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EXTRADIÇÃO
PENA DE PRISÃO PERPÉTUA
Sumário
I - O regime do MDE é o aplicável (nos termos do que dispõe o art.º 78º-B da Lei nº 144/99 de 31.8 - Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal - ex vi da Lei n.º 87/2021 de 15.12 (que assegura, em matéria de extradição e de congelamento, apreensão e perda de bens, o cumprimento dos Acordos entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte) em caso de pedido de detenção internacional emitido pela justiça escocesa à justiça nacional. II - São suficientes, pelo seu conteúdo e para que a entrega solicitada obedeça às exigências da Constituição da República Portuguesa, as garantias efectivamente prestadas no caso de aplicação de pena de prisão perpétua, sendo a mesma revista mediante a apresentação de pedido ou, no limite, no prazo de 20 anos (o sistema jurídico escocês prevê a revisão da pena decorrido o período mínimo de reclusão obrigatória e o mais tardar decorridos 20 anos) ainda de que irá encorajar a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado de emissão com vista a que aquela pena ou medida não seja executada, estando a pena de prisão perpétua sujeita a um período fixo com uma parte de castigo específica, podendo ser objecto de recurso e concluída aquela parte punitiva pode o condenado pode pedir liberdade condicional, que será apreciada de 2 em 2 anos caso não seja concedida, podendo ser também objecto de recurso. Ainda, pode sempre o condenado pedir aos Ministros Escoceses, em qualquer altura, para ser libertado por motivos compassivos, tal como pode pedir a libertação mediante prerrogativa real.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
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O Ministério Público neste Tribunal da Relação, em execução de pedido de detenção internacional, requereu a entrega às autoridades judiciárias escocesas de AA, identificado nos autos, para procedimento criminal, no âmbito do qual foi acusado pela prática de crimes de agressão com lesões corporais e Secção 1 da Lei dos Crimes Sexuais, agressão com lesões corporais e perigo de vida e Secção 1 dos Crimes Sexuais Lei (Escócia) de 2009, art.º 1º da Lei de Violência Doméstica (Escócia) de 2018, art.º 27º, nº 1, ponto 8, da Lei de Processo Penal (Escócia) de 1995 e art.º 102º-A, nº 1, da Lei de Processo Penal (Escócia) de 1995.
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Procedeu-se a interrogatório do requerido, tendo sido determinada a sua detenção e não tendo o mesmo renunciado ao princípio da especialidade.
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O requerido deduziu oposição, alegando em síntese que:
“(...) dois dos crimes imputados ao Requerido são punidos com pena de prisão perpétua (...)
não existe no mandado de Detenção qualquer garantia de não aplicação da pena de prisão perpétua ao Requerido (...) pelo que também por este motivo deverá ser recusada a cooperação e a extradição (...)
O Requerido, conforme já declarou em face das concretas ameaças do irmão da sua companheira, temeu pela sua vida (...)
Não lhe foi dada oportunidade com a sua versão repor a verdade dos factos (...)
O Requerido encontra-se a residir em Portugal desde 2023, onde está perfeitamente inserido, quer laboral, quer socialmente (...)
pelo facto da demora do Estado Português, nomeadamente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, atual Agência para a Integração, Migrações e Asilo, em assegurar uma decisão célere quanto à decisão sobre o pedido de autorização de residência, continua o Requerido num limbo de “estar legal em Portugal” porque ainda não foi tomada uma decisão administrativa (...)
Requerendo a este Tribunal que seja recusada a cooperação e a extradição para o ..., por não cumprir os pressupostos para o efeito, que seja o Requerido colocado em liberdade e permitindo o seu regresso ao seu país natal, o ... (...)
o Requerido está na disposição de perante esse Tribunal, de desistir do pedido de concessão de autorização de residência, colocando-o em posição de imediato regresso ao ....”
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Foram solicitadas ao Estado de emissão informações relativamente à execução da eventual pena a aplicar, respondidas.
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Em face do que consta dos autos, o Ministério Público pronunciou-se pela execução do mandado.
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Colhidos os vistos, cabe apreciar e decidir.
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O presente pedido visa a entrega do requerido para efeitos de procedimento criminal, tendo sido deduzida acusação por:
Em várias ocasiões compreendidas entre ... de ... de 2022 e ... de ... de 2022, em ..., ter o requerido repetidamente agredido a sua companheira, BB com bofetadas no rosto, puxando-a da cama, ameaçando penetrar a sua vagina com biberões, penetrando-a com os dedos e com o seu pénis e assim a estuprando até lesão.
Em ... de ... de 2022, , no mesmo local, agrediu a sua companheira sentando-se em cima dela, prendeu-a no chão, agarrou-lhe o rosto com as mãos, forçando-a a abrir a boca, cuspiu-lhe na boca, esbofeteou-a na cabeça repetidamente, agarrou-a pela garganta e comprimiu, assim restringindo-lhe a sua respiração, agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a, jogou-a na cama, colocou óleo de cozinha no seu pénis, colocou um travesseiro sobre a cabeça dela, penetrou a vagina dela com o seu pénis e violou-a, causando lesão e perigo para a vida dela.
Entre ... de ... de 2022 e ... de ... de 2022, na ... e em outros lugares AA teve comportamento abusivo com sua companheira, na medida em que lhe torceu repetidamente os braços, apontou-lhe uma faca, dizendo que a ia ferir, esbofeteou-a na cabeça, sentou-se sobre ela, pontapeou-a no corpo, mordeu-lhe a face, agarrou num lenço e puxou-o fazendo com que se apertasse em torno da perna dela, agarrou-a pelo peito e pelo pescoço, socou-a no corpo, agarrou o telemóvel dela e atirou-o, tirou uma fotografia dela enquanto estava nua e ameaçou divulgá-la a outros, ditou-lhe com quem poderia falar e impediu-a de comparecer na universidade sem ele.
Sendo arguido e tendo sido libertado sob fiança em ... de ... de 2022 no Tribunal de Primeira Instância de …, nos termos da Lei de Processo Penal (...) de 1995 e estando sujeito à condição, nomeadamente, de comparecer na Esquadra da Polícia de ..., todas as quartas-feiras, a partir de ... de ... de 2022, deixou de cumprir a referida condição.
Tais crimes também são punidos pelo ordenamento jurídico português, designadamente como crimes de violação e violência doméstica, previstos e punidos pelos artigos 164º e 152º do Código Penal, correspondendo-lhes penas de prisão até 10 e 8 anos, respectivamente.
Em ... de ... de 2023, estando acusado de agressão, violação da Secção 1 da Lei dos Crimes Sexuais (...) de 2009, a Secção 1 da Lei de Violência Doméstica (...) 2018 e o art.º 27º, nº 1, alínea b) da Lei de Processo Penal (...) de 1995 e tendo sido notificado do processo solene, não compareceu na data estabelecida no Supremo Tribunal Penal de Edimburgo, violando o artigo 102º-A, alínea I) da Lei de 1995 relativa ao processo penal (...).
Inexiste qualquer dos fundamentos de recusa de execução do mandado de detenção europeu, previstos nas alíneas do art.º 11º, da Lei 65/2003, de 23.8, posto que este é o regime a aplicar, nos termos do que dispõe o art.º 78º-B da Lei nº 144/99 de 31.8 (Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal) ex vi da Lei n.º 87/2021 de 15.12 (que assegura, em matéria de extradição e de congelamento, apreensão e perda de bens, o cumprimento dos Acordos entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte).
Também não se vislumbra qualquer causa de recusa facultativa de execução do MDE – art.º 12º do mesmo diploma legal (não se destinando o pedido ao cumprimento de pena, sendo ainda irrelevante a nacionalidade do requerido, bem como os motivos da falta de autorização de residência em Portugal).
Como tal apenas poderia fundar recusa a circunstância que se prende com a possibilidade de aplicação de prisão perpétua por dois dos crimes de que foi acusado o requerido (pena abstractamente aplicável aos crimes de agressão com lesões corporais e violação), já que o mais alegado, desde logo, não se encontra cabalmente demonstrado.
Todavia e na sequência das informações solicitadas, o Estado de emissão veio prestar a garantia que caso venha a ser aplicada aquela pena será a mesma revista, mediante a apresentação de pedido ou, o mais tardar, no prazo de 20 anos, ou de que irá encorajar a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado de emissão, com vista a que aquela pena ou medida não seja executada.
Por outro lado, não é obrigatória a aplicação da pena de prisão perpétua e que, sendo abstractamente aplicável, é improvável a sua aplicação àqueles crimes.
Ainda que venha a ser aplicada a pena de prisão perpétua a mesma está sujeita a um período fixo com uma parte de castigo específica, pode ser objecto de recurso e concluída a parte punitiva, o condenado pode pedir liberdade condicional, sendo o “Parol Board” da ... que decidirá sobre a sua concessão, que será apreciada de 2 em 2 anos, caso não seja concedida, podendo ser também objecto de recurso.
Independentemente da pena que venha a ser aplicada, o condenado pode sempre pedir aos Ministros Escoceses, em qualquer altura, para ser libertado por motivos compassivos, o qual decide, depois ouvido o “Parole Board”, tal como pode pedir a libertação mediante prerrogativa real.
O sistema jurídico escocês prevê a revisão da pena decorrido o período mínimo de reclusão obrigatória e o mais tardar decorridos 20 anos.
Assim, das garantias apresentadas resulta que a justiça escocesa, caso venha a ser aplicada ao requerido a prisão perpétua, aplicará medidas visando a sua não execução.
Destarte, as garantias efectivamente prestadas são suficientes, pelo seu conteúdo, para que a entrega solicitada obedeça às exigências da Constituição da República Portuguesa.
Termos em cumpre dar execução ao pedido, mantendo-se a detenção, pelos motivos que a determinaram e que ora se consolidam.
Por outro lado, e atendendo a que a prestação da necessária informação acarretou natural e justificada demora no processo, deverá ser prorrogado o prazo a que alude o nº 3 do art.º 615º daquele acordo entre União Europeia e Reino Unido da Grã‑Bretanha, por 30 dias e ao abrigo do que dispõe o nº 4 daquele mesmo artigo.
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Pelo exposto, acordam em deferir o pedido, ordenando a execução do mandado de detenção internacional.
Mantém-se a detenção do requerido, prorrogando-se por 30 dias o prazo a que alude nº 3 do art.º 615º do Acordo entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega e o Reino Unido da Grã‑Bretanha.
Sem custas.
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Lisboa, 6 de Maio de 2025
Manuel Advínculo Sequeira
João Grilo Amaral
Ana Cristina Cardoso