CRIME DE BRANQUEAMENTO E CRIME DE RECETAÇÃO
ENCOBRIMENTO DE VANTAGEM
CONCURSO APARENTE
CRIME PRECEDENTE
MEDIDA DE COACÇÃO - INDIVIDUAL
PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO PROPORCIONALIDADE E SUBSIDIARIEDADE
Sumário

I - No caso de encobrimento de vantagem proveniente de crime contra o património (furto qualificado) há concurso aparente (a dirimir através da figura da consunção) entre o crime de branqueamento e o crime de recetação.
II - Tendo ambas as normas um campo de ação que se interpenetra e que no caso é parcialmente coincidente temos de concluir que - caso estivessem reunidos todos os pressupostos - o crime de branqueamento consumiria o crime de recetação. E assim, este último não pode ser considerado o crime precedente.
III – As medidas de coação estão sujeitas aos princípios da adequação proporcionalidade e subsidiariedade, sendo a prisão preventiva a medida de última ratio.
IV – O princípio da proporcionalidade significa que as medidas de coação devem ser proporcionadas à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da sua prática.
V – As medidas de coação são individuais e exercem a sua força cautelar em relação ao arguido a quem são aplicadas e, logrando servir de desincentivo para coarguidos, não poderão relativamente a estes sustentar maiores exigências cautelares, com vista ao agravamento do estatuto coativo.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

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Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito dos autos de inquérito n.º2006/23.2JACBR-B.C1, a 05.12.2024, os arguidos AA e BB foram sujeitos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, na sequência do qual, para além do TIR já prestado nos autos, lhes foram aplicadas respetivamente:
Ao arguido AA:
- Obrigação de apresentação periódica diária, no posto policial da área da respectiva
residência;
- Obrigação de não se ausentar, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respectivo passaporte à ordem dos presentes autos, no prazo de 24H00;
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com o co-arguido BB.
Ao Arguido BB:
- Obrigação de apresentação periódica quatro vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras, sextas-feiras e sábados;
- Obrigação de não se ausentar, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respectivo passaporte à ordem dos presentes autos, no prazo de 24H00;
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com o co-arguido AA.

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I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão dela interpôs o Mº Público presente recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“IV - Conclusões.
Concluindo, dir-se-á, pois, que:
1.º - Os argumentos aduzidos pelo Mm.º JIC “a quo” não poderão, em circunstância alguma, fazer concluir pela aplicação das medidas de coação aplicadas e pelo afastamento da aplicação da prisão preventiva aos arguidos AA e BB, que foi promovida pelo Ministério Público.
2.º - A decisão é recorrível, conforme se retira do art.º 219.º n.º 1 do Código do Processo Penal e se pode ler no Ac. Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2014, in DR, I Série de 6-01-2014: “É admissível recurso do Ministério Público de decisão que indefere, revoga ou declara extinta medida de coacção por ele requerida ou proposta”.
3.º - Indiciam-se fortemente nos autos que praticaram os arguidos em concurso efetivo:
- AA, um crime de recetação, p. e p. pelo art.º 231.º, nº 1 e 4 do Código Penal, um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, n.º 1, 3, 4 e 8 do Código Penal, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al. a) e e) e n.º 3, com referência ao art.º 255º, al. a), ambos do Código Penal, em coautoria material e um crime de descaminho de objetos colocados sob poder público, p. e p. pelo art.º 355.º do Código Penal em autoria material.
- BB, um crime de recetação, p. e p. pelo art.º 231.º, nº 1 e 4 do Código Penal, um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, n.º 1, 3, 4 e 8 do Código Penal, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al. a) e e) e n.º 3, com referência ao art.º 255º, al. a), ambos do Código Penal, em coautoria material e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006 (RGAM), em autoria material.
4.º - Contudo, o Mmo. JIC considerou que os factos não se enquadravam crime de branqueamento, previsto e punido pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 3, 4 e 8, do Código Penal, como acima referido, porque no seu douto entendimento, o mesmo terá como precedentes, crimes de furto simples, previstos e punidos pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, ou de furtos qualificados, previstos e punidos pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1, e 204.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (em virtude do respectivo valor elevado), que se não enquadram no âmbito punitivo do art.º 368.º-A, n.º 1, proémio e suas alíneas.
5.º - Sucede, salvo melhor opinião e com o devido respeito, essa qualificação jurídica afigura-se incorreta, pois os crimes precedentes não são crimes de furto ou furto qualificado, mas sim o crime de recetação punido com pena de prisão até 8 anos, que o Mmo. JIC até entende como fortemente indiciado.
6.º - O despacho apresenta-se contraditório, na medida em que entende como indicado o crime de recetação, punido com pena até 8 anos de prisão, mas já não entende que esse crime de recetação, seja o crime precedente ao crime de branqueamento, mas sim crimes de furto e furto qualificado, que nem sequer são descritos na factualidade indiciada.
7.º - No anterior interrogatório judicial, o Mmo. Juiz com funções de instrução, entendeu que se estava perante o crime precedente de recetação e o crime de branqueamento (cfr. ref. 94396648).
8.º - Como se pode ler no Ac. da RL de 30-10-2019, proferido no âmbito do processo n.º 405/14.0TELSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt: “O branqueamento de capitais é um crime de mera actividade e de perigo, cujo cometimento se verifica com a simples execução de um dos comportamentos típicos, independentemente do seu resultado.
Objecto da acção típica são as vantagens patrimoniais resultantes de crime anteriormente cometido pelo próprio branqueador ou por outrém, desde que integrado no «catálogo».”.
9.º - O crime de recetação, crime precedente, enquadra-se no art.º 368.º - A, n.º 1 do  Código Penal, por ter uma pena de prisão superior a 5 anos.
10.º - Pelo que se indicia fortemente nos autos, igualmente o crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A, n.º 1, 3, 4 e 8 do Código Penal.
11.º - O Mmo. JIC ao ter feito a qualificação jurídica incorreta, no interrogatório de 5-12-2024, inquinou com essa qualificação, toda a subsequente apreciação dos perigos que se fazem sentir.
12.º - Assim, com o correto enquadramento legal da factualidade indiciada, verifica-se que a gravidade da factualidade imputada é muito superior, à qualificação jurídica da factualidade, realizada pelo Mmo. JIC.
13.º - Não foi tido em consideração na decisão em recurso, que as medidas de coação aplicadas anteriormente ao arguido AA e do conhecimento do arguido BB, não surtiram qualquer efeito, sendo que as medidas de coação aplicadas, em pouco diferem das medidas anteriormente aplicadas, o que manifestamente não acautela os perigos que se fazem sentir.
14.º - Dos autos retira-se a existência de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, tendo em conta, que este tipo de crime, gera sentimentos de insegurança na sociedade, relacionados com a titularidade de veículos automóveis, sendo que o crime de branqueamento, afeta ainda de forma séria a economia, e desse modo afeta de forma grave a ordem pública, na sua vertente económica.
15.º - Existindo ainda o perigo de continuação da atividade criminosa, na medida em que os arguidos, têm facilidade de obter tais viaturas, é expectável que os mesmos continuem com a atividade criminosa, se permanecerem com liberdade de movimentos.
16.º - Mais se observa que apesar de terem sido aplicadas anteriormente medidas de coação não privativas da liberdade, ao arguido AA, nos presentes autos, o que será do conhecimento do arguido BB em face da relação de proximidade entre estes, as mesmas não surtiram qualquer efeito, não tendo o arguido AA, conformado a sua conduta com o direito e continua com a sua conduta criminal, com total desprezo pelas autoridades.
17.º - Nem o arguido BB, ao ver aplicadas medidas de coação ao seu coautor dos factos, emendou o seu comportamento, para uma conduta conforme com o direito.
18.º - Por outro lado, os arguidos apresentam ligações a França, podendo ausentar-se para lugar incerto nesse país, ou até em outro país, de modo a evitar a sua responsabilidade criminal pelos factos graves dos presentes autos.
19.º - Igualmente, apesar de após o interrogatório o arguido AA ter dado conta da localização de parte dos bens que tinha colocado em local incerto e de que é fiel depositário, o arguido AA até entregou ao seu proprietário uma das viaturas que se encontrava apreendida dos quais era fiel depositário, o que demostra bem a personalidade do arguido, no sentido de não cumprir as determinações das autoridades.
20.º - Sendo que o arguido BB, já apresenta antecedentes criminais, por crime contra o património, sendo visado em diversos processos, como acima referido.
21.º - Pelo que se verifica que apenas a aplicação de medidas de coação privativas da liberdade, podem acautelar os perigos que se fazem sentir.
22.º - Nesta conformidade, afigura-se-nos verificar-se, em concreto, o perigo de continuidade da atividade criminosa, o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e perigo de fuga, nos termos a que aludem as citadas alíneas a) e c) do artigo 204.º, que não ficam acautelados apenas com a aplicação de medidas de coação não privativas da liberdade.
23.º - Mais, em face da atividade concertada dos arguidos AA e BB, com atos praticados entre França e Portugal, com recurso a empresas transportadoras, observa-se que os arguidos já apresentam um grau de organização e uma situação económica que lhes permite continuar com a sua atividade criminosa, se permanecerem com alguma liberdade de movimentos, podendo recorrer a serviços de terceiros, para prosseguirem com a sua atividade, e assim, a aplicação de obrigação o de permanência na habitação, ainda que com vigilância eletrónica, igualmente não acautela os perigos que se fazem sentir, pelo que apenas a prisão preventiva pode acautelar os perigos que se fazem sentir.
24.º - Assim, observa-se que estão reunidos todos os pressupostos de facto e de direito para a aplicação da prisão preventiva aos arguidos e a decisão da qual se recorre, não aplicou corretamente os art.º 191.º, n.º 1, 193.º, 202.º, n.º 1 al. a), 204.º, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal e art.º 368.º-A, n.º 1, 3, 4 e 8 do Código Penal, violando esses artigos.
25.º - Face ao exposto, a decisão em causa, deverá ser revogada e substituída por outra, em que se considere para além do mais, fortemente indiciado o crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368.º-A, n.º 1, 3, 4 e 8 do Código Penal e se determine que os arguidos AA e BB aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 202.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, por tal medida ser necessária, e se revelar a única adequada às exigências cautelares do caso e proporcionais à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, nos termos do disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 193.º e 204.º, alíneas a) e c), todos do referido diploma legal, nos termos promovidos. Porém, Vªs Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, decidirão, como sempre, fazendo Justiça.”

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O recurso foi admitido, mediante despacho proferido a 08.01.2025, com o efeito e o regime de subida legalmente previstos.
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I.3 Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação, apenas o arguido AA respondeu ao recurso interposto pelo  Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, concluindo [transcrição]:
“Concluindo:
(…)
O Ministério Público não se tendo conformado com a decisão do Mm.º JIC a quo veio recorrer, quer dos tipos de crimes pelos quais o Tribunal indicia o Arguido AA, quer da medida de coação aplicada.
3º Contudo em nosso entendimento quanto à indiciação pelo crime de Branqueamento p. p. pelo artigo 368º A do Código Penal é justamente o mesmo pugnado pelo Mm.º JIC a quo.
4º Pois em nosso entendimento, o facto ilícito que precede os factos é o crime de furto ou furto qualificado, e estes mesmos tipos de crime não sem enquadram no nº1 do art. 368º-A.
5º Ainda assim, entendemos que não existem quaisquer indícios da prática de factos ilícitos praticados pelo Arguido.
6ª Além disto, o Ministério Público vem também recorrer da medida de coação imposta ao arguido AA, pedindo o seu agravamento para a prisão preventiva.
7º O que, salvo o devido respeito nos parece de todo desproporcional e desadequado, dado os tipos de crimes dos quais o Arguido vem indiciado.
8º Alegando para tal a existência da perturbação da ordem e tranquilidade públicas, o perigo da continuação da atividade criminosa e o perigo de fuga.
9º Não nos vislumbra que possamos concordar com a fundamentação apresentada no recurso do Ministério Público, pois vem sustentar a sua fundamentação no crime de branqueamento, crime esse que o Arguido AA não foi considerado indiciado pelo Mm.º JIC a quo.
10º Sendo certo, não havendo a indiciação do Arguido pela prática desse tipo de crime não pode colher provimento a fundamentação por parte do Ministério Público para a existência da perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
11º Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, dado que o arguido viu as medidas de coação anteriores grandemente agravadas, não nos parece concebível que tal possa acontecer.
12º Pois além do arguido ter de se apresentar diariamente no posto policial da sua área de residência, não se pode ausentar da área do município da residência sem autorização do tribunal, não se pode ausentar para o estrangeiro e nem contactar com o co-arguido BB.
13º Pois todas estas restrições já nos parecem bastante dissuasoras da eventual continuação da atividade criminosa.
14º Por fim, e quanto ao eventual perigo de fuga, não nos parece de todo que seja crível que o arguido AA se ausente para parte incerta, pois uma vez já tinha sido presente a juiz para aplicação de medida de coação anteriormente e até ao momento nunca fugiu.
15º Sendo certo que se o arguido tivesse intenção de fuga já o teria feito, e além do mais o arguido tem a vida organizada e tem 3 filhos, sendo que a mais nova ainda é menor e portadora de trissomia 21.
16º Face ao supra exposto deverá ser mantida a decisão do Mm.º JIC a quo, devendo assim ser mantida a medida de coação aplicada, pois é a que nos parece proporcional e adequada, e também ser mantida a indiciação que foi feita pelo Mm.º JIC a quo. Por tal entende-se completamente adequada quer a medida de coação, quer a indiciação dos factos.
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunt emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]:
“Recurso interposto pelo Ministério Público:
O Ministério Público veio impugnar o despacho que decidiu não aplicar a medida de coação prisão preventiva aos arguidos AA e BB, alegando, em síntese, que o Mmo. Juiz a quo errou ao afastar a indiciação do crime de branqueamento de capitais com fundamento na circunstância de os crimes precedentes crimes de furto e de furto qualificado, excluídos da previsão do art.º 368.º-A.1, .3, .4 e .8, do Cód. Penal, uma vez que o crime precedente é do de recetação, punido com pena de prisão até oito anos; que as medidas de coação agora aplicadas pouco diferem das que tinham sido anteriormente aplicadas ao primeiro arguido e do conhecimento do segundo, o que não os dissuadiu de prosseguirem a atividade criminosa; e que, em concreto, existe perigo de continuação da atividade criminosa, de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, que apenas podem ser adequadamente acautelados com a medida de coação prisão preventiva.
Ao recurso respondeu o arguido AA, pugnado pela sua improcedência.
Cumprindo-nos emitir o parecer a que alude o art.º 416º.1 do CPP, somos de entendimento que o recurso é merecedor de provimento, revendo-nos na respetiva motivação. Com efeito,
Quanto à primeira questão suscitada pelo Ministério Público, a da não verificação do crime de branqueamento de capitais, parece-nos evidente o erro contido no douto despacho recorrido, uma vez que, como se afirma no recurso e resulta da simples leitura da decisão em crise, o crime precedente é o de recetação agravada pelo modo de vida, cuja moldura penal respeita os limites estabelecido pelo art.º 368º.1 do Cód. Penal. Ora,
Face á possibilidade de incorrerem em penas substancialmente mais graves do que aquelas que corresponderem à qualificação jurídica erradamente operada pelo Mmo. Juiz a quo, é de admitir que os perigos que em concreto se fazem sentir sejam mais intensos do que o que foi considerado no douto despacho recorrido, a exigir uma medida de coação mais grave do que as que, com fundamento parcial num pressuposto incorreto, foram aplicadas.
Por outro lado, parece-nos que da violação culposa das medidas de coação primeiramente impostas ao arguido AA, e que eram do conhecimento do arguido BB, resulta, inevitavelmente, um agravamento das exigências cautelares que no caso se fazem sentir, designadamente, as que decorrem do perigo de fuga e de continuação da atividade criminosa, uma vez que aquele incumprimento demonstrou que as medidas aplicadas ao primeiro não foram suficientes para os afastar da prática criminosa.
Assim, pelo exposto e considerando todos as demais circunstâncias, de facto e de direito, invocados pelo Ministério Público no seu recurso, somos de parecer que só uma medida de coação privativa da liberdade é suficiente para acautelar as os perigos que no caso se fazem sentir, razão pela qual deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que a aplique.
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.
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I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No presente recurso, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto, as questões a apreciar e decidir consistem em apurar:
- Da forte indiciação do crime de branqueamento previsto e punível pelo art. 368º-A, nº 1, 3 4 e 8 do Código Penal, por referência ao crime de recetação, previsto e punível pelo art. 231º, nº 1 e 4 do Código Penal, como crime precedente.
- Da insuficiência das medidas de coação aplicadas para salvaguardar os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de fuga.
                - Da insuficiência das medidas ora aplicadas em face daquelas previamente impostas ao arguido AA, que foram do conhecimento do arguido BB e que os não impediram de prosseguir com a conduta criminal.
- Da necessidade e proporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva.
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II.2- Da decisão recorrida:
II.2.1. Em sede de interrogatório judicial de arguidos detidos, foi proferido despacho que aplicou aos arguidos, para além do TIR e as obrigações de apresentação periódica, de não se ausentarem sem prévia autorização do Município da sua residência, de não se ausentarem para o estrangeiro devendo entregar o respetivo passaporte à ordem dos autos e de não contactarem por qualquer meio entre si, com o seguinte teor que aqui se transcreve, no que releva para a apreciação da questão dos autos:
“DESPACHO
Porquanto efectuada em conformidade com o preceituado nos art.ºs 254.º, n.º 1, al. a), 257.º, n.º 1, b), 258.º e 259.º do Cód. de Processo Penal, julgo válida a detenção do arguido AA.
A aplicação de uma medida de coacção, com a concomitante limitação da liberdade do cidadão, radica na necessidade de acautelar determinadas exigências processuais (cfr. art.º 191.º, n.º 1, do Cód. de Processo Penal), assegurando “interesses essenciais à boa administração da justiça, prevenindo os inconvenientes que resultariam da fuga do arguido, da continuação da actividade criminosa ou da perturbação por parte deste da investigação, nomeadamente adulterando provas, bem como de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas” (José Manuel de Araújo Barros – Critérios da Prisão Preventiva – C.J. 2000, II, p. 9), os quais surgem, nas alíneas do n.º 1 do art.º 204.º do Cód. de Processo Penal, como os requisitos gerais de aplicação destas medidas.
Conforme o preceituado no art.º 192.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Processo Penal, a aplicação de medidas de coacção pressupõe a prévia constituição como arguido da pessoa que das mesmas for objecto e não podem ser decretadas se existirem fundados motivos da existência, no caso concreto, de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.
Nesta sede, o legislador processual penal acolheu os princípios da adequação e da proporcionalidade, devendo as medidas de coacção aplicadas adequar-se às concretas exigências cautelares requeridas pelo caso e mostrar-se proporcionais à gravidade do crime, mas também às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, atendendo-se, neste caso, ao limite máximo da pena que justifica a medida – cfr. art.ºs 193.º, n.º 1, e 195.º do Cód. de Processo Penal.
A mais gravosa das medidas de coacção – a prisão preventiva – assume natureza excepcional, só podendo ser aplicada quando as demais medidas se revelarem inadequadas e insuficientes – cfr. art.ºs 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 193.º, n.º 2, e 202.º, n.º 1, proémio, do Cód. de Processo Penal.
Para aplicação da prisão preventiva acrescem outros requisitos alternativos, enunciados nas als. do n.º 1 do art.º 202.º do citado compêndio adjectivo: “1 – Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão”.
O âmbito de aplicação da mais gravosa das medidas de coacção é, também, alargado pelo legislador em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de medidas de menor gravidade – art.º 203.º do Cód. de Processo Penal: “1 - Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso.
2 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 193.º, o juiz pode impor a prisão preventiva, desde que ao crime caiba pena de prisão de máximo superior a 3 anos:
a) Nos casos previstos no número anterior; ou
b) Quando houver fortes indícios de que, após a aplicação de medida de coacção, o arguido cometeu crime doloso da mesma natureza, punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos”.
O carácter de ultima ratio das medidas detentivas, e dentro destas, da prisão preventiva, é salientado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 193.º do citado compêndio adjectivo:
“2 – A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”.
O art.º 201.º do Cód. de Processo Penal consagra a segunda medida de maior gravidade, a obrigação de permanência na habitação: “1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
2 - A obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.
3 - Para fiscalização do cumprimento das obrigações referidas nos números anteriores podem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos na lei”.
Nos art.ºs 197.º a 200.º do Cód. de Processo Penal são elencadas medidas de menor gravidade: prestação de caução (art.º 197.º); obrigação de apresentação periódica (art.º 198.º); suspensão do exercício de profissão, de função, de actividade e de direitos (art.º 199.º); proibição e imposição de condutas (art.º 200.º).
Dos elementos probatórios carreados para os presentes autos, designadamente, documentos de fls. 28 e ss., 61 e ss.; autos de apreensão de fls. 60 e 236; cota de fls. 70; auto de diligência de fls. 78 e ss., 401, 408, 449 e ss., 493 e ss., 514, 548 e ss.; reportagens fotográficas de fls. 80 e ss., 119 e ss., 164 e ss., 199 e ss., 216 e ss., 451 e ss., 473 e ss., 502 e ss., 517 e ss., 562 e ss., 578 e ss.; certidões do registo comercial de fls. 110 e ss., 402 e ss.; informação de serviço de fls. 127 e ss., 260 e ss.; autos de busca a apreensão de fls. 161 e ss., 195 e ss., 212 e ss.; nomeação de fiel depositário de fls. 163; folha de suporte de fls. 197 e 237 e ss.; documentos de fls. 214 e ss., 337 e ss., 413 e ss., 439 e ss., 466 e ss., 471 e ss., 480, 499 e ss., 512 e ss., 525 e ss., 539 e ss., 547, 582 e ss.; fichas de fls. 231 e ss.; auto de visionamento e registo de imagens de fls. 423 e ss., 485 e ss., 531 e ss.; cota/juntada a fls. 481, 530, 585; informação de fls. 545; auto de revista e apreensão de fls. 551 e ss.; autos de apreensão de veículo de fls. 554 e ss., 576 e ss.; autos de apreensão ref.ª electrónica 9342256 de 05.12.2024, auto de busca e apreensão de fls. 557 e ss.; 3 DVD constantes da contracapa dos autos; informação de serviço de fls. 594 e ss.; CRC de fls. 616 e ss; interrogatórios de arguidos: - CC, a fls. 245 e ss., 419 e ss.; - AA, a fls. 254 e ss.; inquirição das testemunhas DD, id. a fls. 57; EE, id. a fls. 71; FF, id. a fls. 167; GG, id. a fls. 409, 468 e ss., 496 e ss.; HH, id. a fls. 515 e II, ref.ª electrónica 9342256 de 05.12.2024, no confronto e em conjugação com as declarações prestadas pelo arguido AA no presente interrogatório, resultam fortes indícios da prática, por ambos os arguidos, dos seguintes factos que do despacho do Ministério Público remetendo os autos para o presente acto processual ora se transcrevem (naturalmente, abstraindo das conclusões e considerações interpostas de permeio na descrição factual):
“O arguido AA e BB, em conjunto, dedicam-se desde pelo menos 18-03-2023, à aquisição de viaturas em França, que foram subtraídas de modo ilegal anteriormente, aos seus legais proprietários/possuidores, tendo os arguidos AA e BB conhecimento dessa proveniência ilícita dos bens.
Assim, o arguido AA adquiriu e tentou legalizar a viatura automóvel com a matrícula ..-..1-BJ.
A viatura é proveniente de França, existindo uma participação por furto, naquele País, o que originou um “alerta” no “Sistema Schengen” para que a mesma seja apreendida e identificada a pessoa que a tem na sua posse.
Trata-se de uma viatura automóvel da marca “Renault”, modelo “Clio”, com a matrícula ..-..1-BJ e VIN: VF...47, datada do ano de 2019.
A viatura encontra-se registada no seu País de origem, (França), em nome de JJ, o qual foi contactado telefonicamente, por não residir em Território Nacional, tendo o mesmo de imediato afirmado que nunca foi detentor de tal viatura, desconhecendo por completo a razão de aquela viatura se encontrar registada em seu nome.
Conforme o certificado de venda da viatura de fls. 7 verso, consta a identificação do vendedor e do comprador, constando igualmente AA como comprador, datado de 18-03-2023, e devidamente assinado, pelo próprio.
Conforme a guia “CMR”, de fls. 8 verso, a mesma é referente ao transporte da viatura, de França até Portugal, efetuado pela empresa A..., Lda., constando como destinatário da viatura AA.
Conforme, a fatura (FT VDN -V904.01/105), a mesma foi emitida pela A..., em 19-09-2023, a favor do cliente AA, pelo transporte da viatura “Renault Clio de matrícula ..-..1-BJ”.
A viatura foi transportada pela sua empresa A..., a pedido de uma outra empresa, (B..., Lda.), com estaleiro em França, e no que toca ao procedimento de descarga das viaturas, elas são descarregadas no seu parque, na localidade de ... e posteriormente são levantadas pelos clientes.
A viatura em questão foi levantada do parque da A... por AA, bem como o serviço pago por aquele.
Assim a viatura foi, encomendada diretamente pelo AA, desde logo porque toda a documentação referente ao processo de importação da viatura, está registada em seu nome, e não foi certamente um chamado negócio de ocasião, visualizado num anúncio de uma plataforma de vendas, como AA quis convencer a investigação.
No decorrer das diligências levadas a cabo no presente inquérito, foram realizadas buscas domiciliárias e não domiciliarias, as quais foram devidamente autorizadas pelas autoridades competentes no dia de 4-6-2024.
Assim na busca realizada ao armazém utilizado por AA, sito na Estrada ... – ..., ... .... (...”;N...”;...”W), foi identificado um individuo que ali se encontrava, com sendo CC, de nacionalidade Cabo-Verdiana, o qual não apresentou qualquer elemento de identificação.
Já no interior do referido armazém constatou-se que o mesmo é usado diariamente para a prática dos factos dos autos, porquanto o mesmo encontra-se transformado numa oficina, repleta de diversas carcaças de automóveis, peças e partes dos mesmos, bem como, diversa ferramenta usada para o efeito.
Assim o espaço é utilizado pelo arguido AA para proceder à eventual reparação, ao certo desmantelamento das viaturas e acondicionamento de inúmeras peças e componentes, onde se encontrava o seu funcionário (cidadão cabo-verdiano, de nome CC, que esteve presente ao decurso da diligência), que o auxilia nessa tarefa.
O armazém é composto por logradouro à entrada, uma área de trabalho, e ao fundo do armazém fica localizada uma casa de banho e um compartimento onde CC pernoita, usando este local para pernoitar diariamente.
Na sequência da referida diligência foram localizados dois automóveis, com as matrículas ..-..-TA e ..-..-QV, diverso material mecânico, inúmeros motores, suspensões, pneus, interiores de automóveis, várias partes seccionadas de automóveis.
Um veículo da marca Citroen C3 com a matrícula ..-..-BT e outro uma Izuzu com a matrícula ..-..-OS, que se encontravam, aparentemente em reparação.
Um automóvel da marca Renault modelo Clio, com o VIN n.º VF....789 aparentemente com a matrícula estrangeira (francesa) n.º ..-..4-XN.
Duas carcaças correspondentes a automóveis de marca Renault, modelo Clio, uma delas sem identificação do VIN, por se encontrar cortado no local onde o mesmo se encontra aposto, e a outra carcaça seccionada em três partes igualmente sem identificação do número VIN.
Na busca domiciliária à residência dos pais do arguido AA, sita na Rua ..., ..., em ..., foram apreendidos os seguintes objetos:
Na posse do arguido AA encontrava-se o telemóvel marca TLC, modelo ..., IMEI: ...66; ...74, cartão SIM, operadora NOS, Nº ...78, que no decorrer das diligências, este esteve sistematicamente a ser contactado por números com indicativo de França;
No exterior da habitação, no quintal, em frente ao anexo da residência principal, encontrava-se a carcaça da viatura marca Renault, modelo Clio, cor cinza, com o VIN nº VF...38;
No interior do anexo, encontravam-se duas viaturas, ambas de marca Renault, modelo Clio, uma de cor branca com o VIN nº VF....01; outra de cor cinza, com o VIN nº VF....40;
No interior da supracitada viatura Renault, modelo Clio, cor cinza, VIN nº VF....40, encontrava-se um documento referente à ordem de reparação de “C... – ... – ... Chennevieres sur Marne”, da viatura marca Renault, Modelo Clio IV, matrícula ..-..4-TL com o VIN nº ...47 e, a fatura nº 709934, datada de 22/07/2022, referente à mesma viatura.
As três viaturas supracitadas, da marca Renault, modelo Clio, são todas provenientes da França e estão sinalizadas no sistema Schengen pelo alerta de apreensão, em virtude de terem sido furtadas.
Mais o facto de que as duas carcaças com os apresentam os VIN cortados, tal será indiciador de terem sido igualmente furtadas e daí a necessidade de lhes ser retirada a gravação do VIN e serem imediatamente seccionadas para posterior venda ao peso.
Na busca ao Stand D..., do arguido AA, foi encontrado e apreendido no interior de um veículo da marca Audi, modelo A4, com a matrícula ..-..-TF, nomeadamente na consola central, um cartão de cidadão titulado por KK, nascido a ../../1978, com o número ....
Destaca-se o facto deste cartão de cidadão se encontrar em mau estado de conservação e não tem aposto – por lhe ter sido retirado – o Chip que contém os dados de identificação pessoal.
Atente-se que, o cartão de cidadão do arguido AA encontra-se nas mesmas condições e com a mesma particularidade – ausência de chip.
O arguido AA, foi sujeito a primeiro interrogatório judicial em 4-6-2024, tendo sido sujeito às seguintes medidas de coação:
- Obrigação de apresentação periódica no posto policial da sua área de residência, a efetuar três vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras, até às 18:00 horas.
- Proibição de se ausentar para o estrangeiro.
Aquando da realização das buscas domiciliárias ao arguido AA, aquele foi nomeado fiel depositário de todo o material e das viaturas apreendidas e identificadas nos autos, tendo sido advertido dos deveres que se lhe impunham em virtude do desempenho de tal cargo, dos quais ficou ciente.
Contudo após essa data, o mesmo, retirou, para parte incerta, o material na totalidade que lhe foi confiado, não tendo até ao momento, a investigação logrado localizar os bens apreendidos.
O arguido AA atuou com o propósito concretizado de subtrair ao poder público tais bens, que bem sabia estarem apreendidos nos autos e destinarem-se a assegurar a preservação dos bens nos presentes autos, impossibilitando assim essa finalidade, o que representou.
Na manhã do dia 23/08/2024, o arguido BB, deslocou-se ao armazém de AA, conduzindo uma viatura Renault Clio, de cor cinza escuro, com matrícula francesa, sendo do “75” e teria as letras iniciais “...”.
No que concerne ao arguido BB, residente na Rua ..., ..., ... ..., apresenta-se com vasto passado policial e criminal, atente-se aos inquéritos (325/01....; 367/05....; 251/16....; 530/22....; 565/22....; 535/22....) cujas investigações visaram a prática dos crimes de furto e viciação de veículos e onde aquele foi interveniente visado.
Este arguido tem igualmente morada em França, sita em ..., ... ..., França, localizada a cerca de 300 metros de distância, da morada de carga (CMR), da primeira viatura identificada nos autos, fls. 35 vs, fls. 385, e fls. 395 a 397.
Foram identificadas as empresas de transportes internacionais, que efetuaram transportes de viaturas a pedido dos arguidos BB e AA, a A..., Lda., e a empresa E..., Lda..
No que respeita à empresa E..., Lda., realiza, maioritariamente, transporte de mercadorias entre França e Portugal, dispondo a sua empresa, em França, de um armazém que serve de ponto de recolha e carga, situado ... – ..., ..., chegando inclusive a fazer transporte de viaturas de França para Portugal, e vice-versa.
O BB, por diversas vezes, solicitou à empresa E..., Lda. os seus serviços para transporte de mercadorias e viaturas de França para Portugal.
Quanto ao arguido AA, por várias vezes se deslocou ao estaleiro da empresa E..., Lda., para levantar viaturas em nome do BB, tendo-se apresentado como mecânico do arguido BB.
No dia 19/08/2024, os arguidos AA e BB deslocaram-se ao estaleiro da empresa E..., Lda., para levantar uma viatura que se encontrava ali parqueada desde março, vide imagens de fls. 422 a 438.
Esta viatura é pertença do arguido BB, e que foi ele quem lhe solicitou o seu transporte de França para Portugal.
Quanto a esta viatura, tratava-se de uma viatura da marca “Renault”, modelo “Clio”, de cor “azul”, com a matrícula francesa aposta “..-..3-JB”, tendo ali permanecido no seu estaleiro desde março, o que motivou que por diversas vezes tivesse contactado o BB para a levantar, tendo aquele retorquido sempre “que ainda não tinha cliente”.
A empresa E..., Lda. em Portugal tem sistema de segurança de vídeo vigilância, cedendo aos autos, as imagens referentes ao dia 19/08/2024, onde é possível identificar os arguidos AA e BB na supracitada recolha da viatura.
A maioria dos carros que a empresa E..., Lda. transportou a pedido do arguido BB são da marca “Renault”, modelo “Clio” e algumas das viaturas traziam o óculo do vidro lateral direito ou esquerdo (triangular), da porta da frente, partido.
Quem efetua o levantamento das viaturas que a E..., Lda. transporta para o arguido BB, é quase sempre o arguido AA.
A empresa E..., Lda. fez entrega de cópia das guias de transporte, e “CRM” referente aos transportes de viaturas que efetuou a pedido do BB, ressalvando-se que terá efetuado mais transportes, cedendo assim aos autos:
- A guia “CRM” nº ...06, referente à viatura Renault Clio com a matrícula “..-..2- HT”, datado de 29-11-2023, associado ao boletim de registo interno nº 1972, em nome de “LL” com o contacto telefónico “...64”;
- A guia “CRM” nº ...70, referente à viatura Renault, datado de 09-03-2024, associado ao boletim de registo interno nº 1994, em nome de “LL”, com a matrícula “..-..3-JB” com o contacto telefónico “...64”;
- A guia “CRM” nº ...18, referente à viatura Renault, datado de 08-03-2024, associado ao boletim de registo interno nº 1995, em nome de “AA” com a matrícula “..-..8-MR”, e contacto telefónico “...64”.
Quando a PJ se deslocou no sentido de proceder ao exame e avaliação das viaturas apreendidas, no armazém situado nas ..., utilizado pelo arguido AA, veio a apurar que o referido armazém se encontra completamente vazio, ou seja, todo o material que ali se encontrava depositado e apreendido, tendo o AA ficado responsável pela guarda do mesmo, na qualidade de fiel depositário, havia sido descaminhado, tendo sido retirado por AA, para parte incerta, como acima referido.
No exame ao exterior do dito armazém, ou seja, no terreno em seu redor, ainda se encontram depositadas algumas viaturas pertença do arguido AA, as quais já haviam sido identificadas aquando da realização das buscas.
Verificou-se ainda nesse local (exterior do armazém), a existência de carcaças seccionadas referentes a viaturas da marca Renault, modelo Clio, no entanto, estas já haviam sido encontradas no interior do armazém aquando da realização das buscas ao mesmo.
Nesse local, em cima da caixa de mercadorias de uma carrinha (Mitsubishi, Canter, com a matrícula, DX-..-..), estava depositada uma carcaça de uma viatura, da marca Renault, modelo Clio, de cor branca, que após ter sido analisada, verificou-se que, no seu local original, se encontrava gravado o VIN: VF...63.
Consultada as bases de dados disponíveis na PJ, verificou-se que este VIN: VF...63, corresponde a uma viatura com as mesmas características, com matrícula francesa (..-..0-GM), e que se encontra referenciada no Sistema Schengen, como furtada (Fls. 449 a 462, e fls. 466 a 467).
Assim essa viatura foi para ali transportada e desmantelada, em data posterior à realização das buscas, o que reforça que o arguido AA, continua a desenvolver a mesma atividade criminosa, que se traduz na sua fonte de rendimentos ou subsistência.
No dia 18/10/2024, o arguido BB veio novamente contactar a E..., Lda., no seu armazém em França, solicitando o transporte de uma viatura, da marca Renault, modelo Clio, de cor preta, com a matrícula (..-..0-QC) para Portugal.
No decurso daquela semana, o arguido BB contactou novamente a E..., Lda., para efetuar o transporte de uma outra viatura, da marca Renault, modelo “Kangoo”.
O armazém da E..., Lda. em França, também se encontra equipado com sistema de segurança de vídeo vigilância, cedendo aos autos as imagens referentes ao dia 18/10/2024, onde é possível identificar BB nas instalações da sua empresa, em França, no momento em que foi entregar a viatura. (Fls. 485 a 492).
A E..., Lda. procedeu à entrega da guia “CRM” nº ...13, referente à viatura Renault Clio com a matrícula “..-..0-QC”, datado de 11-11-2024, associado ao boletim de registo interno nº 0063, em nome de “MM” com o contacto telefónico “...63”.
Analisada a viatura referenciada (..-..0-QC), verificou-se que a mesma não tem registo Schengen como furtada, contudo, o vidro partido do óculo lateral esquerdo, da porta da frente, aliado à ausência da gravação do VIN na lateral esquerda inferior do para-brisas, cria a forte convicção que a viatura possa ter sido furtada (Fls. 473 a 480).
Em 19/11/2024, o arguido AA, descolocou-se às instalações da empresa “E..., Lda.”, acompanhado de um indivíduo, que ainda não foi possível identificar, para levantarem a viatura ali parqueada, Renault, modelo Clio, (..-..0-QC).
De seguida, o arguido AA conduziu a viatura até local não concretizado, nomeadamente em ..., junto da Rua ..., local (Fls. 493 e 494).
A viatura Renault Clio, de cor preta, com a matrícula (..-..0-QC), que tinha transportado para Portugal a pedido de arguido BB, foi levantada pelo arguido AA, que efetuou o pagamento do serviço de transporte, em numerário.
No dia 15/11/2024, o arguido cliente BB contactou novamente a E..., Lda., no seu armazém em França, para efetuar o transporte de uma viatura para Portugal, em concreto, uma viatura da marca Renault, modelo Kangoo, de cor branca, com a matrícula portuguesa (..-..-IE), juntamente com cópia do certificado de matrícula nº ...15, correspondente à matrícula indicada e como proprietário registado o BB.
A E..., Lda. efetuou o transporte da viatura e a mesma encontrava-se parqueada no estaleiro da sua empresa, em Portugal, a aguardar levantamento, pelo que, numa postura de total colaboração com as autoridades policiais, disponibilizou-se a exibir a viatura (..-..-IE) que tinha na sua posse, vindo a ser realizada uma inspeção à viatura e consequente reportagem fotográfica, de fls. 504 a 511.
Efetuada verificação e inspeção à viatura Renault, modelo Kangoo com a matrícula “..-..-IE”, que se encontra parqueada no parque da empresa “E..., Lda”, apurou-se que se estava novamente perante uma viatura furtada, porquanto a mesma, tem a chapa de gravação do VIN rasurada e não possui “autocolante” com os dados do construtor no local.
Efetuada leitura da unidade de comando, verificou-se que esta tem registado o VIN VF...14, que corresponde à matrícula francesa, (..-..4-JT).
Esta viatura (..-..4-JT), uma Renault, modelo Kangoo, encontra-se referenciada em Sistema Schengen, (0006.021P0006268757200000002.01), como furtada (Fls. 512 e 513).
A E..., Lda. fez entrega da guia “CRM” nº ...17, referente à viatura Renault, modelo Kangoo, com a matrícula “..-..-IE”, datado de 27-11-2024, associado ao boletim de registo interno nº 0067, em nome de “MM” com o contacto telefónico “...64”, impresso este que foi preenchido, como habitualmente, em manuscrito, por BB, no momento em que fez entrega da viatura, em França, para ser transportada para Portugal.
No decorrer dessa semana, o arguido AA, ligou telefonicamente para a empresa E..., Lda., de forma insistente, tendo inclusive no dia 28/11/2024, se deslocado à empresa, para questionar pela chegada da viatura Renault, modelo Kangoo, (..-..-IE), denotando sempre algum nervosismo.
Nesta data (29/11/2024), a E..., Lda. cedeu igualmente aos autos, imagens do sistema de segurança de vídeo vigilância, referentes ao dia 19/11/2024, onde é possível identificar o arguido AA, nas instalações da empresa, no momento em que foi levantar a viatura, Renault, modelo Clio, (..-..0-QC) (Fls. 530 a 537).
Considerando a informação apurada, e considerando que a viatura Renault, modelo Kangoo, com a matrícula (..-..-IE), se encontra registada na Conservatória de Registo Automóvel em nome da empresa F..., Lda., efetuou-se uma deslocação à empresa, no sentido de inquirir a administração, bem como confirmar se os mesmos são detentores da viatura.
Assim, a F... adquiriu a viatura em questão, sendo que a mesma já esteve registada em nome do arguido BB.
Foi ainda possível observar e inspecionar diretamente a viatura, de fls. 517 a 524, (..-..-IE) que se encontra na posse da F..., Lda., pelo que, após inspeção à mesma, constatou-se que tem gravados os elementos identificativos, nos locais corretos, com o VIN (VF...75) que corresponde à matrícula (..-..-IE), contudo, após sujeição à leitura da unidade de comando, verificou-se que a mesma tem registado um VIN distinto, no caso (VF...98), correspondente aos restantes componentes eletrónicos, bem como ao número de motor (...53).
Verificado o VIN: VF...98, nas bases de dados disponíveis, apurou-se que a este VIN identificado, corresponde a matrícula francesa (..-..6-RT), que também se encontra referenciada em Sistema Schengen, (0006.021P00032352982 00000002.01), como furtada, conforme fls. 528 e 529.
Tendo o arguido BB, diligenciado pela aquisição dessa mesma viatura em moldes semelhantes à aquisição das outras viaturas referidas nos autos, tratado da sua legalização e posteriormente venda à F....
Com o intuito de se projetar uma visão do universo total de viaturas, que até à presente data, se conseguiu apurar no uso e benefício de AA e BB, formula-se a seguinte relação:
1. Viatura inicial dos autos, cujos documentos foram submetidos na Alfândega da Figueira da Foz, Renault, Clio, matrícula (..-..1-BJ), com o VIN (VF...47), registada em nome de JJ referenciada em Schengen como viatura furtada, fls.45, viatura ainda não localizada.
2. Viatura Renault, Clio, matrícula (..-..4-XN), com o VIN (VF....789), apreendida no armazém das ..., com matrícula cancelada em França. Viatura descaminhada. Fls. 365.
3. Carcaça seccionada de uma viatura Renault, Clio, sem identificação de VIN. Apreendido. Fls. 365.
4. Carcaça seccionada de uma viatura Renault, Clio, sem identificação de VIN. Apreendido. Fls. 365.
5. Carcaça de uma viatura Renault, Clio, a que corresponde a matrícula (..-..8- TS), com o VIN (VF...38), referenciada em Schengen como viatura furtada. Apreendido. Fls. 233 e 378.
6. Viatura Renault, Clio, matrícula (..-..2-PJ), com o VIN (VF....01), referenciada em Schengen como viatura furtada. Apreendido. Fls. 231 e 378.
7. Viatura Renault, Clio, matrícula (..-..2- HT - falsa), com o VIN (VF....40), referenciada em Schengen como viatura furtada. Apreendido. Fls. 232 e 378.
8. Viatura Renault, Clio, com a matrícula (..-..2- HT), a que corresponde o (VF...39), registada em nome de JJ, já identificado nos autos. Viatura ainda não localizada.
9. Carcaça de uma viatura Renault, Clio, a que corresponde a matrícula (..-..0-GM), com o VIN (VF...63), referenciada em Schengen como viatura furtada.
Localizada nas “...”, ainda não apreendida. Fls. 449 a 467.
10. Viatura Renault, Clio, matrícula (..-..3-JB), com o VIN (VF...96), sem registo, ainda não localizada. Levantada do parque da empresa E..., Lda., por AA e BB. Fls. 423 a 438.
Viatura recuperada no dia 03/12/2024, decorrente das buscas domiciliárias na habitação de BB, no entanto consideramos que se trata da viatura com a matrícula (..-..4-VC) e VIN (VF...43).
11. Viatura Renault, Clio, matrícula (..-..0-QC), com o VIN (VF...79), sem registo, levantada do parque da empresa E..., Lda., por AA e BB. Fls. 468 a 479.
Viatura recuperada no dia 03/12/2024, decorrente das buscas domiciliárias na habitação de BB.
12. Viatura Renault, Kangoo, com matrícula falsa (..-..-IE), sem apresentar VIN gravado, sujeita à leitura da unidade de comando, regista o VIN (VF...14), a que corresponde a matrícula (..-..4-JT), referenciada em Schengen, como viatura furtada. Parqueada na empresa E..., Lda., a pedido de BB. Fls. 496 a 513.
13. Viatura Renault, Kangoo, com o VIN (VF...75), e matrícula (..-..-IE), contudo, após leitura da unidade de comando, verificou-se que a mesma tem registado o VIN (VF...98), associada à matrícula (..-..6-RT), referenciada em Schengen, como viatura furtada. Ainda não apreendida, parqueada na empresa F.... Esta viatura já foi pertença de BB. Fls. 528 e 529.
Em 02/12/2024, e após vigilância à casa de BB, foi possível avistar, parqueada no logradouro da habitação, a viatura, Renault, modelo Clio, de cor preta, com a matrícula (..-..0-QC), confirmando-se assim a permanente conjugação de esforços entre os arguidos AA e BB (Fls. 548).
Desta forma, e de acordo com a informação até então recolhida, no dia 03/12/2024, considerando que a viatura Renault, modelo Kangoo, com a matrícula falsa aposta, (..-..-IE), ainda se encontrava parqueada, para levantamento no parque da empresa E..., Lda, A PJ optou por montar um dispositivo de vigilância nas imediações de acesso à referida empresa, no sentido de identificar e confirmar que a viatura é pertença de BB.
Cerca das 09H25, verificou-se a entrada nas instalações de um jipe da marca Range Rover de cor preta e matrícula ..-..-JV, com duas pessoas no interior.
Minutos depois, o Range Rover saiu das instalações da empresa, sendo seguido pela carrinha Renault, modelo Kangoo, em direção a ....
Percorridos, cerca de 500 metros depois, ainda na Rua ..., numa altura em que o jipe, seguia atrás da Kangoo, a PJ aproximou-se lateralmente dela, identificaram-se como autoridade e ordenaram ao arguido BB para parar a viatura, Renault, modelo Kangoo, que conduzia, tendo ambas as viaturas, parado na berma da estrada.
Nesse momento, foi ordenado ao arguido BB a saída da viatura, ao que ele acedeu.
Entretanto um pouco mais atrás, a mulher que conduzia o jipe parou a viatura, foi também abordada, tendo-nos dito que era a esposa do BB e se chamava EE.
Mais uma vez, identificaram-se e depois de aberto o capot da viatura Renault, modelo Kangoo, verificaram que no local (mesa), junto ao motor, onde se deveria encontrar o número de chassis (VIN), gravado a frio, nada estava gravado, apresentando sinais de ter sido apagado de forma mecânica, pelo que o supracitado arguido BB veio, pelas 09H30, a ser detido em flagrante delito.
Ato contínuo, procedeu-se à apreensão da supracitada viatura Renault, modelo Kangoo, com a matrícula ..-..-IE, que se encontrava a ser conduzida pelo arguido BB, bem como, à viatura da marca Range Rover, modelo Sport, com a matrícula ..-..-JV, que é propriedade do mesmo, mas que se encontrava a ser conduzida pela sua esposa, de nome EE.
Os arguidos BB e AA, diligenciaram por colocar na viatura Kangoo referida, a matrícula ..-..-IE na viatura conduzida por BB, quando a viatura que tinha essa matrícula atribuída se encontrava nas instalações da F....
Ao proceder à alteração da chapa de matrícula da forma acima descrita e ao circular o arguido BB circular com o veículo com a chapa de matrícula ..-..-IE, o arguido agiu com a intenção conseguida de criar a aparência de que a matrícula com o número ..-..-IE pertencia aquele veículo, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, e que dessa forma faltando à verdade lesavam a segurança e confiança no tráfico jurídico.
Mais sabiam os arguidos BB e AA que as chapas de matrícula servem para individualizar e identificar os veículos a que pertencem, e que por isso mesmo, o mesmo não se encontrava em condições de circular pela via pública, e não obstante não hesitaram em fazê-lo, bem sabendo que lesavam o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e que punha em causa o seu valor probatório, nomeadamente a credibilidade e a fé que as mesmas gozam perante o público em geral e as autoridades em particular, prejudicando dessa forma o Estado Português.
Em revista ao arguido BB, foi encontrado e apreendido os seguintes objetos e valores:
- Um objeto, de plástico e metal, de cor preta, com os dizeres “resome made in USA”, destinado a partir/estilhaçar vidros.
- 1 (um) telemóvel da marca Logicom, com os IMEI ...55 e ...51, com o PIN de acesso ao cartão SIM n.º ...58, com o número ...96 (fornecido pelo revistado).
- 1 (um) telemóvel da marca Iphone S, com o IMEI ...57 e cartão SIM com o número ...00, o qual apresenta ecrã partido, e sem PIN de acesso.
- 955€ (novecentos e cinquenta e cinco euros) em notas do Banco Central Europeu.
- 1 (um) cartão de chave, de cor preta, com o logótipo da Renault.
Após a abordagem efetuada ao supracitado casal, em consonância com a sua detenção em flagrante delito, por haver indícios de que o mesmo teria na sua posse objetos e viaturas relacionados com a prática dos crimes em investigação, e em face da situação de urgência na apreensão desses mesmos objetos e bens, deslocaram-se de imediato para a residência do casal, sita na Rua ..., em ..., ..., em ..., a fim de ali verificarem da existência de outras viaturas e seus documentos já referenciadas nos autos, nos termos do art.º 177.º n.º 3 al. a) e 174.º n.º 5 al. c) do Código de Processo Penal.
Chegados à morada identificada, efetuou-se a busca domiciliária à totalidade da residência, conforme auto de busca, de fls. 557 a 562 tendo-se apreendido o seguinte:
- 1 (uma) arma carabina da marca CZ, com os dizeres 452-2E ZKM, de calibre 22, com o número de série ...60 e silenciador acoplado, com estojo, a qual se encontrava no quarto do buscado, no R/C, encontrando-se esta à vista, junto à janela.
- 1 (uma) arma espingarda caçadeira da marca Benelli modelo Montefeltro Super 90 de calibre 12, sem número de série visível, com bandoleira e estojo, a qual se encontrava no quarto do buscado, no R/C, debaixo da cama.
- 2 (dois) cartuchos de calibre 12 da marca Rottweil, os quais se encontravam na gaveta da mesa-de-cabeceira do quarto do buscado.
- 1 (uma) cartucheira, em couro de cor castanho, com 9 (nove) munições calibre Super Mag 300, a qual se encontrava no despenseiro da sala do R/C.
No salão do piso R/C, foram apreendidos os seguintes objetos:
- 1 (uma) arma, sem marca visível, com as inscrições “Mod. 92 AUTO Cat: 9227” e “Cal. 9mm PA.-ITALY”, com o número de série ...09, com cano parcialmente obstruído e carregador compatível.
- 1 (uma) caixa contendo mira telescópica, da marca “Swiss Arms” com as inscrições, entre outras, “2-9 x40 Waterproof Compact Scope”.
- 6 (seis) Chapas de Matrícula Francesas, duas delas com o número ...16..., duas com o número ...95... e duas com o número ...39....—
- 27 (vinte e sete) “Chapas de Fabricante” com a inscrição, entre outras, “...”.
- 1 (um) Documento único Automóvel referente à viatura de marca Renault, modelo Clio, com a matrícula ..-XU-...
- 1 (um) papel manuscrito, com a inscrição do número de quadro (VIN) n.º VF...24 e outro número de quadro (VIN) obtido por decalque com o n.º VF...36.
- 1 (um) envelope com as inscrições manuscritas “CLIO 4”, PCPTRECG” e número de matrícula “..-..8-BG” e o nome de “AA”.
- 1 (uma) fotocópia com uma das faces do Documento Único Automóvel titulado por NN, com a morada na Rua ..., ... ....
- 1 (uma) fotocópia com uma das faces do Documento Único Automóvel, com a matrícula n.º ..-VC-.., referente a viatura da marca Renault.
- 1 (uma) fotocópia de Documento Único Automóvel, ilegível, com a menção manuscrita “..-TZ-.. 4/4/2012”.
- 1 (uma) impressão em papel de cor ..., referente a Placa Autocolante de Fabricante com os dizeres “Renault e2*2007/46*0006” e “VF...55” entre outros dizeres.
- 1 (um) pedaço de papel com as inscrições manuscritas “Metor Caix AA FK- 018-BG = ...57 – ...32”. –
- 1 (uma) fotocópia de uma face de Documento Único Automóvel, relativo à viatura da marca Mini, modelo Cooper D, com a matrícula ..-TZ-... –
- 1 (um) livro, da empresa Renault, com a inscrição na capa “Carnet d’entretien et de garantie”, em língua francesa, contendo no seu interior, para além de outros, três folhas formato A4, relativas à viatura da marca Renault modelo Kangoo II, com o número de quadro (VIN) VF...78 e matrícula n.º ....6SA-
- No interior do livro descrito no ponto anterior, 1 (uma) apólice de seguro da companhia “G...” em nome de “H...”, 1 (um) documento de adesão ao “Club Identicar” com o aderente “OO”, relativo à viatura da Marca Renault modelo Kangoo de matrícula ....6SA, 1 (um) papel manuscrito com as inscrições “OO: ...25”.
- 1 (uma) declaração emitida por “DD” com a cédula ...52..., dirigida a “BB” respeitante a Declaração Aduaneira de Veículo, com a matrícula nacional ..-..-JV.
- 1 (uma) factura/recibo com o n.º FR01/10740 datada de 02/09/2022, emitida pela empresa “I...” referente a recodificação da unidade de comando Renault Clio TC7391, no valor de 147,60€.
- 1 (uma) factura com o n.º FTVDN-V904.01/114 da empresa “A... Lda”, datada de 30/12/2023, emitida em nome de PP, no valor de 184,50€, referente ao transporte da viatura marca Renault modelo Kangoo, e matrícula ....8NN, à qual se encontra agrafado Declaração de Expedição Internacional.
- 1 (um) contrato de seguro auto, emitido pela empresa “J...” com o n,º ...45 U 01, emitido em nome de QQ, datado de 08/08/2011 referente à viatura Kangoo Express 1.5 DCI 70 Extra com a matrícula n.º ..-..9-JT, num total de 5 (cinco) folhas.
- 1 (uma) placa autocolante de fabricante, colada em pedaço de papel, com as inscrições, entre outras, Renault e número de quadro (VIN) n.º VF...75.
- 1 (uma) cópia dum cupão destacável, de Certificado de Matrícula francês, relativo à viatura da marca Renault com a matrícula ..-..8-NN.
- 1 (um) documento único automóvel, relativo à viatura da marca Renault modelo Clio, com a matrícula n.º ..-XU-...
- 1 (um) papel manuscrito com as inscrições ..-..-QO.
- 1 (uma) fotocópia de Cartão de Cidadão português titulado por RR, com algumas inscrições manuscritas.
- 5 (cinco) folhas formato A4, com o logótipo da empresa “K...” relativos à viatura Renault Kangoo com a matrícula ..-..6-SM.
- 1 (uma) fotocópia de Certificado de Matrícula francês, relativo à viatura da marca Renault, modelo Kangoo, com a matrícula n.º ..-..3-EC.
- 1 (uma) factura com o n,º 2024/01/78, com referência à viatura Renault Kangoo com a matrícula n.º ..-..3-EC, no valor de 12000€ (doze mil euros).
- 1 (um) pedido de certificado de matrícula, em lingua francesa, relativa à viatura da marca Renault modelo Kangoo, com a matrícula ..-..3-EC.
- 1 (uma) folha formato A4, com elementos de identificação da viatura marca Renault modelo Kangoo, de matrícula ....5GL.
- 1 (uma) Declaração Aduaneira de Veículo, com o n.º 2024/...55, referente à viatura da marca Peugeot, modelo 208, com o número de quadro (VIN) VR....08, datada de 27/08/2024.
- 1 (uma) factura emitida pela empresa “L... – Unipessoal, Lda”, com o n.º FT2001/2014698 no valor de 50€ (cinquenta euros).
- 1 (um) pedaço de papel, com as inscrições manuscritas “Kango 3 Placas” e inscrições efectuadas a lápis com os dizeres “06; 0679SO3262 Lisboa”.
- 1 (uma) factura da empresa “M...” com o n.º FR PVD 352/306” datada de 11/04/2024, no valo de 386,82€.
- 1 (uma) factura da empresa “M...” com o n.º NC PDD352/23” datada de 11/04/2024, no valo de 386,82€.
Na garagem exterior, anexa à habitação foram apreendidos os seguintes veículos:
- Viatura da marca Renault, de modelo Clio, de cor Branca, com a matrícula n.º ..-TZ-.., e n.º de quadro (VIN) VF....40, indicada no Sistema de Informação Schengen para apreensão.
- Viatura da marca Peugeot, modelo 308 GTI, com matrícula n,º ..-..-PE, número de quadro (VIN) gravado no chassis VF...48 e Número de quadro (VIN) aposto no para-brisas VF...80 indicada no Sistema de Informação Schengen para apreensão.
- Viatura da marca Renault, modelo Clio, sem matrícula, com o número de quadro (VIN) aposto no para-brisas VF...96 e com o número de quadro (VIN) constante na centralina VF...43 indicada no Sistema de Informação Schengen para apreensão.
- Motociclo da marca Yamaha, modelo R1, com o número de quadro (VIN) ...65 com a matrícula francesa n.º ....YC.., sem documentos.
- 1 (um) par de matrículas portuguesas com o n.º ..-..-QO.
- 1 (um) par de matrículas francesas com o n.º ...23....
Na residência dos mesmos, sita na Rua ..., na localidade de ..., onde não foi efetuada a busca domiciliária, por o arguido não possuir a chave da residência, em construção (por se encontrar na posse do construtor), mas onde vieram a ser encontradas e apreendidas na sua traseira, a viatura da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula francesa ..-..0-QC, que apresenta o vidro de pequenas dimensões da porta do condutor partido, e não apresenta visível o VIN que se deveria encontrar identificado no para-brisas junto do tablier e o furgão da marca Renault, modelo Kangoo, com a matrícula francesa ....6SA.
O arguido BB não é titular de licença de uso e porte de arma, bem conhecendo as características daquelas armas e munições e sabia, que podiam ser utilizados, com a possibilidade de ferir alguém.
Atuou ainda o arguido BB, bem sabendo que não podia nem devia possuir ou deter as aludidas armas e munições, por não ter a necessária licença de uso e porte de arma, bem assim que as mesmas não se encontravam registadas/manifestadas.
Destacam-se ainda, como objetos apreendidos, diversas matrículas francesas, várias Chapas de construtor virgens (prontas a ser gravadas a frio e colocadas em viaturas) permitindo viciar inúmeras viaturas e vários documentos referentes a viaturas, que serão oportunamente alvo de análise e confirmação do seu interesse para a presente investigação.
Ora, o arguido BB, desenvolve a sua atividade criminosa, em comunhão de esforços com arguido AA, procedem ao desmantelamento e à venda de viaturas, de forma ilegal, para ocultar a sua proveniência, sendo certo de que se tratam de viaturas furtadas em França, como já amplamente demonstrado, e que todas as viaturas referenciadas nos autos, foram angariadas e transportadas para Portugal por solicitação do arguido BB.
O arguido BB ao dispor de uma residência sita em ..., ... ..., França, e manter fortes laços com cidadãos da comunidade portuguesa e francesa naquela zona, permitir-lhe-á granjear todo o apoio para se eximir à ação da justiça portuguesa e, pretendendo dar continuidade à sua atividade delituosa, podê-la-á deslocalizar para qualquer outra parte do nosso território.
Assim, toda a informação carreada nos autos, conjugada com os diversos veículos encontrados e aprendidos na disponibilidade do arguido BB, ressalvando que ainda existem pelo menos dois veículos, (Renault-Clio), identificados nos autos, (..-..1-BJ), e (..-..2- HT) ainda por localizar, retira-se os arguidos BB e AA fazem modo de vida, do tráfico e viciação de veículos, da recetação e do branqueamento, obtendo elevados proventos financeiros, que lhe permitem sustentar o seu modo de vida diário, uma vez que não lhes é conhecida qualquer outra atividade, profissão, ou fonte de rendimento, com a certeza de não a declaram fiscalmente.
Enfatiza-se o último investimento do arguido, no caso, um conjunto de 4 apartamentos na localidade de ..., cuja construção assenta num financiamento ilícito, uma vez que está adjudicada diretamente a sua construção e dependente das verbas que aquele disponibiliza.
Atente-se ainda, na gama superior da viatura Range Rover que o mesmo circula, bem como, ao facto de ser possuidor de uma moto de grande cilindrada, uma Yamaha, R1, de matrícula Francesa (....YC..), da qual não exibiu qualquer documento comprovativo da sua propriedade, o que motivou a apreensão dos dois veículos.
Quanto ao arguido AA, e após uma primeira abordagem policial, como a desenvolvida junto deste, aquando da realização de buscas domiciliárias às suas moradias, com a sua sujeição à constituição de arguido, o conhecimento da investigação em curso e a sua sujeição à medida de coação de apresentações periódicas no posto policial da sua proximidade, deveria ter originado o efeito desejável, designadamente o abandono da conduta criminal, o que não se veio a concretizar, enfatizando-se o desvalor que atribui à atuação da Justiça.
O facto de que o furto de viaturas em país estrangeiro (França), a sua deslocação para outro país (Portugal), a sua recetação, seguida do respetivo desmantelamento, proporciona aos intervenientes, a obtenção de valores muito superiores ao da própria viatura furtada, uma vez que o “mercado negro”/concorrencial das peças, associado à evasão fiscal, é deveras atrativo para os arguidos e deverá ser merecedor de uma censurabilidade acrescida, uma vez que corrói as estruturas sociais, económicas, legislativas e judiciais nacionais, projetando uma imagem reprovadora do nosso país.
Alia-se ainda, o facto de na maioria das vezes, os legítimos proprietários dificilmente conseguem reaver as suas viaturas furtadas, ou serem devidamente ressarcidos dos valores em que se encontram lesados, criando-lhes situações económicas de extrema dificuldade.
A atuação dos dois arguidos BB e AA, denota um elevadíssimo grau de organização e estratégia delituosa, se considerarmos que em solo francês, o autor dos furtos terá que selecionar a viatura a furtar, terá que premeditar o momento de atuação, terá que se socorrer de “modus operandi específico” para se apoderar da mesma – quebra do óculo de vidro triangular da porta da frente, terá que arranjar a documentação que legitime a sua deslocação para o nosso país, terá que ter total confiança no destinatário/recetador, terá que dissimular as viaturas, terá que garantir o seu transporte, terá que rapidamente proceder ao seu desmantelamento e guarda em solo nacional, por forma a assim lograr escapar a qualquer ação de controlo policial e terá que arranjar um novo cliente, sendo que todas estas condicionantes, estão perfeitamente demonstradas no decurso desta investigação e espelham a atuação concertada e a comunhão de esforços dos arguidos BB e AA, neste unânime desígnio criminoso.
O arguido BB, tem pendente um pedido de pessoa procurada, registado no sistema de informação Schengen, cf. fls. 387.
Os arguidos AA e BB sabiam que se tratavam de veículos que tinham proveniência ilícita, sabendo que os vendedores, os tinham subtraído a terceiros contra a vontade destes.
Tal possibilidade é tanto mais certa quanto os arguidos AA e BB adquirem essas viaturas furtadas que destinavam a ser desmanteladas e vendidas às peças, independentemente do facto de se tratarem de viaturas recentes, com muito pouco uso e sem terem sido intervenientes em acidentes de viação.
Os arguidos AA e BB adquiriram as referidas viaturas, por valores não concretamente apurados, mas muito inferiores ao seu valor real, não obstante saber que tais viaturas valiam pelo menos € 7500,00 cada uma, com a intenção de aumentar o seu património, pretendendo vende-las às peças não identificáveis, ou mesmo inteiras, mas com os elementos de identificação alterados, (conforme sucedeu com o veículo de matrícula ..-..-IE), de modo a esconder a sua proveniência ilícita e por um preço superior à sua aquisição.
Os arguidos AA e BB agiram, nas circunstâncias atrás descritas, com o propósito de aumentar o seu património, pois efetuaram a aquisição das viaturas, por valores não concretamente apurados, mas por preços muito inferiores ao seu real valor, que era de pelo menos € 7500,00, na mira de as revender com lucro.
O arguido AA fez desaparecer o veiculo que apresentou na alfândega para iniciar o processo de legalização, quando apurou que não podia legalizar o mesmo.
Desta forma os arguidos, AA e BB, desenvolvem a sua atividade no ramo automóvel, lucrando diariamente, e obtendo proveitos de uma atividade ilícita.
Os arguidos AA e BB não são operadores autorizados e licenciados para o desmantelamento de automóveis, nem tão pouco exercem a atividade de comércio de automóveis, devidamente autorizados e licenciados perante a Autoridade Tributária e demais instituições do ramo automóvel.
Consubstanciado com o facto de o arguido AA em sede de interrogatório, tentar convencer a investigação, que a venda de automóveis é feita de forma “camuflada”, sob o nome de uma terceira pessoa, (“as transações associadas à comercialização de automóveis estão confiadas a SS, que possui um stand, com nome que não se recorda”).
Os arguidos AA e BB agiram, com o intuito concretizado de dissimular a origem das viaturas por si adquiridas, vendendo-as em peças não identificáveis ou com os seus elementos de identificação alterados, de modo a esconder a sua proveniência ilícita, nos termos descritos.
Em face da factualidade descrita e dos objetos apreendidos, verifica-se que os arguidos AA e BB fazem da atividade ilícita uma prática habitual, e assim fazem dessa atividade, modo de vida, daí retirando os seus proveitos para as suas despesas.
Os arguidos AA e BB agiram, em conjugação de esforços e vontades, com divisão de tarefas, em toda a atividade relacionada com as viaturas acima descritas.
Os arguidos AA e BB agiram, livre, voluntária e conscientemente, nas suas condutas bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crime.”
Os factos indiciados são susceptíveis de constituir o arguido AA, em concurso real, pelo menos, como co-autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art.º 231.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, com referência ao art.º 255.º, al. a), do Código Penal, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, e, em autoria material singular, de um crime de descaminho de objectos colocados sob poder público, previsto e punido pelo art.º 355.º do Código Penal, com pena de prisão até 5 anos;
 e o arguido BB, em concurso real, como co-autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art.º 231.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, com referência ao art.º 255.º, al. a), do Código Penal, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, e, em autoria material singular, de um crime detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23/02, com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa.
Sempre com a ressalva do respeito devido por entendimento contrário, não se afigura subsumirem-se as condutas no imputado crime de branqueamento, previsto e punido pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 3, 4 e 8, do Código Penal, desde logo, porque o mesmo terá como precedentes crimes de furto simples, previstos e punidos pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, ou de furtos qualificados, previstos e punidos pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1, e 204.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (em virtude do respectivo valor elevado), que se não enquadram no âmbito punitivo do art.º 368.º-A, n.º 1, proémio e suas alíneas.
Os factos indiciados revestem-se de alguma gravidade, máxime, pela dimensão lesiva do património alheio, bem como pela sua reiteração, sobretudo quanto ao co-arguido AA, já solenemente advertido nos presentes autos, mediante a pretérita aplicação de medidas de coacção que o não mantiveram arredado da criminalidade.
Ademais, os arguidos revelam-se conhecedores do meio da negociação e do transporte de veículos, dedicando-se, aliás, o arguido AA, profissionalmente, à venda de veículos automóveis, demonstrando, ainda, alguma organização no desenvolvimento da indiciada actividade delituosa, empreendida conjuntamente por ambos quanto à receptação e falsificação.
Daqui resulta, pois, um perigo de continuação da actividade criminosa, ao qual cumpre fazer face.
Já se não descobre um concreto perigo de perturbação grave (sublinhe-se, grave) da ordem e da tranquilidade públicas, sustentado em factos concretos dos quais se deduza que a permanência dos arguidos em ampla liberdade seja, potencialmente, geradora de tal perturbação (embora se reconheça a aptidão para gerar intranquilidade o conhecimento da prática de ilícitos patrimoniais atinentes a veículos automóveis, não se colhe que, em concreto, que tal perturbação seja, efectivamente, grave).
Por outro lado, pelas ligações dos arguidos a França, embora em menor grau, não é de arredar algum risco de que os mesmos possam eximir-se à acção da Justiça.
Para satisfação das enunciadas exigências cautelares, pela facilidade de contactos e de movimentos que sempre proporciona, afigura-se manifestamente insuficiente o simples termo de identidade e residência.
Não podemos esquecer, em outra perspectiva, que as medidas de coacção não constituem uma antecipação punitiva, devendo, como referido supra, apresentar-se não apenas como necessárias e adequadas à satisfação das exigências cautelares, mas, também, proporcionais à gravidade dos crimes indiciados e às sanções previsivelmente aplicáveis.
Neste conspecto, haverá que ponderar, apesar da ostensiva violação do estatuto coactivo, que o co-arguido AA não tem quaisquer antecedentes criminais, apresentando aparente e suficiente inserção social, e que o co- arguido BB não possui antecedentes criminais recentes pela prática de crimes, designadamente, contra o património, tendo sofrido uma condenação em 2004 pela prática de um crime de furto tentado e, em 2015, de ofensa à integridade física, ambas as condenações, em França.
Destarte, se é evidente que a privação da liberdade obsta, com plena eficácia, à continuação da actividade criminosa, não menos certo é que na situação ora submetida à apreciação do Tribunal, tal medida se afigura, sempre com a ressalva com o respeito devido pelo entendimento contrário, algo desproporcional em relação às sanções previsivelmente aplicáveis e aos crimes, de natureza patrimonial, que se indiciam, descortinando-se, mesmo quanto ao co-arguido AA, outras medidas menos gravosas que alcançarão, crê-se, de forma adequada e bastante, as sentidas exigências cautelares, como a obrigação de apresentação periódica, necessariamente agravada, quanto ao co-arguido AA, permitindo não apenas um controlo dos movimentos dos arguidos, como a interiorização do desvalor das suas condutas, por parte dos mesmos, pelo regular contacto com os órgãos de polícia criminal, a obrigação de não se ausentarem, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da respectiva residência, a obrigação de não se ausentarem para o estrangeiro e a obrigação de não contactarem, por qualquer meio, entre si.
Pelo exposto, e atento o preceituado nos art.ºs 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 195.º, 196.º, 197.º, n.ºs 1, 2 e 3, 198.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.ºs 1, als. b), c), e d), e 3, 203º, nº 1 e 204.º, als. a) e c), do Cód. de Processo Penal, determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos às seguintes medidas de coacção, além do termo de identidade e residência, que já prestaram:
A- Arguido AA:
- Obrigação de apresentação periódica diária, no posto policial da área da respectiva residência;
- Obrigação de não se ausentar, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respectivo passaporte à ordem dos presentes autos, no prazo de 24H00;
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com o co-arguido BB.
B- Arguido BB:
- Obrigação de apresentação periódica quatro vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras, sextas-feiras e sábados;
- Obrigação de não se ausentar, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respectivo passaporte à ordem dos presentes autos, no prazo de 24H00;
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com o co-arguido AA.
*
II.3- Apreciação do recurso
O direito à liberdade pessoal, e em particular à liberdade ambulatória, é um direito fundamental, previsto no art.º 27.º da Constituição da República Portuguesa, de cujo nº 2 decorre que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.”.
Por sua vez, prevê-se no n.º 3 do mesmo artigo, entre outras exceções a tal princípio, a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, por aplicação da prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
Enquanto medida restritiva de direitos, liberdades e garantias do cidadão, qualquer medida de coação está sujeita ao princípio da legalidade, terá de ter consagração legal [artigos 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa], decorrendo, por sua vez, do n.º 1, do artigo 191.º do Código de Processo Penal, que “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”.
À luz dos princípios constitucionais conformadores do sistema processual penal, as medidas de coação, enquanto restrições à liberdade de alguém que se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), não são, nem podem ser, uma forma de antecipação da responsabilização e punição penal e só se justificam como meio de tutela de necessidades de natureza cautelar – art. 191º, n.º 1 Código de Processo Penal, ínsitas às finalidades últimas do processo penal: a realização da justiça, através da descoberta da verdade material de um modo processualmente válido, e o restabelecimento da paz jurídica.
Como decorre do estatuído no artigo 193.º do Código de Processo Penal, são três os princípios aí erigidos como indispensáveis à aplicação das medidas de coação:
- O princípio da adequação, nos termos do qual se exige que a medida a aplicar seja a mais ajustada às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto;
- O princípio da proporcionalidade, dita que a medida deve atender à gravidade do crime e às sanções que se prevê venham a ser aplicadas.
- O princípio da subsidiariedade, determina que a medida de prisão preventiva, como a mais grave da escala, só em última instância deve ser utilizada, ou seja, quando as demais forem julgadas inadequadas ou insuficientes para a situação concreta - critério da última ratio [S. Santos e Leal H., Código de Processo Penal, Anotado, Rei dos Livros, I, pág. 957].
A todos acresce, ainda, o princípio da legalidade, previsto no artigo 191.º, n.º 1 Código de Processo Penal, cujo corolário lógico é o da tipicidade e o carácter taxativo das medidas elencadas na lei.
Para além dos princípios gerais enformadores da aplicação de uma medida de coação, a lei processual penal exige, ainda, para a generalidade das medidas que mais gravemente afetam direitos fundamentais dos arguidos que, das diligências efetuadas nos autos, resultem fortes indícios da prática do ilícito criminal subjacente à reação penal, ou seja, aqueles que incutem ao aplicador da medida de coação uma convicção séria de que os factos ocorreram da forma inferida e, deles resulta uma forte possibilidade de, em julgamento, ser imposta ao arguido uma pena ou uma medida de segurança. 
Na verdade, embora o legislador tenha usado no art. 202º do Código de Processo Penal, a expressão “indícios fortes” terá esta expressão a mesma carga da constante do art. 283º do Código de Processo Penal, onde é usada a formulação “indícios suficientes”.
Neste sentido refere-se no AC STJ de 28.08.2018, [processo nº 142/17.3JBLSB-A.S1, disponível in www.dgsi.pt.]: (…)II - Quando na fase de inquérito, para a fixação da medida de coacção da prisão preventiva, se alude, como no art. 202.º, n.º 1, al.s. a) a e) a fortes indícios o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objetivadas a partir dos elementos recolhidos.
III - Sendo diferente o contexto probatório em relação ao (primeiro) momento da aplicação da medida de coacção e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art. 202.º e o de «indícios suficientes» explicitado no art. 283.º, n.º 2 CPP: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal.
IV - Mas aferida essa idoneidade pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas. “Fortes indícios” tendo em conta que a medida de coacção é fixada ainda numa fase de aquisição da prova configurando-se esse conceito como uma exigência de que ela não se apoie numa débil consistência probatória mas antes em elementos probatórios já de solidez suficiente embora porventura não bastantes ainda para deduzir uma acusação. “Indícios suficientes” no sentido em que, finda essa fase de investigação e aquisição da prova eles terão então de possuir, força necessária e solidez vincada, para deles resultar uma possibilidade razoável de em julgamento ser aplicada uma pena ao arguido.
V - Esta é, crê-se, a interpretação que confere ao sistema a integridade e coerência adequadas pois, como ensinou Antunes Varela a lei não deve «rebaixar-se à categoria de simples artigo pronto a ser digerido segundo as várias necessidades fisiológicas do organismo social”.
Em sentido idêntico  o AC RC de 10.12.2008 [processo nº 645/08.0PBFIG-A.C1, disponível in www.dgsi.pt]  onde se escreve :“Na aferição que se possa fazer a propósito da definição de Indiciação suficiente não se poderá descartar o feixe de normas fundamentais e de direito convencional que regem e estruturam os princípios retores que hão-de nortear um processo justo e equitativo arrimado aos valores de um Estado que proclama e pretende prosseguir na senda da observância dos direitos fundamentais da pessoa humana, com especial ênfase para dever de respeito pela dignidade da pessoa humana, com a inerente preservação do bom nome e reputação e a defesa contra intromissões abusivas e arbitrárias na esfera de direitos individuais. Assim é que inexoravelmente associada à ideia de indícios suficientes ou necessários para levar alguém a julgamento deverá caminhar o princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência – cfr. artigos 32.º, n.º 2, Constituição da República Portuguesa; 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 Dezembro de 1948; 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”
A par, e a acrescer aos pressupostos previstos para cada uma das medidas de coação do catálogo legal, há que apurar se, em concreto, se verificam os requisitos elencados no art. 204º CPP, no momento da respetiva aplicação, quais sejam:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas”.
“O perigo de continuação da actividade criminosa decorre da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, respeita apenas à continuação da actividade criminosa que se mostra indiciada no processo, o que se verificará com a execução do mesmo ilícito e bem assim com outros análogos ou da mesma natureza, e não se analisa apenas em relação às vítimas nos autos, mas também em relação a quem venha a estar em situações semelhantes” [Cf. Acórdão do TRC de 22.02.2023, processo nº 1070/22.6PBFIG-A.C1, disponível in www.dgsi.pt].
Tal perigo não pode partir de uma mera presunção abstrata ou genérica mas antes apreciado caso a caso, pois só o risco real e efetivo de continuação da atividade delituosa pode justificar a aplicação das medidas de coação, maxime a prisão preventiva.
No que se refere ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas  este tem de resultar da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, relevando para o mesmo a alteração negativa que prejudique ou cause dano à ordem pública e não apenas a mera inquietação gerada no meio social [neste sentido Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, vol. I 5ª Edição, pág.927].
Feito este percurso olhemos para a situação em concreto, começando por analisar a questão da forte indiciação do crime de Branqueamento, previsto e punível pelo art. 368º A do Código Penal.
Prevê o artigo 368º-A do Código Penal:
 “Branqueamento
1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas aplicáveis, de factos ilícitos típicos de:
a) Lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, ou pornografia de menores;
b) Burla informática e nas comunicações, extorsão, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, contrafação de moeda ou de títulos equiparados, depreciação do valor de moeda metálica ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa ou de títulos equiparados, ou aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação ou de títulos equiparados;
c) Falsidade informática, contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, atos preparatórios da contrafação, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático, dano relativo a programas ou outros dados informáticos, sabotagem informática, acesso ilegítimo, interceção ilegítima ou reprodução ilegítima de programa protegido;
d) Associação criminosa;
e) Infrações terroristas, infrações relacionadas com um grupo terrorista, infrações relacionadas com atividades terroristas e financiamento do terrorismo;
f) Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
g) Tráfico de armas;
h) Tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal ou tráfico de órgãos ou tecidos humanos;
i) Danos contra a natureza, poluição, atividades perigosas para o ambiente, ou perigo relativo a animais ou vegetais;
j) Contrabando, contrabando de circulação, contrabando de mercadorias de circulação condicionada em embarcações, fraude fiscal ou fraude contra a segurança social;
k) Tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, ou corrupção com prejuízo do comércio internacional ou no setor privado;
l) Abuso de informação privilegiada ou manipulação de mercado;
m) Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores, violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, contrafação, imitação e uso ilegal de marca, venda ou ocultação de produtos ou fraude sobre mercadorias.
2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior.
3 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos.
4 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.
5 - Incorre ainda na mesma pena quem, não sendo autor do facto ilícito típico de onde provêm as vantagens, as adquirir, detiver ou utilizar, com conhecimento, no momento da aquisição ou no momento inicial da detenção ou utilização, dessa qualidade.
6 - A punição pelos crimes previstos nos n.os 3 a 5 tem lugar ainda que se ignore o local da prática dos factos ilícitos típicos de onde provenham as vantagens ou a identidade dos seus autores, ou ainda que tais factos tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 5.º
7 - O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada.
8 - A pena prevista nos n.os 3 a 5 é agravada em um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual ou se for uma das entidades referidas no artigo 3.º ou no artigo 4.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e a infração tiver sido cometida no exercício das suas atividades profissionais.
9 - Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
10 - Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial.
11 - A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.
12 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens

Como se analisa no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.10.2019 [processo nº 405/14.0TELSB.L1-3, disponível in www.dgsi.pt] : “O branqueamento de capitais é um crime de mera atividade e de perigo, cujo cometimento se verifica com a simples execução de um dos comportamentos típicos, independentemente do seu resultado.
Objeto da ação típica são as vantagens patrimoniais resultantes de crime anteriormente cometido pelo próprio branqueador ou por outrem, desde que integrado no «catálogo».
Quanto às modalidades de ação, os verbos insertos no texto dos nºs 2 e 3 do art. 368º A do CP incluem no seu âmbito de aplicação uma grande variedade de condutas, com diferentes graus de intensidade, espelhados, de resto, na moldura penal abstrata de dois a doze anos de prisão.
Face à amplitude da configuração do crime de branqueamento de capitais no art. 368º A do Código Penal, deve entender-se que o processo trifásico - conversão; dissimulação e integração - de reciclagem dos bens ou vantagens patrimoniais resultantes de factos típicos e ilícitos das espécies previstas no seu nº 1 pode ser mais ou menos elaborado, consoante a economia de esforço necessária à produção do resultado antijurídico, pelo que, por exemplo,  a mera introdução de dinheiro proveniente da prática de crimes base, ou da venda de bens obtidos através do cometimento desses tipos de ilícito, ainda que menos grave e perigosa do que outras mais sofisticadas e engenhosas, é já branqueamento de capitais, sob pena de restrição ilegal do âmbito objetivo do tipo e de desarticulação funcional com o bem jurídico tutelado com a incriminação.
O crime de branqueamento de capitais, tanto na modalidade tipificada no nº 2, como na modalidade prevista no nº 3 do art. 368º A do CP, é um crime de intenção que exige o dolo específico, traduzido no propósito, ou melhor, dois propósitos (os quais podem ser cumulativos ou alternativos), que acrescem à consciência e vontade relativa aos elementos objetivos do crime – o agente tem de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita das vantagens em causa, ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações subjacentes seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.” 
O bem jurídico protegido é essencialmente a justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco dos proventos pelos tribunais.
O preenchimento da conduta objetiva pressupõe alguma das ações aí descritas, decorrendo o crime de branqueamento da anterior prática de um facto ilícito típico, o denominado crime precedente e consubstancia-se na situação presente em ações de conversão, transferência ou dissimulação de valores e/ou bens de origem criminosa, conferindo-lhe uma aparência legal, ou dito de outro modo, utilização de processos que mascaram, ocultam a origem e propriedade dos capitais e/ou bens resultantes de atividades criminosas, com o intuito de transformá-los em bens ou produtos aparentemente lícitos.
Este ilícito assume autonomia face ao crime precedente, já não mais consistindo um simples prolongamento da proteção conferida ao bem jurídico tutelado por este.
Sendo o crime precedente objeto de punição, verifica-se uma relação de concurso real ou efetivo entre o mesmo e o de branqueamento, se cometidos pelo mesmo agente, como autor ou comparticipante.
Na análise da questão que nos é colocada da subsunção da conduta dos arguidos ao crime de branqueamento, impõe-se ainda tecer algumas considerações acerca do concurso efetivo ou meramente aparente de crimes.
No Acórdão do STJ de 13.10.2004 [processo nº 04P3210, disponível in www.dgsi.pt] escreve-se: I - O concurso efectivo de crimes de crime é real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções) e é ideal quando através de uma mesma acção se violam normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
II  - A par categoria de concurso efectivo de crimes temos a de concurso aparente, onde as leis penais concorrem só na aparência, excluindo umas as outras, segundo regras de especialidade, subsidariedade ou consumpção.
III - O critério operativo de distinção entre categorias reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime.”
Como salienta Pedro Caeiro  [A Consunção do Branqueamento pelo crime Precedente, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, pág. 192] “O concurso de crimes existe quando o comportamento global imputado ao agente exprime vários “ concretos sentidos de Ilícito” valorados em diversas normas “ concretamente aplicáveis”; aqui, o método analógico passa a ser teleológico; a solução há-de provir não «de considerações de ordem formal mas de uma argumentação substancial ou material levada a cabo em função do significado social do comportamento em apreciação perante a ordem dos tipos de ilícito das normas concretamente aplicáveis. Assim, identificada uma “pluralidade de normas típicas concorrentes aplicáveis ao comportamento global , é legítimo concluir prime facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude que (…) devem ser integralmente valorados para efeito de punição, constitutiva de um concurso de crimes efetivo, puro ou próprio.
Todavia, aquela presunção pode ser elidida quando os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global” do caso concreto se conectem, intersectem ou parcialmente se cubram de forma tal que se deva concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não só no mundo das normas -, que seria inadequado, injusto incluir tais casos na forma de punição do art. 77º. Este desfasamento entre a pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis e a pluralidade de crimes efetivamente cometidos concretiza-se na figura da consunção (…)”´
  Ora, na análise da relação que se estabelece entre o crime de branqueamento e o crime de recetação defendem Miguez Garcia e Castela Rio [Código Penal Parte Geral e Especial, em anotação ao art. 368º A, pág. 1283], que estaremos perante um concurso aparente de crimes. Assim o defende também Paulo Pinto Albuquerque [Comentário do Código Penal 5ª Edição atualizada, pág. 126]  escrevendo: “No caso de encobrimento de vantagem proveniente de crime contra o património ( por exemplo um crime de roubo ou um crime de furto qualificado de coisa móvel de valor consideravelmente elevado ) cometido por outra pessoa há concurso aparente (consunção) entre o crime de branqueamento e o crime de recetação (apontando nesse sentido Faria Costa, 1992, 202(…)”.
No sentido desta interligação dos crimes de recetação e de branqueamento encontramos o Acórdão do TRL de 21.02.2024 [processo 183/20.3PCCSC.L1-9, disponível in www.dgdi.pt] onde se escreveu: “- Na versão dada ao art.º 368º-A, do Código Penal (crime de branqueamento) pela Lei nº 83/2017, de 18.08, em vigor à data dos factos (abril de 2020), não fazendo parte do catálogo dos crimes precedentes o crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, nº 1, do Código Penal, nem sendo tal crime punível com pena de prisão cujo limite mínimo exceda os 6 meses ou cujo limite máximo exceda os 5 anos, não se verificam todos os elementos típicos do crime de branqueamento;
II - Com efeito, o crime de burla informática só passou a fazer parte do catálogo dos crimes precedentes a partir de 01.09.2020, com a entrada em vigor da Lei nº 58/2020, de 31.08, que, além do mais, alterou a redação do art.º 368º-A do Código Penal;
III - Não tendo o arguido cometido um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A do Código Penal, em face da versão em vigor ao tempo dos factos (abril de 2020), todavia, cometeu um crime de recetação, p. e p. pelo art.º 331º, nº 1, do mesmo diploma legal, na medida em que recebeu na sua conta bancária montantes provenientes de ato ilícito típico contra o património perpetrado por terceiro, conforme bem sabia, tendo agido com representação do facto e com a intenção de o realizar e ainda com intenção lucrativa para esse terceiro.”
Aqui se percebe que “os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global”, parcialmente são cobertos por ambas as normas e, portanto, o comportamento do agente “é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social.”, existindo, assim, a nosso ver, efetivamente, um concurso aparente e não efetivo de crimes.
Ora, se assim é, temos que concluir que o crime de recetação não poderá – como o afirmou o Tribunal a quo no despacho recorrido - consistir no crime precedente para efeitos do crime de branqueamento de capital, pois que o crime de recetação inclui já, um conjunto de atos (dissimular coisa, transmitir contribuir para transmitir), tal como o crime de branqueamento e pressupõe, ele mesmo, um facto ilícito típico contra o património anterior.
Tendo ambas as normas um campo de ação que se interpenetra e no caso é parcialmente coincidente, temos de concluir que, caso estivessem reunidos todos os pressuposto – por exemplo estivéssemos perante bens de valor consideravelmente elevado o crime de branqueamento consumiria o crime de recetação. E assim, este último não pode, salvo melhor opinião  ser considerado o crime precedente.
Qualquer um destes crimes pressupõe um facto ilícito típico prévio – no caso da recetação facto ilícito típico contra o património e no caso do branqueamento os factos ilícitos típicos que reúnam os requisitos do nº 1 do art. 368º A do Código Penal, quanto à moldura penal aplicável, ou independentemente desta caibam no catálogo definido no nº 2 do mesmo preceito legal.
Ora, na situação em apreço o crime precedente é, pois, tal como mencionado pelo Juiz de instrução, o de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º do Código Penal,  ou de furto qualificado, previsto e punível pelo art. 204º, nº 1 al. a), por referência ao art. 202º, al. a) ambos do Código Penal, atentos os factos que se mostram descritos no respetivo despacho e designadamente o valor dos veículos.
Deste modo, inexiste qualquer contradição no despacho recorrido, não merecendo censura a subsunção jurídica dos factos efetuada pelo Tribunal a quo.
Estamos, pois, perante factos ilícitos que fortemente indiciam a prática pelo arguido  AA, em concurso real, como co-autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art.º 231.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, com referência ao art.º 255.º, al. a), do Código Penal, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, e, em autoria material singular, de um crime de descaminho de objectos colocados sob poder público, previsto e punido pelo art.º 355.º do Código Penal, com pena de prisão até 5 anos; e
A prática pelo arguido BB, em concurso real, como co-autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art.º 231.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, com referência ao art.º 255.º, al. a), do Código Penal, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, e, em autoria material singular, de um crime detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23/02, com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa.
Ultrapassada a questão da qualificação jurídica, entende ainda o Mº Público que não foi tida em consideração na decisão em recurso a violação das medidas de coação aplicadas anteriormente ao arguido AA e bem assim, o conhecimento que o coarguido BB teve dessa aplicação, pelo que tendo aplicado medidas de coação que pouco diferem das anteriormente aplicadas não acautelam estas os perigos que se fazem sentir, entendendo que estes apenas serão acautelados com medidas de coação privativas da liberdade, entendendo que s verifica também o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
No despacho recorrido escreveu-se, entre o mais, o seguinte: “Os factos indiciados revestem-se de alguma gravidade, máxime, pela dimensão lesiva do património alheio, bem como pela sua reiteração, sobretudo quanto ao co-arguido AA, já solenemente advertido nos presentes autos, mediante a pretérita aplicação de medidas de coacção que o não mantiveram arredado da criminalidade.
Ademais, os arguidos revelam-se conhecedores do meio da negociação e do transporte de veículos, dedicando-se, aliás, o arguido AA, profissionalmente, à venda de veículos automóveis, demonstrando, ainda, alguma organização no desenvolvimento da indiciada actividade delituosa, empreendida conjuntamente por ambos quanto à receptação e falsificação.
Daqui resulta, pois, um perigo de continuação da actividade criminosa, ao qual cumpre fazer face.
Já se não descobre um concreto perigo de perturbação grave (sublinhe-se, grave) da ordem e da tranquilidade públicas, sustentado em factos concretos dos quais se deduza que a permanência dos arguidos em ampla liberdade seja, potencialmente, geradora de tal perturbação (embora se reconheça a aptidão para gerar intranquilidade o conhecimento da prática de ilícitos patrimoniais atinentes a veículos automóveis, não se colhe que, em concreto, que tal perturbação seja, efectivamente, grave).
Por outro lado, pelas ligações dos arguidos a França, embora em menor grau, não é de arredar algum risco de que os mesmos possam eximir-se à acção da Justiça.
Para satisfação das enunciadas exigências cautelares, pela facilidade de contactos e de movimentos que sempre proporciona, afigura-se manifestamente insuficiente o simples termo de identidade e residência.
Não podemos esquecer, em outra perspectiva, que as medidas de coacção não constituem uma antecipação punitiva, devendo, como referido supra, apresentar-se não apenas como necessárias e adequadas à satisfação das exigências cautelares, mas, também, proporcionais à gravidade dos crimes indiciados e às sanções previsivelmente aplicáveis.
Neste conspecto, haverá que ponderar, apesar da ostensiva violação do estatuto coactivo, que o co-arguido AA não tem quaisquer antecedentes criminais, apresentando aparente e suficiente inserção social, e que o co- arguido BB não possui antecedentes criminais recentes pela prática de crimes, designadamente, contra o património, tendo sofrido uma condenação em 2004 pela prática de um crime de furto tentado e, em 2015, de ofensa à integridade física, ambas as condenações, em França.
Destarte, se é evidente que a privação da liberdade obsta, com plena eficácia, à continuação da actividade criminosa, não menos certo é que na situação ora submetida à apreciação do Tribunal, tal medida se afigura, sempre com a ressalva com o respeito devido pelo entendimento contrário, algo desproporcional em relação às sanções previsivelmente aplicáveis e aos crimes, de natureza patrimonial, que se indiciam, descortinando-se, mesmo quanto ao co-arguido AA, outras medidas menos gravosas que alcançarão, crê-se, de forma adequada e bastante, as sentidas exigências cautelares, como a obrigação de apresentação periódica, necessariamente agravada, quanto ao co-arguido AA, permitindo não apenas um controlo dos movimentos dos arguidos, como a interiorização do desvalor das suas condutas, por parte dos mesmos, pelo regular contacto com os órgãos de polícia criminal, a obrigação de não se ausentarem, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da respectiva residência, a obrigação de não se ausentarem para o estrangeiro e a obrigação de não contactarem, por qualquer meio, entre si.
Pelo exposto, e atento o preceituado nos art.ºs 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 195.º, 196.º, 197.º, n.ºs 1, 2 e 3, 198.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.ºs 1, als. b), c), e d), e 3, 203º, nº 1 e 204.º, als. a) e c), do Cód. de Processo Penal, determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos às seguintes medidas de coacção, além do termo de identidade e residência, que já prestaram:
A- Arguido AA:
- Obrigação de apresentação periódica diária, no posto policial da área da respectiva residência;
- Obrigação de não se ausentar, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respectivo passaporte à ordem dos presentes autos, no prazo de 24H00;
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com o co-arguido BB.
B- Arguido BB:
- Obrigação de apresentação periódica quatro vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras, sextas-feiras e sábados;
- Obrigação de não se ausentar, sem prévia autorização do Tribunal, da área do município da residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respectivo passaporte à ordem dos presentes autos, no prazo de 24H00;
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com o co-arguido AA.
Como deixamos já expresso o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas tem de resultar de circunstâncias concretas e particulares resultantes ou dos delitos  praticados, que se concretizarão em sentimentos de revolta da sociedade com perigo de desacatos ou outras manifestações de justiça popular ou então um clima de medo sério, resultante, por exemplo de uma sucessão de crimes e que coarta os sentimentos de tranquilidade públicos.
Ora, considerando os factos que resultaram fortemente indiciados quanto aos arguidos cremos que para além da aptidão que o conhecimento da prática de factos ilícitos envolvendo veículos automóveis acarreta em termos de intranquilidade pública, no caso presente dada a reiteração dos comportamentos envolvendo mais de 10 veículos automóveis, ocorrendo nalguns casos o seu desmantelamento e sempre a sua viciação com a inerente possibilidade de virem a ser adquiridos, assim viciados, por terceiros, gera na sociedade um sentimento de forte rejeição e gerador grande perturbação e insegurança.
Assim, cremos poder afirmar que - não sendo embora tão forte, como seria se por hipótese o desaparecimento dos veículos ocorresse na própria comunidade - que, ainda assim, verifica o perigo de grave perturbação da tranquilidade pública.
Sem dúvida que face ao apurado se verifica o mencionado perigo de continuação da atividade criminosa e também concordamos que a ligação entre os arguidos e destes (sobretudo do arguido BB) a  França faz com que exista um perigo de fuga, ou como referido no despacho recorrido que os arguidos se eximam à justiça.
Importa porém apreciar da adequação suficiência e  proporcionalidade das medidas de coação aplicadas.
A posição do recorrente partia do pressuposto da verificação – para além dos crimes imputados – do crime de branqueamento, que agravaria significativamente as penas que aos arguidos poderiam vir a ser aplicadas.
Porém, como já referimos, mantém-se a qualificação jurídica efetuada.
Da análise do trecho do despacho recorrido acima transcrito vemos que o Tribunal a quo não deixou de ter em consideração as medidas de coação anteriormente aplicadas ao arguido AA, como expressamente o mencionou, apenas entendendo que mesmo tendo em conta esses incumprimento, em face dos crimes em apreço e das penas que previsivelmente lhe serão aplicadas, e dada a ausência de antecedentes criminais, se mostrava desproporcional a medida de coação de prisão preventiva.
E quanto ao arguido BB considerou que este não possuía antecedentes criminais recentes pela prática de crimes, designadamente contra o património, tendo sofrido uma condenação em 2004 pela prática de um crime de furto tentado e, em 2015, de ofensa à integridade física, ambas as condenações, em França e entendeu também desproporcional a aplicação de tal medida de coação.
Está, pois em causa sobretudo o princípio da proporcionalidade das medidas de coação, segundo o qual as medidas a aplicar devem ser proporcionais à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime, devendo para tanto atender-se a todas as circunstâncias que em geral devem ser consideradas para a determinação da pena. [ cf. o acórdão do TRE de 06.06.2006, disponível in www.dgsi.pt]
Porém, como se salienta ainda no acórdão do TRL de 30.12.2019 [Processo 437/15.0JELSB-C.L1-3, disponível in www.dgsi.pt] “(…)este princípio denominado da adequação (…) pretende que a medida a aplicar seja a exacta para suprir as necessidades cautelares que o caso exige. Há-de ser ponderada quer face à gravidade do crime, quer face as exigências cautelares concretas do arguido face ao processo.
Saber qual a medida adequada, ou quando uma medida é a adequada, significa responder se ela ao ser aplicada realiza em concreto o fim pretendido.
Como refere Marques da Silva (2002) «o princípio da adequação tem carácter empírico, apoia-se no esquema meio/fim, segundo o qual a adequação há-de ser analisada em relação com a sua finalidade.»
A adequação impõe que a medida a aplicar não seja insuficiente ou, pelo contrário, excessiva para as exigências cautelares impostas pelo caso.
A correcção em termos de adequação há-de-ser qualitativa e quantitativa.
Qualitativa quando a natureza ou tipo da medida está em causa.
Quantitativa na medida em que a duração e intensidade desta importam ponderar para realizar as exigências cautelares que o caso concreto impõe.

(…)
Importa referir que o princípio da adequação é integrado pelo princípio da proporcionalidade, o que ocasiona que em sede recursória ao se questionar a adequação da prisão preventiva também se ponha em causa a sua proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade (…) significa que a medida de coacção há-de ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
O princípio da proporcionalidade está intimamente relacionado com um outro, o princípio da subsidiariedade.
Diz o princípio da subsidiariedade, consagrado, ainda, no art. 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.”
De facto, mesmo tendo o arguido AA - segundo o que fortemente se indicia - reiterado comportamentos criminosos apesar das medidas de coação aplicadas, o certo é que viu o seu estatuto coativo agravado, tendo-lhe sido agravada a medida de coação de apresentações periódicas, que passou a ser diária e cumulada a medida de proibição de se ausentar, sem autorização prévia do Tribunal, da área do Município da sua residência e, mantendo-se a medida de coação de proibição de se ausentar para o estrangeiro, foi determinada a entrega do respetivo passaporte e foi acrescentada também a medida de coação de proibição de contactos por qualquer meio com o coarguido BB.
Por outra via, ao arguido BB, não havia ainda previamente sido aplicada qualquer outra medida de coação, pelo que não pode relativamente a este, independentemente do conhecimento que teve das medidas de coação aplicadas ao arguido AA, ser feito um qualquer juízo de agravamento das exigências  cautelares, por via de tal conhecimento.
As medidas de coação são individuais e exercem a sua força cautelar em relação ao arguido a quem são aplicadas e, podendo servir de desincentivo para terceiros, não poderão relativamente a estes sustentar maiores exigências cautelares, com vista ao agravamento do estatuto coativo.
Deste modo, pese embora a gravidade dos factos fortemente indiciados, concordamos com a decisão recorrida no sentido de que, na vertente da subsidiariedade e proporcionalidade, a medida de coação de prisão preventiva se afigura excessiva, sobretudo em face da referida ausência de antecedentes criminais do arguido AA e, bem assim, da diferente natureza e longevidade dos contactos do coarguido BB com a justiça e, consequentemente, das sanções que previsivelmente lhes possam vir a ser aplicadas.
E assim, consistindo a prisão preventiva a medida de ultima ratio, cremos que esta em face dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade acima expostos, se mostraria excessiva.
Em face do exposto, entende-se que não será de agravar o estatuto coativo dos arguidos e designadamente aplicar-lhes a requerida medida de coação de prisão preventiva requerida.
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III - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente manter o despacho recorrido (sem prejuízo da consideração do prazo máximo das medidas de coação aplicadas ao arguido AA).
Sem custas.
Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.
Coimbra, 9 de abril de 2025
 [Texto elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]
As Juízas Desembargadoras
Sandra Ferreira
Maria da Conceição Miranda
Sara dos Reis Marques