PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
REPRESENTANTES
DEFESA DO AMBIENTE
Sumário

I - «O ilícito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa.» Trata-se de uma responsabilidade social em domínios tão importantes, como, no caso, em matéria ambiental.
II - As dificuldades práticas do regime de imputação orgânica, previsto no artigo 7.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, que têm gerado significativas lacunas de impunibilidade contraordenacional «estão na origem de uma corrente jurisprudencial (aliás hoje maioritária) e doutrinal, na esteira do parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 11/2013, que advoga uma interpretação extensiva (apelidada por outros de atualista) do segmento normativo “praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”, de modo a incluir, para além dos órgãos, também os representantes - administradores, gerentes, mandatários, outros representantes- e ainda os trabalhadores, desde que atuem em nome da pessoa coletiva, interpretação extensiva que consagra o modelo mais amplo de imputação funcional.»
III - Nesse mesmo parecer lê-se «A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada.
IV - De iure condendo e em matérias tão relevantes como as questões ambientais, seria de equacionar uma responsabilidade objetiva das pessoas coletivas pelo risco criado pela inobservância de normas desta natureza, afastando, de vez, o conceito de culpa jurídico-penal.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
No processo: 5750/24.3Y5LSB Referência: 442717866 Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 5 - foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o recurso de contra-ordenação e em consequência:
A) Julgo não verificadas as nulidades invocadas.
B) Mantenho a decisão administrativa que condenou a recorrente AA pela prática de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 97.º e 117.º, n.º2, alínea uuu), do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro (RGGR), conjugados com os artigos 88.º, n.º1, alíneas a) e b), e 19.º, n.º1, ambos do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, e artigo 22.º, n.º3, alínea b), da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, revogando parcialmente tal decisão e, atenuando especialmente a coima, condeno a recorrente numa coima no montante de €6.000 (seis mil euros).
C) Condeno a AA, no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta.»
*
Inconformada, recorreu a Arguida formulando as seguintes conclusões:
a) No despacho proferido a fls. 91 não consta que a presença do legal representante da recorrente na audiência de julgamento era necessária para o esclarecimento dos factos;
b) Sendo certo que na audiência de julgamento foi até decidido que a sua presença não era necessária;
c) Nos termos do art.º 67º do RGCO, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência de julgamento, salvo se o Juiz em despacho considerar a sua presença necessária ao esclarecimento dos factos;
d) Não é o caso do despacho proferido a fls. 91, pelo que a condenação em multa viola o art.º 67º do RGCO;
e) Na notificação para apresentação da defesa não constava qualquer referência da obrigação de inscrição no SIRER decorrer do art.º 19º, n.º 1 do DL 152-D/2007;
f) Contudo, foi com fundamento nesse preceito legal que a arguida recorrente foi coimada;
g) Decorrendo uma nulidade insanável por corresponder a uma violação do direito à defesa, consagrado no n.º 8 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, não podendo ter acolhimento a decisão recorrida de que a “notificação efetuada cfr. Fls. 4 a 7, continha todos os elementos relevantes para o exercício cabal do direito de audição”;
h) Nos factos provados não consta nem o órgão nem o titular do órgão que “tinha a obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito” e devia agir com a diligência necessária e de que era capaz.
i) E que era capaz? Quem?
j) Ora como decidido no Acórdão do TRG, no processo n.º 5539/22.7T8VNF.G1 uma “pessoa colectiva não pode ser responsabilizada sem identificação de qualquer órgão ou titular do órgão que cometeu os factos).
k) Ou seja, não é possível imputar a uma pessoa colectiva, nas contra ordenações ambientais, um ato ou uma omissão, não se sabendo quem o praticou ou tinha a obrigação de o ter praticado;
l) Acresce que a decisão recorrida é omissa relativamente à vantagem e/ou benefício obtido pela recorrente, o que é um pressuposto para a condenação de uma pessoa colectiva;
*
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
I – A impugnante alega que a condenação do representante legal da sociedade recorrida em multa processual viola o disposto no art.º 67.º do RGCO, devendo, por conseguinte, revogar-se tal decisão.
Todavia, constata-se que a condenação do legal representante em multa processual é, tão-só, passível de consubstanciar uma irregularidade processual, nos termos do disposto no art.º 123.º/1 do Código de Processo Penal.
Ora, à luz do disposto no art.º 123.º/1 do Código de Processo Penal, “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
Regressando ao caso sub judice, verifica-se que: - a sociedade recorrida foi notificada para comparecer na audiência de julgamento nos termos constantes de fls. 92, 126;
- a audiência de discussão e julgamento teve lugar no passado dia 03/02/2025 – cfr. fls. 139-141;
- o representante legal da sociedade recorrida não compareceu na audiência de julgamento realizada, encontrando-se esta devidamente representada pelo seu Ilustre Mandatário – cfr. Fls. 139-140; e
- Considerando a ausência não justificada do legal representante da sociedade recorrida, o Tribunal a quo determinou a condenação da mesma em multa processual, ao abrigo do disposto no art.º 116.º e 117.º do Código de Processo Penal. Sucede que, após prolação da decisão judicial a que supra se alude, o Ilustre Mandatário da sociedade recorrida nada arguiu, conformando-se, no âmago, com o teor da mesma.
Do supra exposto flui que, ao abrigo do disposto no art.º 123.º do Código de Processo Penal – e não olvidando a data da prolação da decisão (03/02/2025) e a data da arguição do vício (em 25/02/2025, com a interposição do recurso) – a arguição da irregularidade da decisão que determinou a condenação da recorrente em multa processual é extemporânea, pelo que se encontra sanada.
Consequentemente, naufraga a pretensão da recorrente.
II – A recorrente vem, também, invocar que existiu violação do direito de defesa, padecendo, por conseguinte, a decisão recorrida de nulidade insanável, porquanto, da notificação realizada a fls. 4 a 7 não consta qualquer menção à obrigação de inscrição no SIRER. Sustenta, pois, a impugnante que a notificação em apreço não continha todos os elementos relevantes para o exercício cabal do direito de defesa.
Crê-se, contudo, que não assiste qualquer razão à recorrente.
Da análise aturada da notificação constante de fls. 4 a 7, apura-se que é feita expressa menção à contraordenação ambiental grave imputada à recorrente, explicitando-se, inclusivamente, que em causa está o incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER.
Ademais, resulta dos autos, mormente de fls. 12, que a recorrente compreendeu na integralidade o teor da notificação expedida e, bem assim, a natureza do ilícito contraordenacional que lhe fora imputado. Pelo que, se entende que a fundamentação plasmada na notificação identificada se revela suficiente e adequada ao exercício do direito de defesa que assiste à arguida, a qual demonstrou conhecer todos os factos que lhe eram imputados, as razões de tal imputação e o processo da formação daquela convicção.
Do supra exposto flui que, a notificação em apreço continha todos os elementos relevantes para o exercício cabal do direito de defesa.
Destarte, somos de parecer que não assiste, uma vez mais, razão à recorrente, devendo, por conseguinte, naufragar a sua pretensão, mormente, quando peticiona a declaração de nulidade insanável da decisão administrativa.
III – Por fim, sustenta a recorrente que “nos factos provados não consta nem o órgão nem o titular do órgão que tinha a obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito e devia agir com a diligência necessária e de que era capaz”. Ao arrepio do sufragado pela recorrente, a identificação do concreto órgão ou titular do órgão que tinha a obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito não faz parte do tipo objectivo do ilícito contraordenacional imputado à impugnante. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo em não fazer menção a tal facto nos factos provados.
Relevava, pois, para o preenchimento do ilícito contraordenacional em causa apurar se:
ii. a sociedade recorrida constava da lista de aderentes à Entidade Gestora SPV – Sociedade Ponto Verde – cfr. Alínea A) dos factos provados;
(ii) se a sociedade recorrida constava da Lista de Produtores Enquadrados-Janeiro 2022 – cfr. Alínea B) dos factos provados; e (iii) se a sociedade recorrida, atento o objecto social /actividade desenvolvida, tinha a obrigação de conhecer e cumprir com as notificações/comunicações/registos legalmente exigidos, mormente, de inscrição no SIRER – cfr. Alínea C) dos factos provados. Destarte, sopesando todo o acervo probatório constante dos autos (nomeadamente, a prova documental e o teor do depoimento prestado pela testemunha BB [o qual, admitiu, no âmago, a prática dos factos, recaindo sobre a sua esfera de competências desta testemunha a obrigação de proceder às comunicações legalmente impostas / necessárias da sociedade recorrida]), à qual se atribuiu inteira credibilidade e autenticidade, bem andou o Tribunal a quo ao dar como provada toda a factualidade vertida na decisão administrativa proferida, pois que nada mais foi carreado para os autos que fizesse claudicar a bondade da versão narrada pelo IGAMAOT.
Consequentemente, face à fundamentação aduzida na sentença recorrida (que justifica, indubitável e cabalmente, a factualidade assente como provada e identifica as provas valoradas para o efeito e o juízo probatório realizado, reitera-se!), outra decisão não poderia deixar de ter lugar que não fosse a manutenção da decisão administrativa, conforme decidido pela Mm.ª Juiz de Direito.
De facto, a factualidade dada como provada subsume-se na qualificação jurídica imputada e não comportaria outra solução que não fosse a manutenção da decisão administrativa tal qual proferida pela IGAMAOT.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, tendo sido aposto visto.
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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Cumpre decidir:
Objeto do recurso:
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
a. Condenação do representante legal da sociedade recorrida em multa processual pela não comparência em audiência de julgamento
b. Violação do Direito de defesa; nulidade.
c. Se a pessoa coletiva pode ser responsabilizada sem identificação de qualquer órgão ou titular do órgão que cometeu os factos.
d. Da medida da coima, insuficiência da matéria de facto para a sua determinação.
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Da sentença recorrida
«Por decisão datada de 17 de Novembro de 2023, proferida pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar do Ambiente e do Ordenamento do Território, foi a recorrente AA, pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., condenada numa coima no montante de €12.000 (doze mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 97.º e 117.º, n.º2, alínea uuu), do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro (RGGR), conjugados com os artigos 88.º, n.º1, alíneas a) e b), e 19.º, n.º1, ambos do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, e artigo 22.º, n.º3, alínea b), da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais. (…)
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Da nulidade por violação do direito de defesa
Alega a recorrente que na notificação realizada à sociedade recorrente para exercício de direito de defesa não constava a referência ao artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, pelo que apresentou a sua defesa sem considerar aquele normativo.
Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 49.º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que “1 - O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente. 2 - No mesmo prazo deve, querendo, apresentar resposta escrita, juntar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada facto, num total de sete. 3 - Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal, bem como daquelas relativamente às quais não sejam indicados os elementos necessários à sua notificação.”
Compulsada a notificação de fls. 7 e o documento de fls. 4 a 6, verificamos que foi dado conhecimento à recorrente da infracção cometida (contra-ordenação ambiental grave por incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER em violação do artigo 97.º, do Regime Geral da Gestão de Resíduos).
Não exige o citado normativo uma exaustiva e completa indicação de factualidade nem de todas as normas aplicáveis.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 1/2003, publicado no Diário da República I Série-A, de 27 de Fevereiro de 2003, fixou jurisprudência nos termos da qual “Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.”.
Considerando os elementos constantes das notificações realizadas (cfr. fls. 4 a 7), entende-se que foram fornecidos à recorrente elementos relevantes para o exercício cabal do direito de audição, pelo que improcede a invocada nulidade.
Pelo exposto, julga-se não verificada a nulidade da notificação para exercício do direito
1. Factos Provados
A) No dia ... de ... de 2022, a APA-Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. verificou que a sociedade AA, constava na lista de aderentes à Entidade Gestora SPV-Sociedade Ponto Verde, ou seja, colocou no mercado embalagens e resíduos de embalagens, mas não se encontrava inscrita no Sistema Integrado de Registo Electrónico de Resíduos.
B) A APA verificou que a AA não estava na Lista de Produtores Enquadrados-janeiro 2022 (lista relativa as adesões reportadas até final do ano de 2021), em violação da obrigação de inscrição no prazo de 1 mês após a ocorrência do facto que determina a sua obrigatoriedade.
C) A AA, como produtor de produto, independentemente da qualidade em que o faça, a titulo profissional ou ocasional, que coloca no mercado embalagens e resíduos de embalagens, tinha obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito para o exercício desta atividade, devendo ter procedido, em tempo, à sua inscrição no SIRER, tanto mais que aderiu a uma entidade gestora para o seu fluxo de resíduos.
D) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz.
E) Com data de ... de ... de 2023 a AA procedeu ao registo no SIRER.
F) A sociedade AA apresenta um resultado de prejuízo de montante não concretamente apurado.
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2. Factos não provados
1) Que a AA, na pessoa do seu legal representante, tenha actuado em erro, estando convencida de que não estava obrigada à inscrição no SIRER.
Não resultou provada outra factualidade, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem relevância para a boa decisão da causa.
3. Fundamentação da matéria de facto:
O tribunal estribou a sua convicção, no que respeita à factualidade julgada provada, na prova documental junta aos autos e bem assim nas declarações produzidas pela por BB (gestor de operações na AA desde 2019) em audiência de discussão e julgamento. Refira-se que CC (trabalha na APA desde 2016) desconhecia a factualidade em causa nos autos.
A prova da factualidade descrita em A) a D) resultou do cotejo do teor do registo de fls. 4, do print de fls.6, das condições da Sociedade Ponto Verde de fls. 36 e seguintes, do certificado de registo de fls. 44, da certidão permanente do registo comercial de fls. 99 e dos mails de ... de ... de 2023 juntos em audiência de discussão e julgamento com as declarações produzidas por BB em audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, a testemunha confirmou ao tribunal, usando de espontaneidade e firmeza, que a AA não estava inscrita no SIRER, tendo-se apercebido da necessidade de proceder a tal inscrição aquando da recepção da notificação por não inscrição no SIRER.
Acrescentou que a sociedade recorrente procede à distribuição de vinhos que vêm já embalados quando chegam às instalações da AA
Confrontado com o teor do correio electrónico de ... de ... de 2023 junto em audiência de discussão e julgamento, explicitou que contactou a Sociedade Ponto Verde para questionar sobre a necessidade de proceder à inscrição, confirmando a referida troca de correspondência electrónica.
Usando de determinação, mencionou que não obstante a referida troca de e-mails, procedeu, em ... de ... de 2023, à inscrição no SIRER, confirmando que fls. 44 corresponde ao mesmo.
Do cotejo da prova produzida, verificamos que na data mencionada em A) a sociedade AA, que é aderente da Sociedade Ponto Verde pelo menos desde 2019, não se encontrava efectivamente inscrita no SIRER, tendo procedido à mesma na data indicada em E).
Sobre as condições económicas da AA, o tribunal atendeu às declarações produzidas por BB, o qual referiu, espontaneamente, que integra um grupo que acompanha a actividade da empresa, pelo que tem conhecimento que a mesma apresenta prejuízo, embora não tenha logrado precisar o montante do mesmo.
Acrescentou que a AA tem pelo menos quarenta trabalhadores.
III. Enquadramento Jurídico
1. Fundamentação De Direito
A recorrente foi condenada numa coima no montante de €12.000 (doze mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 97.º e 117.º, n.º2, alínea uuu), do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro (RGGR), conjugados com os artigos 88.º, n.º1, alíneas a) e b), e 19.º, n.º1, ambos do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, e artigo 22.º, n.º3, alínea b), da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais.
A contra-ordenação consiste num “facto material (nullum crime sine actione) que preencha um tipo descrito na lei (nullum crimen sine lege), que tenha sido praticado culposamente (nullum crimen sine culpa) e que naquele tipo esteja prevista a aplicação de uma coima”
Determina o artigo 97.º, do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro, que “1 - Estão sujeitas a inscrição no SIRER todas as pessoas singulares e coletivas que tenham obrigação de submissão de dados, nos termos do artigo seguinte. 2 - Estão ainda sujeitas a inscrição no SIRER as pessoas singulares ou coletivas que: a) Sejam intervenientes nas e-GAR, nomeadamente os produtores, detentores, transportadores e destinatários de resíduos; b) Procedam à recolha ou ao transporte de resíduos a título profissional, e que não estejam abrangidas pela alínea anterior; c) Sejam corretores ou comerciantes de resíduos; d) Se pretendam licenciar enquanto operadores de tratamento de resíduos nos termos do capítulo viii do título ii. 3 - A ANR pode isentar os produtores ou detentores referidos na alínea a) do n.º 2 da obrigação de inscrição no SIRER quando estes se enquadrem nas exceções previstas na portaria referida no n.º 2 do artigo 95.º”.
De acordo com o disposto no artigo 117.º, n.º2, alínea uuu), do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro, na redacção vigente à data da prática dos factos, que “2 - Constitui contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, a prática dos seguintes atos: uuu) O incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER, em violação do disposto no artigo 97.º;”.
Refira-se que o artigo 117.º, n.º 2, alínea xxx), do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro, após a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de Março, mantém o sancionamento como contra-ordenação ambiental grave da conduta em apreço, não se mostrando a actual redacção da norma concretamente mais favorável à sociedade recorrente pelo que, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º4, do Código Penal, aplica-se a redacção vigente à data da prática dos factos.
Determina o artigo 88.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, que “1 - É proibida a colocação no mercado de produtos quando os respetivos produtores, embaladores ou fornecedores de embalagens de serviço: a) Não tenham, para cada tipologia ou categoria de produto ou embalagem em concreto, adotado um dos sistemas previstos no n.º 1 do artigo 7.º; b) Não estejam em cumprimento da obrigação de inscrição prevista no n.º 1 do artigo 19.º”.
O artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, na redacção vigente à data da prática dos factos, previa que “1 - Os produtores de produtos, os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço estão obrigados a efetuar a inscrição e submissão de dados no SIRER, nos termos previstos nos artigos 97.º e 98.º do RGGR, comunicando à APA, I. P., o tipo e a quantidade de produtos ou o material e a quantidade de embalagens colocados no mercado e o sistema de gestão por que optaram em relação a cada tipo de resíduo, sem prejuízo de outra informação específica de cada fluxo específico de resíduos.”.
Na sua actual redacção, após a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 24/2024, de 26 de Março, prevê o citado artigo 19.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, que “1 - Os produtores de produtos, os embaladores e os fornecedores de embalagens de serviço estão obrigados a efetuar a inscrição e submissão de dados no SIRER, nos termos previstos nos artigos 97.º, 98.º, 99.º e 101.º do RGGR, comunicando à APA, I. P., o tipo e a quantidade de produtos ou o material e a quantidade de embalagens colocados no mercado, bem como o sistema de gestão por que optaram em relação a cada tipo de resíduo, sem prejuízo de outra informação específica relativa a cada fluxo específico de resíduos.”.
Em ambas as redacções da norma o artigo 19.º, n.º1, prevê a obrigatoriedade de a sociedade recorrente, com o objecto que tem, de proceder à respectiva inscrição no SIRER, pelo que a actual redacção da norma não se mostra concretamente mais favorável à recorrente, aplicando-se a redacção vigente à data da prática dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º4, do Código Penal.
Nos presentes autos resultou demonstrada a factualidade elencada que aqui se dá por integralmente reproduzida, tendo a actuação, ao nível do elemento subjectivo, sido com negligência.
Do disposto nos normativos constantes dos regulamentos em causa, mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos quanto às contra-ordenações supra citadas.
Inexistem causas de justificação e de exclusão da culpa, não tendo resultado demonstrado qualquer erro da parte da recorrente.
Pelo exposto, a recorrente praticou a contra-ordenação pela qual foi condenada pela autoridade administrativa.
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II. Fundamentação:
a. Condenação do representante legal da sociedade recorrida pela não comparência em audiência de Julgamento:
Atos processuais relevantes:
- No despacho Referência: 441638692 que designou a audiência de julgamento consignou-se:
«Notifique a sociedade recorrente e as testemunhas arroladas para comparência
- Foi o seguinte o despacho proferido em ata referencia 332450901:
«O Legal representante da sociedade Recorrente falta estando notificada a sociedade para a realização da audiência de julgamento».
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«Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi dito nada ter a requerer.
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Recorrente, pelo mesmo foi dito relativamente à presença do legal representante da empresa Recorrente nada tem a requerer, prescinde da testemunha faltosa DD, requerendo a junção aos autos da troca de e mails entre a Recorrente e a Sociedade Ponto verde nos dias 27 e ... de ... de 2023.
Considerando o despacho de fls. 91, e uma vez que a Sociedade Recorrente falta e está notificada da data designada para a realização da audiência de julgamento vai a Sociedade condenada em multa processual que se fixa em 2 Ucs, caso o legal representante da mesma não justifique a respectiva falta nos termos legais- cfr artigos 116.º e 117.º do CPP.
Por não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa a presença do legal representante da Sociedade desde o início dar-se-á início á mesma».
Nos termos do art.º 67º do Decreto-Lei nº 433/82, De 27 De Outubro - Regime Geral Das Contraordenações:
1. O arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos.
Resulta do artigo 87.º do Decreto-Lei n.º 433/82, De 27 De Outubro – doravante Regime Geral Das Contraordenações- que as pessoas colectivas e as associações sem personalidade jurídica apenas podem ser representadas "por quem legal ou estatutariamente as deva representar".
A necessidade da presença em julgamento do arguido, referida no n.º 1, é decidida no despacho que designar dia para julgamento.
No caso de o arguido ser uma pessoa colectiva e considerar-se necessária "a sua presença", no julgamento a respetiva representação processar-se-á nos termos do artigo 87.º.
Quando, nos termos do artigo 67.º, n.º 1, se entender necessária a presença do arguido em julgamento e este for uma pessoa colectiva, ela será representada segundo o estabelecido neste artigo 87.º, n.º 1.
Tendo sido considerada necessária a presença da arguida no julgamento, se este faltar, deve ser condenado em multa se a falta for considerada injustificada- Cf. António Beça Pereira, Regime Geral Das Contra-Ordenações e Coimas, 12ª Edição, anotação aos artigos 67º e 87.
Consequentemente, a multa foi legalmente determinada.
Mas ainda que assim não fosse, constata-se a presença do advogado da arguida na audiência em que foi aplicada a multa. Decorre da ata supra identificada que:
«Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Recorrente, pelo mesmo foi dito relativamente à presença do legal representante da empresa Recorrente nada tem a requerer»
Não estando elencada entre as nulidades insanáveis previstas no artº 119º do C.P.P. nem nas nulidades dependentes de arguição, nos termos do artº 120º, do mesmo diploma legal, quando muito a aplicação da multa seria uma irregularidade, nos termos do artº 123º do C.P.P.
A arguida sociedade esteve mandatada por advogado no ato, não arguiu a irregularidade da multa aplicada, pelo que a irregularidade, a existir, ficou sanada – cfr. João Conde Correia, anotação ao arº 123º, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, Tomo I, pag 1335 e ss.
Improcede, assim, nesta parte o recurso.
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b. Violação dos direitos de defesa – nulidade.
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Sustenta o recorrente que na notificação para apresentação da defesa não constava qualquer referência de a obrigação de inscrição no SIRER decorrer do art.º 19º, n.º 1 do DL 152-D/2007;
Contudo, foi com fundamento nesse preceito legal que a arguida recorrente foi coimada;
Decorrendo uma nulidade insanável por corresponder a uma violação do direito à defesa, consagrado no n.º 8 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, não podendo ter acolhimento a decisão recorrida de que a “notificação efetuada cfr. fls. 4 a 7, continha todos os elementos relevantes para o exercício cabal do direito de audição.
Esta eventual nulidade não estando enunciada no art.º 119º do C.P.P. como nulidade insanável, está dependente de arguição – artº 120º do C.P.P. – neste sentido vide Cometário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I, 2ª edição, Anotação ao art.º 120º § 27, João Conde Correia que refere:
Para a arguição da nulidade a Lei estabelece um prazo processual a favor do interessado. «(…) Trata-se de evitar que o interessado em vez de arguir a nulidade imediatamente após o seu conhecimento guarde essa possibilidade para momento mais oportuno na sua estratégia processual numa conduta reprovável que teria como consequência a inutilização de todo o processado entretanto desenvolvido, muitas vezes no fim de uma prolongada tramitação que dificilmente podia ser refeita (TC 53/2011) –… os interessados têm o dever de denunciar, prontamente os vícios formais que os afetam(…)».
Da análise da notificação constante de fls. 4 a 7, apura-se que é feita expressa menção à contraordenação ambiental grave imputada à recorrente, explicitando-se, inclusivamente, que em causa está o incumprimento da obrigação de inscrição no SIRER.
Resulta de fls. 12, que a recorrente compreendeu na integralidade o teor da notificação expedida e, bem assim, a natureza do ilícito contraordenacional que lhe fora imputado. Pelo que, se entende que a fundamentação plasmada na notificação identificada se revelou suficiente e adequada ao exercício do direito de defesa que assiste à arguida, a qual, por via do recurso de contraordenação demonstrou conhecer todos os factos que lhe eram imputados, as razões de tal imputação e o processo da formação daquela convicção.
Pelo que improcede a invocada nulidade.
*
c) Se a pessoa coletiva pode ser responsabilizada sem identificação de qualquer órgão ou titular do órgão que cometeu os factos.
Dispões o artigo 7.º do regime Geral das contraordenações, sob a epígrafe Da responsabilidade das pessoas colectivas ou equiparadas:
1. As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.
2. As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.
«2. Nos termos do n.º 2, as pessoas colectivas só podem ser responsabilizadas "pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções", o que significa que aquelas apenas respondem pelas condutas que resultam da vontade das pessoas singulares que são titulares dos respectivos órgãos sociais. E tais condutas tanto podem ser protagonizadas pelos próprios titulares dos órgãos sociais, como por aqueles que, actuando dentro da esfera da pessoa colectiva, como é o caso dos seus trabalhadores, agem em conformidade com ordens ou instruções expressas dadas por esses mesmos titulares.
«Neste n.º 2 responsabiliza-se as pessoas colectivas de uma forma mais restrita do que no artigo 11.º do Código Penal, onde, designadamente, no seu n.º 2 a) e b), relativamente a certos ilícitos, aquelas são responsabilizadas por crimes "quando cometidos em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem".
E no âmbito do direito contra-ordenacional o legislador, em alguns casos específicos, optou por estabelecer a responsabilidade das pessoas colectivas de uma forma mais abrangente, como, por exemplo, sucede em matéria de direito da concorrência, em que, no artigo 73.º, n.º 2 a) e b) da Lei 19/2012 de 8 de Maio, se responsabiliza a pessoa colectiva pelas contra-ordenações cometidas "em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança" e "por quem actue sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem", ou na área dos valores mobiliários onde, no artigo 401.º n.º 2 do Código dos Valores Mobiliários, se estabelece que "as pessoas colectivas (…) são responsáveis pelas contra-ordenações previstas neste Código quando os factos tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores", ou ainda no sector das comunicações em que, do artigo 3.º n.º 2 da Lei 99/2009 de 4 de Setembro, resulta que "as pessoas colectivas (…) são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direcção e chefia e pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta…
A redacção um pouco tímida deste n.º 2, ao definir a amplitude da responsabilidade das pessoas colectivas, pode explicar-se pelo momento em que o preceito foi escrito (1982), pois nessa altura ainda não era pacífico o entendimento de que estas eram susceptíveis de ser responsabilizadas pela prática de ilícitos consagrados em direito sancionatório público, como é o caso do direito penal ou do direito contra-ordenacional. Aliás, esta norma, à época, foi até inovadora e abriu um caminho por onde hoje o legislador já se movimenta pacificamente» - Beça Pereira, op cit. anotação ao artº 7º.
Conforme se escreve no Acórdão do Tribunal de Guimarães – processo 365/24.9T8BCL.G1 de 11/07 de 2024 - «As pessoas coletivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos órgãos no exercício das suas funções».
É a própria natureza das pessoas coletivas que impõe que elas tenham de atuar sempre através dos seus órgãos e representantes, já que, por si mesmas, não praticam ações, não têm vontade, conhecimento ou consciência (…).
Com base nessa realidade, o RGCO adota um modelo de imputação das pessoas coletivas com a sua responsabilidade condicionada aos atos dos seus órgãos, praticados no exercício das suas funções.
Dentro desse quadro legal de responsabilidade, o modelo de imputação às pessoas coletivas da prática das contraordenações já não é hoje visto apenas como meramente orgânico. Afirmando-se uma corrente jurisprudencial firme e maioritária que adota um modelo de imputação funcional, interpretando o artigo 7.º, n. 2 do RGCO no sentido de que a expressão «órgão no exercício das funções» inclui também os trabalhadores, os meros agentes e auxiliares, desde que ao serviço da pessoa coletiva e no exercício das suas funções ou por causa delas, exceto quando atuem contra ordens expressas ou em seu interesse exclusivo.
Aliás, em bom rigor, estando essas pessoas físicas ao serviço da pessoa coletiva, e no exercício das suas funções ou por causa delas, é porque atuam sob instruções de quem integra os órgãos que representam a pessoa coletiva, no exercício das correspondentes funções, ou, pelo menos, com omissão por estes da vigilância que fosse devida. Continuando, a responsabilidade da pessoa coletiva a radicar, em última análise, nos atos dos seus órgãos, praticados no exercício das suas funções.
A imputação de uma contraordenação a uma pessoa coletiva ficará, porém, e sempre, dependente de uma ação ou omissão livre, para o que se torna indispensável a indicação do órgão, agente, representante, trabalhador ou auxiliar que cometeu os factos (por ação ou omissão) e a concretização da relação destes com a pessoa coletiva.
O que não se confunde com a concreta identificação dessa pessoa singular, que já é irrelevante, pois que apenas importará a sua identificação funcional».
A Procuradoria-Geral da República, através do Parecer n.º 11/2013, votado na sessão de 10-07-2013 do Conselho Consultivo (acessível em www.dgsi.pt) refere que «A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal (…)”.»
Mais especifica-se no Acórdão da Relação de Lisboa proferido no processo 741/21.94LSB.L2 de 12/01/2023: «Como é sabido, dispõe o artigo 7.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), que as pessoas coletivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções (...)
É sabido que no regime contraordenacional vários são os modelos de imputação de responsabilidade às pessoas coletivas, a saber: o modelo de imputação orgânica, em que o ato ilícito tem de ser decidido e/ou praticado pelos órgãos da pessoa coletiva; o modelo de imputação representativa, em que o ato ilícito tem de ser decidido e/ou praticado por órgão da pessoa coletiva ou por representantes/mandatários dessa mesma pessoa; e o modelo de imputação funcional, em que o ato ilícito tem de ser decidido e/ou praticado por órgão da pessoa coletiva ou por representantes/mandatários ou ainda por funcionários, agindo sempre em nome ou por conta da pessoa coletiva, desde que não se demonstre que o agente atuou contra ordens ou instruções da pessoa coletiva ou que atuou no seu próprio interesse.
A letra da lei, concretamente do artigo 7.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações, inculca que o legislador terá pretendido consagrar o modelo de imputação orgânica, a que não será alheio o facto de o referido RGCO ter sido criado em 1982. Conforme supra referido e citando António Beça Pereira (Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 13ª edição, pág. 49):« A redacção um pouco tímida deste nº 2 (do artigo 7º do RGCCO), ao definir a amplitude da responsabilidade das pessoas colectivas, pode explicar-se pelo momento em que o preceito foi escrito (1982), pois nessa altura ainda não era pacífico o entendimento de que estas eram susceptíveis de ser responsabilizadas pela prática de ilícitos consagrados em direito sancionatório público, como é o caso do direito penal ou do direito contra-ordenacional. Aliás, esta norma, à época, foi até inovadora e abriu um caminho por onde hoje o legislador já se movimenta pacificamente».
As dificuldades práticas deste regime de imputação orgânica e o facto de gerarem significativas lacunas de impunibilidade contraordenacional estão na origem de uma corrente jurisprudencial (aliás hoje maioritária) e doutrinal, na esteira do parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 11/2013, que advoga uma interpretação extensiva (apelidada por outros de atualista) do segmento normativo «praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”, de modo a incluir, para além dos órgãos, também os representantes - administradores, gerentes, mandatários, outros representantes- e ainda os trabalhadores, desde que atuem em nome da pessoa coletiva, interpretação extensiva que consagra o modelo mais amplo de imputação funcional.»
A título meramente exemplificativo, veja-se, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27.01.2020, processo 510/19.6T8FAF.G1, no qual se refere:
«É efetivamente esse o entendimento maioritário da jurisprudência ao considerar que a expressão "órgãos no exercício das suas funções", utilizada no art.º 7º, n.º 2, do RGCO, tem aqui uma abrangência maior que os centros institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos, abrangendo, por interpretação extensiva, os trabalhadores ao serviço da pessoa coletiva ou equiparada, que são quem pratica ou omite os atos suscetíveis de censura contraordenacional, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas, exceto quando atuem contra ordens expressas ou em seu interesse exclusivo, não se quedando assim pelos seus órgãos sociais.
Há também quem defenda a necessidade de uma interpretação atualista do n.º 2 do art.º 7º do RGCO, de forma a harmonizar o seu alcance com a norma posteriormente introduzida no art.º 11º, n.º 2, do Código Penal, central na legislação penal, de modo a que as pessoas coletivas ou entidades equiparadas sejam responsabilizadas pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções e também quando cometidas em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou quando cometidas por quem aja sob a autoridade das pessoas antes referidas em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbam.
No Parecer n.º 11/2013, supra referido, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República concluiu que «[o] preceito do n.º 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito pela jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas», adotando assim «(…) a tese da responsabilidade autónoma da pessoa coletiva, o que se traduz, na prática, na possibilidade de imputação da responsabilidade contraordenacional à pessoa coletiva desde que seja cometida uma infração tipificada como ilícita e que seja imputável a alguém que atue por conta ou em nome da pessoa jurídica (titulares dos seus órgãos, mandatários, representantes ou trabalhadores).».
Recentemente, no acórdão n.º 566/2018, o Tribunal Constitucional concluiu que inexistem razões para questionar e desconsiderar a referida interpretação extensiva do art.º 7º, n.º 2, do RGCO. Como se pode ler no seguinte excerto desse aresto:
«Acresce que o termo “órgão”, do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais – a uma realidade institucional ou estatutária (sobre as diferentes conceções a respeito da natureza de órgãos, v., por exemplo, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 624 e ss.). Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de “órgão”, consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem (v., a título meramente exemplificativo: o artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo – «centros institucionalizados de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva» –; e o artigo 1.º, alínea c), do Código de Processo Penal - «entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código»).
Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) – que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva –, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cfr. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade.
Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo “órgão” referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a) e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: «[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal» (e não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo; itálico aditado).»
Mesmo adotando-se o modelo mais restritivo de imputação orgânica tal não significa que a lei imponha a prova da identificação (do nome, biográfica, portanto) da pessoa física que atuou como titular do órgão, bastando a prova de que a decisão e/ou a prática da conduta típica é imputável ao órgão, pois que tal prova já permite a imputação da infração à pessoa coletiva, porque determinada ou praticada por órgão que vincula a vontade coletiva.
Na verdade a imputação da infração à pessoa coletiva é direta e autónoma, não estando dependente de uma qualquer conexão com uma pessoa física, mas apenas da vontade da pessoa coletiva, que se manifesta através da vontade dos seus órgãos e representantes, e não das pessoas físicas que os compõem, não supondo, por isso, a individualização da pessoa ou das pessoas físicas que representam os órgãos. O que releva é a identificação funcional e não a identificação pessoal ou biográfica da pessoa.
“a responsabilidade contraordenacional das pessoas colectivas, sustentando-se numa imputação directa e autónoma, não exige a identificação nem a individualização da pessoa singular executante da acção típica e ilícita (cf. acórdão TRC, de 13.10.2021, processo 3682/20.3T9LRA.C1)».
O mesmo parecer n.º 11/2013, a propósito da responsabilidade por contraordenações da pessoa coletiva conclui, ainda o seguinte:
«Nestes termos, não pode deixar de se concluir que a jurisprudência maioritária se pronuncia no sentido da imputação autónoma dos ilícitos à pessoa coletiva, prescindindo, por isso, da identificação concreta da pessoa singular que o praticou por ação ou omissão.
Pelo exposto, adota-se no presente Parecer a tese da responsabilidade autónoma da pessoa coletiva, o que se traduz, na prática, na possibilidade de imputação da responsabilidade contra-ordenacional à pessoa coletiva desde que seja cometida uma infração tipificada como ilícita e que seja imputável a alguém que atue por conta ou em nome da pessoa jurídica (titulares dos seus órgãos, mandatários, representantes ou trabalhadores).
Ora, adotando-se o entendimento acima exposto, isto significa que os autos provenientes da autoridade administrativa considerar-se-ão suficientemente instruídos mesmo que a pessoa singular em concreto não seja identificada.
Subsequentemente, sendo a coima aplicada à pessoa coletiva, é esta que deve ser considerada arguida a partir da notificação da nota de ilicitude ou acusação, tendo a pessoa coletiva os mesmos direitos de defesa que a pessoa singular (artigo 12.º da CRP)
Isto mesmo resulta do número 1 do artigo 87.º do RGCO, que estabelece que “[A]s pessoas coletivas e as associações sem personalidade jurídica são representadas no processo por quem legal ou estatutariamente as deva representar”, afastando-se, assim, como salienta o Parecer n.º 10/94 deste Conselho, o disposto no número 1 do artigo 138º do Código do Processo Penal, no que toca à pessoalidade das declarações, com exclusão da sua prestação por procurador (“[O] depoimento é um ato pessoal que não pode, em caso algum, ser feito por intermédio de procurador”).
1. O ilícito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa cujo fundamento dogmático é a subsidiariedade do Direito Penal e a necessidade de sancionar comportamentos ilícitos, mas axiologicamente neutros. Do ponto de vista teleológico, as contraordenações são uma medida de proteção da legalidade, o que justifica a maior flexibilidade na análise dos pressupostos da imputação, designadamente da culpa, que é diferente da culpa penal.
2. Atualmente é pacificamente admitida a responsabilização criminal das pessoas coletivas em certos tipos penais. No Direito das contraordenações, contudo, a responsabilidade das pessoas coletivas é um princípio geral que decorre do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações, que constitui uma regra geral de imputação, com inúmeras concretizações em regimes especiais.
3. O Regime Geral das Contraordenações consagra um regime de imputação restritivo, no número 2 do artigo 7.º, ao limitar a responsabilidade das pessoas coletivas às contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, ao contrário do que acontece na maioria dos regimes especiais (artigo 551.º do Código do Trabalho, artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, número 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, número 2 do artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários, número 1 do artigo 73.º da Lei da Concorrência, e número 2 do artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais).
4. O preceito do número 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito pela jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas.
5. A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada.
6. A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal.
7. O artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (artigo 551.º do Código do Trabalho), tributária (artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro), de valores mobiliários (artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (artigo 73.º da Lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva.»
Também neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque (em “Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 58), onde o autor percorre jurisprudência farta e colhe diversos contributos doutrinais sobre esta matéria, mais referindo que no modelo de imputação orgânica do RGCO (por si defendido) a responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva é autónoma, não dependendo de uma conexão com o facto de uma pessoa física, nem da responsabilização cumulativa de uma pessoa física. Para responsabilizar a pessoa coletiva é suficiente que a conduta seja praticada ou determinada em seu nome por órgão juridicamente vinculante da vontade coletiva, sendo irrelevante a circunstância de não se ter identificado o nome do titular do órgão ou representante a quem seja atribuída pessoalmente a conduta da pessoa coletiva.
Efetivamente, “considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva)” – (cf. acórdão TRL, de 12.01.2021).
Revertendo ao caso em apreço, não nos deparamos com uma total ausência da referência funcional da entidade singular ou órgão juridicamente vinculante da vontade coletiva e da sua relação com a pessoa coletiva ou da sua responsabilidade funcional.
Com efeito na motivação da decisão de facto consta que «BB (que era gestor de operações na AA desde 2019. Confirmou ao tribunal, usando de espontaneidade e firmeza, que a AA não estava inscrita no SIRER, tendo-se apercebido da necessidade de proceder a tal inscrição aquando da recepção da notificação por não inscrição no SIRER.
Acrescentou que a sociedade recorrente procede à distribuição de vinhos que vêm já embalados quando chegam às instalações da AA.
Confrontado com o teor do correio electrónico de ... de ... de 2023 junto em audiência de discussão e julgamento, explicitou que contactou a Sociedade Ponto Verde para questionar sobre a necessidade de proceder à inscrição, confirmando a referida troca de correspondência electrónica.
Usando de determinação, mencionou que não obstante a referida troca de e-mails, procedeu, em ... de ... de 2023, à inscrição no SIRER, confirmando que fls. 44 corresponde ao mesmo.
Considera-se provado que: “, que a arguida tinha obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito para o exercício desta atividade, devendo ter procedido, em tempo, à sua inscrição no SIRER, tanto mais que aderiu a uma entidade gestora para o seu fluxo de resíduos.
Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz.»
Assim, consideramos que estão satisfeitos pela decisão recorrida todos os pressupostos e requisitos para a responsabilização da pessoa coletiva, na interpretação adiantada.
*
d. Da medida da coima:
Entende o recorrente que a coima aplicada não teve em consideração vantagem e/ou benefício obtido pela recorrente, como pressuposto para a condenação de uma pessoa coletiva, ou seja, o vicio da insuficiência da matéria de facto provada para a medida da coima
«a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art.º 410º do C. Processo Penal, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69)» – Tribunal da Relação de Coimbra, processo 1/19.5GPCBR.C1, de 12/06/2019 – IGFEJ- Bases Jurídico-documentais»
O Tribunal a quo da como provado:
A sociedade AA apresenta um resultado de prejuízo de montante não concretamente apurado
E escreve sobre a medida da coima:
A AA foi condenada numa coima no montante de €12.000 (doze mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 97.º e 117.º, n.º2, alínea uuu), do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro (RGGR), conjugados com os artigos 88.º, n.º1, alíneas a) e b), e 19.º, n.º1, ambos do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, e artigo 22.º, n.º3, alínea b), da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais. Determina o artigo 22.º, n.º3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que “3 - Às contraordenações graves correspondem as seguintes coimas: b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 12.000 a (euro) 72.000 em caso de negligência e de (euro) 36.000 a (euro) 216.000 em caso de dolo.”.
Determina o artigo 23.º-A, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que “1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido; b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta. 3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.”.
Considerando que resultou demonstrado que a sociedade recorrente procedeu à inscrição no SIRER, impõe-se a atenuação especial da coima nos termos do citado normativo.
Nos termos do disposto no artigo 23.º-B, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, “Sempre que houver lugar à atenuação especial da coima, os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade”.
Assim, impõe-se aplicar à recorrente uma coima no montante de €6.000.»
Ora, não só a coima originária foi aplicada pelo mínimo, como em face da demonstração de que a sociedade recorrente procedeu à inscrição no SIRER, procedeu-se à atenuação especial da coima, reduzindo-a para metade.
Pelo que também, neste ponto improcede o recurso.
***
III. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção penal do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a respetiva taxa de justiça.

Lisboa, 6 de maio de 2025
Alexandra Veiga
Alda Tomé Casimiro
Rui Poças