ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
CERTIFICADO DO REGISTO CRIMINAL
CIRCUNSTÂNCIAS POSTERIORES
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA
ROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
Sumário

I - Do auto de notícia da PSP e, bem assim, do resultado do exame toxicológico, de onde consta a data da recolha, a data dos factos é ........2022 e não ........2023, como se descreve no facto 1.
II - O tribunal a quo motivou a sua convicção (que os factos ocorreram em ........2023) em documentos que dizem que o crime foi cometido em ........2022. Esta motivação consta do texto da decisão recorrida. É erro notório na apreciação da prova.
III - Em ........2022, como resulta do certificado do registo criminal, o recorrente não tinha qualquer antecedente criminal.
IV - O “especialmente” da alínea e), do n.º 2, do art.º 71.º, do Código Penal, só pode ser entendido como aplicação só nestes casos. É uma regra especial. Na fixação da pena o que interessa é o momento da prática do facto, por isso é que o legislador sentiu a obrigação de utilizar o advérbio “especialmente” para a conduta posterior, a aplicar apenas quando o arguido contribuiu para a reparação das consequências do crime. Já na suspensão da execução da pena, o que releva é o momento da decisão, daí a consideração por condenações posteriores.
V - Ponderar as condenações posteriores para a determinação da medida da pena acessória seria uma flagrante violação (i) do princípio da igualdade, (ii) do direito a um processo equitativo e (iii), por conduzir a uma indeterminação na pena acessória, da segurança e certeza jurídicas.
VI - No caso concreto, sem antecedentes criminais, sem necessidade demonstrada da carta de condução para o exercício da sua profissão, com confissão integral e sem reservas e com uma taxa de 2,01, a proibição de conduzir veículos com motor deve ser de 5 meses.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
AA foi condenado no Juiz 4, do Juízo Local Criminal de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis) euros, o que perfaz a quantia total de € 660 (seiscentos e sessenta euros) ou, subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 49º, do C. Penal, em 73 dias de prisão. Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período que se fixa em 10 (dez) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, do Código Penal, devendo o arguido, no prazo de 10 dias, após o trânsito da sentença, entregar a sua carta de condução neste Tribunal, de molde a cumprir a pena acessória aqui aplicada, com a cominação de, não o fazendo, lhe ser a mesma apreendida e de incorrer na prática de um crime de desobediência.
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Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
“ I. Versa o presente recurso sobre matéria de facto e de direito por discordar o recorrente da decisão proferida nos presentes autos, nos termos da qual foi o arguido AA condenado em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 660 (seiscentos e sessenta euros) ou, subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 49º, do C. Penal, em 73 dias de prisão. Mais, é o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período que se fixa em 10 (dez) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, do Código Penal.
II. Entende o ora recorrente, há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade.
III. In Casu, deu o douto Tribunal a quo como provado no ponto 1 que “No dia .../.../2023, pelas 18:20 horas o arguido, AA, conduzia a viatura ligeiro de passageiros…”
IV. Ora, conforme consta do auto de notícia junto aos autos a fls., bem como do Relatório final do exame químico toxicológico - fls. 4; e da Participação do acidente de viação - fls. 5 a 9, pode constatar-se que a data da ocorrência terá sido no ano 2022, mais precisamente no dia .../.../2022 e não no dia .../.../2023, conforme por lapso consta da douta acusação e posteriormente, veio a ser integrada no ponto 1 dos factos provados.
V. O recorrente há data dos factos, ou seja, em .../.../2022, era primário!
VI. O Tribunal a quo, considerou ainda como razão agravante na concretização da medida da pena que: Ainda como circunstância agravante, há que ter em atenção que muito pouco tempo depois de transitar a sentença que o condenou pela prática do mesmo tipo de crime dos autos, cerca de 3 meses depois, voltou a praticá-lo.
VII. Ao contrário do referido na douta sentença, o requerido não praticou factos após trânsito em julgado desta sentença, como aliás se pode comprovar pelo Registo Criminal junto aos autos, onde existe apenas esta condenação averbada.
VIII. Considera ainda o recorrente que, na douta sentença proferida, e com relevância para a condenação de que ora se recorre, foi incorretamente julgado, e por isso indevidamente dado como provado, correspondente ao início do ponto 1 da matéria de facto provada, que expressamente se impugna: “No dia .../.../2023, …”
IX. Donde que, e em face dos elementos de prova referidos em IV), e salvo o devido respeito por opinião contrária, a matéria de facto ser alterada nesta parte, por assim o imporem os elementos de provas acima identificados, alterando-se o facto descrito no ponto 1 da matéria de facto provada nos seguintes termos: “No dia .../.../2022, pelas 18:20 horas o arguido, AA…”
X. Pelos motivos atrás invocados, considera este que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período que se fixou em 10 (dez) meses, excessiva, e desproporcional, considerando as circunstâncias do caso concreto.
XI. Ora in casu, o recorrente era primário à data da prática dos factos uma vez que os mesmo ocorreram em .../.../2022 e não, em .../.../2023 conforme consta dos documentos juntos aos autos já identificados.
XII. Desta feita, os motivos que tiveram subjacentes ao agravamento da pena principal e acessória não ocorreram da forma como se encontram descritos conforme se provou anteriormente, nomeadamente que o mesmo era primário!
XIII. Acresce por fim ao descrito que o Recorrente confessou integralmente e sem reservas o crime pelo qual vinha acusado e encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente.”
O Ministério Público veio responder, concluindo do seguinte modo:
“A. A sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, porquanto, decorre da prova documental junta aos autos que os factos em causa ocorreram em ...-...-2022e não em ...-...-2023, como consta do ponto 1 da matéria de facto provada.
B. A mencionada data decorre quer do auto de notícia e participação de acidente de viação, ambos elaborados pela P.S.P., quer do resultado do exame toxicológico onde se mencionada a data da colheita de sangue. Em todos os documentos a data presente é ...-...-2022.
C. Como tal, há data da prática dos factos o arguido não tinha averbada qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal, pelo que, assiste razão ao recorrente.
D. A determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve obedecer aos critérios estabelecidos no artigo 71.º, do Código Penal;
E. A condenação na pena acessória de proibição veículos com motor pelo período de 10 (dez) meses mostra-se, assim, excessiva, desproporcional e desadequada.
F. Considerando os critérios que subjazem à determinação da medida da pena acessória, contidos nos artigos 71.º do Código Penal, e ponderando a matéria de facto provada, os bens jurídicos violados, a gravidade do ilícito e a moldura penal que lhe é abstractamente aplicável pela pena acessória, a TAS que o arguido trazia (2,01 g/l.) , a medida da culpa e as necessidades de reprovação e de prevenção de futuros crimes - cada vez mais prementes - deveria o arguido ter sido condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por período não inferior a 5 (cinco) meses.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP:
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II - A) Factos Provados
1. No dia .../.../2023, pelas 18:20 horas o arguido, AA, conduzia a viatura ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-ZI-.., no ..., em ..., com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,01+-0,26 g/L, tendo sido interveniente em acidente de viação.
2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, em quantidades suficientes para determinar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20g/l e que por essa razão não podia conduzir veículos automóveis em via pública ou equiparada, porém não obstante esse conhecimento não se coibiu de o fazer, o que representou, quis e conseguiu.
3. O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, querendo agir como agiu, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
4. O arguido confessou, de forma integral e sem reservas, os factos.
5. O arguido tem antecedentes criminais registados conforme CRC, actualizado, de fls. 57 e 58, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido julgado e condenado, por factos datados de 18/08/2022 e sentença transitada em julgado em 14/02/2023, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, fixada em 3 meses, penas declaradas extintas por cumpridas.
6. O teor do Relatório Social do arguido, de fls. 52 a 55, dos autos, elaborado pela DGRSP, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que apresenta como conclusão que: Do exposto, parece tratar-se de um indivíduo que dispõe de enquadramento familiar estruturado, mantendo-se integrado no agregado da companheira, numa dinâmica relacional normativa e de laços afetivos coesos. As relações familiares e com a comunidade em geral, parecem expressar-se segundo padrões de comportamentos socialmente adaptados, o que consideramos como um fator positivo e de estabilidade pessoal do arguido. Apresenta hábitos de trabalho o que lhe tem permitido manter uma situação financeira estável e suficiente para fazer face aos seus encargos familiares, embora tenha por regularizar um montante pecuniário, ao estado português. Os processos judiciais anteriores e os pendentes, apresentam-se como vulnerabilidades na vivência do arguido. No entanto, a mudança de hábitos no que concerne ao consumo etílico avalia-se como um fator positivo e um sinal de mudança pessoal”
7. O arguido é divorciado; reside com a sua companheira que trabalha; não tem filhos a seu cargo.
8. O arguido é … auferindo, em média e mensalmente, o ordenado mínimo nacional.
9. O arguido tem, como habilitações literárias, o 9º ano.
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III – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal.
Fundamentos do recurso: (i) erro notório na apreciação da prova; (ii) impugnação ampla da matéria de facto; (iii) medida da pena acessória.
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IV – Fundamentação
“Do erro notório na apreciação da prova”
O erro notório é o erro que se vê logo - Conselheiro Sérgio Poças, Revista Julgar n.º 10, de 2010, pg. 29.
Está em causa o facto provado n.º 1: “No dia .../.../2023, pelas 18:20 horas o arguido, AA, conduzia a viatura ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-ZI-.., no ..., em ..., com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,01+-0,26 g/L, tendo sido interveniente em acidente de viação.”
Tem razão o recorrente.
Do auto de notícia da PSP e, bem assim, do resultado do exame toxicológico, de onde consta a data da recolha, a data dos factos é ........2022 e não ........2023, como se descreve no facto 1.
Da fundamentação da matéria de facto consta: "Assim, foram considerados os documentos relevantes: (...) Relatório final do exame químico toxicológico – fls. 4; e - Participação do acidente de viação – fls. 5 a 9".
Assim, o tribunal a quo motivou a sua convicção (que os factos ocorreram em ........2023) em documentos que dizem que o crime foi cometido em ........2022. Esta motivação consta do texto da decisão recorrida. É erro notório na apreciação da prova.
Terá sido lapso de escrita, mas não deixa de constituir constitui um erro notório na apreciação da prova.
Todavia, embora verificado o vício do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, é possível decidir da causa (art.º 426.º, n.º 1), corrigindo-o.
Nesta medida, face ao auto de notícia da PSP e ao exame toxicológico, altera-se o facto provado 1., passando a ter a seguinte redacção:
“No dia .../.../2022, pelas 18:20 horas o arguido, AA, conduzia a viatura ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-ZI-.., no ..., em ..., com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,01+-0,26 g/L, tendo sido interveniente em acidente de viação.”
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(da impugnação ampla da matéria de facto)
Mostrando-se corrigida a data no facto provado 1., com fundamento em erro notório na apreciação da prova, este segmento do recurso fica prejudicado, tendo em conta que igualmente visava a data aposta no facto provado 1.
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(da medida da pena acessória)
Importa, desde logo, notar que, embora na conclusão XII haja uma breve referência ao agravamento da pena principal, certo é que do objecto do recurso consta apenas a medida da pena acessória (cfr. ponto VII da motivação do recurso).
O Tribunal a quo fundamentou, do seguinte modo, a medida da pena acessória:
“Mais, será, ainda, o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do artigo 69º, do C. Penal, em que sendo ponderadas as mesmas e exactas circunstâncias atenuantes e agravantes, supra referidas, quanto à fixação da pena principal, será fixada pelo período de 10 (dez) meses, por se mostrar pena acessória necessária, suficiente e bastante para o afastar da prática de crimes da mesma natureza.”
Ora, as circunstâncias agravantes que o tribunal a quo ponderou são:
“Ainda, como circunstâncias agravantes da sua conduta cumpre considerar que possui antecedentes criminais registados pela prática do mesmo tipo de crime, porquanto resultou provado que foi julgado e condenado, por factos datados de 18/08/2022 e sentença transitada em julgado em 14/02/2023, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, fixada em 3 meses, penas declaradas extintas por cumpridas.”
É evidente que, com a alteração da data, todo este raciocínio cai por terra.
Em ........2022, como resulta do certificado do registo criminal, o recorrente não tinha qualquer antecedente criminal.
A conduta posterior só deve ser especialmente ponderada quando seja destinada a reparar as consequências do crime (artigo 71.º, n.º 2, al. e), do Código Penal).
O "especialmente" da alínea e) só pode ser entendido como aplicação só nestes casos. É uma regra especial. Na fixação da pena o que interessa é o momento da prática do facto, por isso é que o legislador sentiu a obrigação de utilizar o advérbio "especialmente" para a conduta posterior, a aplicar apenas quando o arguido contribuiu para a reparação das consequências do crime. Já na suspensão da execução da pena, o que releva é o momento da decisão, daí a consideração por condenações posteriores.
Ponderar as condenações posteriores para a medida da pena seria uma flagrante violação do princípio da igualdade do 13.º da Constituição. Todas as pessoas, com álcool, são julgadas em processo sumário, dias depois do crime. Este arguido, sem culpa alguma (o MP mandou investigar o acidente), foi condenado mais de um ano depois, com a pena aumentada por crimes cometidos depois dos factos, o que nunca ocorre com a generalidade dos agentes deste crime.
Dizer ainda que julgar o arguido muito tempo depois dos factos, e, por via disso, aumentar a pena acessória por condenações posteriores aos factos, seria uma grosseira violação do processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição. Gomes Canotilho e Vital Moreira (CRP Anotada, 4.ª ed. Revista e actualizada, p. 415) assinalam que “o direito de acção ou o direito de agir em juízo terá de efectivar-se através de um processo equitativo; …o due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais; (…) um dos princípios do processo equitativo é o direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias”.
Finalmente, uma tal ponderação conduziria a uma indeterminação na pena acessória, que afectaria a segurança e certeza jurídicas, que impõem, enquanto realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no quadro constitucional, “que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos (…) o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica” – Acórdão do STJ de 25.09.2013, processo n.º 286/11.5JAFAR.SL, relatado pelo Conselheiro Santos Costa.
Vejamos então a pena acessória a fixar (sem ponderar subsequentes criminais).
Sendo uma verdadeira pena, há que ter como limiar mínimo a expectativa comunitária na validade (e reforço) das normas penais violadas. É a protecção dos bens jurídicos, a prevenção geral positiva. Não obstante, a culpa, assente num juízo de censura sobre a conduta do arguido reflectida no facto criminoso praticado, tem que estar sempre presente, seja como limite máximo, seja como fundamento (para além de não haver pena sem culpa, as normas constitucionais penais, como é o caso do art.º 18.º, n.º 2, da CRP, exigem que a medida concreta não possa, em caso algum, ultrapassar a culpa). E, finalmente, o pendor da pena, mais acima ou mais abaixo, está na denominada prevenção especial positiva, na reintegração do agente (que não tem tanto a ver com as suas relações sociais, se tem família ou amigos, mas sobretudo se é expectável que seja um cidadão fiel ao direito). Se são mínimas as exigências de prevenção especial, a medida da pena baixa; sobe quando são maiores tais exigências.
Ora, consta do RASI de 2024 (último publicado): o crime de condução com taxa de álcool igual ou superior a 1,2 g/l representa 48,2% dos crimes contra a sociedade (p. 60 dos Anexos), o que eleva as exigências de prevenção geral positiva, centrada nas expectativas da comunidade na validade e reforço da norma violada.
O juízo de censura (a culpa) devido à actuação dolosa do arguido é igualmente acentuado. Há uma vontade clara e deliberada em conduzir em estado de embriaguez. E a taxa de álcool é quatro vezes superior ao máximo legal. Provoca estado de euforia, diminuição da acuidade visual e da percepção das distâncias às bermas e aos outros veículos, retarda o tempo de reacção aos obstáculos normais da circulação. Esta alteração da capacidade neuromotora do condutor afecta o seu nível de concentração e aumenta exponencialmente os riscos próprios da condução de veículos automóveis. O arguido sabe-o.
Quanto à prevenção especial, à data não tinha antecedentes criminais. E é de destacar a confissão integral e sem reservas.
Vejamos os últimos acórdãos que relatamos sobre a medida da sanção acessória de inibição de conduzir.
- no processo nº 525/21.4PKLRS.L1, acórdão de 17.05.2022, a taxa de álcool era de 1,812 g/l, com duas condenações anteriores pelo crime de condução sob o efeito do álcool, condutor da ..., a inibição foi de 6 meses;
- no processo nº 307/21.3PCAMD.L1, acórdão de 21.12.2021, com a taxa de álcool de 1,435 g/l, com oito condenações anteriores pela prática de crime de condução sob o efeito do álcool, a inibição foi de 18 meses;
- no processo nº 279/21.4PZLSB.L1, acórdão de 06.07.2021, com a taxa de álcool de 1,477 g/l, sem antecedentes criminais neste tipo de crime, a inibição foi pelo período de 4 meses;
- no processo n.º 625/19.0PATVD.L1, acórdão de 09.03.2021, com a taxa de álcool de 1,90 g/l, sem antecedentes criminais, conduzia o pai a tratamentos oncológicos, a inibição foi de 5 meses; e
- no processo n.º 61/17.3PAMTJ.L1, acórdão de 17.11.2020, com a taxa de álcool de 1,397 g/l, sem antecedentes criminais, a inibição foi de 3 meses e 15 dias.
Do exposto se conclui que a nossa jurisprudência tem sido, grosso modo, a seguinte: (i) com taxa entre 1,34 a 1,477, sem antecedentes criminais, o período de inibição situa-se entre 3 a 4 meses; (ii) com taxa de álcool de 1,90 g/l, sem antecedentes criminais, a inibição foi de 5 meses; (iii) com taxa de álcool de 1,812, com duas condenações anteriores pelo crime de condução sob o efeito do álcool, condutor da ..., a inibição foi de 6 meses; e (iv) com a taxa de 1,435, com oito condenações anteriores pela prática de crime de condução sob o efeito do álcool, a inibição foi de 18 meses.
Por conseguinte, os dois factores importantes são a taxa de álcool e os antecedentes criminais. Nos casos sem antecedentes criminais, como sucede no presente, com uma taxa até 1,4, o período de inibição anda perto dos mínimos, indo até aos 4 meses. Quanto a taxa de álcool sobe para 1,90, o período de inibição sobe para 5 meses.
Ora, no caso concreto, sem antecedentes criminais, sem necessidade demonstrada da carta de condução para o exercício da sua profissão, com confissão integral e sem reservas e com uma taxa de 2,01 (perto de 1,90), em coerência com o exposto, a inibição não pode ser inferior a 5 meses.
É justa, adequada e conforme com a apreciação deste tribunal ad quem, a sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados de 5 meses.
Procede o recurso do arguido.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso, e, em sequência, condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir de veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do artigo 69º, número 1 alínea a) do Código Penal.
Sem custas.

Lisboa, 06 de Maio de 2025
Paulo Barreto
Ana Cristina Cardoso
Manuel Advínculo Sequeira (vota vencido, nos termos da declaração que segue)

Voto vencido
“Concordando com a decisão de alteração factual (primeira questão a resolver) igualmente aceitaria sem particular objecção a descida da medida concreta da pena acessória aplicada e pelo motivo que a fundamenta.
Mas, por outro lado, a pena acessória fixada não é manifestamente desproporcional, pois a condenação posterior não pode ser ignorada, já que a conduta posterior tem, nos termos da lei penal e no que a agravantes respeita, peso semelhante à anterior.
Assim, impor-se-ia como mais ajustada ao caso uma pena acessória de duração entre 7 e 10 meses.
A posição que fez vencimento consigna que “a conduta posterior só deve ser especialmente ponderada quando seja destinada a reparar as consequências do crime (artigo 71.º, n.º 2, al. e), do Código Penal).”
Ora, naquela sede e preceito, a lei literalmente ordena que se pese quanto à questão a "conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime."
Debalde ali se procurará aquele “só deve ser ponderada”, diferença que não é fruto do acaso, impondo, ao invés, a consideração da conduta posterior em paralelo com a anterior e esta especialmente se tiver em vista a reparação.
Especial e não exclusivamente. E apenas este, ou, como se vê, outro vocábulo equivalente, suportaria a interpretação sufragada. Por isso não veda (nem se topa porque o faria) a ponderação do facto para o efeito. Não terá à partida o mesmo peso que um antecedente criminal, concorda-se, mas não é facto a ignorar, pois é clara agravante, ademais legalmente e expressamente prevista.
Repare-se ainda que a lei não só não diferencia o peso de cada uma das condutas (anterior e posterior) como as não limita ao registo criminal do agente, ali cabendo todas as circunstâncias atinentes à personalidade daquele.
No caso, com tanto mais peso quando revela a prática de idêntico crime em curto espaço de tempo (que, no limite, fundaria a manutenção do julgado, atendendo também à circunstância de na ocasião ter sido o arguido interveniente em acidente de viação e sem esquecer ainda que haverá lugar a cúmulo de penas a ter necessariamente em vista todos os factos, incluindo necessariamente a repetição e sem que tal releve de qualquer violação de princípio legal ou constitucional).
E por circunstâncias várias, nem “todas as pessoas, com álcool, são julgadas em processo sumário, dias depois do crime” nem responsabilidade alguma tem a comunidade pelo cometimento do crime ou por, pelo mesmo, ter sido condenado mais de um ano depois vendo mais agravada pena única por crimes cometidos depois, o que é até suposto ocorrer com a generalidade dos agentes deste crime e de outros, logo que haja conhecimento superveniente de crimes em concurso.
Nem sequer a unanimidade expressa pelos intervenientes nesta fase de recurso deve impressionar a este propósito, pois nem sequer é necessário sair do processo para encontrar exemplo claro de como aquela pode redundar em erro.
O recorrente começa por alegar que o equívoco na data dos factos constitui erro notório na apreciação da prova.
O MP concorda.
Pois não é, salvo o devido respeito (e ainda que a questão não mereça grande labor de tão evidente resolução e daí que se haja votado a correspondente decisão de alteração).
Como se aponta no acórdão, o erro começa por ser claramente de escrita.
Mas não pode ser simplesmente corrigido já que importaria modificação que, como se vê, é essencial, pois incide sobre facto indubitavelmente objeto do processo – art.º 380º/1/b) CPP.
Destarte, apenas pode ser impugnado com recurso sobre matéria de facto.
Ampla, pois o erro notório tem de resultar do texto da própria sentença e não é o caso, pois o recurso, resposta e acórdão tiveram de deitar mão a elementos de prova além do texto da sentença (auto de notícia da ... e exame toxicológico que não estão trasladados na sentença na parte em causa, logo, não resultando o desacerto exclusivamente daquele texto).
Assim, é claro exemplo de verdadeiro erro de julgamento, por isso a ser impugnado amplamente (e são justamente erros deste tipo os visados pelo CPP a este propósito).
Por isso, o facto a alterar seria o ano da ocorrência, as provas que impõem a modificação aqueles auto e exame e o motivo a circunstâncias dos mesmos resultar clara e insofismavelmente aquele erro de julgamento.
E em substância o recurso faz apenas essa impugnação ampla, mas iniciando-a sob outro título o que não quer dizer que este esteja certo, nem mesmo por unanimidade.
Finalmente, ainda que as penas sejam expressas em números a sua fixação não obedece a operação aritmética, nem mesmo de medianas, antes a critérios que ordenam tomar em linha de conta variáveis genéricas, impossíveis de fixar à partida e que podem originar diferenças que à primeira vista podem parecer injustificadas, mas que apenas a adequação ao caso concreto permite ter como justas ou não.”
Manuel Advínculo Sequeira