I - A ofensa integradora do crime de ofensa à integridade física, do artigo 143.º do Código Penal, é qualquer alteração desfavorável produzida no organismo de outrem, anatómica ou funcional, local ou generalizada, de natureza física ou psíquica, seja qual for o meio empregado para a produzir, não se exigindo que dela resulte dor ou lesão externa, mas a ofensa não poderá ser insignificante, segundo um critério da adequação social.
II - A acção física para empurrar outrem para trás, com força, como manifestação de desagrado e com intenção molestar fisicamente o ofendido, provocando-lhe dor e desconforto, integra a prática de um crime de ofensa à integridade física.
III - Não é socialmente adequado manifestar desagrado empurrando outrem, porque tal acto ultrapassa o nível geralmente habitual e socialmente tolerado de impacto físico no corpo de outrem.
IV - Seria paradoxal que se para manifestar desagrado o agente insultasse ou ameaçasse outrem cometeria um crime de injúria ou ameaça, mas já não cometeria qualquer crime se se limitasse a usar da força física para o empurrar causando-lhe desconforto.
(Sumário elaborado pelo Relator)
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Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
No Juízo de Competência Genérica de Cinfães, por sentença de 24/10/2024, foi o Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos, absolvido e condenado nos seguintes termos :
“... No que diz respeito à parte criminal:
Face exposto, tendo em atenção as considerações aduzidas e as normas legais citadas, o Tribunal julga a acusação pública procedente e a acusação particular improcedente e, em consequência, decide:
A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal;
B) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €: 5,50;
C) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €: 5,50;
D) Em cúmulo jurídico das penas referidas, condenar o arguido AA, na pena única de 135 dias de multa, à razão diária de €: 5,50, o que perfaz o montante global de €: 742,50 (setecentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos);
E) Condenar ainda o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça criminal em 2 UC.
Pelo exposto, decido julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB parcialmente procedente e, consequentemente condenar o arguido AA a pagar a quantia de €: 250,00 (duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados e a quantia de €: 300,00 (trezentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da sentença até efetivo e integral pagamento.
Não há lugar ao pagamento das custas cíveis, face ao estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais.
“... 1º O art 143 ,nº1 do CP prevê que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2º Consta do ponto sete da matéria dada como provada que o arguido agarrou o assistente e empurrou-o com força para a sua retaguarda, o que provocou como se diz no ponto dez dor e desconforto.
3º É consabido que o empurrão se traduz numa acção forte que leva a pessoa a deslocar-se. Todavia assume vários graus de gravidade.
4º Ora, do empurrão perpetrado pelo arguido ao ofendido não resultou qualquer escoriação, hematoma ou outra qualquer lesão na pessoa do assistente. Pelo que se deverá considerar que a sua gravidade é reduzida.
5º Se tivesse causado dor, teria o ofendido recorrido a cuidados médicos para que fossem prescritos os medicamentos certos para alívio da mesma, assim actuaria o homem médio colocado na mesma situação do ofendido.
6º Também não afectou a saúde do assistente, não gerando qualquer incapacidade para o seu trabalho como padeiro, que é um trabalho que exige bastante esforço físico.
7º Assim, se alguma lesão provocou o acto do arguido a mesma foi insignificante.
8º Ora, o crime de ofensa à integridade física é um crime de resultado, ou seja, só existe crime se a conduta do agente provoca ofensa no corpo ou na saúde do ofendido, caso essa lesão seja grave, o suficiente para considerar-se juridicopenalmente típica e ilícita.
É essa a tese dominante na jurisprudência(cfr entre outros o ac da RP de 2-04-2021 no proc 1132/18.4PBMTS.P1,ac da RE de 21-05-2013 no proc 74/09.9GBGLG.E1,ac RP de 11-06-2003 no proc nº 1470/03 todos disponíveis in www.dgs.pt
9º Segundo o disposto na art 212, nº 1 do CP pratica o crime de dano quem destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia
10º Dos factos provados consta que o arguido pegou numa mesa e empurrou-a tendo esta batido num balcão frigorifico tendo provocado uma amolgadela na porta
11º Não se provou qualquer estrago na mesa, mas apenas no balcão frigorifico correspondente a um prejuízo no bem, supostamente propriedade do assistente, no valor de 250,00€.
12º O crime de dano é um crime doloso.
13º Ou seja, o agente tem de saber ou representar que o resultado da sua acção sacrifica coisa alheia(cft Ac da RC de 17 -02-214 no proc nº 140/10.8 GAPTL.G2 publicado em www gde.mj.pt
Consiste o dolo, neste crime, na consciência e vontade de destruir, danificar ou desfigurar a coisa alheia, com o fim de lesar a propriedade de outrem(Leal Henrique Simas Santos, CP 1982, vol 4 1987 Rei dos Livros pg 117)
14º Assim, embora se verifique o elemento objectivo do crime, faltou o elemento subjectivo, isto é, o dolo
15º De facto, as circunstâncias em que, o comportamento do arguido ocorreu denotam que o arguido não pretendia danificar o objecto onde o prejuízo se verificou, mas apenas reagir contra o facto de ser posto fora do estabelecimento.
16º Na verdade, foi na sequência de uma altercação entre ofendido e arguido, pelo facto da atitude do ofendido em dar a ordem de saída da padaria ao arguido, que sucedeu o empurrão ao ofendido e também na mesa, ou seja, o arguido não pretendeu causar qualquer dano no bem, supostamente do ofendido.
17º Independentemente disso, o balcão continuou a ser usado e utilizado pelo assistente, sendo o prejuízo causado diminuto não merecendo a tutela penal.
18º Considerando ambos os crimes merecedores de tutela penal sempre se deveria ter em conta na determinação concreta das respectivas penas o que dispõe o art 71 do CP
19º A determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido deverá ser feita em função da sua culpa, do grau de ilicitude do facto, das exigências de prevenção de futuros crimes e outras circunstâncias estabelecidas no referido artigo 71 do CP.
20º Toda a pena tem como suporte axiológico-normativo a culpa concreta sendo que esta é a causa final da determinação da pena, sem prejuízo das considerações de prevenção geral e especial (artigo 71.º deste código), não podendo nunca a medida concreta da pena ultrapassar a culpa do agente.
21º A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito e a culpabilidade, seu pressuposto e limite último, e seja possível, pelo menos o cumprimento da missão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, acrescendo deste modo o fim da prevenção especial.
22º Os factos ocorrerem no dia 15-10-2022, pelas 5:30h, em que o arguido, acompanhado por duas pessoas, se deslocou à “Padaria ...”, sita na Rua ... em ..., explorada pelo assistente BB, tendo sido servido pelo assistente, permanecendo dentro do estabelecimento, a consumir. Pouco depois, o assistente pediu ao arguido e às pessoas que o acompanhavam que fizessem menos barulho. Como o arguido não acatou ordenou-lhe que saísse
23º Dado que as padarias apenas devem abrir às 6 horas, o ofendido teria praticado uma infracção ao ter a mesma aberta ao público, servindo a desoras o arguido e os companheiros
24º O ofendido tem mais de 60 anos, e o arguido tinha 21 anos, notando que ele teria excesso de álcool , na expressão por si utilizada não “estaria sozinho”, deveria actuar de modo diferente até porque ficou com medo da reacção do arguido ao impor a sua saída da padaria.
25º O ofendido prevaricou ao ter a padaria aberta ao público àquela hora e principalmente, ter tido uma atitude prepotente e vexatória que constitui uma provocação, embora ténue, mas que contribuiu para o comportamento da vítima , dando o empurrão no ofendido e na mesa, ou seja, o arguido agiu num estado de emoção que foi provocado pelo assistente, agravado por algum excesso de álcool , que não o isentando de culpa a diminuem.
26º Ora, tais factos, não deveriam ser ignorados pelo julgador e deveriam ser tidos em conta no processo de determinação da pena pelos referidos crimes, designadamente sobre a ponderação do grau de culpa do arguido/recorrente, diminuindo-a, com os inerentes reflexos na medida concreta da pena.
27º As consequências de ambos os empurrões não foram de elevada gravidade, como atrás foi dito, para merecerem uma pena concreta de 90 dias de multa para cada um dos crimes .
28º Quanto à conduta anterior aos factos e posterior, o arguido não tem antecedentes criminais e o facto de não estar presente no julgamento não pode militar contra si, como resulta da douta sentença, até porque,
29º Requereu a justificação da falta por estar doente, tendo a mesma sido relevada.
30º O arguido tinha, na altura, pouco mais de 21 anos, o que deveria ser tido em consideração, embora tal não constitua atenuação especial, mas poderia, uma eventual redução da pena, contribuir para uma maior socialização e integração do arguido, tanto mais que antes dos factos e depois deles tem manifestado um comportamento exemplar.
31º Acresce que, se a pena aplicada a cada um dos crimes diminuísse para 30 dias de multa para cada um deles, o arguido estaria abrangido pela regime de perdão da pena previsto na Lei nº 38-A/2023 de 2-08, nos termos do disposto no art 3, nº2, alínea d), uma vez que, em cúmulo jurídico, não lhe seria aplicada pena superior a 120 dias de multa
32º Dispõe o artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
33ª Ora, atentos os factos dados como provados, o arguido só praticou os factos , ambos os empurrões, após o vexame de receber uma ordem de saída daquele local, onde só entrou porque o assistente transgrediu.
34º Embora a culpa do assistente não seja igual à do arguido, foi o estado emocional deste que contribuiu para aquelas condutas .
35º Assim, a culpa do ofendido, ainda que reduzida tem sempre de ser ponderada no confronto com aquela demonstrada pelo arguido recorrente, justificando-se plenamente que os danos sofridos pelo demandante não possam ser ressarcidos integralmente pelo aqui arguido/demandado, devendo, por isso, ser diminuída essa sua obrigação
36º A douta sentença a quo violou o disposto, entre outros, no art 143 nº 1, 212 nº1, 71 do CP, e 570, nº 1 do CC.
37º Pelo exposto deve, pois, dando-se provimento ao recurso, ser revogada a sentença e substituída por outra que absolva o arguido, ou, caso assim não se entenda, seja reduzida a pena de ambos os crimes para 30 dias de multa para cada um deles, com a consequente redução do cúmulo jurídico
38º A absolvição do arguido em ambos os crimes levará à absolvição no pedido civil, ou, caso seja condenado na parte criminal em multa inferior àquela em que foi condenado, deverão os montantes da indemnização serem reduzidos quer no que diz respeito aos danos morais, quer quanto aos danos patrimoniais
Assim se fará, o que se requer e espera JUSTIÇA ...”.
“... II - A Posição do Ministério Público
Entende o Ministério Público que carecem de fundamento as pretensões do recorrente/arguido, não merecendo a douta sentença recorrida qualquer reparo.
Senão vejamos.
1. Da relevância criminal dos crimes de ofensa à integridade física e dano
Do crime de ofensa à integridade física
O crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal, estatui que «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
O bem jurídico que a norma incriminatória protege é a integridade física e psíquica da pessoa em si mesma e enquanto tal, tratando-se de um crime de dano (quanto ao bem jurídico violado) e de resultado (quanto ao objeto da ação).
No que concerne ao bem jurídico tutelado, como lesão corporal tipicamente relevante, inclui-se “toda a alteração anatómica ou patológica”, toda a “perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” - cfr. Prof. Pinto da Costa, Ofensas Corporais - Introdução ao seu Estudo Médico-Legal, Colóquio de 01.03.83, Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto.
Por consequência, o elemento objetivo do artigo 143.º do Código Penal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde de uma pessoa, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho.
Assim, “integram o elemento típico as atuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, como a perda de órgãos, membros ou pele, lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços, alterações físicas ou perturbação de funções físicas.
Objeto da ação é o corpo humano de outra pessoa. As lesões psíquicas cobertas por este segmento típico são tão-somente aquelas que, simultaneamente, causem um efeito físico, pelo modo ou intensidade de que se revestem. Outro tipo de perturbações do bem-estar psíquico poderá integrar uma lesão da saúde. (…)”
Qualifica-se de lesão na saúde “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, aqui se incluindo toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” (M/S/Maiwald I 81, citado na mesma obra, p. 207), toda a intervenção que perturbe o silêncio orgânico. (…) Considera-se lesão à saúde tanto a criação de um estado de doença(v.g. através de uma infeção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível ou por qualquer outra via, sendo irrelevante a necessidade de intervenção do médico no sentido da cura ou a duração da doença, para efeitos de integração deste tipo) como a manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento já existente (v.g. omissão de administração de medicamentos para minorar a dor de um paciente ou prescrição de medicamentos sem conhecimentos médicos para os efeitos)” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 28.02.2012, relator Fernando Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt.
Deste modo, exige-se uma apreciação da gravidade da lesão, fundada em critérios objetivos (como a duração e a intensidade do ataque ao bem jurídico e necessidade da tutela penal), sendo condição dessa relevância típica que a agressão do bem jurídico assuma um grau mínimo de gravidade descortinável segundo critérios de adequação social – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, 4.ª ed., UCE, 2021, pág. 602. No mesmo sentido, Figueiredo Dias explica que as lesões insignificantes estarão excluídas do tipo penal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros, mas antes exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor – cfr. Direito Penal, 2004, pág. 277.
Em suma, para que o tipo legal em apreço se considere preenchido, deverá verificar-se, materialmente, uma lesão efetiva do bem jurídico tutelado, enquanto consequência necessária da ação ilícita, através de uma atuação consciente, deliberada e esclarecida do agente, molestando o corpo do ofendido ou a sua saúde, nomeadamente provocando lesões físicas ou psíquicas neste, cuja gravidade seja suficiente para exigir a proteção do referido bem jurídico.
Tal crime abrange qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independente de esta provocar lesão corporal, como decorre do Assento n.º 2/92 do STJ de 18 de dezembro de 1991 (in DR, serie I-A de8 de Fevereiro de 1992) que declara: “integra o crime do art.º143.º do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.” – datado de 04.05.2022, relatora Cláudia Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt.
Por fim, no que respeita ao elemento subjetivo do tipo, o crime em análise exige o dolo do agente – enquanto conhecimento e vontade de realização da ação típica -em qualquer uma das suas modalidades, de acordo com o artigo 14.º do Código Penal.
Resultou da factualidade acima aduzida que o arguido AA, efetivamente, atingiu o corpo do ofendido BB com o empurrão desferido no peito deste, fazendo com que este recuasse do local onde se encontrava – conduta que, provocou dor, gerou pressão e violência sobre o corpo do ofendido.
Na verdade, a jurisprudência vem entendendo que um empurrão, de acordo com as circunstâncias, merece a tutela do Direito, consistindo numa efetiva violação do bem jurídico protegido pela norma, a saber o corpo e a saúde da vítima, na medida em que sempre estará em causa uma conduta que supõe o exercício de força contra o corpo do visado – o que basta para o preenchimento da tipicidade objetiva do crime – assim, Tribunal da Relação de Coimbra de 08.05.2019, relatora Maria Pilar de Oliveira, disponível em www.dgsi.pt.
De facto, «as lesões insignificantes estão excluídas do tipo de crime do artigo 143.º do Código Penal. O ato de “empurrar” envolve, em princípio, uma certa violência sobre o corpo de outra pessoa, e pode situar-se na fronteira da (i)licitude penal. Assim, um empurrão num transporte coletivo, ou um empurrão para afastar alguém que se aproxima demasiado, não serão condutas típicas; mas já o será o “desferir empurrões nos ombros de outra pessoa na sequência de discussão que se gerou entre ambas”» - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.10.2012, relator Ana Barata Brito, disponível em www.dgsi.pt.
Mais se veja o aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.03.2012, relatado por Alice Santos, disponível em www.dgsi.pt, o qual sumariou que “pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão”.
Isto posto, resulta da factualidade dada como provada que o empurrão dado pelo arguido ao ofendido não ocorreu por mero descuido ou incúria, mas no âmbito de uma discussão havida entre ambos, iniciada pelo arguido, pelo que entendemos que a conduta do arguido sobre o ofendido apresenta gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito.
Assim, o arguido sabia e quis lesar o corpo de BB, o que conseguiu, pelo que, inexistem dúvidas de que o arguido AA, com a sua conduta preencheu os elementos objetivo e subjetivo integrantes do crime de ofensas à integridade física simples p.e p. no artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
Do crime de dano
Dispõe o artigo 212.º n.º 1 do Código Penal “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
No crime de dano o bem jurídico protegido é a propriedade, isto é, protege a propriedade alheia contra agressões que atingem diretamente a existência ou integridade do estado da coisa.
A incriminação não protege direta e tipicamente o património, podendo afirmar-se, por isso, que o dano não configura um crime contra o património embora o prejuízo patrimonial configure uma consequência ou efeito do dano.
A propriedade constitui o bem jurídico protegido por tais normativos; aliás, sempre cumpre referenciar que o direito à propriedade encontra esteio e consagração constitucional, conforme se pode aferir da leitura do artigo 62.º da Lei Fundamental.
Todavia, tal asserção não deve ser considerada em sentido estrito. Com efeito, subscrevemos a posição de Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direito do Homem”, 3.ª Ed., Universidade Católica Portuguesa, p. 833, quando afirma que “o conceito penal de propriedade inclui o poder de facto sobre a coisa, com fruição das utilidades da mesma. (…) Portanto, ofendido no crime de dano é a pessoa proprietária, possuidora ou detentora legítima da coisa”.
Neste segmento, aludiremos também ao Acórdão n.º 7/2011 (publicado no Diário da República, n.º105, Série I, de 31-05-2011), que fixou jurisprudência neste sentido, considerando ofendido, no âmbito deste ilícito criminal, o proprietário da coisa “destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada”, e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afetado no seu direito de uso e fruição.
Ora, o objeto da ação "coisa alheia" tratar-se-á de coisa materialmente apreensível ou, de qualquer forma exposta à ação (destruidora ou modificativa) do homem.
A ação será o ato de destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável.
O crime de dano é um crime material, consumando-se com a efetiva destruição (total ou parcial), danificação, desfiguração ou inutilização da coisa, isto é, a consumação começa com a produção da lesão ou defeito da coisa.
A destruição configura a perda da coisa, e a consequente desintegração da sua substância, e que pode ser total – no seu todo – ou apenas em parte.
Já a danificação significa a ofensa relevante à materialidade ou integridade da mesma, que acarrete uma imperfeição ou falha (física ou de funcionamento) mas sem que tal signifique a sua completa destruição.
Por sua vez, a desfiguração consubstancia uma modificação da imagem exterior da coisa, que altere a sua representação extrínseca.
A inutilização reporta-se a uma diminuição da utilidade da coisa, atendendo à função que a mesma assegurava.
No que concerne ao elemento subjetivo, temos que se trata este de um crime exclusivamente doloso, mas que admite o dolo em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, ou seja, direto, necessário ou eventual.
Deste modo, em virtude da factualidade dada como provada, verifica-se que o arguido AA preencheu os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal do crime de dano, nos termos do disposto no artigo 212.º do Código Penal.
2. Da medida da pena
Os n.ºs 1 e 2 do artigo 40.º do Código Penal dispõem que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
Na esteira do Prof. Figueiredo Dias, entendemos que “a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.” Esta proteção dos bens jurídicos traduzir-se-á na tutela das expectativas da comunidade em manter em vigor a norma infringida e, assim, numa ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio de política criminal da necessidade da pena consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.
Assim, na determinação da pena haverá que atender “a uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, sendo certo que abaixo desse ponto óptimo de tutela, outros existem em que a tutela ainda é efectiva, até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem se pôr em causa a sua função tutelar.”
Mas, a medida da pena não poderá, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
Dentro dos limites da prevenção geral positiva ou de integração -o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela dos bens jurídicos - atuam razões de prevenção especial de socialização que determinam, em último termo, a medida da pena.
Visa-se com a prevenção especial evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reinserção na comunidade, só, assim, se alcançando uma eficácia ótima de proteção dos bens jurídicos.
Define-se, deste modo, a culpa como pressuposto e limite da pena, e a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade como seus fins.
Por sua vez, no artigo 70.º do Código Penal, o legislador revela uma preferência pelas penas não detentivas, na sequência do princípio da máxima restrição da aplicação da pena de prisão, sendo certo que apenas se deverá optar por uma pena de prisão quando tal seja imposto pelos fins das penas: a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º daquele diploma legal.
Definida em abstrato a moldura atentos os critérios deste preceito legal, estabelece o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal que a determinação da pena “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Aqui chegados e descendo ao caso concreto, cabe aferir se a sentença recorrida violou os supra expendidos critérios de determinação da pena.
Entendemos que não. Vejamos,
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada e em virtude das considerações jurídicas agora aduzidas, tendo em conta a violação pelo arguido de bens jurídicos distintos, conclui-se que o arguido cometeu, em concurso efetivo:
- um crime de ofensas à integridade física simples, previsto no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal e punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa;
- um crime de dano previsto pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal e punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida fez uma cuidada ponderação das circunstâncias enunciadas no artigo 71.º do Código Penal que depunham a favor do arguido e contra ele e, vistas as circunstâncias dadas como provadas e ponderadas no sentença, há-de convir-se que a redução dessa pena não será sustentável, pois poria certamente em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Assim sendo, parece-nos ser clara a inviabilidade da pretensão do arguido em ver reduzida na sua medida a pena em que foi condenado.
Pelo exposto, tendo presentes os fatores e ensinamentos supra referidos e, sem olvidar Que uma pena deve assumir-se como uma censura suficiente do acto e constituir um verdadeiro sacrifício e, simultaneamente, garantir à comunidade a validade e vigência da norma violada, entendemos que a Mma. Juiz a quo, ao fixar a pena única de 135 dias de multa, à razão diária de € 5,50, ponderou cabal e corretamente, a medida da culpa do arguido e as exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
“... Ao recurso respondeu doutamente a Exma. Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que, pelo seu acerto e eloquência, reclamam a nossa adesão e nos dispensam de outras considerações complementares para além daquelas que, brevemente, se seguem. Assim,
Não tendo o arguido impugnado validamente, isto é, nos termos do art.º 412º.3 e 4. o CPP, os factos provados 9., 10., 11., 12. e 13., e sendo jurisprudência pacífica que a simples dor é suscetível de configurar ofensa ao corpo, para efeitos da previsão do art.º 143º do Cód. Penal[3], e que, para integrar a previsão do art.º 212º do mesmo diploma legal, não é necessário que a coisa perca a sua funcionalidade, bastando que seja desfigurada, mais não cumpre se não concluir pela verificação, in casu, de todos os elementos típicos dos crimes de ofensa à integridade física simples de dano, pelo que a condenação do arguido, manifestamente, não é merecedora de qualquer censura.
Um segundo e último comentário apenas para consignar que, atenta a matéria de facto provada e aos critérios constantes nos art.ºs 70º e 71º do Cód. Penal, e como bem o demonstra o Ministério Público na sua resposta, a pena em que o arguido foi condenado revela-se justa e adequada à satisfação das finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, à culpa do arguido e às exigências de prevenção especial de socialização, razão pela qual também nesta parte deve o recurso improceder.
Não pode, contudo, deixar de se assinalar a inocuidade da original argumentação expendida pelo arguido para atenuar a sua culpa, atribuindo o sucedido ao facto de o assistente ter aberto o seu estabelecimento meia-hora mais cedo que seria suposto e de ter pedido ao arguido que se deslocasse para o exterior por estar a fazer muito barulho, ao ponto de, a dado passo do seu recurso, com certeza inadvertidamente, se referir a si próprio como «vítima».
Em síntese, também nós somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido AA deve ser julgado improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida. ...”.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis, ou seja, os princípios da verdade material, da livre apreciação da prova e “in dubio pro reo”. Tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está ainda sujeita aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação.
O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:
“... A) Factos Provados:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
Das Acusações Pública e Particular:
1. No dia o dia 15-10-2022, pelas 05h30, o arguido, acompanhado por duas pessoas, deslocou-se à “Padaria ...”, sita na Rua ..., ... ..., explorada pelo Assistente BB.
2. Nessa ocasião, o arguido foi servido pelo Assistente e permaneceu dentro do estabelecimento, a consumir.
3. Pouco depois, o Assistente pediu ao arguido e às pessoas que o acompanhavam que fizessem menos barulho, por ser de madrugada e haver residências nas imediações.
4. O arguido não acatou tal pedido e o Assistente pediu-lhes que saíssem do estabelecimento.
5. Nessa sequência, o arguido dirigiu ao assistente a expressão «estás feito burro».
6. Perante tal, tendo temido pela reação do arguido, solicitou aos três que se deslocassem para o parque de lazer que existe nas proximidades e que seria um local onde poderiam fazer barulho.
7. De imediato, o arguido entrou na zona de fabrico do estabelecimento, agarrou o Assistente e empurrou-o com força para a sua retaguarda.
8. Nesse momento, dois funcionários vieram em auxílio do Assistente, impedindo o arguido de prosseguir com tal conduta.
9. O arguido pegou, então, numa mesa e empurrou-a contra um balcão frigorífico, causando uma amolgadela na porta.
10. Como consequência adequada, direta e necessária da atuação do arguido, o Assistente sentiu dor e desconforto.
11. O arguido agiu com o propósito de molestar fisicamente o Assistente, o que conseguiu e com o que se conformou.
12. O estrago na porta do balcão frigorífico causou ao Assistente um prejuízo no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta Euros).
13. O arguido atuou com o objetivo de causar estragos no equipamento do estabelecimento comercial, que sabia pertencer ao Assistente, o que conseguiu.
14. Ao atuar como atuou, o arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Do Pedido de Indemnização Civil:
15. O assistente é pessoa honesta, educada e respeitada na comunidade.
16. O assistente sentiu enorme injustiça, por o arguido ser pessoa mais nova que o próprio.
17. O arguido sentiu-se diminuído e humilhado.
Mais se apurou que:
18. O arguido não tem antecedentes criminais.
B) Factos não provados:
Não se apurou a demais factualidade, designadamente:
Da Acusação Particular:
a) O arguido, ao proferir a expressão referida em 5), dirigiu palavras ao assistente que atentaram contra a sua honra e consideração.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado.
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:
“... A convicção deste Tribunal relativamente aos factos que considerou provados e não provados fundou-se na análise livre e crítica da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e carreada para os autos, em conjugação com as regras da experiência comum e da verosimilhança, conforme disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, sendo de destacar em particular: as declarações do assistente BB conjugadas com o depoimento das testemunhas CC e DD.
O arguido não compareceu na audiência de discussão e julgamento, apesar de regularmente notificado para o ato (cfr. ata de 21.10.2021).
Por seu lado, o assistente BB, num depoimento que se mostrou conciso e enquadrado, confirmou, genericamente, o teor das acusações pública e particular, tendo explicado as circunstâncias de tempo e lugar dos factos descritos, confirmando, desde logo, que a altercação ocorreu em virtude dos pedidos efetuados pelo próprio e pelos seus funcionários para que fizessem menos ruido, em face das horas a que tal ocorria e, como tal, podendo perturbar o descanso dos vizinhos.
Mais confirmou que o arguido aparentava se encontrar embriagada [mencionando que o arguido “não estava sozinho” (sic)] e que lhe dirigiu a expressão «estás feito burro», bem assim como que aquele o seguiu para a zona de fabrico do pão e empurrou-o no peito, de mãos abertas, tendo suscitado a intervenção dos seus funcionários e de um dos acompanhantes do arguido. Nessa sequência, indicou que o arguido, no referido local de fabrico, pegou numa pesa e atirou-a contra a porta do frigorifico, a qual ficou amolgada.
Mais indicou que o arranjo do equipamento se cifra em €: 250,00, valor apurado àquela data, conforme orçamento que o mesmo obteve junto de técnico especialista e que não foi colocado em causa por outra prova apresentada perante este Tribunal e que nos parece adequado ao caso em concreto, tanto mais a sinceridade e isenção com que o assistente apresentou o valor em causa.
Por fim, declarou que sentiu dor durante cerca de 3 dias, em face do empurrão, tendo tomado comprimidos para as dores, bem como ficou com receio que o arguido ali voltasse ou de o encontrar na freguesia onde aquele habita, tendo se sentido inquieto durante alguns meses – o que motivou a que mantivesse a porta do estabelecimento trancada.
As declarações do assistente foram plenamente corroboradas pelos depoimentos das testemunhas CC e DD, à data ambos funcionários do assistente e que se encontravam no local e à hora dos factos em discussão, tendo presenciado e confirmado, in totum, o modo como o arguido seguiu o assistente para a zona de fabrico da padaria, o empurrou com violência no peito, tendo ambos intervindo nesse momento da altercação, e como o arguido atirou uma mesa de madeira contra o frigorifico.
Ambos confirmaram que serviram 3 jovens, um dos quais o arguido, que aparentava se encontrar embriagado, e a quem solicitaram que fizessem menos barulho, ao que anuíram por poucos minutos, tendo o assistente solicitado, por essa razão, que saíssem do estabelecimento.
Por fim, confirmaram que o assistente, nos meses seguintes, passou a trancar a porta do estabelecimento, tendo DD mais confirmado que o assistente teve dores, tomou medicação nos dias seguintes, tendo ficado perturbado com os factos e que tinha receio de ir à freguesia do arguido e se cruzar com o mesmo.
DD mais declarou que o assistente é uma pessoa tranquila, respeitada e que gosta de estar bem com todos à sua volta.
Deste modo, em face dos depoimentos coerentes entre si, a prova realizada perante este Tribunal mostrou-se unívoca, tendo ficado patente que os factos ocorreram conforme vinham descritos na acusação pública, nomeadamente que o arguido, na sequência de uma chamada de atenção por parte do assistente quanto ao barulho que se encontrava a efetuar no estabelecimento comercial desta, proferiu a expressão descrita em 5), mais tendo, nessa sequência, empurrado o assistente, no peito, com força, o que lhe provocou dores e, ainda, atirado com uma mesa contra um frigorifico, o que provocou uma amolgadela.
Nestes termos, ponderando globalmente a prova produzida, não restaram dúvidas quanto à essencialidade dos factos em discussão, ou seja, que no dia e local indicados nas acusações, o arguido dirigiu ao assistente a expressão mencionada, que o empurrou e que danificou um frigorifico – pelo que foram dados como provados os factos descritos de 1) a 10) e 12).
Por fim, os factos provados n.ºs 11), 13) e 14) atenta a sua natureza subjetiva e, como tal, insuscetíveis de prova direta, resultam dos restantes factos dados como provados, sopesados com as regras da lógica e da experiência comum. Quer-se com isto dizer que a factualidade em mote se deu como provada porquanto a mesma se extrai da motivação que se tem vindo a expor, donde se conclui que o arguido, efetivamente, quis praticar os factos que lhe foram imputados (porquanto teve esse desígnio), que representou a factualidade imputada e quis agir de acordo com a mesma, sabendo atingia o corpo do assistente, sendo a sua atuação apta a causar-lhe dor e lesões, bem assim como sabia que, ao atirar a mesa, provocaria danos no equipamento em causa.
No que concerne aos factos que compõem o estado de espírito do assistente e fundam o pedido de indemnização civil descritos de 15) a 17), decorrem, naturalmente, da factualidade por este experienciada e que sempre se situa no padrão da normalidade correspondente à afetação pessoal e social causada pelo comportamento imputado ao arguido, bem assim como tendo em conta as suas declarações prestadas, nessa matéria, em sede de audiência de discussão e julgamento em conjugação com o depoimento das testemunhas ouvidas.
Por fim, valorou-se o teor do certificado de registo criminal junto aos autos e donde resulta o facto provado n.º 18.
Quanto aos factos não provados, não se produziu em audiência de julgamento qualquer outra prova, suficientemente consistente e credível, que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram.
Como tal, apenas ficou pro provar o facto descrito em a), referente ao elemento subjetivo relativo ao crime de injúria imputado, porquanto a expressão em causa não se mostra adequada a ofender a honra e a consideração do assistente, quer por não se dirigir diretamente à sua pessoa, mas ao seu comportamento, como por se afigurar somente como mera grosseria, carecendo da necessária dignidade penal para ser protegida pelo normativo legal correspondente.
Nessa esteira, sopesando toda a prova produzida, conclui o Tribunal conforme a factualidade globalmente sustentada nas doutas acusações e no pedido de indemnização civil, devida e inequivocamente suportada através de prova realizada perante si, a qual se demonstrou congruente e bastante para permitir formar a convicção de que os factos em causa ocorreram conforme agora dados como provados e não provados. ...”.
Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, bem como a rejeição do recurso cível, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no recurso são as seguintes:
I – Tipificação da conduta do Arg.;
II – Medidas das penas.
I – Entende o Recorrente que a sua conduta não preenche os elementos do tipo da ofensa à integridade física, porque se alguma lesão provocou esta foi insignificante, nem de dano, porque não se provou o respectivo dolo.
O tribunal recorrido tipificou a conduta do Arg. da seguinte forma:
“... B) Do crime de ofensas à integridade física:
O arguido vem, ainda, acusado da prática de um crime ofensa à integridade física simples, p. e p. no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal, o qual estatui que «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
O bem jurídico que a norma incriminatória protege é a integridade física e psíquica da pessoa em si mesma e enquanto tal, tratando-se de um crime de dano (quanto ao bem jurídico violado) e de resultado (quanto ao objeto da ação).
No que concerne ao bem jurídico tutelado, como lesão corporal tipicamente relevante, inclui-se “toda a alteração anatómica ou patológica”, toda a “perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” - cfr. Prof. Pinto da Costa, Ofensas Corporais - Introdução ao seu Estudo Médico-Legal, Colóquio de 01.03.83, Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto.
Por consequência, o elemento objetivo do artigo 143.º do Código Penal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde de uma pessoa, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (o legislador penal não exige um número mínimo de dias de doença ou de impossibilidade para o trabalho) - cf. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º Vol., p. 136.
Assim, “integram o elemento típico as atuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, como a perda de órgãos, membros ou pele, lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços, alterações físicas ou perturbação de funções físicas. Objeto da ação é o corpo humano de outra pessoa. As lesões psíquicas cobertas por este segmento típico são tão-somente aquelas que, simultaneamente, causem um efeito físico, pelo modo ou intensidade de que se revestem. Outro tipo de perturbações do bem-estar psíquico poderá integrar uma lesão da saúde. (…) Qualifica-se de lesão na saúde “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, aqui se incluindo toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” (M/S/Maiwald I 81, citado na mesma obra, p. 207), toda a intervenção que perturbe o silêncio orgânico. (…) Considera-se lesão à saúde tanto a criação de um estado de doença (v.g. através de uma infeção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível ou por qualquer outra via, sendo irrelevante a necessidade de intervenção do médico no sentido da cura ou a duração da doença, para efeitos de integração deste tipo) como a manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento já existente (v.g. omissão de administração de medicamentos para minorar a dor de um paciente ou prescrição de medicamentos sem conhecimentos médicos para os efeitos)” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 28.02.2012, relator Fernando Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, Paula Ribeiro de Faria refere que o tipo legal em análise supõe a produção de um resultado que é a ofensa do corpo ou da saúde, de outra pessoa, que tem de ser imputado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade e preenche-se independentemente da dor ou sofrimento causados – cfr. Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 205. Mais esclarece a referida Professora que “por ofensa no corpo poder-se-á entender todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante e sob o ponto de vista do bem jurídico protegido não será de ter como relevante a agressão, e ilícito o comportamento do agente, se a lesão é diminuta” – cfr. ob. cit., p. 205 e 207.
Deste modo, exige-se uma apreciação da gravidade da lesão, fundada em critérios objetivos (como a duração e a intensidade do ataque ao bem jurídico e necessidade da tutela penal), sendo condição dessa relevância típica que a agressão do bem jurídico assuma um grau mínimo de gravidade descortinável segundo critérios de adequação social – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, 4.ª ed., UCE, 2021, pág. 602. No mesmo sentido, Figueiredo Dias explica que as lesões insignificantes estarão excluídas do tipo penal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros, mas antes exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor – cfr. Direito Penal, 2004, pág. 277.
Em suma, para que o tipo legal em apreço se considere preenchido, deverá verificar-se, materialmente, uma lesão efetiva do bem jurídico tutelado, enquanto consequência necessária da ação ilícita, através de uma atuação consciente, deliberada e esclarecida do agente, provocando no corpo ou na saúde do ofendido uma lesão física ou psíquica, ainda que não acompanhada de sofrimento ou dor, cuja gravidade seja suficiente para exigir a proteção do referido bem jurídico.
Por fim, no que respeita ao elemento subjetivo do tipo, o crime em análise exige o dolo do agente – enquanto conhecimento e vontade de realização da ação típica - em qualquer uma das suas modalidades [direto, necessário ou eventual], de acordo com o artigo 14.º do Código Penal.
Resultou da factualidade acima aduzida que o arguido, efetivamente, atingiu o corpo do assistente com um empurrão desferido no peito, com violência, tendo provocado dores ao assistente e demandado a toma de medicação analgésica em virtude da pressão exercida sobre este.
Mais resultou provado que o arguido quis agir do modo acima descrito com o propósito, conseguido, de atingir o corpo do assistente, sabendo que a sua conduta era apta a produzir dor o que, efetivamente, se verificou, e, não obstante, não se coibiu de prosseguir com a mesma, pelo que fica demonstrado que o arguido agiu com dolo direto.
Na verdade, a jurisprudência vem entendendo que um empurrão, de acordo com as circunstâncias, merece a tutela do Direito, consistindo numa efetiva violação do bem jurídico protegido pela norma, a saber o corpo e a saúde da vítima, na medida em que sempre estará em causa uma conduta que supõe o exercício de força contra o corpo do visado – o que basta para o preenchimento da tipicidade objetiva do crime – assim, Tribunal da Relação de Coimbra de 08.05.2019, relator Maria Pilar de Oliveira, disponível em www.dgsi.pt.
De facto, «as lesões insignificantes estão excluídas do tipo de crime do artigo 143.º do Código Penal. O ato de “empurrar” envolve, em princípio, uma certa violência sobre o corpo de outra pessoa, e pode situar-se na fronteira da (i)licitude penal. Assim, um empurrão num transporte coletivo, ou um empurrão para afastar alguém que se aproxima demasiado, não serão condutas típicas; mas já o será o “desferir empurrões nos ombros de outra pessoa na sequência de discussão que se gerou entre ambas”» - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.10.2012, relator Ana Barata Brito, disponível em www.dgsi.pt.
Mais se veja o aresto do Tribunal da Relação de Coimbra [de 07.03.2012, relator Alice Santos, disponível em www.dgsi.pt], o qual bem sumariou que «pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão».
Isto posto, resulta da factualidade dada como provada que o empurrão dado pelo arguido ao assistente não ocorreu por mero descuido ou incúria, mas no âmbito de uma discussão havida entre ambos, e que culminaram na intervenção de terceiros para afastar o arguido do assistente e acalmar a situação, pelo que entendemos que a conduta do arguido sobre o assistente apresenta gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito.
Por fim, denote-se ainda que não ocorreram quaisquer causas de justificação da ilicitude, de exclusão de culpa ou outra condição de punibilidade que excluam a respetiva responsabilidade, pelo que se conclui que a conduta do arguido é ilícita e culposa.
Assim, o arguido sabia e quis lesar o corpo de BB, o que conseguiu, pelo que, inexistem dúvidas de que o arguido AA, com a sua conduta preencheu os elementos objetivo e subjetivo integrantes do crime de ofensas à integridade física simples p. e p. no artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, impondo-se a necessária condenação pelo crime cometido.
Por fim, o arguido vem ainda acusado do crime de dano conforme estatuído pelo artigo 212.º do Código Penal, segundo o qual «quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa».
Em face do disposto na norma aludida, o bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade, o que inclui o poder de facto sobre a coisa, com fruição das suas utilidades, pelo que será ofendido pelo crime de dano, não só o proprietário como o possuidor ou detentor legítimo da coisa – neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2021, UCE, pág. 901.
Por consequência, a norma protege a propriedade alheia contra agressões que atingem diretamente a existência ou integridade do estado da coisa, pelo que o prejuízo patrimonial configura uma consequência ou efeito do dano – cfr. Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão de 19.03.2003, relator Barreto do Carmo, disponível em www.dgsi.pt.
Assim, de acordo com o aresto supracitado, são elementos do tipo objetivo de ilícito:
1. O objeto da ação é a coisa corpórea, seja móvel ou imóvel – aqui se distinguindo do crime de furto, o qual apenas inclui coisas móveis – pelo que a coisa enquanto objeto da ação ilícita deve ser materialmente apreensível ou, de qualquer forma exposta à ação (destruidora ou modificativa) do homem, bem como passíveis de apropriação (e de destruição ou danificação). Por fim, a coisa deverá ter algum valor e a conduta lesiva revestir-se de algum relevo, para que o facto atinja o limiar da dignidade penal.
2. A coisa deve ser alheia, determinada pelos princípios da lei civil, excluindo-se as coisas insuscetíveis de apropriação, as rei nullius, as coisas próprias.
3. A ação humana ilícita tem que ser apta a «destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável», sendo que:
i) A destruição implica a perda total da utilidade da coisa, ou seja, a aniquilação definitiva da sua integridade tornando-a irreparável.
ii) A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma lesão preexistente, bem como pela modificação da substância da coisa ou diminuição da sua funcionalidade;
iii) Por desfigurar compreende-se os atentados à integridade física que alteram a imagem exterior da coisa, querida pelo respetivo proprietário.
iv) A inutilização abrange ações que suprimem, diminuem ou reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função, atingindo a sua integridade física ou material, sendo que a funcionalidade da coisa é determinada pelos usos e costumes da sociedade.
Por consequência, o crime de dano é um crime material e de resultado, consumando-se com a efetiva destruição (total ou parcial), danificação, desfiguração ou inutilização da coisa, isto é, a consumação começa com a produção da lesão ou defeito da coisa – cfr. aresto acima mencionado.
No que concerne ao elemento subjetivo, a conduta só pode ser assacada ao agente a título de dolo, (que se desdobra no elemento intelectual, que consiste na representação, previsão dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade de realização daqueles elementos do tipo) em qualquer das suas modalidades, direto, necessário e eventual, pelo que inexiste a possibilidade de dano negligente – cfr. Tribunal da Relação de Évora em aresto de 22.10.2019, relator José Maria Martins Simão, disponível em www.dgsi.pt.
Por fim, denote-se, ainda, que comete um só crime de dano o agente que, na mesma ocasião, destrói várias coisas de uma pessoa, pelo que, havendo unidade da ação criminosa, o valor do dano causado resulta da soma dos valores das coisas danificadas – cfr. PPA, ob cit, pág. 904.
Das várias modalidades acima previstas, a danificação é a que interessa ao caso em concreto, pelo que sendo a lesão reparável, o valor do dano incluirá o valor da reparação da coisa – in casu, o montante de €: 250,00 conforme declarado pelo assistente.
Assim, reportando-nos ao caso em apreço nos autos, ficou demonstrado que o arguido, atirou uma mesa contra um frigorifico, provocando uma amolgadela na respetiva porta, o que evidencia que, através da sua conduta, o arguido atentou contra a integridade material daquele equipamento, diminuindo-o na sua funcionalidade, assim preenchendo o elemento objetivo do normativo legal em apreço.
Mais se encontra comprovado que a reparação da porta em causa se cifra no montante de €: 250,00 apurado à data da prática dos factos, inexistindo nos autos quaisquer fatores que importem a consideração de valor diferente, nomeadamente quanto à respetiva inflação.
Como tal, em face da factualidade analisada, mais se encontra demonstrado que a atuação protagonizada pelo arguido AA é voluntária, consciente e livre, com o concretizado propósito de causar estragos no imobiliária do assistente, não obstante saber que os objetos lhe não pertenciam e que essa sua conduta era proibida e punida por lei, o que permite concluir pela prática do crime com dolo direto.
Denote-se ainda que não ocorreram quaisquer causas de justificação da ilicitude, de exclusão de culpa ou outra condição de punibilidade que excluam a sua responsabilidade, pelo que se conclui que a conduta do arguido é ilícita e culposa.
Deste modo, em virtude da factualidade dada como provada, verifica-se que o arguido AA preencheu os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal do crime de dano, nos termos do disposto no artigo 212.º do Código Penal, impondo-se a respetiva condenação pelo mesmo. ...”.
São elementos do tipo de ofensa simples à integridade física, p. e p.[7] pelo art. 143º do CP[8], a ofensa no corpo ou na saúde de outrem, causada dolosamente[9].
Esta ofensa é qualquer alteração desfavorável produzida no organismo de outrem, anatómica ou funcional, local ou generalizada, de natureza física ou psíquica, seja qual for o meio empregado para a produzir. Não se exige a existência de dor ou de lesão externa[10], mas a ofensa não poderá ser insignificante, segundo um critério da adequação social[11].
Por isso, entendemos que a acção de força física para empurrar outrem, com força para trás, como manifestação de desagrado e com intenção molestar fisicamente o Ofendido, que sentiu dor e desconforto, integra a prática de um crime de ofensa à integridade física.
Não desconhecemos o acórdão que decidiu no sentido de que se o empurrão só causa desconforto, não integra o crime de ofensa à integridade física[12], mas não subscrevemos tal entendimento, por entendermos que não é socialmente adequado (vejam-se, na nota anterior, os exemplos de adequação social referidos por Paulo Pinto de Albuquerque) manifestar desagrado empurrando outrem, porque ultrapassa o nível geralmente habitual e socialmente tolerado de impacto físico no corpo de outrem[13].
Seria até paradoxal que, se para manifestar tal desagrado o agente insultasse ou ameaçasse outrem, cometeria um crime de injúria ou ameaça, mas já não cometeria qualquer crime se se limitasse a usar da força física para o empurrar causando-lhe desconforto.
De qualquer forma, no nosso caso, o empurrão, não só causou desconforto, mas também dor, pelo que, mesmo nos termos desta jurisprudência, integraria o crime de ofensa à integridade física.
Por isso, consideramos que a conduta do Arg., nesta parte, preenche os elementos do tipo da ofensa simples à integridade física.
Quanto ao crime de dano, não pode deixar de ser improcedente a pretensão do Arg., uma vez que “... atuou com o objetivo de causar estragos no equipamento do estabelecimento comercial, que sabia pertencer ao Assistente, o que conseguiu. ...” (facto provado 13.) e a matéria de facto nem sequer foi impugnada.
É, pois, improcedente, nesta parte, o recurso.
O tribunal recorrido fundamentou a escolha e a determinação que fez das medidas das penas da seguinte forma:
“... 1. Da escolha da Pena
De acordo com o disposto no artigo 30.º do Código Penal «o número de crimes determina-se pelo número de tipos efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada e em virtude das considerações jurídicas agora aduzidas, tendo em conta a violação pelo arguido de bens jurídicos distintos, conclui-se que o arguido cometeu, em concurso efetivo:
- um crime de ofensas à integridade física simples, previsto no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal e punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
- um crime de dano previsto pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal e punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Em face dos normativos legais em apreço, verifica-se que estatuem uma alternatividade entre as penas aplicáveis, de prisão e de multa, pelo que, desde logo, se impõe ao Tribunal proceder à respetiva escolha e aplicação ao caso em concreto.
Como tal, primeiramente, deve ser realizada uma ponderação ao nível da escolha da pena, de acordo com as finalidades que lhe subjazem de acordo com o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, ou seja, tendo em conta que a aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Assim, verifica-se, por um lado, a culpa - que atua como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – e, por outro, a prevenção, constituem os dois termos do binómio em que irá ser determinada a medida da pena – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 214.
Mais denota o referido Professor que “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” (in ob cit, pág. 227), enquanto juízo de censura ético-jurídico imposto ao agente. Em suma, preconiza este autor que «toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa” – cfr. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, 2019, pág. 96.
Por sua vez, estabelece o artigo 70.º do Código Penal o critério que deve presidir à escolha da pena, explicitando que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Ora, o critério exposto neste artigo evidencia, antes de mais, que o ordenamento jurídico-penal português assenta na conceção básica de que a pena privativa da liberdade deve constituir a último ratio da política criminal - entendimento sufragado por Figueiredo Dias, in ob cit, págs. 52 e 53.
Neste sentido, a preferência referida no artigo 70.º “só deverá ser afastada devido a considerações de prevenção, sobressaindo as especiais de socialização, sem que, porém, também, as exigências de prevenção geral não sejam descuradas, no sentido de que a tanto se oponham na medida em que revelam o conteúdo indispensável à defesa do ordenamento jurídico» - cfr. Acórdão da Relação de Évora de 02.02.2016, relator António João Latas, disponível em www.dgsi.pt.
No que se refere às exigências de prevenção geral, estas referem-se à tutela da confiança e das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, ou seja, a pena tem como finalidade primária o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, 2019, pág. 91. Por sua vez, quanto às exigências de prevenção especial, estas serão aferidas pela necessidade de socialização do agente.
Como tal, através da aplicação de uma concreta pena, pretende-se mostrar à comunidade que a norma protetora de um certo bem jurídico continua válida e que a sua violação acarreta consequências.
Em todo o caso, a necessidade de tutela de bens jurídicos tem de “fornecer um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção dentro dos quais podem (e devem) atuar as considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização” – cfr. Figueiredo Dias, As Consequências cit., pág. 229.
Revertendo ao caso em concreto, tendo em conta as circunstâncias acima descritas e que geraram o cometimento dos presentes factos, permite-se integrar os mesmos num episódio esporádico, acrescendo a ausência de antecedentes criminais do arguido, considera-se que a aplicação da pena de multa se revela adequada e suficiente a satisfazer as necessidades de punição e, desse modo, por um lado, constituirá aviso suficiente para que o arguido não pratique factos da mesma natureza e, por outro lado, reafirmando-se a confiança da comunidade na validade e vigência da norma jurídica violada, sob pena de a aplicação de uma pena privativa da liberdade se demonstrar como violadora do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso.
Encontrando-se escolhida a pena a aplicar ao caso em concreto, deve ser determinada a sua medida concreta, nos termos do artigo 71.º do CP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (n.º 2).
Neste ponto, deve ser denotado que não podem ser tomadas em consideração as circunstâncias que já façam parte do tipo de crime, de acordo com o princípio da proibição da dupla valoração, «segundo o qual o juiz não deve utilizar para determinar a medida da pena as circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto – cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina do Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2007-2008, pág. 25.
Em todo o caso, sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo - neste sentido, Figueiredo Dias, ob cit, pág. 235.
Assim, estabelece o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram a sua ação, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, as condutas anterior e posterior ao facto (alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP) e ainda as exigências de prevenção geral e os seus antecedentes criminais.
Ora, tendo em conta que, in casu, a aplicação da pena de multa ao arguido será tida como pena principal, esta deve ser tida como autêntica pena criminal - e não mero “direito de crédito” contra o condenado conformada em termos que permite a plena realização das finalidades das penas, em particular a realização das exigências de prevenção geral - neste sentido, Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina do Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2007-2008, pág. 12.
Como tal, “impõe-se que a aplicação da pena de multa represente uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma” - Figueiredo Dias, in ob cit, páginas 118 e 119.
Por consequência e para a determinação concreta da pena de multa devem ser aplicados os critérios dispostos no artigo 47.º do CP, sendo que a moldura abstrata da pena se situa entre o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360 (n.º 1), definida de acordo com o sistema dos dias-multa, segundo o qual aquela deve ser fixada em função de um certo número de dias e processando- através de dois atos autónomos, separados e sucessivos:
i) num primeiro momento, fixa-se o número de dias de multa com base nos critérios da determinação da medida da pena plasmados no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, ou seja, “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” – cfr. art.º 47.º, n.º 1 do CP;
ii) num segundo momento, fixa-se o quantitativo diário de cada dia de multa de acordo com a capacidade económica e financeira do agente e dos seus encargos pessoais, sendo o limite mínimo do quantitativo diário da pena de multa aplicável ao arguido é de 5,00€ (cinco Euros) e o máximo de 500€ - cfr. art.º 47.º, n.º 2 do Código Penal.
Por conseguinte, à luz de tais princípios, e de acordo com os critérios expostos, importa determinar a medida concreta de cada pena aplicável ao Arguido.
Quanto a ambos os crimes, há de atender-se ao modo de execução dos factos, tendo o arguido, por sua iniciativa, e sem qualquer justificação para a sua conduta, desferido um empurrão contra o assistente, na presença dos funcionários do assistente, bem como danificando imobiliário do mesmo, o que, desde logo, revela um grau de censura elevado.
Em particular quanto ao crime de ofensa à integridade física, importa considerar a existência de consequências para o assistente, consubstanciadas em dor localizada e que demandaram a toma de medicação, o que evidencia um mediano grau de afetação do bem jurídico atingido pela atuação perpetrada pelo arguido.
Quanto ao crime de dano, não milita a favor do arguido o facto de ter sido cometido no estabelecimento comercial do assistente, durante a madrugada, o que evidencia o grave sentimento de insegurança que lhe foi provocado.
Acresce ainda, no que importa às consequências produzidas, o valor do estrago produzido, o qual, ainda que se situando aquém do montante legalmente considerado elevado, certo é que não é de todo inexpressivo para mitigar a culpa do arguido.
Quanto a ambos os crimes indicados, valora-se ainda o carácter intenso do dolo, na sua modalidade direta, porquanto os factos foram queridos e realizados pelo arguido, o que indica uma elevada culpa, conforme factualidade dada como provada e, por consequência, gerando uma especial reprovação por este Tribunal.
Relativamente aos factos anteriores e posteriores ao cometimento destes ilícitos é de ter em conta, por um lado, que o arguido não tem antecedentes criminais e, por outro lado, a sua falta à audiência de discussão e julgamento, sem qualquer justificação e privando o Tribunal de conhecer da sua razão e perceção sobre os factos que lhe vinham imputados.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, as mesmas são relevantes na medida em que a comunidade repudia, veementemente, os comportamentos impulsivos demonstrados pelo arguido, em virtude dos sentimentos de insegurança que criam na comunidade.
Finalmente, milita a favor do arguido a inexistência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza ou natureza diferente, o que fundamenta a possibilidade deste Tribunal fazer um juízo de prognose favorável acerca da sensibilidade do mesmo à aplicação da pena e de ser por ela influenciado, e, desse modo, aplacando as exigências da prevenção especial que se impõem quanto ao cometimento de novos factos ilícitos.
Assim, ponderando todas as razões acima avançadas e com vista a conseguir a plena ressocialização do arguido, a satisfação das finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem prescindir do limite inultrapassável que é a culpa do arguido, mais atendendo que em julgamento não foi possível apurar as condições económicas do arguido, certo é que o arguido se situa em idade profissional ativa, pelo que é legitimamente presumível afirmar que aufere mensalmente, pelo menos, o valor do salário mínimo nacional [atualmente fixado em €: 820,00 pelo Decreto-lei n.º 107/2023 de 17 de novembro] e que tem como encargos as despesas habituais do quotidiano, entende-se como adequado aplicar as seguintes penas:
- pelo crime de ofensas à integridade física a pena de 90 dias de multa;
- pelo crime de dano a pena de 90 dias de multa.
- fixar o quantitativo diário da multa, em cada pena, em €: 5,50, o qual não coloca em causa a dignidade do condenado, não se demonstrando nem demasiado excessivo para aquele, não lhe impondo um sacrifício exagerado, nem, por outro lado, sendo irrisório ao ponto de não cumprir as finalidades de prevenção exigidas.
3. Do Cúmulo Jurídico:
Conforme exposto no artigo 77.º, n.º 1 do CP, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Por sua vez, refere o n.º 2 do artigo 77.º do CP que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Na verdade, conforme bem explica o douto Supremo Tribunal de Justiça «I. A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do art. 77.° do CP, tem a sua moldura abstrata definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos (…) II. Segundo preceitua o n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. III. Assim, com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente» - in acórdão de 21-11-2012, relator Oliveira Mendes, disponível em www.dgsi.pt.
Em suma, no caso de cúmulo jurídico, deveremos, essencialmente, proceder a uma ponderação global dos factos, por um lado e, por outro, atender à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise – cfr. Souto de Moura in A Jurisprudência do S.T.J. sobre fundamentação e critério da escolha e da medida da pena, Lisboa, 26 de Abril de 2010.
Isto posto, foi já acima determinada a medida concreta da pena para cada um dos crimes, pelo que prosseguindo para o segundo momento de determinação e aplicando os critérios do artigo 77.º, n.º 2 do CPP, a moldura legal abstrata do cúmulo jurídico do concurso será de 90 a 180 dias de multa.
Por fim, de modo a concretizar a medida concreta da pena única do concurso, ponderando todos os factos praticados e que acima se evidenciaram, bem como a personalidade impulsiva do arguido (não acatando um pedido razoável do assistente), a necessidade da comunidade na validação das normas jurídicas violadas, a qual se considera elevada (desde logo, tendo em conta que a globalidade das condutas criminosas aqui em apreço), as necessidades individuais de prevenção e a necessidade de repressão deste tipo de criminalidade que manifestamente se impõe, é de considerar ajustada a fixação da pena única de 135 dias de multa.
No mais, por economia processual, consideram-se os factos já acima aduzidos no que concerne à situação económico-social do arguido, fixando-se, de igual modo, o quantitativo diário da pena única de multa em €: 5,50. ...”.
A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada[16],[17], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[18].
Na fixação concreta da pena de multa deve agir-se segundo os princípios gerais do doseamento da pena[19], isto é, devem considerar-se o grau de ilicitude e culpa, as exigências de prevenção e de reprovação, devendo ainda considerar-se quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do crime em apreço resultem a favor ou contra o agente[20], sendo que destas circunstâncias a decorrente da situação económica e financeira do Arg., desde que não tenha reflexo nos elementos de culpa e ilicitude, só deve ser considerada para a determinação do quantitativo diário.
Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do Arg. e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja.
Neste particular, como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores, a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição[21].
Por sua vez, na determinação da medida da pena do cúmulo serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º/1 do CP)[22],[23].
No presente caso, as penas parcelares aplicadas ao Recorrente foram fixadas em medidas ligeiramente inferiores a 1/4 dos intervalos entre os limites mínimos e máximos aplicáveis, e a pena única, em medida correspondente a 1/2 do respectivo intervalo, em montante diário muito próximo do limite mínimo.
Verificamos que o tribunal recorrido aplicou correctamente os princípios gerais de determinação das penas, não ultrapassou os limites das molduras das culpas, e teve em conta os fins das penas no quadro da prevenção. Por outro lado, em face da matéria de facto apurada, entendemos que não estamos perante qualquer desproporção da quantificação efectuada das penas, nem face a violação de regras da experiência comum, pelo que não se justifica intervenção correctiva deste Tribunal.
*****
Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC.
D.N.
(Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).
*****
[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Neste sentido, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02 de novembro de 2011, proferido no processo 215/10.3GBSRT.C1 (consultável em www.dgsi.pt).
[4] Código de Processo Penal.
[5] Supremo Tribunal de Justiça.
[6] “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[7] “p. e p.”: previsto e punido.
[8] Código Penal.
[9] O acórdão da RC de 29-11-2006, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 400/03.4, in www.dgsi.pt, decidiu que, sendo certo que um “empurrão” pode ofender ou molestar a integridade física ou o corpo do ofendido, não se preencherá o elemento subjectivo do crime quando o autor do facto apenas realizou uma acção natural de repulsa ou de afastamento coercivo, sem propósito ofensivo.
[10] Neste sentido, cf. Macaísta Malheiros, in “Crimes contra a vida …”, na Colectânea de Textos da Parte Especial do Direito Penal, ed. da AAFDL, 2008, págs. 123 e ss.; Paula Ribeiro de Faria, em anotação ao art.º 143º no “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 202 e ss.;
Sobre os elementos deste tipo de crime, veja-se também a seguinte jurisprudência:
- acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Fernando Ventura, in www.gde.mj.pt, proc. 525/06.4GCLRA.C1, de cujo sumário citamos: “…IV. -. No léxico comum o verbo “empurrar” contém sempre a acção forte, vigorosa, dirigida à deslocação de uma pessoa ou objecto. Logo, na representação e valorização colectiva, e quando assume a natureza de exercício de vis physica contra outrem constitui uma forma de violência. …”;
- acórdão da RC de 06-10-2010, relatado por Esteves Marques, no proc. 66/09.8GAOHP.C1, in www.dgsi.pt do qual citamos: “... Uma pessoa pode ser maltratada fisicamente independentemente do resultado. Ora no caso em análise em que a arguida C deu um empurrão na M essa actuação pressupõe sempre a necessidade de utilização de violência Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Tomo IV, pág. 379. sobre a pessoa, constituindo desse modo uma agressão à integridade física da vítima. Assim considerando que ficou igualmente provado que “a arguida actuou de forma deliberada, livre e consciente, pretendendo e conseguindo atingir, lesar e causar mau estar no corpo e saúde de outrem, bem sabendo que essa conduta era proibida e punida por lei penal” (ponto 5 da matéria de facto), preenchidos estão todos os elementos do crime em causa. ...”;
- acórdão da RC de 14-12-2010, relatado por Esteves Marques, in JusNet 5582/2010, do qual citamos: “…O tipo legal do art. 143° fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados (aliás estamos perante uma ofensa no corpo mesmo quando a vítima, mercê da ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, não se encontra em condições de sentir qualquer dor), ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (o legislador penal não exige um número mínimo de dias de doença ou de impossibilidade para o trabalho, cf. LEAL-HENRIQUES / SIMAS SANTOS 136). Não relevam para aqui os meios empregues pelo agressor, ou a duração da agressão, se bem que, como é evidente, todas estas circunstâncias sejam de ter em conta pelo juiz, nos termos do art. 71°, para determinação da medida da pena ".
Por outro lado deverá igualmente ter-se presente o Assento do STJ de 91.12.18 DR, I Série-A, de 8 de Fevereiro de 1992, nos termos do qual se estabeleceu que "Integra o crime do artº 142º do Código Penal, a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho". …”;
- acórdão da RC de 23-03-2011, relatado por Abílio Ramalho, in www.gde.mj.pt, proc. 759/09.0PAOVR.C1, cujo sumário citamos: “Comete o crime de ofensa à integridade física simples aquele que, intencionalmente e sem que nada lho legitimasse, agarra e aperta o braço da ofendida, com força e pressão adequada ao seu arrastamento para fora do gabinete onde se encontrava.”;
- acórdão da RC de 02-11-2011, relatado por Brízida Martins, in www.gde.mj.pt, proc. 215/10.3GBSRT.C1, cujo sumário citamos: “1.- Não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal. 2.- Pratica o crime de ofensa à integridade física simples aquele que voluntária e conscientemente agarra os pulsos da ofendida de forma a evitar que a mesma colocasse os pertences deste fora de casa, causando-lhe dores.”;
- acórdão da RC de 07-03-2012, relatado por Alice Santos, in JusNet 1855/2012, do qual citamos: “…O facto de não haver lesões não significa que o crime não se consumou. O arguido ao empurrar o ofendido, provocou-lhe com toda a certeza dor, mau estar e no caso vertente, desequilíbrio. …”;
- acórdão da RE de 10-04-2012, relatado por Martinho Cardoso, in www.gde.mj.pt, proc. 1130/04.5TASTB.E2, do qual citamos: “…Por ofensa no corpo deve entender-se toda a perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas, todo o mau trato através do qual a vítima é prejudicada no seu bem-estar físico de forma não insignificante, mesmo que não provoque qualquer lesão corporal, dor ou sofrimento físico e independentemente da gravidade dos efeitos ou da sua extensão (cfr. Prof. Pinto da Costa, citado por Leal Henriques e Simas Santos, "Código Penal Anotado", 2.ª edição, 2.° vol. , pág. 134; Paula Ribeiro Faria, "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Coimbra Editora, pág. 202 e segs). Tendo em conta o conceito ético-social de ofensa à integridade física, adoptado pelo nosso Código Penal, o tipo legal desenhado no art.º 143.°, do Código Penal, fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente de provocar dor ou sofrimento ou lesão externa ou interna. Na esteira da jurisprudência que tem feito vencimento e não se vislumbrando argumentos para a repudiarmos, entendemos, salvo o devido respeito, que a actuação voluntária consistente em impor a outrem que permaneça de pé durante as refeições como castigo, mesmo que não deixe marcas ou consequências visíveis no corpo do ofendido, integra actualmente o cometimento do crime tipificado no art.º 143° do Código Penal. …”;
- acórdão da RC de 12-04-2023, relatado por Alexandra Guiné, no proc., 1352/21.4PBFIG.C1, in CJ, II/2023, de cujo sumário citamos: “... II - Não pode considerar-se manifestamente insignificante a narrativa constante da acusação segundo a qual a arguida, dolosamente, "por trás, e num gesto brusco pegou" a ofendida "pelo ombro esquerdo e puxou-a, deu-lhe um forte abanão, causando-lhe desconforto físico". ...”;
- acórdão da RL de 21-01-2025, relatado por Alda Casimiro, nom proc. 1393/23.7PDAMD.L1-5, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... De facto, a acção de empurrar preenche o crime de ofensas à integridade física.
No sentido de que para o preenchimento do crime de ofensas à integridade física apenas se exige a existência de uma ofensa no corpo, como um empurrão, e não, cumulativamente, a existência de ofensa à saúde, constituindo ofensa toda a acção que prejudique o bem estar físico da vítima, até independentemente de provocar ou não dor, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.05.2012 (pesquisado em www.dgsi.pt); e o Acórdão do mesmo Tribunal de 7.03.2012 (pesquisado no mesmo sítio), onde se pode ler que “não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal (…) Pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão”.
Também em sentido próximo pode ver-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/92, de 18 de Dezembro de 1991, publicado no Diário da República, Série I-A, de 8.02.1992 (e citado na decisão recorrida) onde se estipula que “integra o crime do art.º 142º do Cód. Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho”.
E, no caso, nem sequer estamos perante um empurrão ligeiro. Pelo contrário, foi um empurrão que provocou o desequilíbrio do recorrente e, por isso, necessariamente desferido com força, constituindo uma agressão do ponto de vista ético-social, um gesto molestador, um constrangimento físico com capacidade para integrar o conceito de ofensas à integridade física.
Por outro lado, ao invés do alegado, não podemos considerar “normal” e no âmbito da “luta do homem pela sua liberdade”, que um arguido decida ofender o corpo de um Agente da PSP que, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, está a deter um suspeito da prática de um crime.
Desta forma podemos concluir, tal como o Tribunal a quo, que o recorrente cometeu, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, nº 1, do Cód. Penal ...”.
[11] Nesse sentido, ver Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do CP”, 6ª ed., 2024, UCP Editora, págs. 641/642, donde citamos: “... Não é condição da relevância típica a provocação de dor ou mal-estar corporal, incapacidade da vítima para o trabalho aleijão ou marca física (acórdão do plenário das secções criminais do STJ n. 2/92, que teve por objeto uma bofetada, e acórdão do TC n.º 226/20001, que julgou inconstitucional a norma constante do 9.º, n.º 2. al. b) da Lei n. 15/94, de 11.5, por violação do artigo 25.º da Constituição, quando interpretada em termos de considerar que uma agressão voluntária e consciente, consubstanciada em atos de violência física, não traduz uma violação de direitos, liberdades ou garantias pessoais dos cidadãos quando daí não resulte qualquer lesão ou de incapacidade para o trabalho e ainda acórdão do TRL, de 9.12.2015, in colectaneadejurisprudencia.com, que apreciou um empurrão).
5. Mas é condição dessa relevância típica que o ataque assuma um grau mínimo de gravidade, descortinável segundo uma interpretação do tipo à luz do critério de adequação social. Entre as condutas atípicas, em virtude da cláusula de adequação social, por vezes expressa em autorizações legais, encontram-se os exames médicos no processo penal ordenados pelo juiz (acórdão do TC n.º 155/2007, mas pondo em causa a respetiva constitucionalidade, FIGUEIREDO DIAS e SINDE MONTEIRO, 1984: 70 nota 133. e SILVA DIAS, 1986: 136), a vacinação pública obrigatória (acórdão do TEDH Solomakhin v. Ucrânia. 15 março 2012, $$ 36 a 38, e FIGUEIREDO DIAS e SINDE MONTEIRO, 1984: 56, mas contestando a respectiva constitucionalidade, SILVA DIAS, 1986: 136 e 137), as lesões físicas finalisticamente orientadas para a prática do desporto (sobre o assunto, MOURAZ LOPES, 1994: 35 e 36, ALEXANDRE MESTRE, 1998: 496, JOSÉ MEIRIM, 2000: 155 e 156, COSTA ANDRADE, 2003: 702 e 703, 718 e 719, com os exemplos do pé em riste» e do «carrinho» no futebol, e de novo, anotação 67.ª ao artigo 149.°, in CCCP, 2012, ANDRÉ DIAS PEREIRA, 2006: 435, TERESA QUINTELA DE BRITO, 2007: 499, ANGELA BATISTA, 2009: 87, e PAULA RIBEIRO DE FARIA, 2009: 405 a 410, com o estudo da responsabilidade penal do surfista, e na jurisprudência, acórdão do TRG, de 21.11.2022, processo 141/19.0GCVNF.G1, sobre agressões consubstanciadas em desferimento propositado de soco na cara e pontapé no tronco do ofendido, com intensidade suficiente para causar dores nas zonas corporais atingidas, e ocorridas após o termo de jogo de hóquei patins em que eram jogadores adversários o ofendido e um dos arguidos, sendo o outro arguido dirigente da equipa a que este pertencia e delegado ao jogo), os exames físicos de arguidos no processo penal, o corte de cabelo no serviço militar e a alimentação forçada a reclusos em greve de fome (ver a anotação ao artigo 156.°). Também não é penalmente relevante o facto de o menor ter sido agarrado pelo braço pela arguida (acórdão do TRE de 21.5.2013, in CJ, XXXVIII, 3, 233, e acórdão do TRP, de 21.2.2018, in colectaneadejurisprudencia.com). ...”.
[12] Da RP de 03-07-2024, relatado por Raquel Lima, no proc. 244/22.4GAMAI.P1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... Desconforto é sinónimo de mal estar físico? A conduta da arguida é punível?
Foram vários os Acórdãos já citados no Parecer.
Assim, Acórdão da Relação do Porto de 1132/18.4PBMTS. P1 – O crime de ofensa à integridade física supõe a produção de um resultado que é a ofensa do corpo ou da saúde de outra pessoa e que tem de ser imputado à conduta ou à omissão do agente, de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade.
II – Conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência das Relações, as lesões insignificantes estarão excluídas do referido tipo legal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros mas antes exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor.
III – Se alguém coloca as mãos nos ombros de outrem, empurrando essa pessoa para trás, mas não lhe provocando quaisquer dores, tal empurrão não pode deixar de considerar-se insignificante do ponto de vista da afetação da integridade física, enquanto bem jurídico aqui tutelado.
Acórdão da Relação de Coimbra de 21-01-2009, tirado no processo 525/06.4GCLRA.C1. “ Considera o recorrente que, em face do princípio da subsidiariedade, vertido no art. 18°, n° 2 da CRP, a ofensa ao corpo ou à saúde prevista na norma do art. 143°, n° 1 do CP deve ser determinada objectivamente e não pode ser insignificante, diminuta ou ligeira. Diga-se desde já que concordamos inteiramente com essa afirmação, pois neste, como em todos os domínios, a apreciação da censura jurídico-penal não dispensa a ponderação de respeito e conformidade com a representação e valoração colectiva densificada na norma incriminadora [[vi]]. Nessa medida, «a (in)adequação social fornece-nos o ponto a partir do qual a ofensa ao bem jurídico há-de considerar-se relevante, o limiar mínimo [...] a partir do qual é legítimo desencadear a reacção jurídico-penal» [[vii]]. É que, como indica Figueiredo Dias, «a realidade do crime [...] não resulta apenas do seu conceito, ainda que material, mas depende também da construção social daquela realidade; ele é em parte produto da sua definição social, operada em último termo pelas instâncias formais (legislador, polícia, ministério público, juiz) e mesmo informais (família, escolas, igrejas, clubes, vizinho) de controlo social. Numa palavra: a realidade do crime não deriva exclusivamente da qualidade “ontológica” ou “ôntica” de certos comportamentos, mas da combinação de determinadas qualidades materiais do comportamento com o processo de reacção social àquele, conducente à estigmatização dos agentes respectivos como criminosos ou delinquentes» [[viii]].
Afirmado este entendimento normativo, vejamos se no caso em presença foi respeitado esse limite, o mesmo é dizer, se a condenação do arguido respeitou o princípio da legalidade, na vertente da tipicidade penal. De acordo com o que ficou provado, o arguido abeirou-se de …, colocou-lhes a mãos no peito e empurrou-o, causando-lhe dor, resultado que visou e atingiu. Será esta uma conduta insignificante? Ou, colocando a questão de outro modo, estaremos perante comportamento sem relevância social bastante para justificar materialmente a censura jurídico-penal? Cremos que a resposta é negativa e que a conduta em apreço merece tipicidade penal.
No léxico comum o verbo empurrar contém sempre a acção forte, vigorosa, dirigida à deslocação de uma pessoa ou objecto [[ix]]. Logo, na representação e valorização colectiva, e quando assume a natureza de exercício de vis physica contra outrem constitui uma forma de violência. Violência essa que, sem perder tal caracterização, pode assumir muitas e diversas graduações, algumas em que a discussão sobre a tipicidade encontra relevo.
Com efeito, as situações da vida nos nossos dias colocam-nos muitas vezes em situações de proximidade corporal que proporcionam e de certa forma vulgarizam variados contactos físicos pelo que cobrir com a força repressiva penal uma total ausência de impacto físico noutra pessoa seria manifestamente excessivo. (…) Acontece que, no caso dos autos, a vítima da conduta do arguido não se limitou a sofrer o empurrão: sentiu dor em resultado da conduta do arguido e do emprego por este de força física importante. Ora, independentemente de não ser elemento exigido pelo tipo [[xii]], esse resultado da conduta não pode ser ignorado neste plano de análise, pelo suplemento de afastamento relativamente ao dever ser colectivamente exigido que aduz à conduta. Sendo a dor um fenómeno complexo e que pode ter múltiplas origens, certo é que a sua origem no caso em apreço encontra-se claramente associada a reacção bio-fisiológica causada por uma agressão, ao mesmo tempo lesiva da integridade física – pois os tecidos da zona onde foi exercida a força são mecanicamente afectados – e da saúde – pois desencadeou no organismo uma reacção biopsicológica penalizadora, i.e. uma alteração funcional do organismo e também do bem-estar psicológico da vítima [[xiii]]. Afirma-se assim a lesão do bem jurídico protegido com a incriminação da ofensa à integridade física.
É certo que dos factos provados não resulta que a vítima tenha carecido de qualquer intervenção terapêutica ou sofrido lesão duradoura mas daí não resulta que estejamos perante resultado socialmente insignificante. Com o devido respeito por opinião diversa, não nos parece que a sociedade tolere ou conviva sem forte censura relativamente a tais comportamentos nem que, ao contrário do referido no recurso, os assuma como «banais» e fruto de uma agressividade não desviante. (…) A tolerância, por desistência das instâncias formais de controlo, de um clima social de agressão e violência por via da vulgarização de comportamento como o dos autos reduziria inevitavelmente a cidadania e a vivência comunitária.
Cabe ainda notar que não é exacto afirmar que a decisão recorrida trilhou caminhos diversos, mormente no que toca à reclamada interpretação desconforme com a constituição. De forma clara, a referência de que a agressão foi «bastante leve» encontra-se na parte da decisão que motiva a escolha e graduação da pena e não significa a assunção de insignificância ou de ligeireza social da conduta. Trata-se apenas da indicação de que, no universo das condutas passíveis de subsunção no tipo penal, aquela desenvolvida pelo arguido devia situar-se no plano inicial - gravidade ligeira - da esfera de protecção da norma.
Não se veja, então, na decisão recorrida, nem, acrescente-se, nesta decisão, o que manifestamente nela(s) não se contém – entendimento distinto do recorrente quanto ao alcance do princípio da subsidiariedade consignado no artº 18º, nº2, da CRP e à exigência de importância social relativamente às condutas susceptíveis de integrar a prática do crime p. e p. pelo artº 143º do CP – mas tão somente diferente ponderação relativamente à ultrapassagem, em concreto, desse limiar mínimo de adequação social na perseguição e censura penal.
Assim, e em síntese, conclui-se que a conduta de alguém que empurra voluntariamente outrem, querendo e conseguindo causar-lhe dor, preenche todos os elementos do tipo contido no artº 143º, nº1, do CP. Bem andou, por conseguinte, o tribunal a quo na condenação do arguido.”
Socorrendo-nos deste último Acórdão, parece-nos que o conceito de (in)adequação social permitirá estabelecer o dito limiar mínimo de adequação social na perseguição e censura penal. ...” – Este acórdão tem um importante voto de vencido de Pedro Menezes, com o seguinte teor: “Não olvidando que por ofensa ao corpo deve entender-se «todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante», na formulação corrente da jurisprudência e doutrina alemãs, e que, entre nós, é também acolhida por Paula Ribeiro de Faria, na sua anotação ao artigo 143.o do Código Penal, no Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, 2.a ed., § 15, não posso concordar que seja insignificante a agressão deliberada, perpetrada no contexto de uma discussão entre duas pessoas na qual o agente se intrometeu para o efeito, e concretizada através de dois empurrões no ombro da vítima, que por via de tais agressões sofreu desconforto (físico). A aplicação coerente e consistente da decisão que antecede ameaça deixar a descoberto, de forma patente, e sem fundamentação adequada, uma dimensão significativa do direito fundamental à incolumidade física da pessoa, legitimando, doravante, formas de contacto físico indesejado e suscetíveis de gerar lesões de natureza física e psíquica, que a meu ver, e à luz das conceções sociais vigentes entre nós, não podem deixar de merecer (e exigir) a tutela do Direito Penal. De todo o modo, entendendo-se que a factualidade dada por assente é insuficiente para concluir pela «não insignificância» das agressões perpetradas, haveria que colmatar a eventual lacuna mediante os mecanismos processuais para tanto legalmente predispostos, antes de proferir uma decisão absolutória. Nestas circunstâncias, não posso associar-me à decisão que antecede, dela, em consequência, e muito respeitosamente, dissentindo.)]”.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão da RP de 28-04-2021, relatado por Eduarda Lobo, no proc. 1132/18.4PBMTS.P1, in www.dgsi.pt, o qual citamos: “... Alega o recorrente que não pode ter relevância penal o simples colocar das mãos nos ombros e empurrar, sem qualquer consequência no corpo ou na saúde da ofendida e sem que tivesse ficado provado o uso de violência.
Dispõe o artº 143º do Cód. Penal que "quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa".
O legislador nacional prevê neste preceito a ofensa à integridade física e define o tipo como a conduta de quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa. Trata-se da tutela do bem jurídico integridade física da pessoa humana, obedecendo ao comando constitucional do artº 25º nº1 da CRP: A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
Como refere Paula Ribeiro de Faria[3] "o tipo legal em análise supõe a produção de um resultado que é a ofensa do corpo ou da saúde, de outra pessoa, que tem de ser imputado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade".
E acrescenta a ilustre Professora que "o tipo legal do artº 143º preenche-se através de uma ofensa no corpo ou na saúde, da vítima, independentemente da dor ou sofrimento causados (existe uma ofensa no corpo mesmo quando a vítima, mercê da ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, não se encontra em condições de sentir qualquer dor)". ... "Por ofensa no corpo entende-se todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante". ... "A ofensa ao corpo ou a lesão da saúde não podem ser insignificantes. A exclusão das lesões bagatelares do âmbito deste tipo legal de crime é imposta por critérios de natureza constitucional, como o princípio da dignidade do bem jurídico protegido e da necessidade da intervenção do direito penal e pelo próprio teor literal do tipo, uma vez que não se poderá considerar existente uma ofensa ao corpo ou à saúde, onde a lesão seja insignificante ou irrelevante. A relevância da lesão é avaliada por critérios objetivos, de acordo com um padrão objetivo médio". ... "entre nós, entendem Leal Henriques/Simas Santos, artº 143º 226, que "o dano produzido pela ação do agente deve ser juridicamente apreciável, o que não acontece, por exemplo, com um beliscão, um resfriado ligeiro, uma dor de cabeça passageira".
O Prof. Figueiredo Dias entende, igualmente, que as lesões insignificantes estarão excluídas do tipo penal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros mas antes exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor[4].
Como explicava o Cons.º Maia Gonçalves[5], “As ofensas no corpo ou na saúde de outra pessoa, para que atinjam dignidade penal sejam subsumíveis à previsão deste artigo, não podem ser insignificantes, precisamente porque sendo o enquadramento penal a ultima ratio, qualquer comportamento humano, para que seja subsumido a preceito incriminador, deve ser filtrado pela luz que dimana do aforismo de minimis non curat paetor”.
Também a jurisprudência das Relações tem entendido que o resultado previsto pelo tipo legal de crime de ofensa à integridade física tem que estar presente e que isso só sucede quando o bem jurídico é afetado de forma não insignificante - veja-se, entre outros, Ac. R.Porto de 08.06.2005 (Proc. nº 0510382, Des. Fernando Monterroso), Ac. R. Porto de 11.06.2003, (Proc. nº 1470/03, Des. Manuel Braz), Ac R.E. de 21.05.2013 (Proc. nº 74/09.9GBGLG.E1, Des. António Latas), Ac. R.E. de 15.12.2015 (Proc. nº 169/13.4PBPTG.E1, Des. António Latas), Ac. R.E. de 22.09.2015 (Proc. nº 1157/10.8PBFAR.E2, Des. António Latas) e Ac. R. E. de 07.03.2017 (Proc. nº 160/16.9 GAVRS.E1, Des. António Condesso), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Com efeito, em face do princípio da subsidiariedade, vertido no art. 18° n° 2 da CRP, a ofensa ao corpo ou à saúde prevista na norma do art. 143°, n° 1 do CP deve ser determinada objetivamente e não pode ser insignificante, diminuta ou ligeira.
No caso em apreço, como resulta da matéria de facto provada, "No seguimento dessa discussão, o arguido colocou ambas as mãos nos ombros da ofendida, empurrando-a para trás. A ofendida não sofreu dores."
Ora, no léxico comum o verbo empurrar contém sempre a ação forte, vigorosa, dirigida à deslocação de uma pessoa ou objecto[6]. Logo, na representação e valorização coletiva, e quando assume a natureza de exercício de vis physica contra outrem, constitui uma forma de violência. Violência essa que, sem perder tal caracterização, pode assumir muitas e diversas graduações, algumas em que a discussão sobre a tipicidade encontra relevo.
Efetivamente, no significado mínimo comum às diversas formas e intensidade que pode assumir, empurrar alguém é suscetível de provocar ofensas no corpo ou na saúde de outrem mas, igualmente de acordo com as regras da experiência comum, tal não se verifica necessariamente.
No caso sub judice, como vimos, a ofendida não sofreu dores na sequência do ato de empurrar perpetrado pelo arguido.
Ora, como se refere no Ac. R. Évora de 22.09.2015 (acima citado), «O art. 143º do C.Penal prevê um crime de dano e de resultado, pois a lei exige a verificação de um evento separado espácio-temporalmente da conduta do agente que se traduza na lesão efetiva do bem jurídico protegido (a integridade física), quer se trate de lesão efetiva no corpo ou na saúde de outrem. Ou seja, é suficiente para o preenchimento do elemento objetivo do tipo que a integridade física seja atingida em resultado da conduta do arguido, sem que a lei penal faça depender a verificação do resultado típico de formas determinadas da lesão, pelo que se entende que o tipo legal pode preencher-se independentemente da dor ou sofrimento causados, como sucederá quando a vítima não se encontra em condições de sentir qualquer dor ou quando a ofensa é completamente indolor como sucede com o corte de cabelo.
O caso concreto, porém, convoca, ao nível do preenchimento do tipo de ilícito, a temática das chamadas causas de atipicidade ou de exclusão da tipicidade, ou seja, na definição de Luzón Peña (que seguimos de parte nesta matéria), circunstâncias que, por razões materiais, excluem a tipicidade da conduta apesar de esta formalmente encaixar-se na descrição legal, supondo, portanto, a negação do tipo.
Partindo da distinção de Luzón Peña entre causas de exclusão do tipo indiciário e causas de exclusão da tipicidade penal ou do ilícito penal, verificam-se estas últimas quando concorrem circunstâncias que operam como causas, tacitamente subentendidas no sentido dos tipos penais, de restrição e portanto de exclusão da tipicidade penal: embora haja uma perturbação ou lesão de bens jurídicos que em princípio é juridicamente relevante, no entanto não é grave o suficiente para considerar-se juridicopenalmente relevante; portanto, a conduta será de algum modo ilícita, mas não é penalmente típica e ilícita.
... De entre estas circunstâncias importa-nos no caso concreto o princípio da insignificância, que Luzón Peña diz ter sido concebido por Roxin como causa de atipicidade, e que também se designa como casos de ilícito bagatela. Significa o princípio da insignificância que não podem ser penalmente típicas ações que apesar de, em princípio, encaixarem numa descrição típica e de conterem algum desvalor jurídico, ou seja, que não se encontrem justificadas e não sejam plenamente lícitas, apesar disso no caso concreto o seu grau de ilicitude é mínimo, insignificante: porque, de acordo com o seu caráter fragmentário, as condutas penalmente típicas só devem ser constituídas por ações que sejam gravemente antijurídicas, não por factos cuja gravidade seja insignificante. O princípio da insignificância, conclui L. Peña, significa uma restrição tácita dos tipos que, no entanto, só opera quando numa conduta típica que, em princípio, é suficientemente grave, podem encaixar-se casos concretos cujo desvalor seja insignificante, o que pode suceder por ser mínimo o desvalor objetivo do facto ou do resultado ou também por ser mínimo o desvalor subjetivo da ação».
É o que se passa na situação em apreço nos presentes autos.
O arguido colocou as mãos nos ombros da ofendida, empurrando-a para trás, mas não lhe provocou quaisquer dores.
Não pode, assim, tal empurrão deixar de considerar-se insignificante do ponto de vista da afetação da integridade física, enquanto bem jurídico tutelado pelo crime pelo qual o arguido/recorrente foi condenado.
Conclui-se, assim, que o concreto contacto físico, apesar de provocado voluntariamente pelo arguido, foi de pequena intensidade e sem quaisquer consequências para a ofendida, pelo que se impõe considerar não ser a conduta do arguido suficiente para preencher materialmente o tipo legal de ofensa à integridade física, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude, revelando-se atípica a referida conduta e impondo-se consequentemente a absolvição do arguido. ...” (sublinhado nosso).
[13] Neste sentido, ver também o acórdão da RP de 29-01-2025, relatado por Pedro Menezes, no proc. 10976/22.1T9PRT.P1, cujo sumário citamos: “... I - Como expressão, designadamente, do princípio de ultima ratio do direito penal, não são, em princípio, de considerar jurídico-penalmente relevantes, na aceção dos crimes contra a integridade física, as «ofensas no corpo» ou «na saúde» (física) que se mostrem «insignificantes».
II - Para este efeito, não são de considerar insignificantes as ofensas que – nomeadamente pelas suas respetivas características, incluindo a sua intensidade e/ou duração – ultrapassem o nível geralmente habitual e socialmente tolerado de impacto físico no corpo de outrem. ...”.
[14] Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.
[15] [15] Assim, o acórdão do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção, in BMJ 402, pág. 232, do qual citamos: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
No sentido da constitucionalidade deste entendimento, cf. o acórdão do TC n.º 573/98, relatado por Messias Bento, que decidiu, para além do mais, nos seguintes termos: “... (a). não julgar inconstitucionais as normas resultantes da conjugação do artigo 433º do Código de Processo Penal com o corpo do n.º 2 do artigo 410º do mesmo Código, na medida em que limitam os fundamentos do recurso a que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum ...”.
[16] Entendemos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência exposta, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do mesmo Tribunal de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª … .”.
No mesmo sentido se pronunciou, antes, o acórdão do STJ de 29/01/2004, relatado por Pereira Madeira, no processo 03P1874, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Estas considerações levam a que o Supremo Tribunal entenda não interferir na medida concreta encontrada, justamente porque não encontra qualquer assomo de ilegalidade no procedimento seguido para apuramento das penas concretas aplicadas - parcelares e única - sendo certo que, como se sabe, os recursos são meio de corrigir ilegalidades mas não de refinar decisões judiciais.
Neste sentido se vem aqui reiteradamente entendendo (Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html, e muitos outros que se lhe seguiram) que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada" (Cfr. a solução que, para o mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255).
Ou, dizendo por outras palavras, "como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma "melhor justiça". (...) A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação do direito material". (Cfr. Cunha Rodrigues, Recursos, in Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 387.) …”.
No mesmo sentido, cf. Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, pág. 197, e Simas Santos e Marcelo Ribeiro, in “Medida Concreta da Pena”, Vislis: “A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”.
[17] Neste sentido, ver ainda o acórdão de RP de 02/10/2013, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 180/11.0GAVLP.P1, in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos: “O recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.”.
[18] Relevantes nos termos do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
[19] Como afirma Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Parte Geral – II - As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, a p. 127: “ § 145 Quanto ao reenvio para os critérios gerais de determinação (medida) da pena nesta operação, significa ele que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do art. 72.°-1, concretizados pelo n.° 2 do mesmo preceito (infra 8.° Cap.). Assim, todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção, geral e especial, devem exercer unicamente influência nesta fase de determinação da pena e, portanto, sobre o número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico--financeira do condenado qua tale deve ser expurgado de consideração nesta fase, apenas assumindo relevância na fixação do quantitativo diário da multa salvo quando tal se mostrar de imediata relevância para determinação da medida da culpa (infra § 159).”.
[20] A este respeito, porque sintetiza e expõe de forma exemplar a doutrina e a jurisprudência dominantes quanto à determinação das medidas das penas, citamos o Ac. do STJ de 09/12/1998, relatado por Leonardo Dias, in BMJ 482/77: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.
Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
[Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias – que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, a própria Lei Fundamental – propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pag. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou de pura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.]
Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura geral – a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.”.
Quanto à determinação da medida da pena, cf. também o Ac. do STJ de 09/03/2006, relatado por Arménio Sottomayor, in CJSTJ, tomo I, pp. 212 e ss..
Ver ainda o Ac. do STJ de 29/05/2008, processo 08P1145, in www.dgsi.pt, relatado por Souto de Moura, do qual citamos: “ … É hoje entendimento uniforme deste S.T.J., bem como da doutrina, que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites. Assim, podem ser apreciadas “a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais” (…) “E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, Pº 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197). Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta. Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art.º 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. Quando pois o art.º 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art.º 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs.. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229). Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir. O nº 2 do art.º 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. …”.
[21] Nomeadamente, como se afirma do STJ de 02/10/1997, relatado por José Abranches Martins, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano 1997, Tomo III, p. 183 e ss., “A amplitude estabelecida neste preceito (art.º 47º/2 do CP) quanto ao quantitativo diário da multa visa «eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver», como diz Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., 226.
De todo o modo, como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, «sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade», como se afirma no Ac. Da RC de 13.7.956, in CJ, XX, 4, 48.
Porém, por outro lado, na fixação da pena de multa, o tribunal não deverá deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.”.
Ou no acórdão da RC de 05/04/2000, relatado por Almeida Ribeiro, in Colectânea de Jurisprudência, Ano 2000, Tomo II, p. 60 e ss., “Tudo porque é indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o “Ersatz” de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.”.
Ou no acórdão da RC de 05/11/2008, relatado por Fernando Ventura, in www.gde.mj.pt, processo n.º 329/06.4TAMLD.C1, de cujo sumário citamos: “I. - O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. II. - Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.”.
[22] A este propósito escreve Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, págs. 290 a 292: “…§ 420 Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.°-1, um critério especial: «na determinação concreta da pena [do concurso] serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 78.°-1, 2.a parte).
A existência deste critério especial obriga logo (circunstância de que a nossa jurisprudência não parece dar-se conta…) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78.°-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo — da «arte» do juiz uma vez mais — ou puramente mecânico e portanto arbitrário…. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72.° (tanto mais quanto os factores por este enumerados podem servir de «guia» para a medida da pena do concurso, sem violação da proibição de dupla valoração: cf. infra § 422), nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável.
§ 421 Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade — unitária — do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (…).
…
§ 422 A doutrina alemã discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta (…).Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração (…). …”.
[23] E, como se disse no sumário do acórdão do STJ de 27/02/2013, relatado por Henriques Gaspar, no proc. 455/08.5GDPTM, in www.gde.mj.pt,: “…I - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
II - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
III -A aplicação e a interacção das regras do art. 77.º, n.º 1, do CP (avaliação em conjunto dos factos e da personalidade), convocam critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, por vezes de grande amplitude; proporcionalidade e proibição de excesso em relação aos fins na equação entre a gravidade do ilícito global e a amplitude dos limites da moldura da pena conjunta.
IV -Concretizando estes critérios, a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes contra o património praticados pelo arguido, e a menor ressonância externa e comunitária da prevenção geral no que respeita à indocumentação na condução automóvel, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela reiteração, aconselharia na perspectiva das exigências de prevenção geral a fixação de uma pena no limite próximo da metade inferior da escala da moldura da pena do cúmulo.
V - Porém, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto frequente com o sistema penal e sem aproveitamento do juízo de prognose favorável de que beneficiou, aconselham – e impõem – a intervenção exigente das finalidades de prevenção especial; como revelam os factos provados, as sanções penais de natureza e medida que então foram consideradas adequadas em função de juízos favoráveis sobre o comportamento futuro do recorrente, não constituíram meio idóneo de ressocialização e de reencaminhamento para os valores. As finalidades de prevenção especial são, assim, muito acentuadas, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida.
VI - Há, pois, que fixar a pena respeitando a proporcionalidade entre os crimes e a reacção penal. Nestes termos, dentro da moldura do cúmulo, que vai de 4 anos e 8 meses de prisão até 20 anos e 4 meses de prisão, mostra-se adequada a pena única de 12 anos de prisão [em substituição da pena única de 18 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido]. …”.