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CONTRAORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
DECISÃO ADMINISTRATIVA
NULIDADE
Sumário
I- Na disposição em apreço [o artigo 27º do RGCO], porque reportada à prescrição do procedimento (e não da coima, matéria tratada no artigo 29º do RGCO), há a considerar o montante máximo da coima abstratamente aplicável, e não o valor da coima concretamente aplicada. II- No processo de contraordenação, não pode deixar de ser tido em consideração que a Administração não é um Tribunal, que o decisor da aplicação da coima não é um juiz e que, sobretudo, por mais voltas que se deem, este processo, enquanto decorre perante as autoridades administrativas, tem necessariamente uma estrutura inquisitória sem distinção entre a acusação e o julgamento que, como é sabido, cabe aos tribunais. III- Não tem, pois, sentido, aplicar o princípio do acusatório, tal como o processo penal o concebe, na fase administrativa do processo de contraordenação, até porque os direitos dos cidadãos estão absolutamente garantidos, dado que pode sempre o destinatário da decisão promover uma fase judicial, onde são respeitados todos os princípios do processo penal (nomeadamente o do acusatório, não havendo assim qualquer restrição de direitos de defesa ou garantia). IV- Do que se observa nos autos resulta, pois, que à aqui recorrente foi reconhecida a possibilidade de, em sede de impugnação judicial, esgrimir os vícios atribuídos à decisão administrativa, obtendo do Tribunal pronúncia quanto à respetiva verificação e, bem assim, o cabal exame dos argumentos que apresentou em sua defesa. E é só isto que lhe é legal e constitucionalmente devido.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
O SIGMAI – Ministério da Administração Interna, por decisão de 19 de julho de 2024, aplicou à arguida AA id. nos autos, a coima única de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), pela prática de 1 (uma) infração ao disposto no nº 3 do artigo 79º da Portaria 273/2013 de 20/08 alt. e rep. pela Portaria 292/2020 de 18/12, em coima no montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), pela prática, de 2 (duas) infrações, ao disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 77º e alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 79º, todos da Portaria 273/2013 de 20/08 alt. e rep. pela Portaria 292/2020 de 18/12, em duas coimas, cada uma delas no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pela prática, de 1 (uma) infração, ao disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 77º da Portaria 273/2013 de 20/08 alt. e rep. pela Portaria 292/2020 de 18/12), em coima no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), epela prática, de 1 (uma) infração, ao disposto na alínea g) do nº 2 do artigo 37º do REASP, em coima no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
Desta decisão interpôs a arguida recurso de impugnação judicial.
Distribuídos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal do Montijo – Juiz 1, em 09.01.2025, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada, mantendo, nos precisos termos, a decisão administrativa.
Inconformada, veio a arguida AA interpor recurso para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:
“a) A decisão condenatória cinge-se exclusivamente ao que menciona nos autos de notícia, ignorando por completo as contestações apresentadas, pelo que, a decisão condenatória é nula!
b) As decisões individuais de cada processo não estão devidamente fundamentadas factualmente e juridicamente, alheando-se da análise e produção de prova realizada.
c) A decisão condenatória cinge-se exclusivamente ao que menciona nos autos de notícia, ignorando por completo as contestações apresentadas, pelo que, a decisão condenatória é nula!
d) Deste modo, deverá V. Exa., julgar procedente o presente recurso aqui apresentado e, por consequência, julgar improcedente a decisão condenatória do Tribunal a quo. Se assim não se entender,
e) As alegadas contraordenações estão todas elas prescritas, atentas as datas das práticas dos alegados factos.
f) A decisão condenatória cinge-se exclusivamente ao que menciona nos autos de notícia, ignorando por completo as contestações apresentadas, pelo que, a decisão condenatória é nula!
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, ALTERANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!”
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
O Ministério Público apresentou resposta, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
“1. AA veio interpor recurso da douta sentença condenatória que manteve a decisão administrativa proferida pela SGMAI - Ministério da Administração Interna, que lhe aplicou coima única, em cúmulo jurídico, no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) no âmbito dos processos 437/2022, 1127/2022, 1583/2022 e 2426/2023;
2. Veio a Recorrente invocar a nulidade da decisão condenatória, por omissão de pronúncia da decisão administrativa (ao não mencionar as defesas por si apresentadas nos autos), tal não merece acolhimento, uma vez que na sedimentação de tal decisão se verifica que a Autoridade Administrativa ponderou as defesas apresentadas em cada um dos 4 (quatro) processos contraordenacionais, dissecando os fundamentos expostos pela Recorrente, bem como a prova carreada aos ditos processos;
3. Alega a Recorrente que, considerando a data da prática das infrações em causa nos autos, se encontra decorrido o prazo prescricional para tais infrações, invocando o artigo 27.º do RGCO;
4. Ora, o início do prazo de prescrição é o momento da prática da contraordenação, conforme dispõe o artigo 5.º do RGCO. Existem, todavia, fundamentos para interrupção de tal prazo, previstos no artigo 28.º do RGCO, os quais se verificaram, in casu;
5. Dos processos em apreço na decisão administrativa cumulatória (437/2022, 1127/2022, 1583/2022 e 2426/2023), todos se enquadram no prazo prescricional de 3 (três) anos, nos termos da alínea b) do artigo 27.º do RGCO, bem como se verifica que em todos, individualmente, foi a Recorrente notificada por carta registada com aviso de receção, originando a interrupção da contagem do prazo, prevista no artigo 28.º do RGCO;
6. A decisão administrativa cumulatória foi proferida em 19-07-2024 e foi notificada à Recorrente em 25-07-2024, por carta registada com aviso de receção;
7. Verifica-se, assim, que não assiste razão ao Recorrente ao invocar a prescrição das contraordenações por si praticadas, uma vez que não se mostra transcorrido o prazo legal para o efeito;
8. Posto isto, e porque nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, dúvidas não temos de que o Tribunal a quo andou bem ao manter a decisão administrativa recorrida nos seus precisos termos, razão pela qual pugnamos pela sua manutenção.
Aqui chegados, é forçoso concluir que não assiste razão à Recorrente, que bem andou o Tribunal a quo e que o recurso não merece provimento.
Vossas Excelências, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.”
*
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo as considerações tecidas na resposta apresentada na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso “apenas aditando, relativamente ao prazo de prescrição aplicável às infrações em causa nos autos, que o montante da coima a ter em atenção para efeitos de aplicação de uma das três alíneas do art.º 27.º do RCCO é o máximo abstratamente aplicável e não o valor da coima aplicada.
Ora, nos processos 437/2022, 1127/2022 e 1583/2022 está em causa a prática pela recorrente de infrações punidas com coima no montante variável de € 1.500 a € 7.500, e no processo 2426/2023 está em causa a prática pela recorrente de 1 infração punível com coima no montante variável de € 7 500,00 a € 37.500,00.
Assim, os montantes abstratos das coimas aplicáveis situam-se no patamar da al. b), do art.º 27.º do RGCO, que estatui um prazo de 3 anos e não no patamar da al. c) do mesmo dispositivo, que estatui um prazo de 1 ano que será aplicável a coimas de valor abstrato inferior a € 2.493,99.
Pelo exposto,
Somos de parecer que o recurso não merece provimento.”
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
*
II. Objeto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal – sendo certo que, em conformidade com o disposto no artigo 75º, nº 1 do RGCO, nos recursos dos processos de contraordenação a 2ª instância apenas conhece de direito.
No caso, tendo em conta as conclusões apresentadas pela recorrente, há que apreciar:
- se subsiste a nulidade por omissão de pronúncia apontada à decisão administrativa;
- se ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional.
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III. Da decisão recorrida
Com interesse para a matéria a decidir nos presentes autos, consta da decisão recorrida (transcrevemos):
“II. DA NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR FALTA DE APRECIAÇÃO DA DEFESA
Alega a recorrente que a decisão administrativa padece de nulidade por não fazer qualquer referência às defesas por si apresentadas em cada um dos processos de contraordenação.
O artigo 58.º do RGCO sob a epígrafe Decisão Condenatória prevê:
“1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias. 2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que: a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º; b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. 3 - A decisão conterá ainda: a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão; b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”
No que concerne ao processo 437/2022 referente ao NPP 458256/2021, em sede de motivação da matéria de facto da decisão administrativa pode ler-se:
“A recorrente, na defesa apresentada, não faz prova de qualquer facto que demonstre a não verificação da infração apontada nos autos, como devia e podia, nos termos do artigo 165º do Código Processo Penal (CPP), ex vi artigo 41º nº 1 do RGCO, e dessa forma ilidir a presunção de fé do auto de notícia (artigos 243º e 99º, nos 1 e 4, ambos do CPP, ex vi artigo 41º RGCO). Resulta claro dos autos o incumprimento por parte da recorrente, ao contrário do alegado por aquela, já que não enviou, dentro do prazo para o efeito, os resultados da ação de formação referente à ficha técnica 080/2021, só o tendo feito após ter sido alertada pelo DSP para o efeito.”
No que concerne ao processo 1127/2022 referente ao NPP 117329/2021, em sede de motivação da matéria de facto da decisão administrativa pode ler-se:
“A recorrente, na defesa apresentada, não faz prova de qualquer facto que demonstre a não verificação das infrações apontadas nos autos, como devia e podia, (…). A recorrente reconhece a falta dos contratos dos formadores no DTP, assim como a falta do número de apólice do seguro de acidentes pessoais e ainda a discrepância entre o formador que ministrava a formação e o que constava da ficha técnica validada pelo DSP. Face ao alegado no ponto 3º da defesa refira-se que em causa está a falta do número de apólice do seguro de acidentes pessoais, e não de responsabilidade civil. (…) Quanto à falta dos contratos celebrados com os formadores, no DTP e atento o exposto na defesa da recorrente, ponto 3º parte final, refira-se que, não obstante parecer ser intenção do legislador que tais contratos sejam formalizados antes do início da ação de formação, na verdade, tal não consta expressamente na lei. (…).”
No que concerne ao processo 1583/2022 referente ao NPP 226390/2021, em sede de motivação da matéria de facto da decisão administrativa pode ler-se:
“A recorrente, na defesa apresentada, não faz prova de qualquer facto que demonstre a não verificação da infração apontada nos autos, como devia e podia, nos termos do artigo 165º do Código Processo Penal (CPP), ex vi artigo 41º nº 1 do RGCO, e dessa forma ilidir a presunção de fé do auto de notícia (artigos 243º e 99º, nos 1 e 4, ambos do CPP, ex vi artigo 41º RGCO).”
Por último, no que respeita ao processo 2426/2023 referente ao NPP 207241/2023, em sede de motivação da matéria de facto provada, pode ler-se:
“A recorrente, na defesa apresentada, não faz prova de qualquer facto que demonstre a não verificação da infração apontada nos autos, como devia e podia, nos termos do artigo 165º do Código Processo Penal (CPP), ex vi artigo 41º nº 1 do RGCO, e dessa forma ilidir a presunção de fé do auto de notícia (artigos 243º e 99º, nos 1 e 4, ambos do CPP, ex vi artigo 41º RGCO)”
Compulsada a decisão administrativa verifica-se que, ao contrário do defendido pela recorrente, na sedimentação da sua convicção quanto à factualidade em crise, ponderou a Autoridade Administrativa as defesas apresentadas em cada um dos processos contraordenacionais, escalpelizando os fundamentos por esta última expendidos bem como a prova carreada aos processos. Não se antevê, assim, em que momento omitiu a decisão administrativa pronúncia quanto às defesas apresentadas.
Ante tudo o expôs, improcede a nulidade invocada pela recorrente, não padecendo a decisão administrativa de qualquer vício.
III. DA PRESCRIÇÃO
Entende a recorrente que, considerando a data da prática das infrações em causa nos autos, se encontra decorrido o prazo prescricional, devendo, em consequência, ser absolvida.
Sob a epígrafe Prescrição do Procedimento, prevê o artigo 27.º do RGCO:
“O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) Um ano, nos restantes casos.”
A contagem do prazo prescricional tem por referência a sanção que seja abstratamente aplicável à infração. O início do prazo de prescrição é o momento da prática da contraordenação. Ao abrigo do disposto no artigo 5.º do RGCO “O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.”
Quanto à interrupção da prescrição dispõe o artigo 28.º do RGCO o qual prevê:
“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”
O efeito da interrupção da prescrição concretiza-se na inutilização do tempo que já correu desde que se iniciou a contagem do prazo, até que se verifica o facto interruptivo.
Verificada a causa interruptiva inicia-se a contagem do prazo, não se aproveitando o tempo anteriormente decorrido (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO).
No processo 437/2022 está em causa a prática pela recorrente de 1 infração prevista no n.º 3 do artigo 79.º da Portaria 273/2013 de 20 de agosto, p.p. pela al. d) do n.º 3 e al. a) do n.º 4 do artigo 59.º do REASP Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, com coima de 1 500 (euro) a 7 500 (euro), no caso das contraordenações leves.
O prazo prescricional aplicável é de 3 anos, nos termos da al. b) do artigo 27.º do RGCO.
A data dos factos imputados como infração remonta a 08.10.2021 (termo do prazo legalmente previsto para envio da documentação) data em que se iniciou a contagem do prazo prescricional. Em 10.12.2021 foi a recorrente notificada por carta registada com AR (fls. 6 e 7), nos termos do artigo 50.º do RGCO da instauração do competente processo de contraordenação, que interrompeu a contagem do prazo. A data da última diligência realizada foi 11.02.2022.
Tendo a decisão administrativa sido proferida em 19.07.2024 (fls. 16 a 30) e notificada à recorrente em 25.07.2024 por carta registada com aviso de receção (fls. 33 a 36) não se mostra transcorrido o respetivo prazo prescricional do procedimento.
No processo 1127/2022 está em causa a prática pela recorrente de 2 infrações por violação do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 77º da Portaria 273/2013 de 20/08 por não fazer constar nos contratos de formação dos formandos, o numero da apólice do seguro de acidentes pessoais e o valor/custo das ações de formação, o que consubstancia a prática de uma contraordenação leve, nos termos da alínea aliena d) do nº 3 do artigo 59º do REASP, punível com coima no montante variável de € 1.500,00 a € 7.500,00, quando cometida por pessoas coletivas, de acordo com a alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo 59.º, todos do referido REASP.
Neste caso o prazo prescricional aplicável é de 3 anos, nos termos da al. b) do artigo 27.º do RGCO.
A data dos factos imputados como infração remonta a 23.02.2022 data em que se iniciou a contagem do prazo prescricional. Em 09.05.2022 foi a recorrente notificada por carta registada com AR (fls. 17 a 19), nos termos do artigo 50.º do RGCO da instauração do competente processo de contraordenação, que interrompeu a contagem do prazo. A última diligência teve lugar em 19.05.2022.
Tendo a decisão administrativa sido proferida em 19.07.2024 (fls. 16 a 30) e notificada à recorrente em 25.07.2024 por carta registada com aviso de receção (fls. 33 a 36) não se mostra transcorrido o respetivo prazo prescricional do procedimento.
No processo 1583/2022 está em causa a prática pela recorrente de 1 infração por violação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 77º da Portaria 273/2013 de 20/08 por não fazer constar nos contratos de formação dos formandos, o valor/custo das ações de formação, o que consubstancia a prática de uma contraordenação leve, nos termos da alínea aliena d) do nº 3 do artigo 59º do REASP, punível com coima no montante variável de € 1500,00 a € 7500,00, quando cometida por pessoas coletivas, de acordo com a alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo 59.º, todos do referido REASP.
Neste caso o prazo prescricional aplicável é de 3 anos, nos termos da al. b) do artigo 27.º do RGCO.
A data dos factos imputados como infração remonta a 27.04.2022 data em que se iniciou a contagem do prazo prescricional. Em 01.07.2022 foi a recorrente notificada por carta registada com AR (fls. 15 e 16), nos termos do artigo 50.º do RGCO da instauração do competente processo de contraordenação, que interrompeu a contagem do prazo. A última diligência ocorreu em 05.07.2022.
Tendo a decisão administrativa sido proferida em 19.07.2024 (fls. 16 a 30) e notificada à recorrente em 25.07.2024 por carta registada com aviso de receção (fls. 33 a 36) não se mostra transcorrido o respetivo prazo prescricional.
No processo 2426/2023 está em causa a prática pela recorrente de 1 infração por violação do disposto na alínea g) do nº 2 do artigo 37º do REASP, por não ter disponível, aquando da ação de fiscalização, os originais da documentação passível de verificação em ação inspetiva, no caso os dossiers pedagógicos, o que consubstancia a prática de uma contraordenação grave, nos termos da alínea n) do nº 2 do artigo 59º, punível com coima no montante variável de € 7 500,00 a € 37 500,00, quando cometida por pessoas coletivas, de acordo com a alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo 59.º, todos do referido REASP.
Neste caso o prazo prescricional aplicável é de 3 anos, nos termos da al. b) do artigo 27.º do RGCO.
No que tange à data da prática da infração, a mesma ocorreu em 21.04.2023, data em que se iniciou a contagem do prazo prescricional. Em 09.06.2023 foi a recorrente notificada por carta registada com AR (fls. 11 e 12), nos termos do artigo 50.º do RGCO da instauração do competente processo de contraordenação, que interrompeu a contagem do prazo. A última diligência foi realizada em 04.07.2023.
Tendo a decisão administrativa sido proferida em 19.07.2024 (fls. 16 a 30) e notificada à recorrente em 25.07.2024 por carta registada com aviso de receção (fls. 33 a 36) não se mostra transcorrido o respetivo prazo prescricional.
Considerando tudo o que supra se expôs, improcede a invocada exceção de prescrição do procedimento, não se mostrando transcorrido o prazo legal para o efeito, devendo os autos prosseguir.
(…)”
*
IV. Fundamentação
Conforme acima se apontou a recorrente fez assentar os fundamentos do seu recurso em duas questões distintas: por um lado, na circunstância de o Tribunal recorrido ter considerado inexistir nulidade da decisão administrativa, por não ocorrer omissão de pronúncia quanto à defesa apresentada; e, por outro lado, na alegação de que “as infrações estão prescritas”.
Examinaremos cada uma destas questões separadamente, começando pela prescrição (por constituir causa de extinção do procedimento contraordenacional).
iv.1. Da prescrição
Nos termos previstos no artigo 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro (RGCO), “O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) Um ano, nos restantes casos.”
Na disposição em apreço, porque reportada à prescrição do procedimento (e não da coima, matéria tratada no artigo 29º do RGCO), há a considerar o montante máximo da coima abstratamente aplicável, e não o valor da coima concretamente aplicada.
É assim, desde logo, tendo em consideração o texto da lei – que se refere ao montante máximo, o que só faz sentido se estiver em causa um intervalo entre mínimo e máximo, o que, por definição, não existe quando a coima já se encontra concretamente determinada – e, depois, porque, nesta fase, não existe condenação transitada em julgado e, por assim ser, o valor da(s) coima(s) concreta(s) não se encontra definitivamente fixado (podendo ainda ser objeto de alteração, v.g., em via de recurso).
Ora, nos termos previstos no artigo 59º do Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (REASP), aprovado pela Lei nº 34/2013, de 16 de maio, “(…) 2 - São graves as seguintes contraordenações: (…) n) O incumprimento dos deveres especiais previstos nas alíneas a), c) a g) do n.º 1 e nas alíneas a), c) a g) do n.º 2, e no n.º 5 do artigo 37.º; (…) 3 - São contraordenações leves: (…) d) O incumprimento das obrigações, deveres, formalidades e requisitos estabelecidos na presente lei ou fixados em regulamento, quando não constituam contraordenações graves ou muito graves. 4 - Quando cometidas por pessoas coletivas, as contraordenações previstas nos números anteriores são punidas com as seguintes coimas a) De 1 500 (euro) a 7 500 (euro), no caso das contraordenações leves; b) De 7 500 (euro) a 37 500 (euro), no caso das contraordenações graves; c) De 15 000 (euro) a 44 500 (euro), no caso das contraordenações muito graves. (…)”
No caso, foi imputada à arguida a prática de 4 contraordenações leves (puníveis com coima de € 1.500,00 a € 7.500,00) e uma contraordenação grave (punível com coima de € 7.500,00 a € 37.500,00) – cf. artigos 77º, nº 1, alíneas b) e c), e 79º, nº 3, da Portaria nº 273/2013, de 20 de agosto, e artigo 37º, nº 2, alínea g) do REASP – pelo que, como acertadamente se concluiu na decisão recorrida, o prazo prescricional aplicável é de 3 anos.
Os factos foram praticados em 08.10.2021 (processo nº 437/2022), 23.02.2022 (processo nº 1127/2022), 27.04.2022 (processo nº 1583/2022), e 21.04.2023 (processo nº 2426/2023) – datas em que, respetivamente, se iniciou o referido prazo de prescrição. Nesta conformidade, os prazos de prescrição, reportados a cada uma das infrações, completar-se-iam, caso não ocorressem quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição, em 08.10.2024, 23.02.2025, 27.04.2025 e 21.04.2026.
Porém, de acordo com o disposto no artigo 27º-A, do RGCO, “1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.” (sublinhado nosso)
Acresce que, nos termos do artigo 28º do RGCO: “1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.” (sublinhados nossos)
No caso dos autos, a arguida foi notificada, para os efeitos do artigo 50º do RGCO, em 10.12.2021, 09.05.2022, 01.07.2022 e 09.06.2023, respetivamente, e foi notificada da decisão administrativa condenatória em 25.07.2024 – datas em que se interromperam os prazos de prescrição em curso, começando a correr novos prazos, de 3 anos [alínea d) do nº 1 do artigo 28º do RGCO, e artigo 121º, nº 2 do Código Penal, ex vi do artigo 32º do RGCO].
Tendo sido proferido, em 18.09.2024, despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso – o prazo de prescrição suspendeu-se nessa data [alínea c) do nº 1 do artigo 27º-A do RGCO]
A suspensão verificada não pode ultrapassar 6 meses [nº 2 do artigo 27º-A do Código Penal] – pelo que, em 18.03.2025, a prescrição retomaria o seu curso (cf. artigo 120º, nº 6 do Código Penal, ex vi do artigo 32º do RGCO).
Face ao que resulta dos autos, atentas as causas de interrupção da prescrição verificadas, é manifesto que em nenhum dos casos se mostrava decorrido o prazo prescricional em curso, na data em que ocorreram tais interrupções.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 28º, nº 3 do RGCO, considerado o prazo normal de prescrição (3 anos), acrescido de metade (1 ano e 6 meses), contado desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão (6 meses), o respetivo esgotamento apenas ocorrerá em 08.10.2026 (processo nº 437/2022), 23.02.2027 (processo nº 1127/2022), 27.04.2027 (processo nº 1583/2022), e 21.04.2028 (processo nº 2426/2023).
É, pois, manifesto que não se verifica a prescrição de nenhum dos procedimentos contraordenacionais aqui em causa, não assistindo qualquer razão à recorrente.
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iv.2. Da omissão de pronúncia na decisão administrativa
Na motivação de recurso apresentada, insurge-se a recorrente contra a circunstância de o Tribunal recorrido ter considerado inexistir nulidade da decisão administrativa, por omissão de pronúncia, entendendo ter sido concretamente apreciada a defesa apresentada pela arguida na fase administrativa do processo.
Comecemos pelo princípio.
Como põe em relevo João Soares Ribeiro1, ao abordar a natureza do processo de contraordenação nem sempre se equacionou devidamente esta realidade sui generis que é, ou deve ser, o processo de contraordenação na fase administrativa, fazendo-se por vezes um uso demasiado primário do princípio da aplicação subsidiária do processo penal consagrado no artigo 41º da lei-quadro, para não dizer uma errada equiparação da estrutura do processo de contraordenação à estrutura processual penal.
Ora, não pode deixar de ser tido em consideração que a Administração não é um Tribunal, que o decisor da aplicação da coima não é um juiz e que, sobretudo, por mais voltas que se deem, este processo, enquanto decorre perante as autoridades administrativas, tem necessariamente uma estrutura inquisitória sem distinção entre a acusação e o julgamento que, como é sabido, cabe aos tribunais2.
Não tem, pois, sentido, aplicar o princípio do acusatório, tal como o processo penal o concebe, na fase administrativa do processo de contraordenação, até porque os direitos dos cidadãos estão absolutamente garantidos, dado que pode sempre o destinatário da decisão promover uma fase judicial, onde são respeitados todos os princípios do processo penal (nomeadamente o do acusatório, não havendo assim qualquer restrição de direitos de defesa ou garantia).
E, como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenação - Anotações ao Regime Geral, em anotação ao artigo 58º do Decreto-Lei nº 433/82, «os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos».
Assim, tal como reconheceu o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 325/05, não é passível de censura constitucional que, no processo contraordenacional, e antes da sua passagem à fase jurisdicional, atenta a menor ressonância ética do ilícito contraordenacional face ao direito criminal, o legislador possa, no exercício da sua liberdade conformadora, subtrair das mais rigorosas exigências previstas para o processo penal, determinados procedimentos concretos, mais rigorosos e porventura inultrapassáveis, quer no domínio criminal, quer no domínio de uma fase procedimental jurisdicionalizada, procedimentos esses que se reflitam, no referido processo, numa menos ampla exigência de observação de específicos requisitos processuais, como, por exemplo, a análise concreta, na decisão aplicadora da coima, de «exceções» ou «questões prévias» suscitadas pelo acoimando na sua defesa, podendo, inclusivamente, retirar dessa não análise concreta, que se depararia como uma não expressa pronúncia, a consequência de a autoridade administrativa ter entendido pela não procedência das citadas «exceções» ou «questões prévias».
Ponto é que seja assegurado o «núcleo mínimo» do exercício do contraditório no desenho acima feito e que se não precluda o acoimado de, na fase jurisdicional de que porventura lance mão, poder esgrimir com os vícios procedimentais que se lhe afiguraram existir na fase administrativa e de, nesse particular, se poder (e dever) debruçar o órgão jurisdicional que há-de decidir o recurso.
É que, como se torna límpido, diferentes realidades são a de se argumentar que a decisão impositora da coima padece de vício por se não ter debruçado expressamente sobre uma nulidade arguida no procedimento administrativo, e a de se argumentar que, tendo ocorrido essa nulidade, a sua repercussão em tal procedimento inquinava este de tal sorte que acarretaria a prolação de uma decisão diversa daquela que impôs a coima.
Ora, será quanto a esta segunda realidade que se poderá entender, perante as garantias que um Estado de Direito deve conferir aos sancionados, não ser lícito ao legislador impedir que o sancionado, na fase de impugnação jurisdicional, possa brandir com a existência de vícios procedimentais que afetem o processo aquando da sua feição administrativa.
Nesta conformidade, revertendo ao caso que temos em mãos, vemos que a decisão proferida na 1ª instância, não só se debruçou expressamente sobre a nulidade arguida (tendo-a como não verificada), como examinou detidamente a defesa apresentada, relativamente a cada um dos processos de contraordenação, concluindo pela improcedência dos argumentos da recorrente.
Do que se observa nos autos resulta, pois, que à aqui recorrente foi reconhecida a possibilidade de, em sede de impugnação judicial, esgrimir os vícios atribuídos à decisão administrativa, obtendo do Tribunal pronúncia quanto à respetiva verificação e, bem assim, o cabal exame dos argumentos que apresentou em sua defesa.
E é só isto que lhe é legal e constitucionalmente devido.
Não se mostra verifica qualquer nulidade – da decisão recorrida ou da decisão administrativa – que deva ser conhecida por este Tribunal ad quem.
O recurso improcede.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida AA, confirmando a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
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Lisboa, 06 de maio de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Paulo Barreto
Ester Pacheco dos Santos
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1. Questões Laborais, Ano VII, 2001, pág. 122.
2. Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.12.2004, Relator: Desembargador Ramalho Pinto – tal como transcrito no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 325/05, de 16.06.2005, Relator: Conselheiro Bravo Serra, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.