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SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
EXEQUIBILIDADE
Sumário
I - As sentenças homologatórias, nomeadamente de transação ou confissão do pedido são sentenças de condenação. II - O facto de a sentença tornar segura, mesmo que de modo implícito, a existência da obrigação basta para a sua exequibilidade, como sucede, nos casos de homologação de transação ou de confissão do pedido, pois, apesar do artigo 290, nº 3 do CPC determinar que, na sentença de homologação, o juiz condena ou absolve nos termos que ficaram exarados, não pode duvidar-se da sua exequibilidade quando estiver subjacente a assunção de alguma obrigação por uma ou ambas as partes.
Texto Integral
Processo n.º 365724.9T8AGD-A.P1
Recorrente – A...
Recorrido – AA
Relator – José Eusébio Almeida
Adjuntos – Teresa Sena Fonseca e Miguel Baldaia de Morais
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório A... deduziu os presentes embargos de executado contra AA, pretendendo a extinção da execução.
Alegou, em síntese, a inexistência de título executivo válido, uma vez que a sentença homologatória do acordo no processo anterior (97284/21.0YIPRT) não tem força executiva. Mais alega que não foi notificada da data da vistoria que resultou no relatório técnico, nem teve oportunidade de estar presente durante a sua realização, desconhecendo, portanto, o que foi analisado pelo perito e o que foi reportado pelo exequente. Diz, ainda, que os defeitos apontados no relatório são de natureza estética e que o exequente devê-los-ia ter considerado aquando da escolha dos materiais solicitados à executada, e não após a sua conclusão, não podendo agora exigir a sua reparação. Acrescenta que o direito de exigir a reparação dos defeitos está extinto, devido ao tempo decorrido entre a conclusão da obra e a ação executiva e, por fim, contesta o pedido de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, sustentando que a obrigação é fungível e que o valor requerido é exorbitante.
Os embargos foram admitidos, e o exequente foi notificado para contestar, o que fez. Aí alegou, em síntese, que a transação celebrada entre as partes, e homologada judicialmente, é válida e vinculativa. A transação previa a realização de uma vistoria por um perito, o engenheiro BB, para identificar eventuais defeitos e a embargante concordou na realização das reparações necessárias, caso viessem a ser encontradas. A vistoria realizou-se a 20.12.22 e 4.01.23, resultando na elaboração de um relatório técnico, sendo que o acordo alcançado não previa a presença de ambas as partes, além de que a confiança depositada no perito conjuntamente escolhido substitui a necessidade de ambas as partes estarem presentes. Mais refere que o relatório técnico, datado de 27.04.23, enumera os defeitos identificados pelo perito e os trabalhos necessários, realçando que a executada tinha conhecimento dos defeitos, tendo o próprio exequente reclamado sobre a qualidade dos serviços prestados no anterior processo. Acrescenta que a executada, apesar de notificada do relatório técnico em 31.05.23, não realizou as reparações. Por fim, invoca que a embargante age em litigância de má-fé, argumentando que a sua oposição à execução é infundada e visa protelar o cumprimento da obrigação, solicitando, assim, a sua condenação como litigante de má-fé e o pagamento de um montante nunca inferior a 2.500,00€.
Respondendo à invocada litigância de má-fé, veio a embargante esclarecer que inexiste qualquer comportamento seu passível de censura.
Foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia, e facultou-se ás partes o prazo de 10 dias para, querendo, discutirem de facto e de direito, já que o tribunal entendeu “que os autos estavam dotados, sem necessidade de mais provas, de todos os elementos ao imediato conhecimento do mérito da causa”.
A sentença proferida – na qual igualmente se fixou o valor da causa (5.025,50€) – tem o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, julgam-se parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos por A... contra AA, e, em consequência, indefere-se o pedido de condenação daquela no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória. No demais, julga-se improcedente os embargos, com o consequente prosseguimento da execução para prestação do facto por outrem feita a competente avaliação do custo da prestação. Por fim, julga-se, igualmente, improcedente o pedido de condenação da embargante como litigante de má-fé”.
II – Do Recurso
Discordando do decidido, e pretendendo a sua revogação e a consequente extinção da instância executiva, por procedência dos embargos, a executada veio apelar e conclui:
1 - O recurso tem como [objeto] a sentença que julgou os embargos parcialmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução para prestação de facto.
2 - Toda a execução tem por base um título – artigo 10.º, n.º 5 do CPC, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
3 - O título executivo é um documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coativa da correspondente prestação através de uma ação executiva.
4 - Importa aferir, no que ao caso interessa, se o título dado à execução contém uma obrigação certa, líquida e exigível, nos termos do artigo 713 do CPC.
5 - A obrigação é certa e líquida quando está determinada em relação à sua qualidade e quantidade, respetivamente, e é exigível quando se justifica o recurso à realização coativa da prestação.
6 - Todas estas características terão de ser avaliadas em função do título – é a chamada exequibilidade intrínseca daquele.
7 - Segundo o Prof. Manuel Teixeira de Sousa, “A exigibilidade da obrigação tem um sentido específico na ação executiva, algo distinto daquele que tem no plano substantivo. A obrigação exigível é aquela que está vencida ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em ora na aceitação da prestação ou quanto á realização de uma contraprestação. Assim, o vencimento da obrigação é sempre indispensável à sua exigibilidade, mas esta pode precisar de algo mais do que esse vencimento.” – Obra citada, pág. 96.
8 - O exequente funda a execução num documento que é acordo de transação, obtido no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, homologado por sentença.
9 - Deste documento resultam direitos e obrigações para ambas as partes – para a ora recorrente a obrigação de proceder à reparação dos defeitos que fossem apurados pelo Engenheiro nomeado pelas partes e para o recorrido a obrigação de pagar o valor estabelecido entre as partes – cfr. título executivo.
10 - A exequibilidade do título não pode confundir-se com a exequibilidade da pretensão, importando apurar se a pretensão é exequível, ou, por outras palavras, se o título contém os requisitos intrínsecos da exequibilidade – tipicidade, suficiência e autonomia.
11 - Para apurar os requisitos – a existência dos defeitos e a obrigação da sua reparação - é necessário recorrer a elementos externos ao título, o que não pode ser feito no âmbito da presente execução, pois extravasa os limites da ação executiva, que não pode ser transformada em ação declarativa.
12 - O título executivo, não possui, conforme exposto, os requisitos da exequibilidade intrínseca, pelo que a pretensão ou pretensões requeridas não podem ser executadas.
13 - Conforme foi decidido no Ac. Rel. Porto, de 18.1.2005 – Processo no 0424318, in JTRP 00037596: “I. Há que distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da obrigação exequenda, ou seja entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do ato ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca)”.
14 - E a exequibilidade da pretensão incorporada no título não existe porque lhe faltam os requisitos respetivos – exigibilidade da pretensão que se executou.
15 - Assim, o tribunal violou o disposto no artigo 703, n.º 1, al. a) e 713, ambos do CPC,
16 - Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a sentença e, em sua substituição, ser proferida outra que ordene o prosseguimento dos autos.
Respondendo ao recurso, o exequente veio a concluir, em síntese:
- Por transação celebrada a 14.12.22, entre exequente e executada na Ação Especial para Cumprimento de Obrigações que correu termos sob o n.º 97284/21.0YIPRT, devidamente homologada e transitada, a ora executada reduziu o pedido à quantia de 3.203,85€, que o exequente se reconheceu devedor e foi imediatamente pago naquele dia. E mais acordaram que o perito, Sr. Engenheiro BB (um dos peritos indicado, a pedido das partes, pelo tribunal, porquanto nomeado no âmbito de outros processos judiciais), efetue uma vistoria, no prazo de 15 dias, na residência do exequente, a fim de verificar eventuais defeitos na cobertura realizada pela executada, enunciando-os em Relatório. E mais ficou obrigada a executada a proceder às reparações, eventualmente verificadas, no prazo de 15 dias.
- Foi realizada vistoria pelo Sr. Engenheiro BB, e elaborado o competente Relatório Técnico relativo aos defeitos construtivos em cobertura, em cumprimento do acordado.
- Não pode alegar a executada que não foi comunicada data para a realização da vistoria, que não teve conhecimento, nem que que o Relatório foi elaborado à sua revelia, dado que o que as partes acordaram foi estritamente cumprido e não pode alegar que desconhece o que foi analisado quando sabe o objeto sobre o qual incidiu a perícia/ vistoria.
- O Relatório Técnico foi elaborado em 27.4.23 e, através de carta registada com aviso de receção o exequente enviou o Relatório Técnico, tendo a executada recebido o mesmo a 31.5.23, tomando pleno conhecimento do mesmo.
- De acordo com as conclusões do referido relatório, a cobertura necessita de intervenção, sendo necessária a sua remoção integral tendo em conta os aspetos estruturais e a eliminação de defeitos. Mais refere que serão necessários os trabalhos de remoção integral da cobertura aplicada e montagem e fornecimento de nova cobertura, incluindo o sistema de base e seu nivelamento, novas telhas com o desenvolvimento da cobertura (comprimento total = 1 chapa) e todos os remates e acessórios necessários ao perfeito acabamento do conjunto. Estão previstos igualmente trabalhos no interior do compartimento afetado pelas humidades (sala da habitação). Por fim, os trabalhos a efetuar deverão respeitar as boas práticas construtivas e incluir toda a mão de obra e materiais necessários a um perfeito acabamento, sendo o prazo expectável de duração dos trabalhos de substituição de cerca de 2 semanas de calendário.
- A prestação a que a executada foi condenada encontra-se concretizada e delimitada no relatório pericial e a executada não cumpriu com o estipulado no título, não procedeu à reparação dos defeitos expostos no relatório. Interpelada a cumprir a transação homologada e transitada, não reparou até à presente data os defeitos construtivos na referida cobertura, bem sabendo que as reparações são da sua responsabilidade e foram acordadas.
- Vem a executada alegar que os serviços prestados por si foram devidamente executados, mas o exequente sempre reclamou dos serviços prestados, bem sabendo a embargante que foram mal realizados por si na habitação do exequente e que carecem ser reparados/removidos. Se assim não fosse, a executada não aceitaria promover uma perícia para apurar os danos/defeitos e não se comprometeria a solucioná-los no prazo acordado através de transação devidamente homologada por sentença transitada em julgado.
O recurso foi recebido nos termos legais, e dispensaram-se os Vistos. Nada se observa que obste ao conhecimento do seu objeto, o qual, atentas as conclusões da apelante, se traduz em saber se o título executivo dado à execução não existe, enquanto tal ou, dito de outro modo, a sentença dada à execução não tem os requisitos previstos no artigo 713 do Código de Processo Civil (CPC).
III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade (que não se mostra impugnada):
A - Foi dada à execução a sentença judicial homologatória emitida pelo Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no âmbito do processo 97284/21.0YIPRT, datada de 15-12-2022, transitada em julgado.
B - Consta na sentença mencionada em A., o seguinte:
“Nos presentes autos de ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária, intentada por A..., contra AA, vêm as partes transacionar quanto ao objeto do litígio. Assim, atenta a disponibilidade do direito em litígio e a qualidade dos intervenientes, julgo válida a transação que antecede, que homologo, e, em consequência, condeno a autora e o réu a cumpri-la nos seus precisos termos, em conformidade com o disposto nos artigos 1248.º e 1249.º, ambos do Código Civil, e nos artigos 283.º, n.º 1 e 2, 284.º, 289.º, n.º 1 e 290.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código de Processo Civil.
C - Na transação homologada pela sentença referia em B., consta:
“1. A autora reduz o pedido à quantia de €3.203,85 (três mil, duzentos e três euros, e oitenta e cinco euros), de que o réu se reconhece devedor e pagará neste ato através do cheque bancário, com o n.º ..., da Banco 1...;
2. Autora e réu acordam que o perito, Sr. Engenheiro BB, com domicílio profissional sito na Rua ..., n.º ..., Bloco ..., 1.º Esquerdo, ... Anadia, titular do número de identificação fiscal ......, endereço de correio eletrónico ..........@....., e contactos telefónicos n.ºs ... e ... [um dos peritos indicado, a pedido das partes, por este Tribunal, porquanto nomeado no âmbito de outros processos judiciais], efetue uma vistoria, no prazo 15 (quinze) dias, na residência do réu, a fim de verificar eventuais defeitos na cobertura realizada pela autora, enunciando-os em relatório;
3. A autora obriga-se a proceder às reparações que eventualmente sejam verificadas, pelo perito designado, no prazo de 15 (quinze) dias;
4. Os encargos com a verificação/perícia a elaborar, serão suportados pelo réu;
5. Custas em partes iguais, prescindindo autora e réu das de parte.”
D - Foi realizada vistoria pelo Sr. Engenheiro BB nos dias 20 de dezembro de 2022 e 4 de janeiro de 2023.
E - Da vistoria referida em D) foi elaborado relatório técnico relativo aos “defeitos construtivos em cobertura”, pelo engenheiro referido, em 27 de abril de 2023.
F - Na realização da vistoria, a embargante não esteve presente.
G - Através de carta registada com aviso de receção, o exequente enviou o relatório técnico referido em E), tendo a executada recebido a mesma em 31 de maio de 2023, tomando pleno conhecimento do mesmo.
H - O relatório técnico, nas suas conclusões, expõe:
“De acordo com o presente relatório e como se constata pelas patologias indicadas, há necessidade de intervenção na cobertura, sendo necessária a sua remoção integral tendo em conta os aspetos estruturais e outros elencados, sendo eles os seguintes:
1. Nivelamento dos apoios, para garantir a continuidade do plano da cobertura.
2. Resolução das infiltrações eliminando a emenda que se constata sensivelmente a meio do pano da cobertura.
3. Resolução das infiltrações aplicando os rufos do fabricante e aplicando os isolamentos e acessórios previstos para aquele trabalho.
4. Resolução das patologias de sobreposição longitudinal das chapas e resolução dos danos na chapa provocados pela anterior aplicação daquele sistema.
5. Aplicação de acessórios fornecidos pelo fabricante para complementar a instalação, sejam eles topos, rufos com os recortes necessários e remates à fachada de acordo com as boas regras de execução e boas práticas construtivas.
Desta forma serão necessários os trabalhos de remoção integral da cobertura aplicada e montagem e fornecimento de nova cobertura, incluindo o sistema de base e seu nivelamento, novas telhas com o desenvolvimento da cobertura (comprimento total = 1 chapa) e todos os remates e acessórios necessários ao perfeito acabamento do conjunto.
De salientar que deverão ser previstos também os trabalhos no interior do compartimento afetado pelas humidades (sala da habitação).
Todos os trabalhos a efetuar deverão respeitar as boas práticas construtivas e incluir toda a mão de obra e materiais necessários a um perfeito acabamento, sendo o prazo expectável de duração dos trabalhos de substituição de cerca de 2 semanas de calendário.”
I - A embargante não procedeu à reparação dos defeitos expostos no relatório técnico.
III.I - Fundamentação de Direito
Não estando em causa, atento o objeto do recurso, as questões da “caducidade da ação judicial”, da sanção pecuniária compulsória e da litigância de má-fé, tratadas na decisão sob recurso, importa dar nota do entendimento do tribunal recorrido a propósito da alegada inexistência/inexigibilidade do título executivo.
Ficou dito, a tal propósito, o que, com síntese, se transcreve e sublinha: “(...) analisado o título dado à execução, conclui-se pela existência de título executivo - sentença condenatória-, uma vez que esta já transitou em julgado e contém um segmento de condenação. Na verdade, resulta que foi acordado por ambas as partes, acordo esse homologado judicialmente, para o que aqui releva, que seria efetuada uma vistoria pelo engenheiro BB à residência do réu a fim de verificar eventuais defeitos na cobertura realizada pela embargante, e que esta se obrigava a proceder às reparações que eventualmente fossem verificadas, pelo perito designado, no prazo de 15 dias. Portanto, a prestação a que a executada foi condenada, apesar de carecer de ser concretizada no relatório pericial a elaborar pelo perito escolhido pelas partes, estava devidamente delimitada e os factos de suporte necessários à concretização dessa prestação estavam compreendidos na sentença, incluindo o prazo para a prestação de facto. Com efeito, até carece de sentido a necessidade de aquele prazo ser fixado judicialmente nos termos do artigo 874.º do Código de Processo Civil, tal como requer o exequente no seu requerimento executivo e na sua contestação aos embargos. É certo que não ficou determinado o dies a quo que o prazo de 15 dias começava a ser contado. No entanto, constituindo a decisão judicial ato jurídico, é de aplicar-lhe as regras disciplinadoras dos negócios jurídicos, nos termos da analogia determinada pelo artigo 295.º do Código Civil – designadamente, os preceitos que disciplinam a interpretação da declaração negocial, ou seja, os artigos 236.º a 238.º do Código Civil –, e, da sua interpretação, o que resulta, de acordo com o percetível para um destinatário medianamente instruído e razoável, é que aquele prazo seria contado a partir do conhecimento pela embargante do resultado do relatório e, consequentemente, do conhecimento dos trabalhos ali consignados como tendo aquela de efetuar para reparar os defeitos. (...) não tendo a executada cumprido com o prazo estipulado para cumprir voluntariamente, se obrigou e tendo o exequente optado pela prestação desse facto por outrem, deve ser feita a competente avaliação do custo da prestação por esse terceiro, não sendo o valor referido pelo exequente vinculativo a este respeito. (...) Por outro lado, o acordo, homologado judicialmente, nada refere a propósito de a embargante ter de estar presente no momento da vistoria (não se aplicando o estipulado no artigo 480.º do Código do Processo Civil), pelo que nem por aqui a exequibilidade do título pode ser posta em causa, tal como o faz a executada. (...) O que releva é o teor da transação efetuada pelas partes e a sentença homologatória de transação, que fiscaliza a validade do teor anuído e condena as partes a cumpri-la. (...).”
Apreciemos.
Qualquer execução baseia-se num título, título (executivo) esse “pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva” (artigo 10.º, n.º 5 do CPC). Assim, “a ação executiva só pode ser intentada se existir um título executivo (nulla executio sine titulo), o qual, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado” [Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5.ª Edição, Almedina, 2022, págs. 57/59].
Além de outros títulos, todos taxativamente previstos, podem servir de base à execução “As sentenças condenatórias” (703, n.º 1, alínea a) do CPC).
Rui Pinto [A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2023, Reimpressão, pág. 150] considera que estamos perante “O título executivo judicial, por excelência”, e acrescenta: “Sempre se escreveu que a respetiva colocação, na reforma de 1961, em substituição da expressão “sentenças de condenação” do Código de 1939, idêntica à, então, constante do artigo 4º nº 2 al. a), não seria inocente. Manifestamente quis-se evitar qualquer sinonímia com sentenças proferidas em ações declarativas de condenação (cf. artigo 10º nº 3 al. b)). Se então se terá querido abranger a condenação em custas, e outras condenações acessórias – que em rigor estão atualmente cobertas pelo artigo 705º nº 1 – a alínea a) abrange agora não apenas as decisões proferidas em ação condenatória, mas, também, qualquer sentença judicial que, singularmente ou em cumulação com pedido de simples apreciação ou constitutivo, imponha uma ordem de prestação ou comando de atuação ao réu de maneira incondicional.
“As sentenças homologatórias, nomeadamente de transação ou confissão do pedido (...) constituem sentenças de condenação, sem prejuízo de os atos dispositivos das partes que as determinam estarem, como negócios jurídicos de direito civil, sujeitas a um regime de impugnação próprio” – José Lebre de Freitas/ Armindo Ribeiro Mendes/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 337.
Por outro lado – e referem-no António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª Edição, 2022, pág. 19, anotação 18 – “É da natureza do título executivo conter o acertamento do direito, de modo a que se, em face da sentença, for possível concluir que aquele objetivo já se encontra assegurado, é de todo inútil a instauração de nova ação declarativa, admitindo-se a apresentação da sentença como título executivo da obrigação que nela implicitamente foi reconhecida. O facto de a sentença tornar segura, ainda que de modo implícito, a existência da obrigação basta para a sua exequibilidade, como sucede em sede de processo de inventário (...). O mesmo ocorrerá nos casos de homologação de transação ou de confissão do pedido, pois, apesar do art. 290º, nº 3, determinar que, na sentença de homologação, o juiz condena ou absolve nos termos que ficaram exarados, não poderá duvidar-se da sua exequibilidade quando estiver subjacente à extinção da instância por qualquer daquelas vias a assunção de alguma obrigação por uma ou ambas as partes (...)”.
Nos termos do artigo 713 do CPC, a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida. Certa porque está qualitativamente determinada; exigível, porquanto, e além de outras situações possíveis, já se mostra vencida, nomeadamente quando, tratando-se de uma obrigação de prazo certo, este já decorreu. Por fim, a obrigação não será líquida quando a sua quantidade está por determinar e necessita de ser calculada ou da alegação fáctica que permitirá essa quantificação.
A recorrente, ainda que com escassa concretização e sentido crítico da concreta decisão proferida e seus fundamentos, sustenta que o título dado à execução, ou melhor, a obrigação nele pressuposta, carece dos requisitos enunciados no citado artigo 713 do CPC.
Sem razão, salvo melhor saber.
A sentença homologatória, já se disse, é uma sentença condenatória. A mesma condena a empreiteira (recorrente), ao menos implicitamente, na execução das obras que vierem a ser descriminadas pelo perito – em rigor, pelo árbitro – comum, escolhido/indicado por ambas as partes, e que a mesma (empreiteira) não vier a executar na sequência da notificação do relatório e no prazo também acordado pelas partes.
A liquidação está feita nos termos acordados pelas próprias partes; a obrigação está determinada qualitativamente e é exigível, uma vez que tem prazo certo e mostra-se definitivamente incumprida, citada a executada para os termos da execução.
Em suma, nada vemos que obste ao prosseguimento da execução para prestação de facto, tal como decidiu a primeira instância.
Assim, o recurso mostra-se improcedente, havendo que confirmar a decisão recorrida.
As custas, atento o decaimento, são devidas pela apelante – artigo 527, n.º 1 do CPC.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença proferida.
Custas pela apelante.
Porto, 28.04.2025
José Eusébio Almeida
Teresa Fonseca
Miguel Baldaia de Morais