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PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
RECURSO DE DECISÃO PROVISÓRIA
Sumário
I - Os pressupostos materiais de aplicação de medidas de promoção e proteção, com natureza provisória (artigo 35.º, n.º 2, da LPCJP), são (i) a existência duma situação de emergência; e (ii) a necessidade de ser efetuado um diagnóstico da situação da criança para encaminhamento subsequente. II - A situação de emergência a que alude o preceito, para efeitos de aplicação de medida provisória, abarca as situações de urgência em que está em causa um perigo atual e eminente para a criança ou jovem. III - O recurso de decisão provisória proferida em processo de promoção e proteção não é o momento próprio para efetuar a apreciação das razões de facto aduzidas pelos recorrentes para contrariar os elementos indiciários constantes do processo que determinaram a aplicação de tal medida, os quais devem ser avaliados na instrução subsequente dos autos.
Texto Integral
Processo nº 1610/23.3T8GDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Família e Menores de ...
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr.ª Teresa Pinto da Silva
2º Adjunto Des. Dr.ª Fátima Almeida Andrade
O Ministério Público instaurou processo judicial de promoção e proteção a favor dos menores AA, nascido a ../../2016 e BB, nascida a ../../2019, ambos filhos de CC e de DD, residentes na Rua ..., ....
Por decisão consensual, em 15.01.2024, foi aplicada aos menores medida de apoio junto dos pais, a executar em residência alternada semanal.
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Tal medida foi objeto de prorrogação, no âmbito da respetiva revisão, por seis meses, em 05.09.2024.
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Acontece que, no relatório junto aos autos em 28/01/2025 a EMAT e em face de recentes desenvolvimentos, veio propor que a título cautelar seja a medida alterada para uma medida junto de outro familiar na pessoa da avó paterna EE.
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No dia 04/02/2025, a EMAT juntou nova informação na sequência da qual veio propor que relativamente ao AA os convívios com a mãe e as videochamadas fossem suspensos aguardando-se pela próxima consulta de psicologia para a reavaliação desta situação.
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Com vista nos autos o Ministério Público promoveu no sentido proposto pela EMAT.
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Conclusos os autos foram proferidos, respetivamente, em 28/01/2025 e 06/02/2025, despachos com as seguintes partes dispositivas: “Desta forma, por se revelar necessário e adequado, determina-se, tal como se promove, com carácter provisório e a título cautelar, a substituição da medida pela medida de “apoio junto dos pais”, a título cautelar, pelo período de 3 meses, ou momento anterior, até reavaliação da situação por parte da EMAT, pela medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar, a executar junto da avó paterna, devendo as visitas dos menores à mãe ocorrer com a supervisão do CAFAP ..., nos termos dos art.º s 35º nº 1 al.ba), e 37º nº s 1 e 3 da LPCJP. Notifique”.
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“Em face do circunstancialismo exposto pela EMAT quanto ao actual estado emocional das crianças, concorda-se com a proposta efectuada, sufragada pelo MºPº, determinando-se que relativamente ao AA, os convívios com a mãe e as videochamadas sejam por ora, suspensos, até que se mostre seguro e equilibrado para o bem-estar psicoemocional da criança, aguardando-se pela próxima consulta de psicologia para a reavaliação desta situação; Quanto à BB determina-se que os convívios supervisionados se iniciem nos termos previstos. Notifique”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a progenitora dos menores interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1ª- O presente recurso vem interposto da decisão que "...com carácter provisório e a título cautelar, a substituição da medida pela medida de "apoio junto dos pais", a título cautelar, pelo período de 3 meses, ou momento anterior, até reavaliação da situação por parte da EMAT, pela medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar, a executar junto da avó paterna, devendo as visitas dos menores à mãe ocorrer com a supervisão do CAFAP ..., nos termos dos arts 35.º, nº 1 al. ba), e 37.º nº. s 1 e 3 da LPGP". 2 ª-E do despacho proferido em 06 de fevereiro de 2025 que determinou "... que relativamente ao AA, os convívios com a mãe e as videochamadas sejam, por ora, suspensos,....". 3ª-Tal despacho colide também com o acordo de regulação de responsabilidades parentais relativas aos menores AA e BB. 4ª-Pois que, aí foi fixada a residência alternada dos menores com cada um dos progenitores a acontecer semanalmente. 5 ª-Os elementos trazidos aos autos que motivaram a aplicação da medida temporária de apoio junto da avó paterna mostram-se insuficientes para habilitar o Tribunal a discernir, com o mínimo de rigor, se os menores se encontravam em perigo tal que impusesse a aplicação a título provisório e cautelar a referida medida de promoção e proteção. 6 ª-Aliás, o próprio despacho manifesta dúvidas na veracidade dos factos pois que, consta “... a título cautelar, pelo período de 3 meses, ou momento anterior, até reavaliação da situação por parte da EMAT...”. 7ª-Se o Tribunal não tivesse qualquer dúvida no relato do AA e de que a progenitora infligia violência contra os seus filhos, certamente que não considerava que a substituição da medida cautelar até período anterior aos três meses que determinou. 8ª-Ademais, entende a aqui Recorrente que não existe qualquer justificação, motivação que possa alicerçar esta diminuição e restrição quase total dos poderes inerentes ao exercício das responsabilidades parentais da progenitora, pois não foi ponderado o superior interesse das crianças, designadamente da menor BB que quer manter o convívio com a progenitora. 9ª-Pois, reitera-se a progenitora não criou qualquer situação de perigo para os filhos. 10ª-É princípio orientador dos processos tutelares e de promoção e proteção, a salvaguarda dos direitos da criança à vida, saúde e educação. 11ª-Assim como a responsabilização dos progenitores no desenvolvimento e crescimento do menor, para que se mantenha uma ligação estreita com a criança na fase da formação da personalidade e no seu crescimento. 12ª-As responsabilidades parentais não são um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, mas de faculdades de conteúdo altruísta, que devem ser exercidas primariamente no interesse do menor-cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2004 e toda a jurisprudência posteriormente fixada. 13ª-E a progenitora, nunca colocou em perigo a segurança e o bem-estar físico e mental dos menores, salvaguardando sempre os seus interesses. 14ª- “O superior interesse do menor, conceito vago e indeterminado, não se materializa em seguir a manifestação da vontade da criança, sendo uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente do direito de manter relações securizantes, gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando-os a respeitar e a fazerem respeitar esse interesse do menor e a não o colocarem em situações de perigo.", neste sentido veja-se o Acórdão proferido pelo tribunal da Relação do Porto em 17 de junho de 2024, no processo n. 11836/16.0T8PRT-D.P1 disponível em ww.dgsi.pt.. 15ª- Onde se afirma, ainda, que “é de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência, o mais igualitária possível, com a mãe e com o 16-0 interesse da criança é amplamente abordado em Convenções Internacionais, como - Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia sobre o Reconhecimento e a Execução das Decisões Relativas à Residência das Crianças. 17ª-É o “Interesse Superior da Criança um interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos, sejam outros interesses. 18ª-Tal interesse, em suma, define-se através de uma rigorosa avaliação concreta, determinada por uma perspetiva global e sistémica, de natureza interdisciplinar e interinstitucional, visando a satisfação da premente necessidade da criança de crescer harmoniosamente, em ambiente de amor, aceitação e bem-estar, salvaguardando-se a continuidade das suas ligações afetivas estáveis”.-Paulo Guerra, Revista do Ministério Público n9 104/ Ano 2005. 19ª-O que a progenitora sempre tentou fazer, designadamente, procurando ajuda psicológica sobretudo para o menor AA que, durante o período em que coabitavam com o progenitor revelava total repulsa com a mãe, não permitindo que lhe fosse feita qualquer tipo de carícia, não aceitando qualquer elogio por parte da mãe. 20ª-Aliás, o menor AA sempre revelou ser manipulado e influenciado pelo comportamento agressivo do pai que culpabilizava a progenitora pelas agressões físicas e verbais que contra si infligia. 21ª- E na presença dos menores AA e BB! 22ª-Resulta dos relatórios do EMAT constantes nos autos que o menor AA a partir do nascimento do irmão uterino alterou o seu comportamento escolar, revelando descompensação emocional e traduzidos em maior intolerância à frustração, agressividade com o grupo de pares e maior agitação psicomotora (comportamentos estes que não caracterizavam o perfil habitual da criança). 23ª- Tal informação nunca foi transmitido à progenitora com quem o AA manteve uma relação saudável a partir do momento em que aquela deixou de coabitar com o progenitor. 24ª- Dos mencionados relatórios consta que o AA tem um comportamento "explosivo tal como o pai", o que, em momento algum, foi valorizado pelo Tribunal a quo para qualquer decisão. 25ª-Antes preferiu coartar um direito que assiste aos menores e à mãe de conviverem, pois que, apesar de a medida de apoio provisoriamente aplicada restringir o apoio aos dois progenitores, certo é que, na prática, só à mãe é aplicada, na medida em que o progenitor pode estar com os menores sempre que o desejar. 26ª- Ficando, assim, com total liberdade para continuar a manipular e influenciar o AA, pois se assim não fosse, o mesmo, não diria com toda a certeza que presumia que não iria estar com a mãe durante três meses, "desconhecendo-se a fonte desta informação" (vd. Relatório do IMAT de 04/02/2025. 27ª-De acordo com o artigo 3.º da LPGP, “1-A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”. 2 -Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a ) (…); b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;" 28ª- Sucede que, em nenhum momento do processo há prova concreta de que os menores sofram maus tratos físicos ou psíquicos por parte da mãe, ou que não receba os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal. 29ª-Pelo contrário, é a mãe, aqui Recorrente quem providencia pelo bem estar dos mesmos, tendo tomado a iniciativa de agendar consultas de psicologia para os menores de forma a que os mesmos consigam ultrapassar todos os momentos que presenciaram de violência doméstica contra a mãe quando coabitaram com o progenitor. 30ª-Por outro lado, as decisões cautelares, ainda que provisórias, devem ser fundamentadas, não se baseando em prova apenas alegadamente indiciária, mas em factos concretos. 31ª- O que não aconteceu nestes autos! 32ª-Devendo, ainda, a decisão judicial obedecer a uma ponderação adequada e proporcionada à situação e interesses a acautelar, de acordo com o estatuído com o artigo 4.º da LPGP. 33ª-Ora, o despacho aqui em crise não ponderou todos os factos e provas constantes nos autos e todo o condicionalismo envolvente dos menores. 34ª-Pelo que a medida de promoção e proteção aplicada de apoio junto de outro familiar, a executar junto da avó paterna, ainda que provisória, não se mostra adequada, nem proporcional! 35ª-Pois que, vai criar ainda mais instabilidade emocional aos menores! 36ª-Devendo, assim, tal medida ser revogada e substituída por outra que mantenha a medida anteriormente aplicada de apoio junto dos pais.
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Devidamente notificado contra-alegou o Ministério Público concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir: a)- saber se a alteração da medida de promoção e proteção decretada pelo tribunal recorrido encontra respaldo no quadro factual que consta dos autos.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em consideração para a resolução da questão supra enunciada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida e ainda a seguinte:
Dos relatórios do EMAT de 28/01/2025 e 04/02/2025, extrai-se, respetivamente, o seguinte: “- no dia 17/01/2025 após um episódio de agressividade e cólera dirigida a um colega da turma, o menor AA, ao mesmo tempo que apresentava um choro intensivo e sufocante, terá verbalizado que a mãe quando “está com raiva desconta” na irmã (assumindo que a mãe bate na irmã, a maior parte das vezes, sem motivo que o justifique). Terá referindo ainda que só em casa da mãe isto acontece, assumindo que antes (mesmo quando a mãe vivia com o pai) e sempre que o pai se ausentava para ir trabalhar, era frequente a mãe bater em si e na irmã; - Na última consulta de psicologia dos menores, ocorrida no dia 20/01/2025, as psicólogas fizeram uma dinâmica com as crianças sobre a identificação de emoções e sentimentos, no âmbito da qual o AA associou Alegria e Amor ao pai, à avó paterna e tia paterna, associando Confusão à mãe; não associou Amor e Alegria à mãe; - Para além do resultado desta dinâmica, foi observada pela Psicóloga uma maior agitação psicomotora do AA quando se falava da mãe; - Pelo seu lado, a BB associou Alegria e Amor a ambos os progenitores; - Acresce que no dia de hoje, 28.01.2025, a professora do AA transmitiu ao mediador educativo (Dr. FF) que: “esta semana o AA está com a mãe…hoje quando entrou na sala vinha muito nervoso e com a cara de um lado muito vermelha…tirei-o da sala e questionei o que se passou…houve discussão hoje de manhã com ele por causa de um telemóvel…a mãe chamou-lhe «corno gordo», «feio» e ontem deu-lhe uma bofetada na face…não sei este vermelho com que está seja de uma bofetada…também me disse que na passada sexta-feira foi falar com a psicóloga da Cruz Vermelha mas que não lhe consegue contar o que me conta.”(sic.), na sequência do que o agrupamento de escolas acionou a comunicação à entidade policial (GNR – Comando territorial do Porto– destacamento territorial de ..., Posto territorial de ...), decidindo pelo acompanhamento da criança à unidade Hospitalar para a competente avaliação clínica (Hospital ...)”; - Desde 28/01/2025 o AA e a BB encontram-se a residir com o agregado da avó paterna EE; - relativamente ao menor AA, o mesmo continua a demonstrar agitação psicomotora quando se aborda questões relacionadas com a sua progenitora; - (…) o menor transmitiu que não quer falar com ela verbalizando "ela faz violência verbal (...) ela chamou-me vários nomes (...) corno"(sic); afirma ainda não querer estar com ela, relatando "ela faz violência física comigo e com a minha irmã" (sic).
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que vem colocada no recurso: a)- saber se a medida de promoção e proteção decretada pelo tribunal recorrido encontra respaldo no quadro factual que conta dos autos.
Como se evidencia das alegações recursivas a recorrente discorda com o teor dos doutos despachos supra identificados invocando, em suma, que os elementos trazidos aos autos se mostram insuficientes para habilitar o Tribunal a decidir e que a decisão é contrária ao regime estatuído em sede de regulação das responsabilidades parentais.
Deste entendimento dissente o Ministério alegando em resumo que as medidas aplicadas salvaguardam o superior interesse dos menores e, colidindo estes com os interesses dos progenitores, necessariamente ter-se-ão que privilegiar os das crianças. Quid iuris?
Os menores AA, nascido a ../../2016 e BB, nascida a ../../2019, ambos filhos de CC e de DD, dada a respetiva idade estão sujeitos ao poder paternal de que são titulares os seus progenitores-art.ºs 122.º, 123.º, 124.º. 130.º, 187.º e 1877.º todos do Código Civil.
Como decorre do art.º 36.º n.ºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e não podem deles serem separados, salvo quando não cumpram os deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
O poder paternal, como efeito da filiação é, nos termos do art.º 1877.º e segs. do Código Civil, definido como um conjunto de poderes-deveres funcionalmente afetados à prossecução do bem-estar moral e material do filho e que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, na atual terminologia designado por “responsabilidade parental”.
O poder paternal não se trata de um puro direito subjetivo, visto que o seu exercício não está dependente da livre vontade do seu titular, sendo antes um poder funcional, um poder-dever.[1]
O poder paternal, como observa Armando Leandro[2] constitui “um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
Constituindo nítido exemplo de direito pessoal familiar, o poder paternal não é, porém, um direito a que se ajuste a noção tradicional de direito subjetivo, trata-se antes, de um poder-dever, um poder funcional, nos termos do qual incumbe, a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e administração dos seus bens-art.ºs 1878.º n.º 1, 1881.º e 1885.º, todos do C.Civil.
O menor não é, porém, apenas um sujeito protegido pelo direito, é ele próprio, titular de direitos reconhecidos juridicamente, designadamente o direito à proteção especial da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral- art.ºs 64.º n.º 2, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa.
Como se observa no Ac. desta Relação de 23 de Fevereiro de 2016[3], “[a] criança apresenta um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social. Entre essas necessidades avultam, os cuidados físicos e de proteção; afeto e aprovação, estimulação e ensino, disciplina e controlo consistente e apropriados, oportunidade e encorajamento da autonomização gradual. O conceito de necessidades e o imperativo da sua satisfação cria as condições para o reconhecimento do direito que assiste à criança de as ver realizadas. As necessidades da criança convertem-se, assim, em direitos subjetivos extensivos que constituem normas educativas relativamente às quais se afere a qualidade, competência e adequação dos pais. Ora, a dignidade da pessoa do filho e o papel dos pais - que exercem poderes funcionais para desempenharem deveres no interesse do primeiro-impõem que o exercício das responsabilidades parentais seja colocado ao serviço do desenvolvimento, são e harmonioso, da personalidade da criança e do seu bem-estar moral e material. E o reconhecimento dos direitos da criança exige o estabelecimento de um equilíbrio com os dos seus responsáveis legais, contudo, a vida, a saúde e a educação do filho, como atributos fundamentais da pessoa humana, colocam-se, na escala axiológica dos valores sociais, acima do poder jurídico dos pais sobre os filhos”.[4]
Podemos assim concluir que a tutela da família e da paternidade e maternidade sofrem uma importante limitação, em sede de direitos fundamentais, quando está em causa a proteção da criança–art. 67º, 68º, 69º CRP.
A Constituição prevê no art.º 69.º que: 1. As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra toda as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. 2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. 3.[…]”.
O processo de promoção e proteção de crianças e jovens visa a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral-cf. artigo 1.º da Lei 147/99 de 01/09.
A intervenção justifica-se, conforme resulta do disposto no art.º 3.º, nº 1 da citada lei: “ (…) quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
A lei de igual forma, define em que circunstâncias se deve considerar que as crianças ou jovens estão em situação de perigo-cf. art.º 3.º, nº 2.
Na previsão da norma enquadram-se, entre outras, as seguintes situações: “ a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; (…); c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; (…); f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; (… )”.
O Estado está autorizado a intervir quando se verifique uma situação de risco que ponha em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou jovem.[5]
O perigo, a que se reporta o preceito, traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efetiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.[6]
A intervenção do Estado, neste domínio, pauta-se por um conjunto de princípios orientadores, que vêm enunciados no art.º4.º da citada lei e que funcionam como critérios a atender na promoção do processo e na determinação da medida a aplicar e que são:
- o interesse superior da criança e do jovem;
- a privacidade;
- a intervenção precoce;
- a intervenção mínima;
- a proporcionalidade e atualidade;
- a responsabilidade parental;
- a prevalência da família;
- a obrigatoriedade da informação;
- a audição obrigatória e participação;
- a subsidiariedade.
Assim, desde logo, a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. Nisso se traduz o princípio do interesse superior da criança e do jovem [cf. art.º 4.º al. a) da citada lei].
A intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida, como manifestação do princípio da intervenção precoce [cf. art.º 4.º al. c) do mesmo diploma].
Por outro lado, conforme resulta do princípio da responsabilidade parental, a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem [art.º 4.º al. f)].
Acresce que a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade, como decorre dos princípios da proporcionalidade e atualidade [art.º 4.º al. e)].
O artigo 37.º do mesmo diploma legal prevê a aplicação de medidas cautelares, estabelecendo no nº 1 que “a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do nº1 do artigo 35.º, nos termos previstos no nº 1 do artigo 92º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.”
E o nº 3 do normativo citado estabelece que “as medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses”.
Ora, face ao que consta dos relatórios da EMAT parcialmente acima transcritos, verifica-se que os menores se encontram em situação de grande instabilidade emocional, sobretudo o AA, indiciando-se a ocorrência de práticas de violência física por parte da progenitora, o que lhe tem provocado intenso sofrimento.
Trata-se, sem margem para qualquer tergiversação, de episódios aptos que nos levam a considerar que a medida em vigor não se mostra idónea a acautelar a situação de possível perigo vivenciada pelas crianças, verificando-se que o agregado familiar materno onde estão inseridas em regime de alternância semanal, não é securizante e gratificante para as mesmas.
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Bom, mas obtempera a apelante e, desde logo, que as decisões recorrida colidem com a regulação da s responsabilidades parentais que fixaram residência alternada dos menores com cada um dos progenitores a acontecer semanalmente.
É verdade que nos termos do artigo 27.º, nº 1 do RGPTC (Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro) que as decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança.
Todavia, a referida harmonização só se imporá se o superior interesse dos menores assim o justificar, sendo que, caso contrário, torna-se evidente que as medidas de promoção e proteção prevalecem sobre as medidas tutelares cíveis.
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Refere depois a apelante na conclusão 5ª que os elementos trazidos aos autos que motivaram a aplicação da medida temporária de apoio junto da avó paterna mostram-se insuficientes para habilitar o tribunal a discernir, com o mínimo de rigor, se os menores se encontravam em perigo tal que impusesse a aplicação a título provisório e cautelar a referida medida de promoção e proteção.
Importa enfatizar que, os pressupostos materiais de aplicação de medidas de promoção e proteção, com natureza provisória (artigo 35.º, n.º 2, da LPCJP), são, consequentemente, a existência duma situação de emergência; e a necessidade de ser efetuado um diagnóstico da situação da criança para encaminhamento subsequente.
Ora, como acima se referiu os episódios vertidos nos relatórios da EMAT eram, ao contrário do referido pela apelante, aptos a considerar situações de perigo vivenciadas pelos menores e, em concreto, pelo menor AA.
Acresce que, o recurso de decisão provisória proferida em processo de promoção e proteção não é o momento próprio para efetuar a apreciação das razões e argumentos (de facto e outros, anteriores aos episódios supra descritos nos relatórios da EMAT) aduzidos pela apelante para contrariar os elementos indiciários constantes do processo que determinaram a aplicação de tais medidas, os quais devem ser avaliados na instrução subsequente dos autos.
O recurso interposto destina-se tão-somente a apreciar se, no momento em que a decisão provisória foi proferida nos autos, o tribunal recorrido efetuou ou não uma correta apreciação da situação que, então, lhe foi apresentada.
Na verdade, do citado art.º 37.º, resulta, sem margem para dúvida, que o tribunal pode (e deve) pronunciar-se sobre a aplicação de uma medida de promoção e proteção, ainda que a título cautelar, quando considere que já dispõe de elementos probatórios que, muito embora num juízo perfunctório, revelam a necessidade da mesma, sendo que, no caso, tal ocorreu, razão pela qual se mostra, desprovido de qualquer relevo o vertido pela apelante nas conclusões 6ª a 29ª e 33ª.
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Refere depois a recorrente que as decisões cautelares, ainda que provisórias, devem ser fundamentadas, não se baseando em prova apenas alegadamente indiciária, mas em factos concretos, o que não aconteceu nos autos.
Mas, salvo o devido respeito, não existe a alegada falta de fundamentação.
Com efeito, ainda que por remissão para o circunstancialismo exposto nos relatórios da EMAT e que consta da fundamentação factual supra, resultam claras as razões pelas quais o tribunal recorrido entendeu ser de decretar as medidas provisórias em causa.
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Finalmente alega a apelante que a medida de promoção e proteção aplicada de apoio junto de outro familiar, a executar junto da avó paterna, ainda que provisória, não se mostra adequada, nem proporcional, uma vez vai criar ainda mais instabilidade emocional aos menores.
Não se concorda, salvo o devido respeito, com este entendimento.
Na verdade, face aos factos reportados pelos relatórios do EMAT que evidenciam a instabilidade emocional vivenciada pelos menores e sobretudo ao verbalizado pelo menor AA, revela-se adequado e importante respeitar o tempo e disposição do mesmo relativamente ao estabelecimento de contactos/visitas com a progenitora, razão pela qual a medida aplicada de apoio junto da avo paterna se revela adequada a salvaguardar os interesses dos menores, pelo menos, até mais aprofundada averiguação pela EMAT e demais entidades competentes da situação concreta que despoletou a sua aplicação, sendo certo que, caso se venha a demonstrar nos autos e em período temporal curto, que existem condições para repor a medida anteriormente aplicada como alega a apelante, o tribunal não deixará de o fazer fazendo uso dos princípios que norteiam este tipo de medidas.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 28 de abril de 2025.
Dr. Manuel Domingos Fernandes
Dr.ª Teresa Pinto da Silva
Dr.ª Fátima Almeida Andrade
_________________________ [1] Cf. Armando Leandro in “Poder Paternal”, Temas de Direito da Família, pág.119 [2] Cf. Armando Leandro in “Poder Paternal”, Temas de Direito da Família, pág.119 [3] Consultável em www.dgsi.pt.. [4] Neste sentido, podem consultar-se, ainda Ac. Rel. Porto 24 de Março de 2015, Proc. 161/13.9TBOAZ.P1; Ac. Rel. Porto 12 de Outubro de 2015, Proc. 1923/14.5TMPRT.P1, Ac. Rel. Lisboa 02 de Julho de 2015, Proc. 1603/08.0TBTVD.L2-6 todos disponíveis em www.dgsi.pt [5] Paulo Guerra ALei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo- Anotada, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 23. [6] Tomé d`Almeida Ramião Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo-Anotada e Comentada, 6º edição, Quid Juris, Lisboa 2016, pag. 28