qualificado é claro, para ocorrer tem a fraude fiscal ser perpetrada mediante o uso de fatura falsa. A mera fabricação da fatura não constitui uma fraude, a sua entrega a outrem igualmente não consubstancia uma fraude. Esta última, neste caso, reclama um ato ulterior, repita-se, ou seja, que o conteúdo ideologicamente falso da fatura seja vertido na declaração fiscal nas situações do IRS, IRC e IVA”.
[21] Nuno Pombo, ob. cit., pág. 217 e Alfredo José de Sousa, "Infracções fiscais Não aduaneiras", Coimbra, Almedina, 1997, pág. 100.
[22] Cfr. Ac RP 18/09/2013 (Processo n.º 67/10.3IDPRT.P1), ac RP 21/05/2014 (Processo n.º 5722/04.4TDLSB.P1), ambos em www.dgsi.pt.
[23] Este desígnio comum a presidir às várias atuações tanto pode ser expresso como tácito, podendo inferir-se dos atos materiais praticados.
[24] A este respeito, escreve Faria Costa in Jornadas de Direito Criminal, Edição do C.E.J., 1983, 170: Desde que se verifique uma decisão conjunta (por acordo ou juntamente com outro ou outros) e uma execução também conjunta (toma pare direta na sua execução), estaremos caídos nessa figura jurídica. Todavia para definir uma decisão conjunta, parece bastar a consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na execução de um tipo legal de crime ("juntamente com outro ou outros").
É evidente que na sua forma mais nítida tem que existir um verdadeiro acordo prévio - podendo mesmo ser tácito - que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objetiva conjunta para a realização típica. Mas, para que haja acordo prévio basta a consciência de colaborar na realização do mesmo crime.
Não é necessário que cada agente intervenha em todos os atos necessários à produção do resultado, basta que a atuação de cada um, embora parcial, seja elemento indispensável à produção desse resultado. Também a propósito Johannes Wessels, in Direito Penal - Parte Geral (aspectos fundamentais), Porto Alegre, 1976, pg.121 e 129, escreve: «A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os comparticipantes”.
[25] Publicado no Diário da República n.º 206, Iª série, de 24.10.2012.
[26] Acórdão TC n.º 546/2024, 11 de julho (Maria Benedita Urbano) e Acórdão TC Nº 51/2020, de 16 de janeiro (Maria José Rangel de Mesquita).
[27] Cf. Ac. TRP de 20.02.2013, relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt.
[28] Cf. o citado Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, que faz um exaustivo apanhado dos Acs. do Tribunal Constitucional que concluíram pela inexistência de inconstitucionalidade do artigo 14.º n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em dívida e respetivos acréscimos legais: Acs. n.ºs 256/2003, 335/2003, 376/2003, 500/2005, 309/2006, 543/2006, 29/2007, 61/2007, 360/2007, 377/2007, 327/2008, 563/2008, 242/2009, 556/2009, 587/2009, 91/2010, e 237/2011, referidos no citado Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, todos eles in www.tribunalconstitucional.pt. Aquele acórdão indica igualmente os arestos em que o STJ afastou a arguição de inconstitucionalidade da citada norma do RGIT.
[29] Cf., entre outros, Ac. TRP de 20.02.2013, Proc. nº 131/08.9IDPRT.P1 , relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato; Ac. TRP de 08.10.2014, relatado pela Desembargadora Maria Luísa Arantes; Ac. TRP de 29.04.2015, relatado pela Desembargadora Elsa Paixão, ac. TRE 24.05.2022, MARIA CLARA FIGUEIREDO, ac. TRP 29/04/2015, Proc. nº 290/07.8IDPRT.P1, ac. TRL 23-10-2018, Artur Varges, todos in www.dgsi.pt.
Na doutrina Tiago Caiado Milheiro, Navegando pelos mares (atribulados) da criminalidade tributária, JULGAR Online, maio de 2019 | 33-4.
[30] (…) Por outro lado, se, em relação aos crimes puníveis, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa o recuo na aplicação da suspensão, por constatação da impossibilidade de o arguido cumprir a condição, ainda pode levar à opção pela pena de multa (por razão alheia ao processo de escolha da espécie da pena, repete -se) ou, no caso de se manter a preferência pela pena de prisão, à aplicação de outra pena de substituição, desde que a respectiva medida o permita, em relação aos crimes do n.º 5 do artigo 105.º do RGIT isso não é, em muitos casos, possível, pois, no que se refere a pessoas singulares, são puníveis só com pena de prisão. Pense -se no seguinte exemplo: o tribunal, num caso de crime do n.º 5 do artigo 105.º, tem como medida adequada da pena 4 anos de prisão, de acordo com os critérios e factores dos artigos 71.º do CP e 13.º do RGIT, e considera verificados os pressupostos da suspensão da execução da pena, mas, no momento seguinte, concluindo pela impossibilidade de o arguido cumprir a condição a que a suspensão obrigatoriamente teria de ser subordinada, deixa de suspender a execução da pena de prisão, que, assim, irá ser executada. E substancialmente nada muda mesmo que, nesse segundo momento, sem se ver com que fundamento, se reduza a medida da pena de prisão para 2 ou 3 anos, por exemplo. Quer dizer: nesses casos, o arguido, se tivesse capacidade económica para pagar a prestação tributária e os acréscimos legais, veria a pena ser suspensa na sua execução; como a não tem, vai cumprir a prisão, visto estar afastada, em função da sua medida, a possibilidade de a substituir por outra pena não privativa da liberdade. Sofre, assim, parece-me, um prejuízo em razão da sua situação económica, em violação do artigo 13.º da Constituição (…).
[31] Nesse sentido, aplicando o decidido pelo STJ no Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012 a crimes tributários puníveis apenas com pena de prisão, vide os seguintes Acórdãos, todos in www.dgsi.pt: Ac. TRG de 11.05.2015, relatado pela Desembargadora Ana Teixeira (ao crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e n.º 2 e 104.º, n.º 2, do RGIT, punível com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares); Ac. TRG de 10.10.2016, relatado pela Desembargadora Fátima Furtado (ao crime de fraude qualificada, p.e p. pelos art.ºs. 103.º, n.º 1, alínea a), e 104.º, n.º 2, do RGIT), sendo claro no sentido de considera que a jurisprudência fixada no Ac. STJ n.º 8/2012, obviamente se estende a todos os crimes fiscais, precisamente por a todos eles ser aplicável o citado artigo 14.º do RGIT.
Diferente desta a jurisprudência seguida por outros arestos, segundo os quais “a fixação do montante concreto do condicionamento da prestação tributária com sujeição ao regime previsto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal (isto é, que o pagamento de tal montante seja exigível em face da situação económica do condenado) cumpre o princípio geral da humanidade das penas e da proporcionalidade, impondo que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas ou deveres irrealizáveis, sob pena de os fins da suspensão perderem racionalidade, tornando-se inoperantes, donde a necessidade de ajustar à condição económica apurada, o montante a pagar, nos casos em que é de cumprimento integral é impossível para o arguido – cfr. RP 09-11-2022 (NUNO PIRES SALPICO), processo 191/17.1IDPRT.P1, e RP 9/10/2019 (NUNO PIRES SALPICO), todos in www.dgsi.pt.Como escreve Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, pg.135: “Não faz sentido a obrigatoriedade da imposição deste dever. Pode suceder que logo no momento da condenação seja previsível que o condenado não terá condições económico-financeiras para proceder ao pagamento e por isso que a imposição desse dever constituirá apenas o adiamento da decisão sobre o cumprimento da pena de prisão. Ora, a prisão só deve ser imposta se necessária e o critério da necessidade não pode ser apenas a impossibilidade de pagamento da prestação tributária em dívida. A prestação tributária mantém-se e por isso que a Administração poderá sempre executá-la, sendo possível. Se o incumprimento fica a dever-se a impossibilidade e esta situação não foi causada culposamente não há justificação para a prisão”