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NOVA MORADA
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
IN DUBIO PRO REO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário
1 - Não resultando, nem tendo sido alegado, que conste do processo a indicação de nova morada que o arguido tivesse feito chegar aos autos a considerar em futuras notificações, a alegada circunstância de não ter recebido qualquer notificação apenas a si pode ser imputada, uma vez que a indicação de morada no TIR para efeitos de notificação é da sua inteira responsabilidade – art.º 196.º, n.ºs 2 e 3, als. c), d) e e) do CPP. 2 – O princípio in dubio pro reo, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, apenas será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, unicamente nesse caso, decidir a favor do arguido. 3 - Só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, deverá intervir o tribunal de recurso alterando o respetivo quantum.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No processo comum singular n.º 261/22.4PAAMD do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz 4, em que é arguido AA (e também BB, ainda não notificado da sentença condenatória), melhor identificado nos autos, foi proferida sentença a ........2024, que, para o que importa, condenou-o no seguinte:
• pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência ao art.º 21.º, n.º 1 do mesmo diploma e às tabelas I-B, I-C, II-A anexas, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova (artigos 50.º e 53.º do Código Penal).
2. O arguido AA não se conformou com a sua condenação e interpôs recurso da sentença.
Finalizou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
1. O arguido não esteve presente em audiência de julgamento pois não o conseguiram notificar;
2. Na altura dos factos, o arguido trabalhava na empresa "...", em ... e estava a passar férias no Distrito de Lisboa;
3. O arguido não tem nada averbado no seu certificado de registo criminal;
4. O arguido não é traficante de estupefacientes;
5. O arguido não foi visto a vender/ceder produto estupefaciente a terceiros;
6. O arguido foi impedidode exercer o seu contraditório de maneira correcta, ao estar ausente durante a audiência de julgamento;
7. O arguido é consumidor ocasional de haxixe, mas não é toxicodependente;
8. O arguido trabalha actualmente na ..., auferindo cerca de €900,00 mensais;
9. O arguido não devia ter sido punido pelo artigo 25.º da Lei da Droga, pois não estava a traficar, é consumidor;
10. Os senhores agentes não viram o arguido a mexer/ou vender produto estupefaciente;
11. O arguido não tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza;
12. Há uma desproporcionalidade na pena aplicada ao arguido;
13. Há uma violação do princípio In Dubio Pro Reo;
14. O arguido não tem uma vida com sinais de riqueza externa, não se podendo concluir que se dedica ao tráfico;
15. O arguido não voltará a ter problemas com a Justiça.
16. Ao arguido foi apenas apreendidasduas doses de haxixe (uma com 1,780 gramas de canábis (fls/sumid.) e outra de canábis (resina), 0,355 gramas.
17. No que tange à canábis (fls/sumid.), a tabela indica que o limite máximo diário é de 2,5 (ao arguido foram apreendidas 1.78 gramas, o que não chega a uma dose individual diária).
18. Já no que toca à canábis (resina), a tabela indica que o limite máximo diário é de 0,50 (ao arguido foram apreendidas 0,355 gramas, o que também não chega a uma dose individual diária).
19. Ou seja, a quantidade de produto estupefaciente apreendida, somada, não perfaz sequer duas doses individuais.
20. O que faz com que os factos descritos sejam assim uma contraordenação. Termos em que, e não desatendendo às razões invocadas pelo arguido deverão V. Exas. Senhores/as Juízes Desembargadores/as conceder provimento ao recurso, e, em consequência: Absolver-se o arguido da prática do crime pelo qual vem acusado e aplicar-se o regime das contraordenações, condenando-o numa pena de multa.
3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, no sentido do acerto da sentença recorrida e sua manutenção, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, foi proferida sentença que condenou o ora recorrente, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, nº 1, al. a) do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao art.º 21º, nº 1 do mesmo diploma e à tabela I-B, I-C, II-A anexa, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova (artigos 50º e 53º do Código Penal.
2. De tal decisão interpôs o arguido recurso e limitado o objecto do recurso às conclusões apresentadas, em súmula e com relevância para a resposta ao recurso apresentado, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente:
• O julgamento na ausência do arguido;
• Nega a prática dos factos (alegando que na altura dos factos trabalhava e nada ter averbado no seu certificado de registo criminal, não ter sido visto a vender/ceder produto estupefaciente a terceiros, ser consumidor ocasional de haxixe);
• Ser a pena desproporcional;
• Da violação do princípio In Dubio Pro Reo;
• Ter-lhe sido apenas apreendido duas doses de haxixe (uma com 1,780gramas de canábis (fls/sumid.) e outra de canábis (resina), 0,355 gramas, o que não perfaz duas doses individuais - o que faz com que os factos descritos sejam assim uma contraordenação; e
• Requer a substituição de uma pena por admoestação ou a redução para 10 (dez) dias de Multa à taxa diária de €5.
3. O Ministério Público, diverge da opinião do recorrente considerando ser correcta e fundamentada a douta sentença proferida quanto à escolha e determinação da medida da pena, não merecendo a mesma qualquer reparo e não assistindo qualquer razão ao ora recorrente. Senão, veja-se, analisando então as alegações de recurso:
4. Do julgamento na ausência do arguido: Conforme decorre da consulta aos autos e das actas da audiência de discussão e julgamento, os arguidos, apesar de devidamente notificados na morada do TIR, não estiveram presentes nas sessões nem justificaram a sua falta. O arguido ora recorrente, não veio alegar qualquer nulidade ou irregularidade na sua notificação — o que, se adianta também que não se verifica — nem invocar qualquer facto superveniente que coloque em crise a regularidade da sua notificação. As notificações ao arguido foram efectuadas para a morada do TIR que este validamente prestou e não consta dos autos que o mesmo tenha vindo em qualquer altura a requerer a alteração dessa morada; não assistindo assim razão ao mesmo, quando afirma que foi violado o seu direito ao contraditório por não ter estado presente, atento o exposto no art.º 333.º, n.º 2 do CPP.
5. Da negação a prática dos factos (alegando que na altura dos factos trabalhava e nada ter averbado no seu certificado de registo criminal, não ter sido visto a vender/ ceder produto estupefaciente a terceiros, ser consumidor ocasional de haxixe): o arguido recorrente não esteve presente aquando da produção de prova em sede de audiência de julgamento. Não se concede que seja agora em sede de recurso que venha o arguido a apresentar a sua versão e colocar em causa a prova já produzida. No que respeita à alegação feita sobre o facto de não ter sido visto a vender/ceder produto estupefaciente, atente-se que não seria só essa circunstância determinante para a formação da convicção do Tribunal. Note- se que conforme resulta da motivação de facto constante da sentença, valorou o julgador para além da prova documental (autos de apreensão, fotografias e relatórios periciais), as declarações das testemunhas quando estas na qualidade de órgãos de polícia criminal, abordaram o arguido e explicaram em julgamento que o mesmo não se mostrou surpreendido com a quantidade de produto estupefaciente que se encontrava ocultado dentro de umas sapatilhas que por sua vez estavam acondicionadas no motociclo onde circulava. Para além disso, note-se que o produto estupefaciente encontrado aquando da sua revista tinha a mesma qualidade e características do produto estupefaciente que estava acondicionado no motociclo; e, não foi feita qualquer prova em sede de audiência de discussão e julgamento que o arguido fosse um mero consumidor.
6. Ser a pena desproporcional: veio o arguido a ser condenado, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, nº 1, al. a) do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao art.º 21º, nº1 do mesmo diploma e à tabela I-B, I-C, II-A anexa. O crime é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, tendo sido aplicada ao arguido a pena de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução. A pena aplicada situa-se no seu terço inferior. A decisão em conta o disposto nos artigos 40.º, n.º 1 e 2 e 71.º, do CP. O arguido actuou com dolo directo e o seu grau de culpa é elevado. Tendo por referência situações idênticas e comparativamente, a pena encontrada mostra-se justa e equitativa.
7. A violação do princípio In Dubio Pro Reo: o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. E, in casu, não resultou para o julgador qualquer incerteza sobre os factos. Talqualmente consta da motivação da matéria de facto, a convicção do Tribunal foi adquirida a partir da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinadaem audiência de julgamento, bem como da prova documental junta aos autos e com recurso a juízos de experiência comum e à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
8. Ter-lhe sido apenas apreendido duas doses de haxixe (uma com 1,780 gramas de canábis (fls/sumid.) e outra de canábis (resina), 0,355 gramas, o que não perfaz duas doses individuais - o que faz com que os factos descritos sejam assim uma contraordenação: conforme resulta da matéria de facto provada e da motivação de facto foi imputado ao arguido não só a quantidade de produto estupefaciente supra descrita mas também o produto estupefaciente que foi encontrado na mala do motociclo: - duas saquetas contendo canábis (fls/sumid.), com o peso líquido de 10,058 gramas, grau de pureza de 13,9%, equivalente a 27 doses individuais, três saquetas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,168 gramas, grau de pureza de 51,8%, - três comprimidos de 2C-B, com o peso líquido de 0,591 gramas, nove comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 3,943 gramas, com grau de pureza de 15,9%, equivalente a 6 doses individuais, - cinco comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 2,495 gramas, com grau de pureza de 25,6%, equivalente a 6 doses individuais e duas saquetas contendo canábis (resina), com o peso líquido de 7,843 gramas, com o grau de pureza de 24,3%, equivalente a 38 doses individuais. Ademais, ao contrário do alegado em sede de recurso e de acordo com o relatório pericial constante nos autos, o arguido AA detinha uma saqueta contendo 1,780 gramas (peso líquido) de canábis (fls/sumid.), com o grau de pureza de 9,4%, equivalente a 3 doses individuais e uma saqueta contendo 0,355 gramas (peso líquido) de canábis (resina), com o grau de pureza de 14,8%, equivalente a uma dose individual. Outrossim, no caso em apreço,está em causa a detenção de produto estupefaciente fora das situações a que alude o arguido 40º,tendo-se apurado que os arguidos destinavam o produto estupefaciente à venda a terceiros. Por outro lado, nos termos do nº 3 do artigo 40º do citado diploma legal, a aquisição e a detenção de plantas, substâncias ou preparações referidas no nº 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui, por si só, um indício de que o propósito pode não ser o de consumo.
9. Requer a substituição de uma pena por admoestação ou a redução para 10 (dez) dias de Multa à taxa diária de €5: Conforme já supra analisado, o tipo de ilícito imputado ao arguido, não prevê sequer a aplicação de pena de multa, pelo que se mostra desde logo, inviabilizada a pretensão do recorrente.
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, concordando com a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, à qual aderiu integralmente.
5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art.º 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art.º 410.º n.º 2 do CPP.
No caso concreto, face às conclusões extraídas pelo arguido da respetiva motivação de recurso, cumpre apreciar as seguintes questões:
• Da circunstância de o julgamento ter decorrido na ausência do arguido;
• Do erro de julgamento;
• Da violação do princípio do in dubio pro reo;
• Da incorreta qualificação jurídica dos factos;
• Do excesso e desproporcionalidade da pena aplicada.
2. Da sentença recorrida
Factos Provados
1. Desde data não concretamente apurada que os arguidos BB e AA se dedicam à venda de produto estupefaciente.
2. Para o efeito, os arguidos faziam-se transportar no motociclo de matrícula ..-TC-.., onde guardavam produto estupefaciente para depois entregar aos consumidores.
3. No dia ... de ... de 2022, cerca das 01h45, os arguidos encontravam-se a circular no referido motociclo na ..., na ..., quando foram abordados por agentes da PSP no âmbito de uma fiscalização rodoviária.
4. Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, os arguidos detinham na mala do motocicloduas saquetas contendo canábis (fls/sumid.), com o peso líquido de 10,058 gramas, grau de pureza de 13,9%, equivalente a 27 doses individuais, três saquetas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,168 gramas, grau de pureza de 51,8%, três comprimidos de 2C-B, com o peso líquido de 0,591 gramas, nove comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 3,943 gramas, com grau de pureza de 15,9%, equivalente a 6 doses individuais, cinco comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 2,495 gramas, com grau de pureza de 25,6%, equivalente a 6 doses individuais e duas saquetas contendo canábis (resina), com o peso líquido de 7,843 gramas, com o grau de pureza de 24,3%, equivalente a 38 doses individuais.
5. Já o arguido AA detinhauma saqueta contendo 1,780 gramas (peso líquido) de canábis (fls/sumid.), com o grau de pureza de 9,4%, equivalente a 3 doses individuais e uma saqueta contendo 0,355 gramas (peso líquido) de canábis (resina), com o grau de pureza de 14,8%, equivalente a uma dose individual.
6. No interior da residência do arguido BB, sita na ..., o arguido detinha 252 comprimidos de MDMA, com o peso de 100,817 gramas, com o grau de pureza de 36,4%, equivalente a 366 doses individuais; um comprimido de MDMA, com o peso de 0,507 gramas, com o grau de pureza de 30,8%, equivalente a uma dose individual; 15 comprimidos de MDMA, com o peso de 7,546 gramas, com o grau de pureza de 29%, equivalente a 21 doses individuais, 17 comprimidos de 2C-B, com o peso líquido de 3,449 gramas, 10 comprimidos de MDMA com o peso líquido de 4,376 gramas, com o grau de pureza de 18,1%, equivalente a sete doses individuais; 3 comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 1,494 gramas, com o grau de pureza de 15,7%, equivalente a duas doses individuais; quatro saquetas contendo canábis (resina), com o peso líquido de 20,128 gramas, com o grau de pureza de 32,4%, equivalente a 130 doses individuais; duas embalagens com o peso líquido de 9,231 gramas contendo canábis (resina) com o grau de pureza de 24,7%, equivalente a 45 doses individuais, uma saqueta com o peso líquido de 9,165 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 28,9%, equivalente a 52 doses individuais; uma saqueta com o peso líquido de 3,950 gramas, contendo canábis (fls/sumid.), com o grau de pureza de 15,5%, equivalente a 12 doses individuais, um plástico com o peso líquido de 4,994 gramas contendo canábis (fls/sumid.), com o grau de pureza de 11,6%, equivalente a 11 doses individuais; três saquetas com o peso líquido de 2,935 gramas contendo cocaína (cloridrato), com o grau de pureza de 44,7%, equivalente a seis doses individuais; uma saqueta com o peso líquido de 0,155 gramas contendo MDMA, com o grau de pureza de 84,6%, equivalente a uma dose diária.
7. O arguido BB detinha ainda a quantia de € 20 e o arguido AA a quantia de € 45, provenientes da venda de produto estupefaciente.
8. Os arguidos detinham as mencionadas quantidades de substância estupefaciente, cuja natureza e características bem conheciam, não as destinando ao seu próprio consumo, mas sim à distribuição a uma multiplicidade de consumidores que os abordassem para o efeito mediante uma contrapartida monetária, obtendo lucros dessa actividade, agindo em comunhão de esforços e divisão de tarefas, o que quiseram e conseguiram.
9. Os arguidos bem sabiam que a aquisição, detenção e cedência por qualquer título dessas substâncias lhes estavam vedadas e apesar disso não se coibiram de deter e vender tal produto.
10. Agiram de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
11. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
12. Não são conhecimentos bens/rendimentos ao arguido BB.
13. O arguido AA trabalha na “...” e aufere um vencimento mensal de € 904.84.
Motivação A convicção do Tribunal foi adquirida a partir da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento e com recurso a juízos de experiência comum e à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. No que respeita à conduta dos arguidos descrita nos pontos 1) a 8) 1ª parte, teve- -se em atenção os autos de busca e apreensão de fls. 21-24, 29-31, as fotografias de fls. 36 e 42 e os relatórios de exame toxicológico de fls. 94, 96, 99. Teve-se, ainda, em atenção os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, agentes da PSP, que confirmaramas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o produto estupefaciente foi apreendido aos arguidos. Contaram que decidiram abordar um motociclo, conduzido pelo arguido BB e onde seguia, no lugar do pendura, o arguido AA. O arguido BB forneceu os seus documentos pessoais, mas não entregou os documentos do motociclo. Convidado a procurar os documentos do motociclo dentro do banco, no espaço aí existente, o arguido BB acedeu e fez um movimento muito brusco, abrindo e fechando muito rapidamente aquele compartimento, como se estivesse a esconder alguma coisa. Contudo, o agente DD ainda conseguiu ver que naquele compartimento estavam umas sapatilhas e que, dentro das mesmas, encontravam-se vários sacos transparentes. Aberto o compartimento, o arguido BB referiu que as sapatilhas eram suas e os agentes da PSP confirmaram que dentro dos sacos transparentes estava produto estupefaciente - ponto 4. Logo após, o arguido foi questionado se autorizava uma busca à sua residência, tendo ficado muito nervoso. Respondeu que não dava o seu consentimento, mas entregou a chave de casa. Efectuada a busca à sua residência, onde não se encontrava ninguém e tendo o arguido mencionado que vivia sozinho, foi encontrado o produto estupefaciente descrito no ponto 6) dos factos provados, nas condições aí referidas. No que respeita ao arguido AA, que seguia no lugar do pendura, não demonstrou ter ficado surpreendido com o produto estupefaciente que se encontrava no interior da mala do motociclo. Este arguido também foi revistado e apurou-se que também trazia consigo o produto estupefaciente mencionado no ponto 5. Não subsistem dúvidas ao Tribunal que osarguidos destinavam o produto estupefaciente apreendido à venda a terceiros. Em primeiro lugar, os arguidos não estiveram presentes em audiência de julgamento, não tendo, por isso, alegado que destinavam o produto estupefaciente ao seu consumo próprio e exclusivo. Por outro lado, no que respeita ao arguido BB, tendo presente a quantidade de a droga que o arguido tinha em sua casa e na mota que conduzia, a variedade do produto (cocaína, canábis, 2C-B, MDMA, ...), a forma como estava acondicionada (separada em embalagens individuais), o facto de ter em casa uma balança de precisão perto do produto estupefaciente e de não ter justificado a posse da droga, a única conclusão a retirar, consentânea com as regras da lógica e da experiência comum, é a de que o arguido destinava o produto estupefaciente à venda a terceiros. Da mesma forma, no que respeita ao arguido AA, perante a reacção que teve quando os agentes da PSP encontraram o produto estupefaciente, não se mostrando surpreendido, considerando, ainda, o facto de este arguido também trazer produto estupefaciente de semelhante qualidade e de não tendo referido em Tribunal que o destinava ao seu consumo, conclui-se que destinava o produto estupefaciente à venda a terceiros. No que respeita à busca efectuada à residência do arguido BB, que referiu que vivia sozinho, pese embora o arguido não tivesse autorizado a busca, a mesma é valida, não padecendo de qualquer invalidade. A busca foi feita logo após o arguido BB ter sido surpreendido com produto estupefaciente no interior da mala do motociclo que conduzia. Inicialmente, o arguido demonstrou alguma relutância em abrir este compartimento e, quando o fez, fê-lo com grande rapidez, o que levantou as suspeitas dos agentes da PSP. Por outro lado, naquele concreto compartimento estava uma quantidade considerável de produto estupefaciente, que estava guardado em sacos transparentes (e individuais) dentro das suas sapatilhas, ou seja, pronta a vender. Por conseguinte, estão verificados os pressupostos do artigo 177º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal. No que respeita ao dinheiro apreendido, considerando que os arguidos tinham na sua posse uma grande quantidade e variedade de produto estupefaciente para venda a terceiros, julga-se que o dinheiro provinha da venda de estupefacientes. No que respeita ao conhecimento da ilicitude da sua conduta - pontos 8), 2ª parte a 10) - teve-se em atenção as regras da lógica, que nos dizem que qualquer cidadão médio colocado na posição do arguido saberia que não poderia actuar desta forma e que, ao fazê-lo, estaria a adoptar condutas proibidas e punidas por lei penal. No que respeita à ausência de antecedentes criminais, teve-se em atenção os CRC's juntos aos autos. Relativamente aos pontos 12 e 13), teve-se em atenção os prints das bases de dados que foram juntos aos autos no início da audiência de julgamento., uma vez que os arguidos não compareceram.
***
3. Apreciando
a) Do julgamento do arguido na ausência
Resulta dos autos, concretamente da ata correspondente à audiência de discussão e julgamento de 13.05. 2024 que, sob promoção do Ministério Público, foi o arguido considerado regularmente notificado para comparência em julgamento e julgados verificados os pressupostos que conduziram ao seu julgamento na ausência – art.º 333.º do CPP.
Mais se verifica mostrar-se então o arguido representado por defensora que a isso não deduziu oposição.
Ou seja, o julgamento teve de facto lugar na ausência do arguido.
Afirma, porém, o recorrente que não esteve presente em audiência de julgamento porque não o conseguiram notificar.
Contudo, para além da alegação de que foi impedido “de exercer o seu contraditório de maneira correcta, ao estar ausente durante a audiência de julgamento”, disso não retira qualquer consequência processual, não invocando qualquer irregularidade ou nulidade.
Melhor dizendo, o arguido não coloca em crise a regularidade da sua notificação, pois não ignora a circunstância de fazer parte dos autos um termo de identidade e residência por si prestado de forma válida, antes reconhecendo na sua motivação que não ficou com qualquer comprovativo de ter alterado a sua morada, apesar de afirmar que o fez junto da PSP em sede de inquérito.
Ora, não resultando, nem tendo sido alegado, que conste do processo a indicação de nova morada que o recorrente tivesse feito chegar aos autos a considerar em futuras notificações, a alegada circunstância de não ter recebido qualquer notificação apenas a si pode ser imputada, uma vez que a indicação de morada no TIR para efeitos de notificação é da sua inteira responsabilidade – art.º 196.º, n.ºs 2 e 3, als. c), d) e e) do CPP.
Destarte, ao ter sido notificado para a morada indicada no TIR prestado, cumpriu o tribunal a quo tudo o que lhe era legalmente exigido, não tendo sido violadas as garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32.º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 61.º n.º 1, alínea a) do CPP.
Assim concluindo, nenhum reparo cumpre realizar à decisão relativa ao seu julgamento na ausência, sendo o arguido o único responsável pelo não recebimento das notificações que lhe foram efetuadas de acordo com o TIR que voluntariamente prestou nos autos.
b) Do erro de julgamento
Conforme resulta do art.º 428.º, n.º 1, do CPP “as relações conhecem de facto e de direito”.
A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de «revista alargada»);
- ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP (impugnação em sentido lato).
Quanto aos vícios (impugnação em sentido estrito) - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova -, sendo de conhecimento oficioso, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à sua verificação na sentença/acórdão e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art.º 426.º, n.º 1 do CPP).
Quanto à segunda modalidade (impugnação em sentido lato), impõe-se, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do CPP), que o recorrente enumere/especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como que indique as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, como também, sendo o caso, as que devem ser renovadas, assim como que especifique, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a colmatar erros de procedimento ou de julgamento.
Se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis segundo o princípio da livre apreciação e as regras de experiência, a mesma será inatacável, pelo que importa que o recorrente na indicação das concretas provas torne percetível a razão da divergência quanto aos factos, dando a conhecer a razão pela qual as provas que indica impõem decisão diversa da recorrida.
Ora, no caso concreto, e pese embora o recorrente “ensaie” aquilo que pretende constituir uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não dá cumprimento ao disposto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
Não o faz nem na motivação do recurso nem nas respetivas conclusões, razão pela qual, na presença desse vício insanável, não é sequer viável o aperfeiçoamento destas últimas.
Deveras, não invoca o recorrente em seu apoio meios de prova que não tivessem sido considerados pelo tribunal a quo, mas antes questiona a avaliação que o tribunal fez daqueles, não obstante a especificação em sede de motivação, dos pontos que no seu entender se mostram incorretamente julgados (pontos 7 a 10).
Efetivamente, aquilo que resulta das conclusões do recurso é, tão só, a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, o que é manifestamente insuficiente face à livre apreciação do julgador - art.º 127.º do CPP.
Por essa razão, o tribunal de recurso não poderá fazer uma nova apreciação da matéria de facto, ficando apenas limitado ao poder/dever de conhecer oficiosamente qualquer dos vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, que, na prática, não se verificam.
É que pese embora o arguido invoque expressamente a verificação do vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, “não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com preceituado no art.º 127.º” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Recursos Penais”, 9.ª ed. 2020, Editora Rei dos Livros, p. 81).
Ou seja, como já “supra” se referiu, aquilo que resulta das conclusões do recurso é a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º do CPP.
Não obstante, ao contrário do que alega o recorrente, constatamos ter o tribunal recorrido formado a sua convicção em correspondência com a prova produzida, fundamentando de forma clara as razões pelas quais teve como assente as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o produto estupefaciente foi apreendido aos arguidos, bem como que os mesmos o destinavam à venda a terceiros, sempre tendo presente que nenhum deles esteve presente em audiência de julgamento, mas segundo critérios lógicos, objetivos e em obediência às regras da experiência comum.
Por conseguinte, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos que o arguido recorrente pretende ver como não provados é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção (art.º 374.º, n.º 2 do CPP).
Destarte, não merece qualquer censura, sendo evidente que aquilo que o recorrente pretende é um segundo julgamento da causa por não ter estado presente naquele que levou à sua condenação, ou, no limite, impor a seu favor o uso do princípio in dubio pro reo.
Porém, o princípio em questão, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, apenas será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, apenas nesse caso, decidir a favor do arguido.
Assim considerando, a sua violação apenas tem lugar quando, num estado de dúvida insanável, o tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao arguido.
No caso concreto, não resulta do texto da decisão recorrida que a 1ª instância tenha ficado com qualquer dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto relevante e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra o arguido/recorrente.
Acresce que tendo sido interposto recurso sobre a matéria de facto, e não se tendo verificado, como já se escreveu, qualquer erro de apreciação da mesma por parte do tribunal recorrido, a dúvida apenas subsiste para o arguido recorrente, não sendo partilhada nem por nós nem pelo tribunal a quo.
É que face à prova produzida, avaliada conjugadamente e à luz das regras de experiência comum, não subsiste qualquer outra hipótese probatória de igual verosimilhança, não existindo, em consequência, uma dúvida para a qual pudessem ser oferecidas razões válidas.
Nestes termos, também neste particular o recurso improcede, falecendo a pretendida impugnação ou sequer a verificação de qualquer dos vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, que sempre seriam de conhecimento oficioso.
Concluindo, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
c) Do enquadramento jurídico-penal
O recorrente mostra-se condenado pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência ao art.º 21.º, n.º 1 do mesmo diploma e às tabelas I-B, I-C, II-A anexas.
Ora, permanecendo inalterada a matéria de facto fixada na primeira instância, naturalmente que não se acompanha a alegação do recorrente, ao pretender que se conclua pela sua condenação por uma simples contraordenação (consumo próprio).
Desde logo, não é verdadeiro que ao arguido tenha apenas sido apreendido aquilo que refere nas suas alegações de recurso, concretamente, uma saqueta contendo 1,780 gramas (peso líquido) de canábis (fls/sumid.), com o grau de pureza de 9,4%, equivalente a 3 doses individuais e uma saqueta contendo 0,355 gramas (peso líquido) de canábis (resina), com o grau de pureza de 14,8%, equivalente a uma dose individual (facto provado em 5.)
Ao invés, também lhe foi atribuída a responsabilidade pela detenção de duas saquetas contendo canábis (fls/sumid.), com o peso líquido de 10,058 gramas, grau de pureza de 13,9%, equivalente a 27 doses individuais, três saquetas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,168 gramas, grau de pureza de 51,8%, três comprimidos de 2C-B, com o peso líquido de 0,591 gramas, nove comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 3,943 gramas, com grau de pureza de 15,9%, equivalente a 6 doses individuais, cinco comprimidos de MDMA, com o peso líquido de 2,495 gramas, com grau de pureza de 25,6%, equivalente a 6 doses individuais e duas saquetas contendo canábis (resina), com o peso líquido de 7,843 gramas, com o grau de pureza de 24,3%, equivalente a 38 doses individuais (cf. facto provado em 4.).
Finalmente, e para além do mais, mostra-se claramente assente o seguinte (facto provado em 8.): “Os arguidos detinham as mencionadas quantidades de substância estupefaciente, cuja natureza e características bem conheciam, não as destinando ao seu próprio consumo, mas sim à distribuição a uma multiplicidade de consumidores que os abordassem para o efeito mediante uma contrapartida monetária, obtendo lucros dessa actividade, agindo em comunhão de esforços e divisão de tarefas, o que quiseram e conseguiram.”
Tanto, por si só, é inultrapassável, pois que que ficou excluída qualquer possibilidade de o recorrente destinar o produto estupefaciente apreendido ao consumo próprio.
Nessa medida, a pretensão do recorrente não tem o desejado enquadramento jurídico-penal (mero consumo), antes sendo correto aquele que foi definido pelo tribunal a quo, nada havendo a alterar.
d) Do quantum da pena
O recorrente mostra-se condenado numa pena de pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova (artigos 50.º e 53.º do Código Penal).
Almeja ser condenado numa pena de multa.
Porém, o crime em questão nem sequer admite essa possibilidade, antes lhe correspondendo uma moldura abstrata de prisão de 1 a 5 anos.
Sem prejuízo, vejamos se de facto ocorreu qualquer distorção ou desproporcionalidade a reclamar a intervenção do tribunal de recurso alterando o respetivo quantum, tendo, porém, presente, no seguimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021 (Proc. 10/18.1PELRA.S1., disponível em http://www.dgsi.pt), que «no que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.»
Como é sabido as finalidades de aplicação de uma pena decorrem essencialmente da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da preocupação em se atingir a reinserção do agente na comunidade - artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal. Posto que, se terá de atender ao art.º 71.º do Código Penal, que dispõe, no seu n.º 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção.
No que respeita ao relacionamento entre aqueles dois critérios, ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 215), que à culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada, sendo em função de considerações de prevenção geral de integração e especial socialização, que deve ser determinada abaixo daquele máximo, a medida da pena.
De acordo com o art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal, “na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (...)”. Com efeito, os princípios da proibição da dupla valoração e do ne bis in idem implicam que não sejam de novo apreciadas, em sede de medida concreta da pena, as circunstâncias que outrora foram consideradas a propósito do tipo de crime.
Resta-nos, pois, analisar a “bondade” da decisão recorrida, sendo certo ter o tribunal a quo analisado os factos praticados pelo arguido, com vista à subsunção dos mesmos dentro dos concretos fatores da medida da pena, nos seguintes termos: “Ponderando a culpa dos arguidos, suporte da pena e limite inultrapassável das considerações preventivas, há que, desde logo, atender à natureza e quantidade do produto estupefaciente. Os arguidos destinavam o produto estupefaciente à venda a terceiros, tratando- -se de produto estupefaciente com uma forte capacidade aditiva e que, nessa medida, acarreta consequências muito nefastas para os consumidores e para a sociedade. No que respeita aos antecedentes criminais, verificamos que os arguidos não têm antecedentes criminais. Os arguidos não compareceram em audiência de julgamento, desconhecendo-se a sua situação de vida. No entanto, no que respeita ao arguido AA, foi possível apurar que está a trabalhar, auferindo um vencimento mensal de € 904.84.”
Dessa forma, observada a fundamentação exarada pela primeira instância quanto à medida da pena, afigura-se-nos que o tribunal a quo individualizou corretamente as diversas circunstâncias relevantes, sendo certo que no caso presente ganham especial relevância as finalidades de reprovação e prevenção de futuros crimes (prevenção geral ou positiva), na medida em que o tráfico de estupefacientes trata-se de um crime que visa essencialmente a proteção da saúde pública e da saúde dos próprios consumidores.
Ou seja, não identificamos na determinação da pena concreta operada pelo tribunal a quo, que aliás a fixou no seu terço inferior, qualquer incorreção ou desproporcionalidade que demande intervenção da nossa parte.
Por conseguinte, improcede totalmente o recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Notifique.
*
Lisboa, 6 de maio de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Pedro José Esteves de Brito
Manuel Advínculo Sequeira