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VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
Sumário
(da inteira responsabilidade do relator) A utilização de meios de vigilância electrónica para fiscalização da pena acessória de proibição de contactos não pode ser considerada como “regime regra”, muito menos surge como uma imposição, porquanto a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a protecção da vítima, conforme claramente resulta do texto do artigo 35º, n.º 1 da Lei nº112/2009, impede que assim possa ser considerada, limitando o legislador a casos especiais, a possibilidade de o juiz dispensar o consentimento (imprescindibilidade para proteção dos direitos da vítima), mas sempre mediante decisão fundamentada (a envolver, necessariamente, um juízo de ponderação entre os interesses em conflito).
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum colectivo n.º 587/23.0PFAMD, que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Loures – Juiz 2, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferido acórdão, no qual se decidiu [transcrição]: “(…) a) Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelos artigos 10.º, n.º 1 (primeira parte), 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1 e 152.º, n.º 1, alínea e), n.º 2, alínea a), n.os 4, 5 e 6, todos do Código Penal (relativo ao ofendido BB); b) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 10.º, n.º 1 (primeira parte), 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1 e 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º 2, alínea a), n.ºs 4, 5 e 6, todos do Código Penal (em que é ofendida CC), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 5, do artigo 50.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 53.º e artigo 54.º, todos do Código Penal, condicionando-a a regime de prova, que contemple frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica; c) Condenar o arguido AA, na PENA ACESSÓRIA de proibição de contacto com a vítima CC, pelo período de 4 (quatro) anos, o que inclui o afastamento da residência e do seu local de trabalho, sendo o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 152.º, do Código Penal, durante o tempo em que o arguido estiver em liberdade; d) Condenar o arguido AA, nas PENAS ACESSÓRIAS de obrigação de frequentar programa específico de prevenção da violência doméstica, e à proibição de uso e porte de arma, pelo período de 4 (quatro) anos, tudo nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal; (…)”
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I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) “1- No decorrer da fase de inquérito, através de despacho proferido pelo Mma. JIC, prolatado em .../.../2023, ref.ª 156691084, o arguido foi submetido à medida de coação de proibição de contacto com a ofendida com recurso à fiscalização, por meio técnico de controlo à distância. 2- A partir do momento em que foram aplicados os dispositivos de controlo, que emergem do despacho proferido em .../.../2023, a ofendida não voltou a ser importunada pelo arguido, com quem não contacta desde .../.../2023. 3- Embora tenha sido apanhado em “área de exclusão”, o arguido, em momento algum, procurou infringir a imposição de proibição de contactar com vítima. 4- O arguido não tem outros meios de subsistência senão a força do seu trabalho, com os respetivos rendimentos continua a suportar, em larga medida, a mãe dos seus filhos/ofendida e estes, pagando a amortização do empréstimo da habitação que adquiriu com a ofendida (420 euros), o condomínio (34 euros) e, ainda e assumindo a alimentação do agregado familiar. 5- A implementação de meios de vigilância eletrónica depende da verificação de um juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima/ofendida, conforme resulta do n.º 5 do art.º 200.º, do CPP, ao reportar-se ao à al. d) do nº 1 dessa norma. 6- No caso em concreto, não tendo o arguido contactos com a vítima desde .../.../2023, não se verifica o requisito de imprescindibilidade para aplicação dos meios de vigilância eletrónica. 7- Face ao exposto, entende o arguido que a aplicação de meios eletrónicos que visem a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima é excessiva por violar os princípios da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. 8- Pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido na parte em que determina a imposição ao arguido dos meios eletrónicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória. 9- A decisão recorrida violou as disposições legais enunciadas nestas conclusões. Atento ao exposto, deverá a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 4 anos, o que inclui o afastamento da residência desta e do seu local de trabalho, ser revogada e substituída por outra que deixe de impor ao arguido os meios eletrónicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento dessa pena. ASSIM SE ESPERA POR SER DE JUSTIÇA! (…)
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 24/01/2025, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões. [transcrição] (…) 1 - O arguido AA vem interpor recurso do douto acórdão, na parte em que o condenou, na PENA ACESSÓRIA de proibição de contacto com a vítima CC, pelo período de 4 (quatro) anos, o que inclui o afastamento da residência e do seu local de trabalho, sendo o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 152.º, do Código Penal, durante o tempo em que o arguido estiver em liberdade. 2 - Neste recurso o arguido insurge-se, apenas, contra tal condenação, questionando: “Se, in casu, se justifica, ou não, a aplicação de meios eletrónicos que visam a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.”. 3 - Estabelece o n.º 5 do artigo 152.º do Código Penal, o seguinte: “A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”. 4 - Como é possível ler-se no douto acórdão recorrido, quanto ao que aqui interessa “(…) “Das penas acessórias: Afigura-se-nos favorável à reintegração do arguido na sociedade, reeducação para o Direito e, bem assim, para prevenir a prática de novos crimes contra a mesma ofendida, a condenação do arguido na pena acessória de proibição de contato com a vítima, pelo período de 4 anos. A referida pena acessória de proibição de contacto com a ofendida inclui o afastamento da residência e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5, do artigo 152.º, do Código Penal, durante o tempo em que o arguido estiver em liberdade.”. 5 - Ora, na análise que o Tribunal “aquo” fez, ponderou fundamentadamente, em face dos factos dados como provados, a aplicação de tal medida acessória e que se encontra expressamente prevista no n.º 5, do artigo 152.º do Código Penal (…). 6 - Conforme se pode ler no acórdão recorrido, quanto ao estatuto processual do arguido até ao trânsito em julgado da decisão“ (…) Verifica-se que o arguido tem incorrido em diversas transgressões, como documentam os autos a fls. 288, 324, 350, 498, 549 e 608, pelo que, considerando a condenação de hoje, entendemos que o perigo de continuação da atividade criminosa, que levou à aplicação de tais medidas não só se mantém, como sai reforçado, razão pela qual, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 193.º, 196.º, 200.º, n.º 1, alíneas a) e d) e 204.º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal e artigo 31.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei 112/2009 de 16 de setembro (…). (…) No quadro legal constituído, no contexto do crime de violência doméstica, as medidas de proibição de contactos e afastamento (a prevista no artigo 152º nº 4 e 5º do Código Penal e a contida no artigo 52º do mesmo diploma) apresentam-se como de aplicação diferenciada consoante as circunstâncias do caso concreto, sendo que a pena acessória apenas deverá ser aplicada nas hipóteses mais graves em que as necessidades de prevenção e a proteção da vítima, exigem uma tutela penal reforçada. (…). 7 - Nenhum reparo nos merece a decisão proferida, atenta a gravidade dos factos pelos quais foi condenado, a que acresce a extrema necessidade de protecção da ofendida CC, quanto a novos crimes a que possa estar sujeita, considerando que o arguido foi condenado a pena de prisão, suspensa na sua execução. 8 - In casu, em face do crime pelo qual o arguido foi condenado e a personalidade demostrada em sede de audiência de discussão e julgamento, justifica-se a aplicação de meios electrónicos que visam precisamente a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, sendo adequada e proporcional, circunscrita ao período de 4 anos. 9 - A este propósito pode ler-se no Acórdão do TRL, proc. 132/19.1PGLRS.L1-3, de 23-09-2020, Relatora Adelina Barradas de Oliveira, o seguinte: (…) Ora, sendo a prisão a pena principal para o crime de violência doméstica artºs 41º e 42º e 152º, nºs 1, 2 e 3) CP e a proibição de contactos, com afastamento do arguido da vitima, uma das penas acessórias artº 152º, nºs 4 e 5, CPP, se nada parece obstar, em abstrato, à aplicação de ambas, nada obsta a que, no caso concreto a mesma pena acessória se aplique no caso em análise, até porque, como se concluiu facilmente da matéria de facto provada, impõe-se essa aplicação para segurança da vítima. Esta pena constitui um dos mecanismos legais que tutela a segurança da vítima, protegendo-a dos perigos advindos dos contactos e presença do agressor (…). 10 – No que respeita aos direitos que o arguido invoca estarem a ser violados, de acordo com o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, afigura-se-nos que não lhe assiste qualquer razão, não sendo excessiva e desproporcional a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, com recurso a meios técnicos de controlo à distância, em virtude de, face ao crime em que o arguido foi condenado e da postura que já demonstrou nos autos, tal pena acessória é também necessária, adequada e proporcional, destinada a proteger o direito da ofendida a viver em paz (sem sobressaltos), bem como prevenir a ocorrência de novos crimes. 11- Acresce, ainda, no ponto 2 das suas conclusões é o próprio arguido que confirma que a partir do momento em que foram aplicados os dispositivos de controlo, determinados por despacho proferido em .../.../2023, a ofendida não voltou a ser importunada por si e, tal afirmação permite-nos concluir que assim deverá continuar a suceder, sendo actual a necessidade de fiscalizar essa medida de proibição de contactos, mediante a utilização dos aludidos dispositivos de controle. Tudo ponderado, entende o Ministério Público que a decisão que condenou o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a vítima CC, pelo período de 4 anos, o que inclui o afastamento da residência e do seu local de trabalho, sendo o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 152.º, do Código Penal, está bem fundamentada, é correcta e justa, razão pela qual deve ser confirmada e mantida, não tendo violado qualquer disposição legal. Por tudo o que se disse, parece-nos que o recurso deve improceder e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida. Contudo, V. Ex.ªs decidindo farão Justiça! (…)
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao dito parecer.
* I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
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II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às “conclusões” apresentadas, a questão decidenda que dela se retira é a seguinte:
a) Se a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, no cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, é excessiva;
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância: (…) Produzida toda a prova, resultou provado que: 1) Entre ... 2012 e ...-...-2023, o arguido AA e a ofendida CC mantiveram uma relação amorosa, vivendo em comunhão de cama, mesa e teto, como se de marido e mulher se tratassem, fixando residência em ... e, desde ...1...-2016, na ... em casa que adquiriram. 2) Fruto dessa relação nasceram DD, nascido a ...-...-2013, EE, nascido a ...-...-2018, e o DD, nascido a ...-...-2021. 3) Após o nascimento do DD, sobretudo desde que fixaram residência em Póvoa de Santa Iria, o arguido passou a não conseguir dominar os ciúmes que sentia pela ofendida e a iniciar discussões por esse motivo. 4) Desde então o arguido passou a exigir à ofendida que não vestisse roupas decotadas, saias ou calções, dizendo-lhe, entre o mais: “Não podes vestir-te assim porque já és mãe, já não és nenhuma adolescente”. 5) Por tais razões a ofendida passou a evitar vestir-se do modo que o arguido lhe censurava. 6) Também motivado por ciúmes, pelo menos todas as semanas, o arguido passou a verificar o telemóvel da ofendida, pesquisando o seu conteúdo, incluindo redes sociais, e iniciando discussões por qualquer fotografia que publicasse, acusando-a de pretender provocar outros homens. 7) Em data não concretamente apurada, entre ... e ... de 2016, cerca das 18:30 horas, ao chegar à residência comum nervoso e intranquilo, quando a ofendida o indagou das razões que o faziam estar assim, o arguido explicou-lhe que um seu amigo havia morrido quando soube que a mulher o traía. 8) Nesse instante, na cozinha, o arguido exaltou-se e exigiu à ofendida que lhe desse de imediato o telemóvel para o pesquisar. 9) Não tendo a ofendida conseguido desbloquear à primeira tentativa o telemóvel, por se achar nervosa com a exaltação do arguido, este abeirou-se dela e desferiu-lhe socos na cabeça, nas costas e nos ombros, enquanto lhe dizia “liga para o homem que tu tens”. 10) Apesar de a ofendida lhe reiterar que não tinha ninguém, o arguido prosseguiu a desferir-lhe murros, chapadas e pontapés, enquanto esta tentava escapar-se-lhe para o corredor da casa e implorava que lhe parasse de bater. 11) Quando o filho comum, DD, então com 3 anos de idade, alertado pelo barulho se dirigiu ao arguido dizendo-lhe “não bate na minha mãe, não bate na minha mãe”, o arguido agarrou-o e conduziu-o até à sala, deixando-o aos gritos, dizendo “para, não bate na mãe”. 12) Após o arguido voltou a dirigir-se à ofendida e, ainda no corredor, continuou a desferir-lhe chapadas e murros até a fazer perder os sentidos e permanecendo inconsciente durante um período de tempo não concretamente apurado. 13) De seguida, o arguido colocou a ofendida em cima de uma cama e chamou uma sua tia, para o ajudar a tratar da ofendida, enquanto o DD apodava o arguido de “Monstro” e lhe dizia “não bates mais na minha mãe”. 14) Tendo o arguido convencido a ofendida de que tal não voltaria a suceder, esta, por medo que não acreditassem em si, uma vez que o arguido em público sempre a tratou de forma elogiosa, e por vergonha do que lhe estava a acontecer, aceitou manter a relação; 15) A partir de finais de 2017, com frequência cada vez maior, o arguido voltou a deixar-se tomar por ciúmes e a iniciar discussões com a ofendida, a exigir ver o seu telemóvel, a censurar-lhe qualquer foto que tivesse publicado na Internet, a verificar os comentários, questionando-a a respeito daqueles que tivessem sido feitos por homens e exigindo saber quem eram aqueles que comentavam e que não conhecia. 16) Desde então, dominado por ciúmes, no decurso dessas discussões, o arguido passou a dirigir-se-lhe dizendo, entre o mais: “puta; não és uma pessoa certa; andas envolvida com outros; estás comigo e metes conversas com outros homens; só queres putaria; não tens vergonha; és mãe de família está na hora de ganhares juízo”. 17) Em 2018, quando a ofendida estava no início da gravidez do EE, entre ... e ...de 2018, à noite, no quarto do casal, o arguido abeirou-se desta e iniciou uma discussão, dizendo-lhe: “estás grávida e continuas a comportar-te da mesma maneira; continuas a vestires-te mal, não ouves o que eu digo”. 18) Nessa ocasião, exaltado, o arguido agarrou a ofendida pelo braço, apertando-lho. 19) Quando esta o confrontou e questionou se lhe ia bater, o arguido soltou-lhe o braço, deu-lhe um murro no ombro e saiu do quarto dizendo-lhe: “puta; só queres putaria; ‘tás comigo e ficas a dar conversa e a meter-te com outros homens”. 20) O filho do casal, DD, apercebeu-se do tom exaltado do arguido e acorreu em auxílio da mãe. 21) Apesar de esta o ter tentado tranquilizar, o DD repetiu várias vezes o percurso entre a sala e o quarto, procurando certificar-se se a mãe estava bem. 22) Desde então, sentindo-se contraída pelas agressões sofridas e tendo recusado manter relações sexuais com o arguido, este passou a iniciar discussões por esse motivo, na sequência das quais lhe dizia, entre o mais: “tens outro homem, querias era ter relações com outros homens, por isso é que não queres tê-las comigo; vou descobrir quem é; se eu fosse outro tipo de homem já te tinha matado com uma facada, ou já te tinha atirado daqui de cima do décimo primeiro”. 23) Desde então, o arguido logrou consumar relações sexuais com a ofendida, que cedeu aos seus intentos, temendo o que o arguido lhe pudesse fazer e para evitar as discussões que ele iniciava cada vez que o rejeitava. 24) Desde então, sobretudo quando estavam algum tempo sem manter relações sexuais, o arguido pediu o telefone à ofendida e, à noite, pesquisou-o durante horas, iniciando discussões sempre que detetou algum comentário nas redes sociais que não lhe agradou ou, não o encontrando, para a acusar de ter apagado tais conteúdos. 25) Nessas ocasiões, encontrando-se a ofendida a dormir, o arguido acordou-a dizendo-lhe “ou estás a fingir que estás a dormir ou se estás a dormir é porque estás cansada de passar toda a manhã na putaria”. 26) Por um número indeterminado de ocasiões o arguido iniciou discussões com a ofendida por entender que esta se teria demorado mais do que o necessário para regressar a casa, na sequência das quais a apodou de “mentirosa”. 27) Noutras discussões o arguido dirigiu-se à ofendida dizendo: - “achas-te uma grande mulher mas se te deixar ninguém te vai querer”; - “os homens só te querem usar; ninguém vai querer ficar contigo”; – “A culpa de eu ser ciumento é toda tua”. 28) Temendo o que o arguido lhe pudesse fazer e para evitar discussões, a ofendida passou a evitar contactos com homens, a ir visitar familiares, a não atender as suas chamadas ou a concluir as conversas rapidamente ou fazendo-as ao telefone em alta voz para que aquele percebesse que não tinha nada a esconder. 29) Desde 2018 que tais discussões passaram a ocorrer pelo menos todos os meses, por vezes em dias seguidos. 30) Em data não concretamente apurada, o arguido colocou um dispositivo de gravação de som ambiente na viatura utilizada pela ofendida. 31) Em data não apurada, o arguido procedeu à audição da gravação assim produzida, designadamente do momento em que a ofendida, na sexta-feira, ...-...-2023, foi abordada pelo arrumador do parque de estacionamento do seu local de trabalho dizendo-lhe “amor não estaciones aí que hoje é dia de jogo e os adeptos do ... estacionam à toa”. 32) Crendo que a ofendida o estivesse a trair, no dia ...-...-2023, domingo, após a ofendida ter chegado do trabalho, depois do jantar, na residência comum, estando os filhos presentes em casa, o arguido tentou repetidas vezes falar com a ofendida a sós a respeito da referida conversação que intercetara. 33) Não o tendo logrado por força da presença continua dos filhos comuns junto destes, o arguido adiou a conversa para o dia seguinte, dizendo-lhe: “Eu só tenho uma pergunta e já sei a resposta”. 34) No dia seguinte, a ...-...-2023, tendo a ofendida seguido as orientações do arguido e regressado a casa antes de ir buscar as crianças, o arguido dirigiu-se-lhe exaltado perguntando: “onde foste na sexta-feira”. 35) Tendo-lhe a ofendida respondido que estivera a trabalhar, o arguido cada vez mais exaltado insistiu perguntando-lhe: “quem era o gajo com que tu estavas, que te andava a chamar amor”. 36) Não obtendo resposta, o arguido pegou numa garrafa de vidro de cerveja, vazia, e atirou-a à mesa da cozinha, partindo-a. 37) De seguida pegou numa outra garrafa de vidro, de litro, e fê-la brandir no ar, sobre a cabeça da ofendida, enquanto lhe dizia, exaltado: “liga para ele que é hoje que eu vou-te matar; quem é o gajo; é hoje que vou te matar; fala que é hoje que eu vou-te matar; liga para ele; quem é ele”. 38) Enquanto a ofendida suplicava para que o não fizesse, rogando-lhe pelos filhos, o arguido repetiu, ao longo de cerca de 10 minutos, dizendo sempre: “liga para ele, diz quem é, que eu vou-te matar”. 39) A certa altura, o arguido disse à ofendida: “Sai rápido antes que eu te mate.” 40) A ofendida fugiu de casa, recolheu os filhos e foi residir com os filhos comuns em casa dos pais, na .... 41) O arguido dirigiu-se pelo menos por duas vezes à residência dos progenitores da ofendida, a pretexto do convívio com os filhos comuns, pretendo convencer a ofendida a regressar a casa e a reatar a relação. 42) Desde então o arguido vem enviando mensagens insistentes à ofendida pretendendo convencê-la a reatar a relação. 43) No domingo, dia ...-...-2023, tendo a ofendida regressado à residência comum, acompanhada de pai e sogro, para recolher alguns dos seus haveres, o arguido manteve-se a insistir para que aceitasse o reatamento da relação, instando-a a regressar a casa, disponibilizando-se para sair dela, para que esta e os filhos comuns a ocupassem. 44) Quando a ofendida concordou fazê-lo e lhe disse que de imediato iria mudar a fechadura, o arguido dirigiu-se-lhe dizendo: “isso não me impede de abrir a porta, sou ... e consigo abrir qualquer porta.” 45) Ao atuar nos termos descritos, o arguido agiu com o propósito concretizado de ofender a honra e bom nome da ofendida, de a molestar fisicamente, de controlar, assediar, violar a sua vida privada e intimidade, satisfazer com elas os seus impulsos e desejos sexuais indiferente à existência ou não de consentimento desta para manter tais relações, provocar-lhe medo e mantê-la sobre constante receio, sabendo perfeitamente que as expressões que proferiu e as condutas que adotou eram idóneas a provocar nela um sentimento de inquietação e temor permanentes, intimidá-la, ofendê-la na sua liberdade sexual, menorizá-la, humilhá-la, mostrar como esta lhe era vulnerável e sujeita ao seu poder, agindo com indiferença à relação que mantinham ou tinham mantido e à circunstância de terem filhos em comum, ciente do dever de respeito que daí emergia, querendo e logrando maltratá-la física e psiquicamente, afetando-a na sua saúde e dignidade humana e lesando o núcleo dos vínculos que se estabelecem no seio familiar e doméstico, o que representou e quis. 46) O arguido sabia que ao praticar os descritos factos no domicílio da ofendida e dos filhos comuns, na presença do DD, em duas ocasiões, que a sujeitava a uma situação de maior fragilidade, retirando-lhe o último espaço de tranquilidade e de sossego. 47) O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 48) Por força da medida de coação que lhe foi aplicada neste processo, o arguido está a viver em casa dos seus pais, sendo que a ofendida e os três filhos do ex-casal, atualmente com onze, seis e três anos vivem na casa onde morava a família. 49) No plano profissional, AA tem vínculo estável com a ..., para a qual exerce funções de ... – o ramo em que trabalha, ininterruptamente, há mais de 20 anos. 50) O arguido é uma pessoa emprenhada no seu trabalho, o qual é reconhecido e apreciado; 51) No plano das relações profissionais e sociais, o arguido é tido por aqueles com que se relaciona nesses meios, como pessoa pacífica, tranquila, leal e honesta e amigo do seu amigo. 52) A subsistência do arguido é assegurada com o seu vencimento (1.200 euros líquidos), ao qual, por vezes, acrescem proventos advindos de serviços de carpintaria, por conta própria. Como principais encargos a amortização do empréstimo da habitação que adquiriu com a ofendida (420 euros) e do seu veículo automóvel (208 euros), o condomínio (34 euros), as telecomunicações (30 euros) e, ainda, assume a alimentação do agregado. 53) As demais despesas com a habitação, nomeadamente a renda (350 euros) são a expensas dos pais de AA, ambos beneficiários de reformas que totalizam 610 euros: 410 euros (pai) + 390 euros (mãe). 54) O arguido não tem antecedentes criminais.” (…)
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b. É a seguinte a motivação da decisão quanto à pena acessória de proibição de contacto com a vítima, apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância (…) Das penas acessórias: Afigura-se-nos favorável à reintegração do arguido na sociedade, reeducação para o Direito e, bem assim, para prevenir a prática de novos crimes contra a mesma ofendida, a condenação do arguido na pena acessória de proibição de contato com a vítima, pelo período de 4 anos. A referida pena acessória de proibição de contacto com a ofendida inclui o afastamento da residência e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5, do artigo 152.º, do Código Penal, durante o tempo em que o arguido estiver em liberdade. (…)
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II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) Se a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, no cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, é excessiva;
Como vimos, veio o arguido apenas recorrer do recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância no cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, alegando ser esta excessiva.
Cumpre apreciar.
O arguido recorrente foi condenado, no âmbito do acórdão recorrido, pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 10.º, n.º 1 (primeira parte), 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1 e 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º 2, alínea a), n.ºs 4, 5 e 6, todos do Código Penal (em que é ofendida CC), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 5, do artigo 50.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 53.º e artigo 54.º, todos do Código Penal, condicionando-a a regime de prova, que contemple frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica e bem assim na PENA ACESSÓRIA de proibição de contacto com a vítima CC, pelo período de 4 (quatro) anos, o que inclui o afastamento da residência e do seu local de trabalho, sendo o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 152.º, do Código Penal, durante o tempo em que o arguido estiver em liberdade.
Argumenta o arguido recorrente que a aplicação da pena acessória de proibição de contactos fiscalizada através de meios técnicos é excessiva, porquanto deixou de contactar a ofendida desde .../.../2023, pelo que se não verifica o requisito da imprescindibilidade.
Desde logo, numa perspectiva de percepção do regime legal, vejamos como se encontra regulada a pena acessória de proibição de contactos [sendo que a apreciação da questão da aplicabilidade ou não da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância entronca nesta].
Os n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal estabelecem: «4- Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5- A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.»
Por sua vez, a Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro [entrada em vigor em 3 de Outubro, artigo 7.º], aditou ao regime da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro – que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas -, o artigo 34.º-B, que dispõe em matéria de suspensão da execução da pena de prisão: «Suspensão da execução da pena de prisão 1-A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio. 2-O disposto no número anterior sobre as medidas de proteção é aplicável aos menores, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal.»
Assim, com a Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, o que o Código Penal estabelece como pena acessória surge, também, configurado como imposição de regras de conduta para protecção da vítima no âmbito da pena (de substituição) de suspensão da execução da pena de prisão.
O regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime em causa, em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima.
Aliás, mesmo que não fosse no âmbito da pena acessória, sempre se impunha a subordinação da suspensão à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima, revestidas de real eficácia.
A pena acessória imposta surge como um adjuvante da pena principal, na realização das finalidades de prevenção especial, numa lógica de prevenção do conflito e de prevenção/intimidação que efectivamente proteja a vítima do risco de reincidência, como meio indispensável/imprescindível para a proteção dos seus direitos.
Concordamos, pois, com o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, sendo necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, a qual, como vimos, nem sequer é colocada em causa pelo recorrente.
Já quanto ao controlo por meios técnicos a situação é diferente, como analisaremos de seguida.
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Tendo-se decidido pela aplicabilidade, in casu, da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, cumpre, então, ora, apreciar da aplicabilidade ou não da fiscalização de tal pena, por recurso a meios técnicos de controlo à distância.
Importa ter presente o quadro legal em que se inscreve a questão da aplicação de meios electrónicos de fiscalização do cumprimento de penas acessórias aplicadas em contexto de violência doméstica (doravante designados por vigilância electrónica – cfr. art.º 1º da Lei nº 33/2010 de 02 de Setembro).
Da Lei nº 112/2009 de 16 de Setembro, com a redacção dada pela Lei nº 57/2021 de 16 de Agosto, vejam-se os arts. 35º e 36º:
«Artigo 35.º Meios técnicos de controlo à distância 1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 2 - O controlo à distância é efetuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados. 3 - O controlo à distância cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 6 do artigo 20.º 4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do agente. 5 - À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.º a 57.º do Código Penal e nos artigos 212.º e 282.º do Código de Processo Penal.»
«Artigo 36.º Consentimento 1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta. 2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. 3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto. 4 - Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento. 5 - As vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz. 6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo. 7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.»
Da Lei nº 33/2010 de 02 de setembro, na redacção dada pela Lei nº 94/2017 de 23 de Agosto, veja-se o seu art.º 1º:
«Âmbito A presente lei regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância, adiante designados por vigilância electrónica, para fiscalização: (…) e) Da aplicação das medidas e penas previstas no artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
E o seu art.º 7º: «Decisão 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 213.º do Código de Processo Penal, a utilização de meios de vigilância electrónica é decidida por despacho do juiz, a requerimento do Ministério Público ou do arguido, durante a fase do inquérito, e oficiosamente ou a requerimento do arguido ou condenado, depois do inquérito. 2 - O juiz solicita prévia informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou condenado, e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância electrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar. 3 - A decisão prevista no n.º 1 é sempre precedida de audição do Ministério Público, do arguido ou condenado. 4 - A decisão especifica os locais e os períodos de tempo em que a vigilância electrónica é exercida e o modo como é efetuada, levando em conta, nomeadamente, o tempo de permanência na habitação e as autorizações de ausência estabelecidas na decisão de aplicação da medida ou da pena. 5 - A decisão que fixa a vigilância electrónica pode determinar que os serviços de reinserção social, quando suspeitem que uma ocorrência anómala seja passível de colocar em risco a vítima ou o queixoso do procedimento criminal, os informem de imediato. 6 - A decisão é comunicada ao arguido ou condenado e seu defensor, aos serviços de reinserção social e, quando aplicável, ao estabelecimento prisional onde aqueles se encontrem, bem como aos órgãos de polícia criminal competentes, para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 8.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º»
E o seu art.º 26º: «Execução 1 - Para aplicação das medidas e penas referidas na alínea e) do artigo 1.º, a informação mencionada no n.º 2 do artigo 7.º da presente lei e no n.º 4 do artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, deve ainda atender à compatibilidade da condição pessoal, familiar, laboral ou social da vítima com as exigências da vigilância electrónica. 2 - À utilização de meios técnicos de controlo à distância para fiscalização das medidas de afastamento é aplicável o regime previsto no artigo 36.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. 3 - A execução da medida ou pena inicia-se quando instalados todos os meios de vigilância electrónica junto da vítima e do arguido ou condenado.»
Assim, a aplicação da vigilância electrónica encontra-se rodeada de uma série de pressupostos tendentes a garantir o efectivo cumprimento das medidas aplicadas sem esquecer, porém, mercê da necessidade de garantir o cumprimento de princípios com dignidade constitucional como sejam o do respeito pela dignidade da pessoa humana, o respeito pelos direitos fundamentais do condenado, da vítima e de terceiros que são afectados pela aplicação dessa vigilância.
Por isso, para além do mais, o legislador não prescindiu da exigência de que a decisão de aplicação da vigilância electrónica seja tomada por um juiz e mediante despacho fundamentado, recolhidas as informações que se impõem no caso concreto e ouvidos os sujeitos processuais.
A aplicação de tal vigilância, enquanto medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afectados, não é, assim, de aplicação automática, estando dependente, por um lado, de um juízo de imprescindibilidade face às necessidades de protecção da vítima e, por outro lado, do consentimento do condenado, da vítima e de terceiros por ela afectados, limitando o legislador a casos especiais, a possibilidade de o juiz dispensar o consentimento (imprescindibilidade para proteção dos direitos da vítima), mas sempre mediante decisão fundamentada (a envolver, necessariamente, um juízo de ponderação entre os interesses em conflito).
A utilização da vigilância electrónica, nos termos resultantes da conjugação dos preceitos legais acima transcritos não pode ser considerada como “regime regra”, muito menos surge como uma imposição (apesar de ser de assinalar na evolução legislativa a substituição do termo “pode” pelo termo “deve”), porquanto a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a protecção da vítima, conforme claramente resulta do texto do citado artigo 35º, n.º 1 da Lei nº112/2009, impede que assim possa ser considerada (vd.Ac.RG de 06/02/2017, proc. 201/16.06GBBCL.G1, Ac.RE de 20/02/2022, proc. 1117/20.0GBLLE e Ac.RG de 07/02/2022, proc. 540/20.5GAEPS.G1, Ac.RL de 07/12/2023, proc. 755/22.1PASNT.L1-9).
Importa, pois, apreciar se se encontram preenchidos, in casu, os referidos pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a vítima.
Do quadro legal acima exposto, resulta clarividente que a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios electrónicos deve constar da própria sentença.
Ora, como vimos, o Tribunal a quo, fundamenta a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contacto com a ofendida, com vigilância electrónica, dizendo apenas o seguinte: “Das penas acessórias: Afigura-se-nos favorável à reintegração do arguido na sociedade, reeducação para o Direito e, bem assim, para prevenir a prática de novos crimes contra a mesma ofendida, a condenação do arguido na pena acessória de proibição de contato com a vítima, pelo período de 4 anos. A referida pena acessória de proibição de contacto com a ofendida inclui o afastamento da residência e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5, do artigo 152.º, do Código Penal, durante o tempo em que o arguido estiver em liberdade.”
Verdadeiramente, o Tribunal a quo, sobre tal imprescindibilidade, nada diz, não se sabendo se perfilhando o entendimento de alguma jurisprudência que vem entendendo que tal é de aplicação automática (vd.Ac.RP de 17/01/2024, proc. 755/19.9PCMTS.P1, numa situação em que havia consentimento do arguido), porquanto a fundamentação apresentada o é relativamente à aplicação da medida de proibição de contactos.
No entanto, na senda do que vimos explanando, sendo necessária a fundamentação da sentença sobre a imprescindibilidade de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, o acórdão em crise não procede à exigida demonstração de que a vigilância electrónica se mostra imprescindível para a protecção da vítima.
Mas mais.
Por outro lado, ao arrepio do disposto nos artigos 7.º, n.º 2 da Lei n.º 33/2010 de 2 de Setembro e 35.º, n.º 4 da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, não foi solicitada a pertinente informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido e a sua compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica.
Por outro lado, compulsados os autos, constata-se que não foi levada a cabo, pelo Tribunal recorrido, qualquer diligência para obtenção do consentimento do arguido e da vítima, relativamente à fiscalização da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, mediante meios técnicos de controlo à distância, conforme o exige o artigo 36.º, nºs 1, 3, 4 e 5 da Lei 112/2009, de 16 de setembro.
Desde logo, quanto ao consentimento do condenado, não vemos, em nenhum momento da audiência – veja-se a acta da sessão de produção de prova e a da leitura do acórdão – que o mesmo tenha sido prestado, sendo que em relação à vítima esta esclareceu tão só que não pretendia que lhe fosse arbitrada indemnização oficiosamente.
Ora, como vimos, limita o legislador a casos especiais, a possibilidade de o juiz dispensar o consentimento (imprescindibilidade para proteção dos direitos da vítima), mas sempre mediante decisão fundamentada (a envolver, necessariamente, um juízo de ponderação entre os interesses em conflito), o que igualmente não vemos que tenha ocorrido, in casu.
Na ausência dessa fundamentação, elaborada em termos suficientes e cabais, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.
Sustenta o Ministério Público que a fundamentação do modo de execução da medida de proibição de contactos se deve retirar da fundamentação da manutenção das medidas de coacção que foram aplicadas ao arguido recorrente nos presentes autos.
Do acórdão recorrido, sobre tal resulta:
“Verifica-se que o arguido tem incorrido em diversas transgressões, como documentam os autos a fls. 288, 324, 350, 498, 549 e 608, pelo que, considerando a condenação de hoje, entendemos que o perigo de continuação da atividade criminosa, que levou à aplicação de tais medidas não só se mantém, como sai reforçado, razão pela qual, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 193.º, 196.º, 200.º, n.º 1, alíneas a) e d) e 204.º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal e artigo 31.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei 112/2009 de 16 de setembro, determino que o arguido continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito às mesmas medidas de coação, as quais terão o seu termo previsto para 27-04-2025, nos termos dos art.ºs 215.º, n.ºs 1, al. d) e 2, e 218.º, n.º 2 do CPP, ou para o dia em que transitar em julgado este acórdão, caso tal trânsito ocorra antes de 27-04-2025.”
Mas perscrutando os autos, pese embora as mencionadas transgressões, traduzidos em autos da DGRS, a verdade é que o tribunal nunca entendeu que as mesmas tinham tido o condão de traduzir qualquer manifestação latente de perigo para a vítima, tanto que aceitou a justificação dada pelo arguido, conforme resulta da acta de 15/07/2024: “Por se mostrar prematuro o agravamento das medidas de coação em vigor e aplicação de medida mais gravosa privativa da liberdade, em face das declarações aqui prestadas pelo arguido AA e da justificação por si dada que se prende com motivos de ordem laboral”.
E dos referidos relatórios, pese embora a violação do espaço delimitativo em que o arguido poderia circular, não há registo que o mesmo tenha tido qualquer contacto com a ofendida, conforme resulta do relatório de execução de 12/03/2024 (ref.ª14955140), que refere expressamente “Em contacto com a vitima, a mesma refere não ter voltado a ser importunada pelo arguido, a partir do momento em que foram aplicados os dispositivos de controlo”.
Para além disso, importa não confundir medidas de coacção com penas acessórias, por mais que a sua execução seja similar, porquanto os pressupostos e os fins visados são diversos, pelo que a fundamentação de um não é passível de suprir a falta de fundamentação do outro.
Sem prejuízo de se constatar tal omissão na fundamentação da decisão recorrida, afigura-se que os elementos existentes nos autos indicam não estar verificada a aludida imprescindibilidade, estando este Tribunal de recurso em condições de apreciar em substância o mérito do recurso.
Senão vejamos:
Dos factos provados vem descrita uma conduta violenta do arguido, determinada geralmente por ciúmes, concretizada em agressões físicas, injúrias e ameaças, condutas essas levadas a cabo, em regra, no interior da residência de ambos e na presença do filho menor, no período entre o ano de 2013 e 2023.
No entanto, não resultaram provados quaisquer factos a partir do momento em que o arguido foi ouvido em 1º interrogatório judicial e lhes foram aplicadas as medidas de coacção dos autos.
A ficha de avaliação de risco prevista no art.34º-A da Lei 112/2009 de 16 de Setembro aponta para um nível “médio”, não sendo ali descrito comportamentos do arguido que indiciem uma tentativa de importunar a vítima.
O Tribunal a quo tendo em conta os mencionados elementos efetuou um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido aquando da fundamentação da sua decisão de substituir a pena de prisão por pena de prisão suspensa, concretamente, afirmando que: “Considerando o comportamento do arguido anterior e posterior aos factos – não registando quaisquer condenação criminal –, a sua integração social, laboral e familiar, no que respeita às necessidades de prevenção especial, importa emitir um sério aviso para obviar que estes factos jamais se venham a repetir, colocando sob a sua pessoa uma ameaça, de modo sério, que o motive a levar a cabo, com sucesso, o seu processo de inserção social em liberdade para tal reforçando a sua vontade em não delinquir.
No sentido de que a ameaça de prisão efetiva é suficiente, temos em conta que arguido saiu da casa de morada de família para dar melhores condições aos filhos, mas não deixou de, com o rendimento do seu trabalho, continuar a suportar as prestações do empréstimo bancário contraído para a aquisição do apartamento, continuando, igualmente, a contribuir para alimentação e demais despesas com a educação dos filhos.
Desta forma não se colocará em risco nenhuma das finalidades da pena, que têm de ser efetivamente asseguradas, sem comprometer o êxito do processo de ressocialização do arguido, pelo contrário, visando assegurá-lo plenamente.
Através da ameaça da execução da pena de prisão, o arguido reforçará a sua vontade e evitará o cometimento de novos factos semelhantes, assim se afastando, definitivamente, da prática de futuros ilícitos destas ou outras naturezas.”
Face a todos estes elementos, não resultam circunstâncias concretas que apontem no sentido de a proteção dos direitos da vítima reclamarem a implementação de vigilância eletrónica.
Pelo exposto, sem prejuízo de se mostrar inteiramente adequada a imposição da pena acessória de proibição de contacto, não se deve manter a imposição ao arguido dos meios eletrónicos para fiscalização do cumprimento da pena acessória, pelo que, o recurso deverá ser procedente.
»
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso do recorrente AA, e em consequência:
- revoga-se o acórdão recorrido na parte em que determinou a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos do arguido com a vítima por meios técnicos de controlo à distância.
Sem tributação (artigo 513º, n.º 1 do CPP, a contrario)
Notifique nos termos legais.
»
Lisboa, 6 de Maio de 2025 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art.º 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Sandra Oliveira Pinto
Ana Cristina Cardoso
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.