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PRISÃO PREVENTIVA
PROPORCIONALIDADE
ADEQUAÇÃO
NECESSIDADE
Sumário
A prisão preventiva é aplicável quando, estando fortemente indiciada a prática de algum dos crimes enumerados no artigo 202.º do Código de Processo Penal, se verifique algum dos perigos previstos no artigo 204.º do mesmo diploma, tendo sempre presente os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. Sendo a prisão preventiva a medida de coação mais gravosa, por implicar a total restrição da liberdade individual, tem natureza subsidiária e excecional, o que significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Nos autos de Inquérito n.º 1942/24.3PFAMD, na sequência do primeiro interrogatório de arguido detido, por despacho de 24 de janeiro de 2025, a M.ª Juíza de Instrução determinou que o recorrente, AA, por se encontrar indiciado pela prática de um crime de roubo agravado, em coautoria material, na forma consumada, pp. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea f) do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física qualificada, em autoria material, na forma consumada, pp. pelos artigos 143.º e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h) do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, em autoria material, na forma consumada, pp. pelos artigo 86.º, n.º 1, alínea d) e 3.º, n.º 2 alínea e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva e proibição de contactos com a vítima.
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Inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, pretendendo a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que aplique uma medida de coação menos gravosa.
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões que se transcrevem: “1. Do interrogatório do arguido resulta que fosse ordenada a aplicação da medidade coacção mais grave, prisão preventiva, com a qual não se conforme e recorre aV. Exia; 2. O arguido não é nenhum criminoso e, muito menos sem recuperação, 3. È um jovem de 19 anos sem qualquer antecedente criminal, 4. A liberdade é a regra, em todos os tipos de crimes, logo também nos dos autos, sob pena de por via da prática se ressuscitarem os crimes incaucionáveis que, em boa hora foram abolidos; 5. O despacho ora recorrido e posto em causa, ao manter o arguido a medida de prisão-preventiva faz incorrecta interpretação dos factos e das normas e princípios que regem os nosso Ordenamento Penal, pois interpreta A NORMA DO ARTº 209 DO CPP, DE FORMA A OBRIGAR A PRISÃO DO ORA ARGUIDO, quando a devia interpretar no sentido de ser sempre excepcional, dado o art.º 193 do CPP; 6. Aliás, o Princípio Constitucional de "inocência que a Medida de coacção de prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada ou forçar os arguidos a falarem, só podendo ser excepcionalmente aplicada, quando tal se justifique e seja adequado e proporcional ao comportamento do arguido e desde que não lhe possa ser aplicada outra medida favorável. 7. Ou seja, tal medida de prisão preventiva, só é legalmente admissível e como uma ultima ratio, dado o seu carácter excepcional, desde que se verifiquem os requisitos e pressupostos dos artigos 28º, nº 2 e 32º, nº 2 da CRP e, 202º e 204º do CPP; B. Igualmente se contesta o douto despacho aqui posto em crise, pelo facto de não fundamentar a existência dos pressupostos do art.º 204 do CPP, sendo certo que, no nosso modesto entendimento, não se verificam; 9. Inexiste qualquer perigo de perturbação do inquérito conforme alegado no Douto despacho aqui posto em crise, a não serem meras presunções ao afirmar no mesmo para justificar esse receio, quando na verdade o mesmo se quisesse poderia ter esse comportamento estando preso (conforme resulta do Douto Despacho) só que este receio está prejudicado à partida, bem como esse receio é infundado e não suportado em qualquer meio de prova em relação ao arguido nem mais em nenhum elemento, sendo certo que tais pressupostos se não verificam no caso vertente, como se fosse legítimo prender preventivamente para salvaguardar a prova que ainda procuram alcançar ... nomeadamente a detenção dos outros dois co-autores; 10. Com efeito, a douta promoção do MP não imputa ao arguido os factos concretos que correspondem á incriminação pelo crime de que vem indiciado, a não ser presunções fundadas no depoimento do Ofendido e na apreensão de uma faca que NADA tem a ver com os autos; 11. Ora, a prova indiciária é incerta e não se descortina nenhum façto de relevo que diga que foi o arguido quem utilizou uma faca, a não ser as declarações do Ofendido, que se respeita mas não são ainda conclusivas com o grau da sua participação; 12. Nada mais de indiciário, se comprovou, ou se alegou, não passando tudo de presunções de comportamentos; 13. Mesmo mantendo os indícios, o que é injusto, deveria o arguido ser restituído à liberdade, dados os factos dos autos, à dúvida que nos tem que assolar face aos argumentos invocados no articulado ou quanto muito ser sujeito à medida prevista nos artigo196º, 197º, 198º ou mesmo ainda a sujeição a OPHVE, para assim poder estar junto da sua família e os ajudar, como seria justo e prudente; 14. Acresce que, no nosso modesto entendimento, o Douto despacho, não averiguou da justeza das razoes aduzidas pelo arguido e deu ao art.º 209 do CPP uma interpretação que raia a inconstitucionalidade; 15. Por isso, a manutenção da prisão do Requerente atenta contra o seu direito fundamental a liberdade e contra os seus direitos e sentimentos de Justiça; 16. Bem como, com a privação da sua liberdade, ainda que preventivamente, sofrera prejuízos irreparáveis dado a sua tenra idade e o seu CRC; 17. Pelo que antecede, violados foram os artigos 32º 2, 27º 2 e 28º 2 da CRP, bem como os artigos 191º a 193º, 204º, 209º e 213º do CPP; 18. Face a situação pessoal do arguido, á manifesta falta de indícios seguros do grau da sua participação no roubo em causa, a não verificação dos requisitos e pressupostos constitucionais e legais enumerados, deve o arguido apenas ser sujeito a apresentações periódicas, com proibição e/ou imposição de condutas previstas nos artigos 198º e 200º do CPP respectivamente e, ser posto em liberdade, imediatamente, assim ficando a aguardar os ulteriores tramites do processo; 19. Em alternativa e, quando assim não se entenda, ser-lhe aplicada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação prevista no art.º 201 do CPP. Nestes termos e, nos demais de direito, requer-se a V." Exias que; A) seja admitido o presente recurso e que, B) Verificados que sejam os pontos elencados, seja proferida decisão no sentido de que o ora requerente seja restituído à liberdade e, permitido que aguardasse os ulteriores trâmites processuais numa situação de liberdade ou, em última instância sujeito a vigilância electrónica através de OPHVE, o que se requer a V.Exias”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e sem efeito suspensivo.
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O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões(transcrição): “1. Resulta dos autos, a existência de indícios suficientes e fortes da prática pelo arguido AA de 1 (um) crime de roubo agravado, em co-autoria material, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º n.º 1 e n.º 2 al. b) por referência ao artigo 204.º, n.º 1 al. b) n.º 2 al. f) do Código Penal, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, em autoriamaterial na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 143.º e 145º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea h) do Código Penal e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, em autoria material na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 al. d) e 3.º, n.º 2 al. e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. 2. Tal sustentação advém dos elementos probatórios já carreados para os autos,nomeadamente do reconhecimento pessoal por parte do ofendido e da inquirição onde relata de modo credível a forma como os factos ocorreram. 3. O Tribunal a quo não sustentou a aplicação da medida de coacção com “presunções de comportamentos”, sendo que a participação do arguido nos factos encontra-se cabalmente descrita pelo ofendido, descrição esta que mereceu, e bem, credibilidade por parte do Tribunal. 4. Em momento algum se refere nos factos imputados ao arguido que a faca apreendida tenha sido utilizada no cometimento dos ilícitos imputados ao arguido, prova essa que terá ainda de ser produzida, porém integra, de forma autónoma, a prática de crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 al. d) e 3.º, n.º 2 al. e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. 5. O arguido é co-autor do crime de roubo imputado, tendo “o domínio do facto” ea sua actuação constituiu elemento componente do conjunto da acção e revelou-se essencial à produção daquele resultado acordado – da subtracção dos objectos por meio de ameaça e violência e da prática de ofensas corporais ao ofendido. 6. Por sua vez, quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 143.º e 145º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea h) do Código Penal, o arguido praticou-oem autoria material e a sua actuação encontra-se cabalmente relatada pelo ofendido. 7. O princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no art.º 32º nº 2 da Constituição não pode servir de argumento para fundamentar a substituição ou a revogação da prisão preventiva. O mesmo é tido em conta através da observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. 8. No que se refere aos perigos que sustentaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, o douto despacho está fundamentado e motivado com base nos elementos constantes dos autos, não merecendo qualquer censura, sustentando sobretudo, o perigo de continuação da actividade criminosa, de perigo relativo ao alarme social e de perturbação do inquérito e da conservação da provae perigo de fuga, fundamentos aos quais, também, se adere e que não oferecem demais considerações. 9. O Tribunal a quo ponderou e fundamentou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva com base nos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, tal como exigido pelo artigo 193.º do Código de Processo Penal. 10. O Recorrente pugna pela alteração da medida de coacção sujeitando o arguido ao cumprimente de medida de coacção de obrigação de permanência na habitação através de vigilância electrónica, porém, face aos elementos constantes dos autos, considera o Ministério Público que não existe qualquer outra medida de coacção que possa dar resposta adequada em sede de prevenção geral à necessidade de tranquilizar a sociedade, ou mesmo de prevenção especial, considerando que o modo como os factos ocorreram não deixam de dar nota de uma personalidade algo avessa ao direito por parte do arguido. 11. Se é certo que a detenção no domicílio, mormente controlada através de vigilância electrónica, permitirá, objectivamente, limitar a liberdade de locomoção do visado em termos similares à detenção em meio prisional, o certo é que, no caso vertente, o ora Recorrente não detém uma estrutura familiar sólida e colaborante capaz de o convencer a não prevaricar, que endosse ao Tribunal níveis de confiança relativamente ao “normal” acatamento da medida por si preconizada. 12. A gravidade dos factos e o associado modo de execução, dando nota da indiciada existência de uma planificação prévia e em contexto grupal, remete para a existência de elevadas preocupações em sede de prevenção geral, na aludida vertente de dar a resposta adequada a tranquilizar a sociedade de uma forma credível, aspecto que a obrigação de permanência na habitação, mesmo que com vigilância electrónica, não tem o condão de alcançar. 13. Nenhuma outra medida de coacção, mormente a aludida obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, se afigura suficiente para acautelar os perigos verificados no caso concreto, os quais apenas ficam afastados com a manutenção da decisão que aplicou ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva. Pelo exposto e pelos fundamentos constantes da decisão recorrida, aos quais se adere, deve a mesma ser confirmada e negar-se provimento ao recurso apresentado por AA, assim se fazendo Justiça”.
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Remetido o processo a este Tribunal, o Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, aderindo à resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na 1.ª Instância.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente a conferência, por o recurso dever ser aí decidido.
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II. Questões a decidir:
Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jusrisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, no caso em análise temos de decidir se existem fortes indícios da prática dos crimes imputados ao arguido e, em caso afirmativo, se a prisão preventiva é a medida coação adequada ou deve ser substituída por outra menos gravosa.
** III. Com vista à apreciação das questões suscitada, importa ter presente o seguinte teor da decisão proferida: “Julgo válida a detenção do arguido, efectuada em cumprimento de mandados emitidos pela autoridade judiciária e tempestiva a sua apresentação em juízo, – artigos 254.º n.º 1 al. a) e 257º, nº 1 todos do CPP. Indiciam fortemente os autos a prática pelo arguido dos factos narrados no despacho de apresentação, que aqui se dão por reproduzidos, por razões de economia e celeridade processuais, aduzindo-se os meios de prova aí e supra referidos e o respectivo CRC. Mais se indicia que: - O arguido não averba condenações anteriores no seu CRC. - Completou o 7º ano de escolaridade. - No corrente ano lectivo não ingressou em estabelecimento escolar em virtude de não ter encontrado solução que o integrasse por ter completado 18 anos de idade. - O arguido não pretende ingressar o ensino nocturno. - Vive com a sua avó, companheiro da avó, tia e 2 primas. - Desde o seu nascimento foi cuidado e educado por sua avó, a quem considera não dever acatar as suas determinações ou conselhos. - O seu pai vive em .... - A sua mãe vive em .... - O arguido não mantém relacionamento com seus progenitores, tendo sido frustradas as tentativas nesse sentido. Ficou por indiciar que o arguido iria iniciar actividade laboral nas … de seu Bairro dentro de 2 a 3 dias. Praticou, assim, o arguido, em concurso efectivo, pelo arguido AA 1 (um) crime de roubo agravado, em co-autoria material, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º n.º 1 e n.º 2 al. b) por referência ao artigo 204.º, n.º 1 al. b) n.º 2 al. f) do Código Penal; de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, em autoria material na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 143.º e 145º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea h) do Código Penal e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, em autoria material na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 al d) e 3.º, n.º 2 al. e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. * -No presente Interrogatório Judicial o arguido optou por não prestar declarações. Fez uso do seu direito, o que não o prejudicará, igualmente não sendo beneficiado. Declarou as suas condições socioeconómicas, assim o Tribunal as tendo considerado. Apenas não considerou que o arguido iria iniciar actividade laboral em 2 ou 3 dias, no Bairro onde reside, limpando as ruas, por a alegação deste facto pelo arguido se mostrar sem qualquer verosimilhança. Ademais, questionado por seu Distinto Defensor, caso não ficasse em prisão preventiva na presente data, certamente a sua avó o iria mandar trabalhar e orientar a sua vida nesse sentido, respondeu o arguido que “a minha avó não me vai mandar”, claramente demonstrando em juízo que à mesma, não obstante, desde o nascimento do arguido do mesmo ter cuidado e educado, certamente na medida dos seus recursos financeiros, pessoais e intelectuais, pelo arguido não lhe é reconhecida autoridade ou sequer dever seguir os seus conselhos para seguir outro rumo na vida. O acervo probatório indiciário compilado nos autos é de molde a considerar fortemente indiciados os factos cometidos pelo arguido. Não assomam dúvidas ao Tribunal de que o arguido cometeu os factos e os crimes imputados. O ofendido narrou com detalhe os factos de que foi vítima, bem como identificou o papel desempenhado designadamente pelo arguido, o que reiterou no acto de reconhecimento pessoal do arguido. Ao arguido foram apreendidos objectos (indumentária utilizada) relacionados com a prática dos factos, ainda que se venha a concluir que a arma branca apreendida não tenha sido aquela utilizada nos factos, o que não afasta o cometimento, também, deste crime de detenção de arma proibida. O ofendido esclareceu, sem dúvidas, ter sido este arguido, AA, quem lhe desferiu as facadas determinantes das lesões documentadas clinicamente, referindo mesmo que lhe foram infligidas após os factos integradores do crime de roubo e terem os seus autores visualizado algo no seu telemóvel que assim os fez reagir, agredindo-o com socos e pontapés por todo o corpo, aduzindo o arguido AA os golpes de faca em cada perna. Os fotogramas/imagens demonstram a pessoa do arguido e a indumentária que envergava na data dos factos, vindo parte desta a ser apreendida em busca domiciliária. A transcrição de mensagens, de fls. 13, trocadas entre o arguido, fazendo uso do perfil de instagram do ofendido que se mantinha aberto no telemóvel apropriado, e a irmã do ofendido. O reconhecimento presencial pessoal sem que dúvidas assomassem ao ofendido na identificação/reconhecimento do arguido. O exame à arma branca apreendida ao arguido. A documentação relativa ao NUIPC 33/24.1 PHAMD. Estes factos são reveladores de sentimento de impunidade e de crueldade gratuita, mesmo desnecessária para a apropriação que pretendiam do telemóvel da vítima. O arguido tem 18 anos e apenas completou o 7º ano de escolaridade, mantendo-se desocupado, verbalizando mesmo que não pretende integrar o ensino nocturno, como sua avó não lhe dá determinações. Praticou os factos acompanhado de mais dois jovens, em contexto grupal, reduzindo a capacidade da vítima entabular qualquer defesa ou de sequer fugir. O arguido certamente tornará a praticar factos desta natureza, seja para obtenção de objectos ou quantias que lhe interessem, já que não há notícia de que trabalhe e certamente não estuda, posto que com 18 anos afirmou ter completado o 7º ano de escolaridade, não querendo integrar o ensino nocturno e não demonstrando projecto de vida algum, sequer se crendo na alegada para breve actividade profissional, seja como modo de afirmação e garante de posição no contexto grupal. Não se pode deixar de valorar a fundada suspeita que já recai sobre o arguido no processo nº 33/24.1 PHAMD da prática de factos da mesma natureza, revelador de certa tendência para este tipo de criminalidade. O contexto familiar em que reside, aliás como o próprio verbalizou, não reconhecendo a sua avó autoridade, certamente não será minimamente contentor deste tipo de comportamentos, igualmente não sendo enérgico o suficiente no sentido de ocupar o arguido, estudando ou trabalhando, ou, ao menos, aquietando-se em actividades lícitas com outros jovens. Tendo completado os 18 anos de idade, certamente neste “argumento” se suportará para considerar ser “adulto” e não dever acatamento a quem o alimenta e educa. Por outro lado, também a ordem e a tranquilidade públicas serão colocadas em perigo sem adequado estatuto coactivo aplicado ao arguido, não se permitindo que o arguido demonstre à sociedade impunidade judicial. Igualmente importa salvaguardar os perigos de fuga e de aquisição, conservação e veracidade da prova. O arguido tem o seu pai em ..., para onde, face à pena de prisão que certamente enfrentará, poderá lobrigar ausentar-se, para junto deste. Não se pode deixar de reconhecer, em todo o caso, serem menos exigentes as cautelas relativas a este perigo, uma vez que o arguido referiu, sendo credível neste aspecto, não manter relacionamento com seu pai, mas sempre se dirá que, face à sua possível reclusão, o receberia para não ter um filho preso (preventivamente ou em cumprimento de pena de prisão efectiva). Ademais, o perigo para aquisição, conservação e veracidade da prova, estando ainda por constituir como arguidos e ser reconhecidos outros dois co-autores dos factos, interessa que a prova a compilar nestes autos o seja com segurança processual e serenidade para o ofendido. Os factos praticados assumem muito elevada gravidade. Para além do prejuízo causado ao nível patrimonial, o ofendido foi atingido na sua integridade física e moral, com gravidade. Assim, Concordamos com o teor da douta promoção que antecede, no elencar dos perigos a salvaguardar, bem como no estatuto coactivo que os acautelará. Em verdade, o arguido não mantém modo de vida adequado, sequer laborando para se sustentar, reunindo condições físicas para tanto. Ora, olhando à energia criminosa do arguido, mostra-se evidente que a OPHVE é manifestamente desadequada, uma vez que o arguido não se quedará em habitação, já que, como se vem dizendo, o seu agregado familiar manifestamente não consegue conter o arguido ou mantê-lo ocupado em actividades lícitas, pelo que apenas a prisão preventiva salvaguardará tais perigos. Nesta conformidade e nos termos dos artigos 191º a 194º, 196º, 200º, nº 1, al. d) e 202º, nº 1, als. a), b) e e), por referência ao artº 1º, al. j), e 204º, nº 1, als. a) a c) do C.P.P., o arguido, para além das obrigações que decorrem do TIR prestado, aguardará os ulteriores termos processuais na situação de prisão preventiva, bem como proibido de contactos com a vítima. Notifique e cumpra o artº 194º, nº 10 do C.P.P.. Emita mandados de condução ao E.P.. Comunique ao TEP e à DGSP. Comunique à vítima. Devolva os autos ao DIAP”.
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São os seguintes os factos considerados fortemente indiciados: “1. No dia ... de ... de 2024, cerca das 15h20, o ofendido BB entrou no autocarro n.º .... 2. Nesse referido autocarro entraram, igualmente, o arguido AA, munido de uma faca dotada de lâmina corto-contundente de características não concretamente apuradas, e três indivíduos cuja identidade não se encontra concretamente apurada. 3. Ao chegar à ..., junto ao n.º ..., no interior do sobredito autocarro n.º ..., o ofendido BB foi abordado pelo arguido AA e dois indivíduos cuja identidade não se encontra concretamente apurada, de pleno acordo e em conjugação de esforços e actuação, que se sentaram perto de si e o questionaram onde residia. 4. Nessas circunstâncias, um dos indivíduos não concretamente identificado que acompanhava o arguido AA, os quais se encontravam todos em conjugação de esforços, retirou ao ofendido, sem o seu consentimento, a mochila que tinha junto a si e após, o arguido AA e demais indivíduos não identificados, ordenaram ao ofendido que saísse na próxima paragem, junto à ... com a ..., tendo este acatado a ordem. 5. Desse modo, o ofendido acompanhou o arguido e os suspeitos, apeados, dirigindo-se para o interior do .... 6. Ali chegados, um dos suspeitos cuja identidade não se encontra apurada, abriu a mochila do ofendido, verificando o que continha no seu interior, enquanto o arguido AA e outro indivíduo adoptaram uma posição de vigilância. 7. Nessas circunstâncias, o arguido AA e outro indivíduo exigiram, ainda, ao ofendido, a entrega de um telemóvel, da marca …, modelo … que trazia na mão e os códigos para aceder ao dispositivo electrónico. 8. O ofendido, temendo pela sua vida e integridade física acatou a ordem e procedeu à entrega ao arguido e suspeitos do telemóvel e respectivos códigos. 9. O valor do referido telemóvel ascende a cerca de € 150,00 (cento e cinquenta euros). 10. Após, por motivos não concretamente apurados, o suspeito AA e demais indivíduos, em conjugação de esforços, agrediram o ofendido desferindo-lhe um número não concretamente apurado de socos e pontapés em todo o seu corpo, causando hematomas e escoriações, bem como a sua queda ao chão. 11. Já com o ofendido no chão, o arguido AA desferiu-lhe dois golpes com a faca dotada de lâmina corto-contundente, em cada perna, causando feridas e dores. 12. Após, surgiu uma transeunte no local e, nessa sequência, o arguido e os suspeitos cessaram as agressões, ausentando-se do local, na posse do telemóvel que retiraram ao ofendido contra a sua vontade e sem o seu consentimento, fazendo o mesmo seu e integrando-o no seu património. 13. Em virtude dos factos descritos, o ofendido recebeu tratamento hospitalar, apresentando feridas ao nível das coxas, hematoma peri-orbitario. 14. Na sequência de buscas domiciliárias autorizadas por despacho judicial e realizadas a 23-01-2025, o arguido detinha na sua posse uma faca de abertura automática, comprimento total de 24,5cm e comprimento de lâmina de 10,5cm, composta por um cabo ou empunhadura que encerra uma lâmina cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão ou outro sistema equivalente. 15. Ao agir da forma supra descrita, o arguido AA e demais indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, em conjugação de esforços, sabia que o objecto subtraído acima descrito não lhes pertencia e que ao exibir uma faca ao ofendido e exercer sobre o mesmo, força física e ameaça com força física, com superioridade numérica, este ficaria, como ficou, com menor capacidade de resistir, o que facilitaria a retirada dos referidos objectos, contra a vontade do proprietário, bem sabendo que praticava os factos no interior de transporte colectivo de passageiros, o que quis e conseguiu. 16. Mais sabia que, ao agir da forma descrita, exibindo força e postura intimidatória através de superioridade numérica para retirar os objectos que BB trazia, aquele ficaria em posição de não reagir e que facilitaria a retirada de tais objcetos, o que representou, concretizou e quis. 17. Para satisfazer os seus intentos, o arguido, em conjugação de esforços e de acordo com um plano previamente delineado com os demais indivíduos, não se absteve de recorrer ao uso de violência e de ameaça com perigo iminente para a vida, bem sabendo que ao exibir ao ofendido a faca que trazia consigo e/ou ameaçar com seu uso, e ao fazer pressão psicológica com superioridade numérica de membros, lhe causava medo pela sua integridade física e pela sua vida, o que quis e fez, consciente que tal conduta era apta a impedi-lo de oferecer resistência aos seus intentos e que tal conduta era idónea a constrangê-lo e facilitar a retirada dos referidos objectos, contra a vontade do seu dono, o que representou, concretizou e quis. 18. O arguido AA visou ainda e conseguiu, ofender o corpo e a dignidade do ofendido, causando-lhe dores e sofrimento, molestando o seu corpo e saúde, com recurso a meio particularmente perigoso, o que bem sabia, logrou e quis. 19. O arguido AA, bem sabendo que não lhe era permitida a posse ou detenção de tal faca de abertura automática, nas condições em que a detinha, e conhecendo as características da mesma, ainda assim, não se absteve de a deter, o que logrou e quis. 20. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal”. **
IV. Apreciação do recurso
Iva) Da forte indiciação dos factos
Alega o recorrente que “a prova indiciária é incerta e não se descortina nenhum façto de relevo que diga que foi o arguido quem utilizou uma faca, a não ser as declarações do Ofendido, que se respeita mas não são ainda conclusivas com o grau da sua participação”.
Lido o recurso apresentado, verificamos que o recorrente não coloca em causa a ocorrência dos factos nem a sua qualificação jurídica, mas entende que a prova é insuficiente para se concluir que foi o arguido quem utilizou a faca e que agrediu o ofendido.
A este propósito ficou consignado na decisão recorrida: “O ofendido narrou com detalhe os factos de que foi vítima, bem como identificou o papel desempenhado designadamente pelo arguido, o que reiterou no acto de reconhecimento pessoal do arguido. Ao arguido foram apreendidos objectos (indumentária utilizada) relacionados com a prática dos factos, ainda que se venha a concluir que a arma branca apreendida não tenha sido aquela utilizada nos factos, o que não afasta o cometimento, também, deste crime de detenção de arma proibida. O ofendido esclareceu, sem dúvidas, ter sido este arguido, AA, quem lhe desferiu as facadas determinantes das lesões documentadas clinicamente, referindo mesmo que lhe foram infligidas após os factos integradores do crime de roubo e terem os seus autores visualizado algo no seu telemóvel que assim os fez reagir, agredindo-o com socos e pontapés por todo o corpo, aduzindo o arguido AA os golpes de faca em cada perna. Os fotogramas/imagens demonstram a pessoa do arguido e a indumentária que envergava na data dos factos, vindo parte desta a ser apreendida em busca domiciliária. A transcrição de mensagens, de fls. 13, trocadas entre o arguido, fazendo uso do perfil de instagram do ofendido que se mantinha aberto no telemóvel apropriado, e a irmã do ofendido. O reconhecimento presencial pessoal sem que dúvidas assomassem ao ofendido na identificação/reconhecimento do arguido”.
Ora, para a decisão da questão em análise, importa lembrar que o arguido optou por não prestar declarações, o que significa que só existe uma versão dos factos, a trazida pelo ofendido, sendo certo também que não há qualquer motivo que nos leve a duvidar do que por ele foi relatado.
O ofendido não teve qualquer dúvida em identificar o arguido como autor dos factos, fez o seu reconhecimento, parte da roupa utilizada no momento da agressão foi apreendida na busca domiciliária e, como referimos, não existe qualquer versão dos factos contrária à relatada pelo ofendido. Mesmo que a faca apreendida não seja a utilizada na agressão, os demais elementos probatórios são já suficientes para imputar indiciariamente os factos ao arguido.
Mesmo que o arguido negasse a prática dos factos, o que não fez, sempre o tribunal poderia concluir que a versão do ofendido era a mais credível. Nada obsta a que o tribunal acredite num testemunho em detrimento de outro, desde que o fundamente convenientemente.
Como se escreve no sumário Ac. RE de 18.04.20232: “I. É errada a ideia de haver uma espécie de paridade aritmética entre o depoimento de uma testemunha (da vítima) e as declarações do arguido, de tal forma que se um diz A e outro diz B, não há prova! Desde logo porque as declarações não se equivalem. Não se encontrando a prova e, processo penal espartilhada em tal aritmética. II. Desde logo, as testemunhas estão obrigadas a depor e a dizer a verdade (artigo 132.º CPP); mas o arguido, sendo presumivelmente inocente, tem o direito de não declarar e de não responder a quaisquer perguntas, sem que isso o possa desfavorecer (artigos 61.º, § 1.º, al. d) e 343.º CPP e 150.º CPC), III. O que deveras releva em matéria de processo penal é a apreciação e valoração da prova (de todas as provas) feita livremente pelos membros do tribunal (pelos juízes), segundo as regras da lógica e das máximas da experiência comum (id quod plerumque accidit), como pressupõe o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal”.
Diremos, ainda, que é irrelevante que ainda não se saiba quem são os demais participantes dos factos, pois esta circunstância, como é evidente, não afasta a responsabilidade penal do arguido.
Posto isto, andou bem o Tribunal a quo quando decidiu que os factos constantes do requerimento do Ministério Público estavam fortemente indiciados e a participação do arguido nos mesmos.
Não há, consequentemente, qualquer reparo a fazer a este propósito à decisão recorrida.
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IVb) A questão da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de coação imposta.
O recorrente não colocou em causa os factos que se consideraram fortemente indiciados e a qualificação jurídica dos mesmos, contestando apenas que tenha sido ele a utilizar e a desferir os golpes com a faca no corpo do ofendido, o que não foi, e bem, como vimos, atendido no despacho recorrido.
Defende o arguido que a medida de coação imposta não é a adequada às exigências cautelares que o caso reclama, pugnando pela aplicação de outras medidas menos gravosas, como a obrigação de apresentação periódica, a proibição e imposição de condições ou, não sendo estas suficientes, a obrigação de permanência na habitação.
A aplicação de medidas de coação implica sempre restrições ao direito à liberdade, direito fundamental com tutela constitucional, estando por isso submetidas ao princípio da tipicidade e devendo conter-se, de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 18.º da CRP3, dentro dos limites necessários à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Por isso, e ao contrário do que defende o recorrente, as medidas de coação, com especial enfoque nas privativas da liberdade, não contendem com o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da C.R.P., sendo certo também que não podem constituir uma antecipação da pena e têm sempre natureza excecional e de ultima ratio, obedecendo estritamente aos requisitos fixados na lei.
Nos termos do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, todos têm direito à liberdade e à segurança, de harmonia com a consagração do direito à liberdade individual como um direito fundamental.
O direito fundamental a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é, porém, um direito absoluto e as medidas de coação são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias4.
Em consonância com o referido preceito constitucional, o n.º 1 do artigo 191.º do Código de Processo Penal estabelece os princípios da legalidade e tipicidade das medidas de coação e de garantia patrimonial, consignando que: “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”.
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 193.º do Código de Processo Penal estabelece que: “As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”.
O princípio da adequação exige a aplicação da medida de coação que melhor acautele as exigências cautelares que o caso reclama, que ocorra uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar e a concreta medida de coação imposta ou a impor.
O princípio da necessidade assegura que só aquela medida assegura a prossecução das exigências cautelares do caso, o que obriga à escolha da medida de coação menos onerosa para o agente de entre aquelas que sejam adequadas.
O princípio da proporcionalidade assenta num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida. Esta deverá manter uma relação direta com a gravidade do crime e com a sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos.
Foi aplicada ao arguido a medida de coação mais gravosa: a prisão preventiva.
A prisão preventiva está sujeita a critérios de estrita legalidade, prevista como uma das exceções ao princípio enunciado no n.º 2 do artigo 27.º da CRP5.
A sua natureza excecional e subsidiária encontra-se expressamente afirmada no n.º 2 do artigo 28.º da CRP, nos termos do qual “a prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”
A prisão preventiva é aplicável quando, estando fortemente indiciada a prática de algum dos crimes enumerados no artigo 202.º do Código de Processo Penal, se verifique algum dos perigos previstos no artigo 204.º do mesmo diploma, tendo sempre presente os princípios enunciados: proporcionalidade, adequação e necessidade. Sendo a medida de coação mais gravosa, por implicar a total restrição da liberdade individual, tem natureza subsidiária e excecional, o que significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira.
A prisão preventiva, nos termos do artigo 202.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, só pode ser imposta se existirem de fortes indícios da prática de crime; que o crime indiciado seja doloso; que o crime indiciado corresponda a criminalidade violenta ou seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos.
No artigo 204.º do Código de Processo Penal são elencadas as exigências cautelares que justificam a aplicação de medidas de coação: “Nenhuma medida de coação, à exceção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”.
Estes são pressupostos legais de carácter geral aplicáveis a qualquer outra medida de coação diferente do TIR, referem-se à verificação de algum ou algum dos perigos enumerados nas alíneas a) a c) do artigo 204.º do Código de Processo Penal. Basta a ocorrência de um destas circunstâncias para que se possa aplicar uma medida de coação, o mesmo é dizer que não são de verificação cumulativa.
Feitas estas considerações de carácter geral, importa analisar a situação concreta do recorrente.
Os factos fortemente indiciados integram a prática de um crime de roubo agravado, pp. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea f) do Código Penal, que é punido com pena de 3 a 15 anos de prisão, um crime de ofensa à integridade física qualificada, pp. pelos artigos 143.º e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h) do Código Penal, com pena de prisão até 4 anos, e um crime de detenção de arma proibida, pp. pelos artigo 86.º, n.º 1, alínea d) e 3.º, n.º 2 alínea e)da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com pena de prisão até 4 anos.
Está, consequentemente, demonstrada, relativamente ao crime de roubo, a existência de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”, nos termos exigidos pelo artigo 202.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
O crime de ofensa à integridade física qualificada também admite a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, nos termos do artigo 202.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal.
Preenchido o pressuposto do artigo 202.º do Código de Processo Penal, importa analisar a ocorrência dos pressupostos constantes do artigo 204.º do mesmo diploma legal.
Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, a aplicação da medida de coação não deve servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas sim impedir a continuação da atividade criminosa pela qual o arguido está indiciado, ou seja, deve servir para prevenir apenas comportamentos futuros que sejam prolongamento da atividade já indiciada6.
Entendeu a decisão recorrida que existia perigo de continuação da atividade criminosa. E nós concordamos que existe efetivamente este perigo, porquanto o arguido, sendo ainda muito jovem, tem baixa escolaridade, não pretende frequentar o ensino noturno, está desocupado, e não acata orientações da avó, com quem vive. Os factos foram praticados em contexto de grupo e a violência exercida é de todo desnecessária para o fim pretendido: apropriação dos bens do ofendido. Estamos perante um jovem violento, sem qualquer projeto de vida e sem rendimentos, existindo, por isso, evidente perigo de continuação da atividade perigosa, não só por influência dos pares, mas também para obtenção de valores para o seu sustento.
A decisão recorrida também entendeu que existe perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Tem-se entendido este perigo perturbação da ordem e tranquilidade públicas “como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art.º 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto.” Ou seja, exige-se que “haja perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido”7.
No mesmo sentido veja-se o Ac. RE de 23.11.2021, “o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas deverá sustentar-se em factos dos quais seja possível inferir que a permanência do arguido em liberdade é potencialmente geradora de tal perturbação e deverá reportar-se ao previsível comportamento do arguido no futuro imediato e não ao crime por ele indiciariamente cometido, nem à reação que possa gerar-se na comunidade”8.
Daí que este pressuposto se revele na função preventiva do processo penal face à perigosidade social revelada pelo arguido, seja mediante um controlo cautelar e pré-punitivo (medidas de coação), seja de contenção do conflito social provocado pela correspondente conduta delituosa.
Ora, esta necessidade de contenção do comportamento do arguido surge evidente no caso concreto perante a gravidade dos crimes fortemente indiciados – roubo e ofensa à integridade física qualificada -, que afetam profundamente o sentimento de segurança dos cidadãos. Não deixa de ser também relevante o facto de estar fortemente indiciado que o arguido tem outro processo pendente por crime da mesma natureza, o que significa que a aplicação de uma medida não privativa da liberdade poderá não ter nele qualquer efeito dissuasor.
E também se considerou que existe perigo de fuga e perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova.
Consignou-se a este propósito “O arguido tem o seu pai em ..., para onde, face à pena de prisão que certamente enfrentará, poderá lobrigar ausentar-se, para junto deste. Não se pode deixar de reconhecer, em todo o caso, serem menos exigentes as cautelas relativas a este perigo, uma vez que o arguido referiu, sendo credível neste aspecto, não manter relacionamento com seu pai, mas sempre se dirá que, face à sua possível reclusão, o receberia para não ter um filho preso (preventivamente ou em cumprimento de pena de prisão efectiva). Ademais, o perigo para aquisição, conservação e veracidade da prova, estando ainda por constituir como arguidos e ser reconhecidos outros dois co-autores dos factos, interessa que a prova a compilar nestes autos o seja com segurança processual e serenidade para o ofendido”.
Concordamos com a decisão recorrida quando refere que o perigo de fuga não é tão evidente como os demais já analisados, mas não é menosprezar totalmente, pois um familiar próximo a viver no estrangeiro poderá ser visto pelo arguido como uma oportunidade para se eximir à ação da justiça.
Já mais relevante é o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, pois o arguido, em liberdade, poderá dificultar a identificação dos demais agentes do crime de roubo. É importante que o ofendido possa colaborar com a investigação sem medos ou constrangimentos, que certamente poderão ocorrer com a o arguido em liberdade, face à sua evidente personalidade violenta.
Aqui chegados, no circunstancialismo apontado, concluímos que a mera sujeição do arguido recorrente a qualquer outra medida de natureza não detentiva não satisfaz as exigências cautelares que o caso demanda, por não se mostrar capaz de conter os perigos acima enunciados.
Concluímos então que, efetivamente, a única medida cautelar que se mostra adequada a afastar os indicados perigos é a prisão preventiva. Nem mesmo a de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica satisfaz as exigências cautelares. Com efeito, a falta de estrutura familiar contentora, capaz de manter o recorrente ocupado em atividades lícitas, não garantiria o afastamento dos perigos identificados. A irreverência e agressividade do arguido não permite que a medida de coação possa ser cumprida em permanência na habitação, mesmo com vigilância eletrónica. Todos sabemos que esta medida não impede verdadeiramente a saída de casa e, quando tal ocorre e os meios legais são acionados, já os perigos que se pretendem acautelar estão concretizados.
Por fim, diremos que a gravidade dos crimes de que vem fortemente indiciado e a previsibilidade de condenação em pena de prisão efetiva também justifica, do ponto de vista da proporcionalidade, a imposição da prisão preventiva.
Em conclusão, o despacho recorrido não merece qualquer censura, não havendo qualquer outra medida de coação que se mostra capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares que o caso requer, pelo que o despacho impugnado não violou qualquer normativo legal ou constitucional, nem os princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade.
Manter-se-á a medida de coação de proibição de contactos com a vítima, que não foi contestada em sede recurso.
Improcede, assim, totalmente o recurso em apreciação.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA, confirmando na integra a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Comunique de imediato à primeira instância.
Notifique.
Lisboa, 6 de maio de 2025
Ana Lúcia Gordinho
Rui Coelho
Sandra Oliveira Pinto
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1. De acordo com o estatuído no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995. Cf. também Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 89.
2. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/657ffb9c885168b5802589aa00302b37?OpenDocument
3. Nos termos desta norma: “1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
4. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 254.
5. “(…) 2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. 3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: a) Detenção em flagrante delito; b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos (…)”
6. Ac. RC de 22.03.2023, in www.dgsi.pt
7. Ac. RL de 12.02.2019, processo 165/18.5PGSXL-A. L1- in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4eae201ae62a90c8802583a6003b773f?OpenDocument
8. In http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/2704ed31207b143c802587a7006f7870?OpenDocument