1 - Delimitação entre o exercício do dever de correção – educação e os maus tratos.
2 - Para a legitimidade na aplicação de castigos/repreensões/proibições não poderá deixar de relevar:
a) Ser educativa a finalidade que o agente visa prosseguir, o que exclui as condutas adotadas por mera irritação do agente e, obviamente, o propósito de causar sofrimento;
b) A proporcionalidade da conduta que deve ser criteriosa e a mais leve possível de entre as que se revelem adequadas e suficientes para lograrem prosseguir a finalidade educativa a que se destinam;
c) A moderação, nunca atingindo o ato praticado o limite da dignidade do menor.
3 - Não constitui exercício do poder dever de educação a repreensão desligada de qualquer comportamento concreto e atual do menor que o possa justificar, nem a proibição sem que alguma perspetiva, leve que seja, de perigo ou ameaça se descortine.
4 - Podem configurar tais comportamentos maus tratos psíquicos prejudiciais ao bem-estar psicológico da vítima, que afetam o pleno desenvolvimento da sua personalidade no seio familiar, e que, até pela sua reiteração, põem em causa o bem jurídico da dignidade da pessoa humana.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam, em conferência, na 5ª secção, do Tribunal da Relação de Coimbra
1. Nos autos de processo comum singular a correr os seus termos sob o nº 1900/21.0T9LRA, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (Juízo Local Criminal de Leiria – J3), foi mediante sentença datado de 04.12.2024, (designadamente) decidido:
a) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, n. º1 e 152.º, n.º 1, als. d) e e), n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de na pena de prisão de 2 (dois) anos e 3 (três) meses;
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada em a), nos termos dos arts. 50.º, n.º 1, 2, e 5 do Código Penal e art. 34º-B, da Lei n.º 112/2009, pelo igual período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, subordinada ao cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta:
i. Proibição de contactar, por qualquer forma, BB;
ii. Proibição de se aproximar da residência e local, ou locais, de trabalho de BB;
c) Condenar o arguido AA a pagar à BB a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de arbitramento oficioso de reparação dos prejuízos sofridos em consequência das condutas do arguido nos termos conjugados dos arts. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 10 de setembro, e 82.º-A do Código de Processo Penal.
d) Não aplicar ao arguido as penas acessórias previstas no arts. 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
2. Inconformado recorreu o arguido, extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões:
«1 – O recorrente não se conforma com a Sentença de 2024.12.04, que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1 e 152º, nº 1, als. d) e e) e nº 2, al. a) do Código Penal, na pessoa da sua filha, BB, considerando que não praticou tal crime e por ele não pode ser condenado, pelo que dela vem interpor o presente recurso.
2 – Conforme resulta da fundamentação da Sentença recorrida, a condenação assenta em particular nos factos dados como provados sob os pontos 7., 16., 17., 19. e 24., que a Mmª Juiz a quo considera excederem o ius corrigendi, consubstanciando maus-tratos psíquicos, integrantes do tipo criminal em causa.
3 – O recorrente, por seu lado, considera que tais factos, da forma como se encontram enunciados, não têm correspondência com a prova produzida, tendo sido julgados incorretamente e sem que se possa reconhecer e/ou validar um efetivo suporte lógico-racional entre a formação da convicção do julgador e o que seria razoável concluir da ponderação da prova à luz das regras da experiência comum aplicáveis às circunstâncias do caso concreto, violando o disposto no art. 127º do C.P.P., pelo que aqui os impugna.
4 –Acresce que, salvo o devido respeito, entende o recorrente que a Sentença recorrida procede à incorreta enunciação dos factos provados, violando o disposto no art. 374º, nº 2 do C.P.P..
5 – Pese embora o Tribunal a quo tenha dado “especial relevância probatória as declarações para memória futura prestadas por BB”, verifica-se que foi além do sentido normal de tais declarações, enviesando-as e acabando por dar por provada factualidade que não tem total suporte naquela prova, mas que se limita a reproduzir ipsis verbis os factos formulados na acusação.
6 – Assim, afigura que as declarações para memória futura prestadas por BB em 12.03.2024, e reproduzidas em audiência de julgamento no dia 25.11.2024, aos minutos 12:36 a 12.39 e aos minutos 23:04 a 23:45, não permitem dar por provado o ponto 7. da matéria de facto tal como ele se encontra enunciado, indo além da prova produzida e em manifesto prejuízo do arguido como resulta da utilização da expressão “e sem que nada o justificasse”.
7 – Pelo que, deve o ponto 7. ser reformulado de acordo com a prova produzida e substituído pelo seguinte:
7. No decurso das referidas discussões, duas a três vezes por semana, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos “és uma mentirosa, uma parva, uma estúpida, uma ingrata, uma desilusão”.
7A. Numa dessas situações, o arguido chamou a BB de “ingrata” porque esta disse que não gostava de uns iogurtes que o pai havia comprado.
8 – O mesmo se aplica ao ponto 16.cuja enunciação padece de enviesamento feito pelo Tribunal a quo das declarações de BB, em sentido mais gravoso para o arguido com a introdução da expressão “o teu lugar não foi merecido”, indo para além do que resulta das declarações para memória futura prestadas por BB em12.03.2024,ereproduzidasemaudiênciadejulgamento no dia 25.11.2024, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, aos minutos 14:51 a 15:42.
9 – Das declarações da BB não resulta a afirmação de que o arguido tenha dito “o teu lugar não foi merecido”, como erradamente foi dado como provado, devendo tal facto ser corrigido em conformidade, não podendo ir além do seguinte: 16. Mal terminou o espetáculo, BB foi para junto do pai, que esteve a assistir à competição da filha, após o que se dirigiu a BB dizendo- lhe que “dançaste mal, não estiveste nada bem”.
10 – Por seu lado, no ponto 19. também se verifica que a enunciação excede, em manifesto prejuízo do arguido, o que efetivamente consta das declarações para memória futura prestadas por BB em 12.03.2024,ereproduzidas em audiência de julgamento no dia 25.11.2024, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, aos minutos 04:09 e 07:20 e aos minutos 29:01 a 29:32.
11 – Tal factualidade contém um enviesamento das referidas declarações e abstrai-se de qualquer menção a que as discussões eram relacionadas com a mãe e com a conflituosidade resultante da relação entre os progenitores; refere a expressão porca, que não foi confirmada pela BB, apresenta erradamente uma declaração encadeada e sequencial “a tua mãe é uma mentirosa, uma manipuladora, uma puta, uma porca, uma aldrabona, tu és exatamente iguala ela”, ao invés de dar como assente que, o arguido insultava a mãe e isso dava início a uma discussão, e que a discussão acabava com o pai a dizer que a BB era como a mãe, e finalmente dá como provada uma periodicidade mais gravosa do que a que resulta da prova, de uma vez por semana ao invés de uma vez por mês.
12 - Pelo que, impõe-se a reformulação do ponto 19. da matéria de facto provada em conformidade com a prova produzida, devendo este ser reformulado, não podendo ir para além da seguinte factualidade:
19. Em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, em situações de discussão relacionadas com a mãe desta que ocorriam pelo menos uma vez por mês, o arguido referia-se aquela com as expressões: “mentirosa”, “aldrabona”, “manipuladora”, “puta”.
19A. No final de tais discussões, o arguido dizia a BB que esta era exatamente como a mãe.
13 - Com efeito, salvo o devido respeito e sem prejuízo da censura feita às expressões utilizadas, afigura-se que na enunciação dos referidos pontos da matéria de facto, o Tribunal a quo procede a uma interpretação desviante das declarações da BB, atribuindo-lhes uma conotação mais gravosa do que aquela que efetivamente decorre do que foi dito, em manifesto prejuízo do arguido e violação do princípio constitucional da presunção de inocência.
14 – Também quanto ao ponto 24. da matéria de facto provada, o Tribunal a quo conferiu às declarações para memória futura prestadas por BB em12.03.2024,ereproduzidasemaudiênciadejulgament no dia 25.11.2024,gravadas através do sistema integrado de gravação digital, aos minutos 21:08 a 21:30 uma conotação deturpada de que o arguido não se importaria com a eventual morte da filha, o que não corresponde ao sentido dado nas aludidas declarações, devendo o referido ponto ser igualmente retificado.
15 - Por conseguinte, deve ser reformulada a enunciação do facto vertido em 24., conferindo-se-lhe a seguinte redação alternativa:
24.Sabendodetalfacto,e por referência à relação entre a BB e a mãe desta, o arguido repetia por diversas vezes a frase: “Morre, enterra-se».
16 - Finalmente, o facto vertido sob o ponto 11. da matéria de facto para além de se encontrar redigido de forma conclusiva e intencionalmente crítica, foi incorretamente julgado e está em contradição com a prova documental, com o depoimento do arguido AA prestados em audiência de julgamento no dia 18.11.2024, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, aos minutos 32:15 a 33:38, e bem assim, com as próprias regras da experiência comum.
17 - Ora, na ausência de outros elementos, deveria o Tribunal a quo abster-se de dar o facto por provado vertido em 11., ou em alternativa limitar-se a dar por provado o seguinte:
11.Nessa entrevista, o arguido foi diretamente questionado e respondeu a perguntas relacionadas com a sua relação com a mãe da BB e desta com a mãe, referindo expressamente “não quero entrar em pormenores”.
11A. Na mesma entrevista, o arguido afirmou relativamente à BB que “é uma rapariga que trabalha imenso, e eu tento dar-lhe a melhor educação que consigo, fazendo a perceber que ela, para ser bem-sucedida, tem de trabalhar muito e dou sempre o exemplo do Cristiano Ronaldo.”
18 – Em face do acima exposto, afigura-se ao recorrente que os pontos 7., 11., 16., 19. e 24. da matéria de facto provada foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo, revelando uma conotação negativa e enviesada sem efetivo suporte na prova produzida e encontrando-se em contradição com as declarações da BB e o depoimento do arguido, acima transcritos, violando o princípio da legalidade e os demais princípios aplicáveis à apreciação e julgamento da prova, e em última instância o princípio constitucional da presunção de inocência, violando o disposto nos arts. 127º e 374º, nº 2 do C.P.P., bem como o art. 32º, nº 2 da C.R.P., devendo ser alterados.
19 – Acresce que, ao condenar o arguido pelo artigo 152º, n.º 1, al. e) do Código Penal, a d. Sentença recorrida viola o princípio da legalidade e da aplicação da lei no tempo previstos nos artigos 1º e 2º, nº 4 do C. Penal, porquanto procede à aplicação de lei penal mais desfavorável ao arguido e que não existia aquando da data dos factos.
20 – Por outro lado, afigura-se que a factualidade assente não é suficiente para fundamentar a condenação com fundamento na alínea d) do art. 152º do C. Penal, por dela não resultar suficientemente demonstrado que a vítima fosse pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite, não se demonstrando qualquer situação de especial fragilidade, que também não se presume.
21 – Assim, ao limitar-se a afirmar que a vítima era menor e dependente economicamente do arguido, a sentença recorrida viola o princípio da legalidade e da tipicidadeprevistooart.1ºdoC.Penaleart.29º,nº1daCRP,nãoestandodemonstrado pelos concretos factos dados como provados, que a vítima se encontrava numa situação de particular ou especial vulnerabilidade e incapacidade de reação e de se defender dos alegados maus tratos.
22 - Donde, não se pode considerar devidamente preenchido o tipo objetivo do crime de violência doméstica, por ausência de elementos de facto que em concreto permitam concluir pela verificação dos elementos previstos na alínea d) do nº 1 do art. 152º do C. Penal, tendo a Sentença recorrida violado os princípios da legalidade e da tipicidade, devendo ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime que lhe vem imputado.
23 – Também no que respeita ao tipo subjetivo, afigura-se ao recorrente que os pontos 26., 27., 28. e 29. não têm qualquer suporte na prova produzida em audiência de julgamento, nem resultam de forma lógica e coerente da aplicação das regras das regras da experiência comum às concretas caraterísticas do arguido.
24 –Com efeito, das declarações da BB e do próprio arguido resulta manifesto que este atuou com a sua filha em conformidade com a sua própria instrução, com os métodos educativos que conhecia e de que era capaz, moldados pelo respetivo ambiente afetivo que vivenciou e pelo que ambicionava e projetava para o futuro daquela, de acordo com os seus próprios padrões de sucesso e em face da sua dedicação exclusiva ao projeto educativo daquela filha, não tendo efetiva consciência da ilicitude da sua conduta nem das eventuais consequências que a mesma poderia causar na sua filha.
25 – Tal erro não lhe é objetivamente censurável, se atendidas as concretas caraterísticas de instrução, educação, contexto familiar e profissional do arguido, pelo que, sempre se deveria concluir que o arguido agiu sem culpa por não ter consciência da ilicitude da sua atuação, devendo ser absolvido nos termos do art. 17º do C. Penal.
26 - Ademais é ainda notório que os factos ocorreram num contexto de alienação parental promovida pelo arguido, enquanto pai, relativamente à mãe da BB, sendo as diversas discussões e condutas imputadas ao arguido e descritas pela BB envolvem sempre o conflito entre os progenitores, pretendendo o arguido o maior afastamento e influência possível entre mãe e filha, e não num contexto de saber e querer infligir maus-tratos psicológicos à sua filha, afetando a sua dignidade pessoal, elementos relativamente aos quais não se verifica dolo exigível para o preenchimento do tipo de violência doméstica, devendo o arguido ser absolvido.
27 –Em suma, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova, violando o disposto no art. 127º e 374º, nº 2 ambos do C.P.P., viola o princípio da legalidade e da aplicação da lei no tempo, previstos nos artigos 1º e 2º, nº4 do C. Penal; viola o princípio da legalidade e da tipicidade previstos no art. 1º do C. Penal e art. 29º, nº 1 da CRP, viola o art. 152º, nº 1, al. d), bem como os arts. 13º, 14º e 17º do C. Penal, vícios que determinam a nulidade da sentença condenatória, que deve ser revogada revista em conformidade com os princípios de direito penal aplicáveis, absolvendo-se o arguido do crime que lhe vem imputado.
28- Foram ainda violados os artigos 17º do C. Penal.
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se a Sentença recorrida conforme se propugna nas conclusões supra, com o que se fará a necessária e costumada Justiça».
3. Em resposta ao recurso, o Ministério Público escreveu a final:
«Em face da matéria de facto dada como provada, na sentença recorrida, e que não merece qualquer reparo, outra não poderia ser a decisão final.
A sentença recorrida é justa, procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada, à qualificação jurídica dos factos adequada, e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, devendo ser integralmente mantida, na convicção de que assim se fará JUSTIÇA».
4. O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, podendo ler-se a final:
«7. Analisando a motivação do recurso apresentado parece-nos óbvio que o recorrente não cumpriu o ónus de especificação imposto, designadamente a indicação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”.
8. Argumenta apenas que a prova dos factos assenta essencialmente nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida BB, e que o tribunal conferiu a essas declarações “uma conotação deturpada” e “mais gravosa do que aquela que efectivamente decorre do que foi dito, em manifesto prejuízo do arguido e violação do princípio constitucional da presunção de inocência”.
9. Mas não tem razão. No fundo, apenas contrapõe a sua opinião, a sua convicção, à convicção que o tribunal criou, através da valoração da prova produzida segundo o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127º, do CPP.
10. A invocação do princípio in dubio pro reo nestas circunstâncias não faz qualquer sentido. O princípio in dubio pro reo pressupõe um non liquet em matéria de prova, i.e., o princípio demanda que o tribunal, caso não logre a prova dos factos que constituem o objecto do processo, decida a favor do arguido.
11. Mas, no caso, não se detecta que o tribunal se tenha deparado com qualquer dúvida razoável relativamente `a prova dos factos constitutivos do crime em causa. Logo, a invocação de tal princípio parece despropositada.
12. Analisada a decisão recorrida, contrariamente ao alegado pelo recorrente, somos de parecer que o tribunal a quo, como correctamente alega a Sr.ª Procuradora da República na sua resposta, efectuou uma cuidada e correcta valoração da globalidade da prova produzida em audiência, cumprindo o preceituado no art. 127º, do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova), não ocorrendo, pois, qualquer vício ou nulidade que a afecte.
13. Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a decisão recorrida».
5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi exercido o contraditório.
6. Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.
1. Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões da motivação do recurso interposto nestes autos, são as seguintes as QUESTÕES a que cabe dar resposta:
1. Sindicância da matéria de facto;
2. Enquadramento jurídico.
2. É o seguinte a sentença recorrida (transcrita no que ora releva):
«III. Fundamentação
a. De Facto
i. Matéria de facto provada
Da discussão da causa e com interesse para a decisão resultou provado que:
1. BB nasceu em ../../2005 e é filha de CC e do ora arguido, AA.
2. No ano de 2008, quando BB tinha 3 anos de idade, os seus progenitores, separaram-se.
3. Por acordo do exercício das responsabilidades parentais, nos termos da sentença de 6.10.2009 proferida pelo Tribunal Judicial de Leiria, ... Juízo, a menor ficou à guarda e cuidados do pai, competindo o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores, passando fins de semana alternados, de quinze em quinze dias, bem como os dias festivos, de forma igualmente alternada, com a mãe.
4. Desde então, BB passou a residir com o pai, ora arguido, na Rua ...., em ..., ....
5. Desde que BB entrou na adolescência e a ter a sua própria opinião, o relacionamento entre o arguido e a filha deteriorou-se e o arguido passou a ser controlador, relativamente a BB, no concerne ao seu desempenho escolar e na dança.
6. Com frequência, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, no interior da residência comum, o arguido iniciava discussões com a BB por causa do seu desempenho escolar e na dança ou relacionado com a mãe de BB.
7. No decurso das referidas discussões, duas a três vezes por semana, e sem que nada o justificasse, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos “és uma mentirosa, uma parva, uma estúpida, uma desilusão, uma ingrata, não és suficiente”.
8. Desde muito nova, BB praticava “...”, a sua grande paixão, facto que era do conhecimento do arguido que a acompanhava-a às provas de dança.
9. No ano de 2017, BB participou no programa televisivo “...”.
10. Depois, a produção do programa convidou o arguido para dar uma entrevista que foi publicada na revista “TV ...”.
11. Nessa entrevista, em vez de falar da concorrente, do seu gosto pela dança e da prestação de BB no programa, o arguido esteve durante quatro páginas a falar publicamente mal da mãe da filha, que ela não se interessava pelos assuntos da filha, e de assuntos íntimos e pessoais de BB.
12. No ano de 2018, quando tinha 13 anos de idade, BB passou a auto-mutilar-se nos braços.
13. Sempre que tal sucedia, o arguido castigava BB, proibindo filha de ir aos treinos de dança.
14. Desde então, BB passou a ter acompanhamento psicológico para adolescentes no Centro de Saúde ... e, bem assim, no Centro Hospitalar ....
15. Em fevereiro de 2018, num concurso de dança, BB ficou em segundo lugar.
16. Mal terminou o espetáculo, BB foi para junto do pai, que esteve a assistir à competição da filha, após o que se dirigiu a BB nos seguintes termos: “dançaste muito mal, não estiveste nada bem, o teu lugar não foi merecido”.
17. Noutras ocasiões, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, o arguido elogiava todas as colegas da filha, menos BB.
18. Em consequência, BB sentia-se triste e com a autoestima em baixo.
19. Ademais, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, em média uma vez por semana, o arguido dirigia a BB as seguintes expressões: “a tua mãe é uma mentirosa, uma manipuladora, uma puta, uma porca, uma aldrabona, tu és exatamente igual a ela.”.
20. Quando BB pedia ao pai para sair à noite com amigas, regra geral, o arguido não permitia.
21. Quando BB estava nos intervalos da escola, o arguido rondava a escola, para saber onde a filha estava e com quem.
22. Se o arguido não gostava de um amigo de BB, logo o arguido proibia a filha de estar com esse amigo.
23. No ano de 2010, quando BB tinha 5 anos de idade, a sua irmã mais nova faleceu.
24. Sabendo de tal facto, sempre que discutia com a filha e surgiam conversas sobre mãe, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos: “morres, enterra-se, como a tua mãe fez com a tua irmã”.
25. Em julho de 2021, não suportando mais os comportamentos do arguido e a forma como ele a tratava, BB passou a residir com a mãe, nunca mais tendo visto o pai.
26. . O arguido sabia que a vítima era sua filha, menor de idade, a qual se encontrava à sua guarda e cuidados e dele dependente economicamente, e, sempre que adotou os comportamentos supra descritos, actuou com o propósito, concretizado e reiterado, de a ofender e maltratar psiquicamente de modo a atingir o seu bem estar físico e psíquico, a sua tranquilidade, honra e dignidade pessoais.
27. O arguido agiu do modo descrito, sabendo que infligia maus-tratos psicológicos à sua filha, menor de idade, humilhando-a e sujeitando-a a tratamentos degradantes e causando-lhe um estado de humilhação, ansiedade e medo permanentes.
28. Atuou sempre o arguido com manifesta insensibilidade perante a integridade física e psíquica de BB, que bem sabia dever respeitar, particularmente por ser sua filha, menor de idade e que se encontrava à sua guarda e cuidados.
29. O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que…
30. O arguido completou o 9.º ano de escolaridade em França.
31. Após, frequentou um curso profissional de mecânica de automóveis.
32. O arguido encontra-se reformado por invalidez desde 2009.
33. O arguido contraiu matrimonio com 23/24 anos de idade, casamento que teve o seu termo quando o arguido tinha sensivelmente 40 anos de idade. Dessa união nasceram dois filhos, atualmente com 33 e 26 anos de idade, os quais residem em França.
34. Posteriormente iniciou nova relação de união de facto, a qual terá tido a duração de 4/5 anos e da qual nasceu a filha mais nova, BB.
35. O arguido reside sozinho há cerca de dois anos (desde que a filha BB saiu da a habitação).
36. A referida habitação foi doada pelos pais, pelo que não tem qualquer encargo financeiro com a mesma.
37. Recebe de reforma de França €521,00 e cerca de €150,00 de reforma de Portugal.
38. O arguido faz alguns trabalhos, em regime de biscates, de forma a obter mais alguns proventos para complementar as reformas que recebe.
39. O arguido, em território nacional, não tem condenações.
ii. Matéria de facto não provada
Da discussão da causa e com interesse para a decisão, não resultou provado que:
I. Do circunstancialismo descrito em 6 e 7, as discussões eram sem motivo aparente.
II. Em consequência dos comportamentos do arguido descritos no facto 11, BB ficou afetada psicologicamente, e sentiu-se denegrida na sua autoestima.
III. O descrito no facto 12 ocorreu fruto dos comportamentos do arguido.
IV. O descrito no facto 12 ocorreu com recurso à lâmina da afiadeira.
V. Na sequência do descrito em 12, o arguido contava a toda a gente o que BB tinha feito ou dirigia-se à filha nos termos melhor descritos em 7.
VI. Quando BB se encontrava no quarto, ao telemóvel, logo o arguido exigia saber com quem estava a falar e tentava ouvir todas as conversas que a filha tinha com a mãe ou com amigos, por vezes, por trás da porta.
VII. E, quando deixava a filha sair com as amigas, o arguido perseguia-a para todos os locais para onde a filha ia, para ver onde e quem estava.
VIII. Em decorrência do circunstancialismo descrito em 25, BB nunca mais contactou com o pai.
iii. Motivação da matéria de facto
Determina o art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados que serão, como resulta do art. 368.º, n.º 2, do mesmo diploma, apenas os que sendo relevantes para a decisão estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa.
Com efeito, atenta a uniformidade do entendimento que desde há muito o STJ 2 tem vindo a adotar sobre este ponto aquela enumeração visa a exaustiva cognição do «thema probandum», i. e, a demonstração de que o Tribunal analisou especificamente toda a matéria de prova que foi submetida à sua apreciação e que revista de interesse para a decisão da causa, pelo que a obrigação legal, de na sentença, se fazer a descrição dos factos provados e não provados, se refere tão somente «(...) aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação, na contestação ou no pedido de indemnização civil ».
O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora, tal apreciação seja «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório».
Isto é, ao abrigo do artigo 127.º do código de processo penal o julgador formará livremente a sua convicção, objetivando-a racionalmente nos elementos analisados/produzidos em audiência de julgamento, por vezes, com recurso a um raciocínio dedutivo ou indutivo, conformando-o com as regras da experiencia comum.
No entanto, a liberdade de apreciação da prova não pode levar a um juízo arbitrário da prova produzida. A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
O juiz deve perseguir a chamada verdade material, citando Figueiredo Dias: «se a verdade que se procura ... é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primordiais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais- mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando (...) o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, quando o Tribunal (...) tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse».
Em suma, aquilo que é necessário é que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou efetuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as razões de ciência respetivas.
Prova por declarações:
Declarações prestadas pelo arguido AA: Em síntese, o arguido confirma que desde os 3 anos de idade de BB e, em conformidade com que ficou estipulado no acordo das responsabilidades parentais, esta vive com ele e estava entregue aos seus cuidados. Admite que acompanhou BB aos espetáculos de dança, na participação no programa ... e deu a entrevista à TV ..., acrescentando que estava obrigado pelo contrato que tinha assinado. Por outro lado, refere que em virtude de uma ida ao Hospital, teve conhecimento que BB auto-mutilava-se nos braços e, por conseguinte, acompanhou-a a consultas de psicologia.
Porém, no que diz respeito à sua relação com a filha BB, refere que os factos relativos às discussões são mentira, diz: “nessa idade era tudo injusto” e “não haviam discussões”.
Acrescenta, que não colocava a BB de castigo e que ela só faltava à dança quando estava doente.
Declarações prestadas por BB (em declarações para memória futura): BB refere, relevantemente, que a relação entre ela e o seu pai (arguido) começou a piorar quando ela tinha 11 anos. Conta que o pai e a mãe nunca tiveram uma boa relação e que nas discussões que tinha, de forma frequente, o pai insultava a mãe, todavia terminava a dizer que ela era igual à mãe. Dizia que a mãe era “uma mentirosa, aldrabona e puta”. Confirma que teve um problema de saúde mental, nomeadamente, problemas com auto-mutilação, referindo que a solução do pai era colocá-la de castigo. Narra que “nunca tivemos uma relação para dizer aquilo que sentia”.
Relata que o pai fazia uma constante comparação entre ele e os outros colegas no que se refere à escola e à dança e que “nunca era suficiente” aquilo que ela fazia. Expõe que o vi-a a rondar a escola e que quando o pai deixou de gostar de um amigo, proibiu-a de o ver. Confirma que o pai utilizava expressões como “és uma mentirosa, uma parva, uma estupida, uma desilusão, uma ingrata, não és suficiente”, relatando um episódio no qual o pai chamou-a de ingrata porque ela não gostou de uns iogurtes que ele havia comprado. Diz que o pai, desde que ela saiu de casa, não atende ou responde às mensagens que lhe envia.
Prova testemunhal:
Depoimento das seguintes testemunhas:
DD refere ser tia-avó de BB, aludindo que já ouviu o arguido “dizer mal” da mãe de BB. Todavia, não revela ter conhecimento direto dos factos, somente, relata o que a sobrinha BB lhe contava, nomeadamente, que quando ela tinha um teste “menos bom ele ralhava com ela e colocava-a de castigo”.
CC (mãe de BB) confirma os factos relativos às responsabilidades parentais. No que concerne à restante matéria de facto não revela ter conhecimento direto dos mesmos e expõe aquilo que a filha lhe ia contando.
EE (amiga de BB) expõe o que a amiga lhe ia contando sobre a situação que vivia em casa, nomeadamente, a pressão que sentia em casa, se não fizesse um teste bem o pai dizia-lhe que a tirava da dança e que o pai já a chamou de “puta”. Diz que haviam pessoas da escola as quais o pai de BB não gostava, proibindo-a de se relacionar com as mesmas e que o arguido já proibiu BB de sair consigo.
Conta que frequentava a casa de BB e, por conseguinte, presenciou discussões onde o arguido “gritava e julgava”, porém nunca ouviu “chamar nomes” à amiga. Expõe que a BB se queixava com frequência “semanalmente” através de mensagens e chamadas que lhe fazia.
FF (namorada do arguido há 5 anos) diz que nunca presenciou discussões “eram conversas normais” e que BB se “isolava um bocadinho”.
GG (amigo do arguido) em virtude da convivência que tinham, retrata o arguido como um “pai exigente”, “pai presente” e que BB tinha “horários para cumprir”.
HH (filha do arguido) refere que a relação do pai com BB “era muito boa”, aludindo que não vê BB há 7 anos.
II (filho do arguido) refere, na sua perspetiva enquanto filho do arguido, que o mesmo “era severo quando era preciso” e que não haviam discussões.
JJ (amiga do arguido) conta que o arguido “fez tudo para ela seguir o sonho dela na dança”.
Prova documental:
- Participação, fls. 1 a 4;
- Certidão de Assento de Nascimento, fls. 14 a 15;
- Certidões, fls. 65 a 67, 132 a 143 e 161 a 172;
- Artigo de revista, fls. 119 a 124;
- Elementos clínicos da vítima, fls. 153 a 155.
- Relatório social elaborado pela DGRSP de fls. 308 a 310v.
- Certificado de registo criminal do arguido de fls. 317 a 318.
- Documentos juntos pelo arguido de fls. 224 a 238.
Da prova assim produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, resultou, a nosso ver:
Os factos provados 1 e 3 resultam da cópia da certidão do assento de nascimento de BB (fls. 14 a 15) e, bem assim, das declarações prestadas pelo arguido e pela testemunha CC. Identicamente, os pais de BB confirmam a separação do casal e o facto da filha ter passado a residir com o arguido, nos termos descritos na matéria de facto (cfr. facto provado 3 e 4).
Os factos provados 10 e 11 encontram suporte no artigo de revista de fls. 119 a 124 e nas declarações do arguido. Os factos provados 12 e 14 alicerçam-se nos elementos clínicos da BB constante a fls. 153 a 155 dos autos, sendo os mesmos confirmados pelo arguido e pela própria BB.
No que diz respeito à restante matéria dada como provada, mereceram especial relevância probatória as declarações para memória futura prestadas por BB, reproduzidas em audiência de julgamento.
Com efeito, dadas aquelas declarações foi possível firmar convicção quanto à ocorrência dos factos da forma como resultaram demonstrados. De facto, a mesma narrou diversos episódios de forma consistente, apresentando um discurso lógico e coerente que permitiu ter por assente o contexto familiar que vivenciava, marcado pelo constante controlo do seu desempenho escolar e prestação na dança, pelas discussões com o arguido que, com carácter regular se repetiam, dirigindo-lhe as mesmas expressões e comportando-se de forma semelhante, isto é, depreciando a sua mãe e comparando-a com aquela, situação que se agudizou no inicio da fase da adolescência de BB – o que foi reconhecido e descrito pela mesma. BB relatou, conforme supra se expôs, aquilo que vivenciou com o seu pai, aqui arguido, sem exageros ou aditando narrativas com o intuito de o prejudicar. De facto, note-se, que BB conclui as suas declarações conferindo quase como uma justificação para os comportamentos do pai, isto é, atribui aquele comportamento pela sua situação de reforma por invalidez. Diz: “o problema não seria diretamente comigo, só em algumas situações”, quase, no entender deste tribunal, como uma atitude de desculpabilização do seu pai.
Ora, BB de forma muito consciente afirma que a relação entre os pais nunca foi boa e que as discussões e as expressões que lhe eram dirigidas surgiam, muitas das vezes, por causa desse fator. Com efeito, atendendo às regras da experiência comum tal é verossímil suceder e, bem assim, o sentimento de tristeza e ansiedade vivenciado por BB. Assim, não concebe, este tribunal, que o relato de BB tivesse compreendido inverdades com a intenção de prejudicar o seu pai, portanto, foi merecedor nessa ótica de toda a credibilidade. Na verdade, nas declarações prestadas pela ofendida não se constata a existência de um móbil de ressentimento, inimizade, vingança, afrontamento ou de qualquer outra índole, que prive tais declarações da aptidão necessária para gerar certeza do sucedido.
Donde, as declarações de BB, só por si, podem ser, como foram, suficientes, para o Tribunal formar a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor.
A este propósito convoca-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 25/02/2008, relator Cruz Bucho: «(…)nada obsta que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa, no caso, as declarações do assistente, desde que tais declarações se lhe afigurem pertinentes e credíveis, uma vez que há muito deixou de vigorar a velha regra do “unus testis, testis nullius”, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 127° do Código de Processo Penal). Sobre esta regra, cujas origens remontam a Moisés e as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Amaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente, as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação, (…)No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas”».
No entanto, sempre se dirá, que tais declarações encontram suporte no depoimento prestado por EE, que narrou o que supra se expôs. A testemunha de forma calma e consistente, descreveu aquilo que BB lhe foi contando ao longo dos anos de amizade, e sem exageros, que, contudo, poderia facilmente incorrer com intuito de apoiar a sua amiga. Além do mais, a testemunha tem conhecimento direto dos factos dado que presenciou discussões entre o arguido e BB e as conversas depreciativas do arguido ou falta de elogios à sua filha após as suas prestações de dança (facto provado 17 e 18).
Na verdade, a versão apresentada pelo arguido, no que respeito às condutas por si cometidas, é diametralmente oposta à versão de BB à qual o tribunal atribuiu credibilidade nos termos supra expostos.
Antes de mais, observa-se, dadas as regras da experiência comum, que é normal as testemunhas supra identificadas não terem presenciado os factos supra descritos, dado que se tratam de situações que ocorrem, em regra, na intimidade do lar e em circunstâncias muito específicas do foro íntimo de uma família. Donde, o facto de as testemunhas terem relatado que nunca presenciaram discussões e, bem assim, as expressões que o arguido dirigia a BB, melhor descritas na matéria de facto provada, tal não significa as mesmas não tivessem ocorrido.
A este respeito cita-se o Acórdão do Tribunal de Évora de 03/02/2015, relatado por Alberto Borges: «a prova dos factos não tem que assentar, necessariamente (e muitas vezes assim não acontece, designadamente quando ocorrem no ambiente familiar), em prova direta, em depoimentos de testemunhas presenciais, podendo assentar na chamada prova indireta ou por presunção, ou seja, em indícios ou circunstâncias conhecidas e provadas (…)».
Outrossim, a versão apresentada pelo arguido não é no mínimo credível, repare-se, dada a situação familiar (separação dos pais) que a ofendida vivenciava, ditam as regras da experiência comum, que é perfeitamente normal existirem desentendimentos/discussões entre os pais e os filhos, ainda para mais na fase da adolescência em que aquela se encontrava. Contudo, o arguido nega, veementemente, qualquer discussão, seja qual o motivo fosse.
Por outra banda, o arguido nega, veementemente, qualquer controle/ vigilância à filha.
Ora, diga-se, uma vez mais, que ditam as regras da experiência comum, que é perfeitamente normal e até recomendável que os pais exerçam vigilância dos atos dos filhos. Não se afigura, assim, credível que o arguido não tivesse exercido qualquer vigilância nas rotinas da filha, seja por qualquer razão, aliás, até seria, no entender deste Tribunal, normal dada a situação clínica da ofendida. Com efeito, reputando-se o arguido como um pai preocupado (e aliás, o mesmo afirmam as testemunhas por si apresentadas) era concebível uma postura mais atenta, ainda que exagerada, para com a filha. No entanto, o arguido apenas nega.
Pelas razões expostas e em consequência da apreciação da prova, de acordo com as regras de experiência comum, levam o Tribunal a dar relevância às declarações de BB e, com especial relevo, à testemunha EE, em detrimento das declarações do arguido.
Por fim, no que tange aos factos de natureza subjetiva vertidos nos factos provados sob os pontos 26 a 29, estes advêm de presunções judiciais, invocando as regras da experiência comum. Atendendo à natureza subjetiva, a menos que sejam confessados pelo agente, a única forma de prová-los será através das regras da experiência comum, a partir da objetividade da ação desencadeada, no pressuposto de que o ser humano, atuando em liberdade e em estado consciente, quando pratica determinado facto, fá-lo porque quer, assumindo as consequências que dele previsivelmente resultam.
Com efeito, o arguido não podia deixar de saber que as expressões e/ou as imputações por si formuladas e direcionadas à sua filha, a qual se encontrava à sua guarda e cuidados e dele dependente economicamente, atendendo a sua regularidade e a idade da mesma, ofendia-a e maltratava-a psiquicamente de modo a atingir o seu bem estar físico e psíquico, a sua tranquilidade, honra e dignidade pessoais. O arguido ao atuar conforme apurado, reiteradamente, sabendo que infligia maus-tratos psicológicos à sua filha, menor de idade, humilhando-a, causava-lhe um estado de humilhação, ansiedade e medo permanentes. Ora, o arguido agiu, com o propósito, e em conformidade com tal conhecimento, ou seja, querendo a imputação ou a formulação dos juízos correspondentes, humilhando-a a filha. O arguido atuou com manifesta insensibilidade perante a integridade física e psíquica de BB, que bem sabia dever respeitar, particularmente por ser sua filha, menor de idade e que se encontrava à sua guarda e cuidados.
Destarte, quanto ao dolo e à consciência da ilicitude, cabe salientar, que o carácter ilícito dos factos é do conhecimento da generalidade do cidadão com capacidade mínima, padrão que o arguido não se exclui nem afasta.
Na verdade, a atuação do arguido, ao proferir tais expressões, que vão muito mais além do que recordar a morte da irmã, à crítica injustificada, o insulto à mãe e a imputação da semelhança à mesma, estrava-se, em muito, os poderes educativos de um pai.
No que concerne aos antecedentes criminais, atentou-se o teor do certificado de registo criminal do arguido (fls. 144 a 150 dos autos). Por fim, as condições pessoais e económicas do arguido extraíram-se das declarações do mesmo prestadas a esse respeito em sede de audiência de julgamento em conjugação com o teor do relatório social (fls. 153 a 156 dos autos).
Por fim, quanto à formação da convicção do Tribunal relativamente aos factos não provados:
O facto indicado na alínea I advém das declarações de BB, porquanto a mesma refere que os momentos das discussões ocorriam, por regra, aquando de conversas relacionadas com a mãe ou sobre o seu desempenho escolar/dança, conforme se observa da matéria de facto provada.
O facto não provado II emerge, uma vez mais, das próprias declarações da ofendida nas quais refere que se sentiu magoada, mas por causa da sua mãe. Efetivamente, BB diz ter ficado magoada, porém atribui esse sentimento de uma forma reflexa, i.e., pelo facto de saber que a mãe tinha ficado magoada com a entrevista. E em nenhum momento demonstra, no que diz respeito à entrevista, ter ficado afetada psicologicamente e ter-se sentido denegrida na sua autoestima, dado que não era a visada nos comentários depreciativos do arguido realizados naquela entrevista.
O facto constante da alínea IV deveu-se à circunstância de, em nenhum momento, ter sido referido pelo o arguido ou pela própria BB (e por nenhuma testemunha) qual o instrumento usado para o efeito e o mesmo não resulta dos elementos clínicos juntos aos autos.
O descrito nos factos V, VII e IX ficou a dever-se à circunstância de não ter sido produzida prova suficiente para firmar a convicção do Tribunal, que permitisse concluir com segurança pela sua verificação.
Concretamente, tais situações descritas nos factos supraditos não foram relatadas ou particularizadas por BB nas suas declarações, ex., BB não diz “quem é toda a gente”, na verdade, é normal o pai ter partilhado tal situação com pessoas íntimas da família por mero desabafo pelo momento particular que viviam, mas tal não significa que seja “toda a gente”, i.e., de forma indiscriminada.
O ínsito no facto VIII é contrariado, desde logo, pelas declarações da ofendida, corroboradas pelo arguido, no qual refere que tentou contactar o pai por mensagens e telefonemas após ter saído de casa.
Por fim, o facto descrito em III ficou a dever-se à circunstância de não ter sido produzida prova suficiente para firmar a convicção do Tribunal, que permitisse concluir com segurança pela sua confirmação. Por outras palavras, não pode o Tribunal afirmar, sem mais, que as lesões auto-infligidas pela menor tinham como consequência direta as condutas do arguido. Assim, não pode o Tribunal retirar essa conclusão, só por si, dada a matéria factualidade provada.
b. De Direito
i. Enquadramento jurídico penal
Impõe-se, agora, apreciar se os factos pelos quais o arguido vem acusado consubstanciam a prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, n. º1 e 152.º, n.º 1, als. d) e e), n.º 2, al. a), n.º 4 e 5, do Código Penal.
Convoca-se a redação do preceito supramencionado:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…)
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. (…)
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. (…)».
O crime de violência doméstica visa proteger os bens jurídicos da dignidade humana e da saúde, enquanto bens jurídicos inerentes à pessoa humana, protegidos constitucionalmente pelos artigos 1.º, 24.º e 25.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O tipo de ilícito em apreço resulta daquilo que, nas palavras de Taipa Carvalho se reconduz à «consciencialização ético-social», em relação a uma variedade de comportamentos suscetíveis de afetarem a dignidade pessoal da vítima e que se consubstanciam em formas de violência física ou psíquica.
O bem jurídico saúde enquanto bem jurídico complexo inclui não só a saúde física e mental, mas também o saudável desenvolvimento da personalidade. No entanto, esta não é uma posição unânime, porquanto outros Autores entendem que o bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime é a dignidade da pessoa humana, a integridade pessoal ou a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a honra.
A este propósito alertava a Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 15 de Junho 10 para a preocupação crescente sobre este tipo de condutas, classificando a violência doméstica como o «flagelo que põe em causa (…) a dignidade da pessoa humana», adindo ainda que «É-se vítima de violência por parte de outrem quando as manifestações agressivas deste, pela sua intensidade, criam no outro uma situação de constrangimento e de submissão de que não consegue sozinho(a) libertar-se, ficando, portanto, numa situação de sofrimento e risco psíquico e ou físico, de que o outro abusa de forma arbitrária e injusta».
De salientar, igualmente, que o Conselho da Europa refletiu acerca da definição de violência doméstica, a qual «abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges ou ex -cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima».
De facto, «a ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, (…) mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana», compreendendo assim não só maus tratos físicos, como também os maus tratos psíquicos, tais como humilhações, provocações, ameaças ou curtas privações da liberdade de movimentos.
Nesta sequência, sempre se dirá que o ilícito em causa protege o bem jurídico da saúde, sendo este considerado enquanto um bem jurídico complexo, já que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser afetado por toda a multiplicidade de comportamentos que contendam com a dignidade pessoal do cônjuge 13 ou de qualquer pessoa que resida com o arguido.
Ensina Taipa de Carvalho que «a ratio deste tipo não está na proteção da comunidade familiar ou conjugal, mas sim na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana. (…) Se, em tempos passados, se considerou que o bem jurídico protegido era apenas a integridade física, constituindo o crime de maus tratos uma forma qualificada/agravada do crime de ofensas corporais simples, hoje, uma tal interpretação redutora é, manifestamente, de excluir. Apesar de integrado no Capítulo III, cuja designação é “crimes contra a integridade física”, a ratio deste art.º 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p.ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas provocações da liberdade de movimentos, não prestação de cuidados higiénicos ou de medicamentos, etc.)».
Trata-se de um crime de perigo abstrato e tal traduz uma tutela antecipada do bem jurídico protegido, não é necessário, para que se verifique tal crime, que se tenham produzido efetivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima, bastando que se pratiquem atos em abstrato suscetíveis de provocar tais danos.
Relativamente ao seu agente, o crime de violência doméstica tem subjacente a existência duma especial relação entre o agente e a vítima, de natureza familiar ou parafamiliar das elencadas nas alíneas do n.º 1, do artigo 152.º, do código penal, consistindo assim num crime específico.
Exige-se uma certa estabilidade em tal relação interpessoal, que se não presume apenas e tão-só do vínculo formal do casamento, mas da existência de uma proximidade existencial efetiva 16 . O legislador não quis, porém, tutelar somente o bem jurídico saúde das pessoas enquanto se encontram numa relação, mas também quando a mesma termina, enquanto se mantiver o padrão se sujeição e ascendência de um cônjuge sobre o outro (neste sentido, veja-se o Acórdão do TRC de 27.02.2013, relatado por Abílio Ramalho). É, pois, a qualidade especial do agente e o dever que sobre si impende que fundamenta a agravação da conduta relativamente aos crimes que as condutas já integravam.
Assim, quanto aos elementos objetivos, desde logo se evidencia a necessidade de uma especial relação entre o agente e a vítima, uma vez que se trata de um crime específico.
Sob outro enfoque, mas ainda no campo dos elementos objetivos, a conduta típica prende-se com os maus tratos físicos ou psíquicos.
Portanto, o crime de violência doméstica pressupõe que o agente pratique uma ou mais entre as diversas condutas, com diferente natureza como sejam os aludidos maus tratos físicos ou psíquicos (entre os quais se encontram, exemplificativamente, castigos ou ofensas corporais simples, humilhações, injúrias, provocações, ameaças, privações da liberdade de movimentos, privação de acesso a higiene, alimentação ou medicamentos), privações da liberdade ou ofensas sexuais 17 , não tendo os factos aí subsumíveis necessariamente que constituir, de per se, um ilícito-típico autónomo, pois que o elenco normativo é meramente exemplificativo. 18
Os maus tratos visam «traduzir uma específica realidade sociológica que pode ser caraterizada pelo exercício de inúmeras formas de violência, que ocorre num específico espaço social, em que surgem como agressor e vítima os membros de uma relação conjugal ( ou de uma relação a esta análoga, ou de um relação familiar de âmbito mais alargado) e que visa, a maior parte das vezes, a manutenção na prática de conceções estereotipadas dos papeis atribuídos ao homem e à mulher, conceções essas fundamentadas numa visão ainda patriarcal da sociedade.
Mas, em termos práticos, maus tratos significa, antes de mais, o exercício da violência» 19
De referir, de igual modo que, os maus-tratos não têm de ser reiterados, podendo tratar-se de um ato isolado, sem prejuízo de, para integrar o conceito de “maus tratos” a que alude o artigo 152.º do código penal, ser necessária, ainda hoje, uma intensidade do desvalor, da ação e do resultado, que seja apta e bastante para molestar o bem jurídico protegido, exigindo, portanto, o «exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase-familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante» 20 . Quer isto dizer, os maus tratos proibidos pelo crime de violência doméstica «têm sempre subjacente o tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, de modo a eliminar ou a limitar claramente a sua condição humana, reduzindo-a à categoria de coisa» 21 .
Destarte, o crime de violência doméstica consubstanciar-se-á, assim, na perpetração de qualquer ato de violência que afete, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional da vítima, diminuindo ou afetando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa. As condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus tratos físicos, maus tratos psíquicos, tratamento cruel, isto é, desumano. Mister é, porém, que em casos em que não ocorra reiteração da conduta a mesma se restrinja a casos de especial violência.
No ilícito de violência doméstica é objetivo da lei assegurar uma ‘tutela especial e reforçada’ da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima. 22
A solução para a destrinça entre os casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, está no conceito de “maus tratos”, sejam eles físicos ou psíquicos, os quais existirão quando, em face do comportamento demonstrado, reiterado ou não, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar ou especial desconsideração pela vítima. Essencial para a caraterização do crime de violência doméstica, que se evidencia da sua génese e evolução, é a existência de uma vítima e de um vitimador, este numa posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela. 23
O tipo subjetivo assume a forma exclusivamente dolosa, podendo revestir qualquer das modalidades do artigo 14.º, do Código Penal, restringindo-se o dolo ao conhecimento e à vontade de realização da conduta típica (dolo genérico).
Numa última observação, cabe salientar que não cabe ao direito penal intervir em toda e qualquer disfuncionalidade que ocorra entre uma relação conjugal (ou de uma relação a esta análoga, ou de uma relação familiar de âmbito mais alar ado) havendo que distinguir entre as condutas que têm dignidade punitiva à luz do tipo de crime de violência doméstica e aquelas que não devem relevar para o direito penal. De facto, deve estar em causa a ofensa efetiva de um bem jurídico digno de tutela penal.
Revertendo ao caso dos autos, e tendo em conta a matéria inscrita em 1, 3 e 4 da rubrica “factos provados” não se suscita qualquer dúvida quanto à verificação da especial relação prevista no n.º 1, als. d) e e), do artigo 152.º do Código Penal no que concerne ao arguido e à BB - vg. ao preenchimento do requisito “pessoa particularmente indefesa”, no caso, em razão da idade e da dependência económica, o que se alcança pelas mais elementares regras da normalidade da vida e da experiência comum. Do mesmo modo, mostra-se integralmente preenchido o requisito constante na al. a) do n.º 2 do preceito em referência, já que BB residia com o arguido, local onde este praticou os factos com relevância.
Em primeiro lugar, entende este Tribunal que o controlo exercido pelo arguido no que diz respeito ao desempenho escolar e à prestação na dança, ao castigo de não frequentar a dança, à proibição de saídas ou à proibição de contactos com certos amigos e, bem assim, vigiar a escola não consubstanciam factos integradores do ilícito criminal em apreço. Donde, só as condutas desproporcionadas, imoderadas, aquelas que ultrapassam o ius corrigendi socialmente aceite, assumem relevância criminal. Com efeito, os atos praticados pelo arguido, no entender deste Tribunal apenas representaram uma resposta ao “comportamento” da sua filha e, por isso, o direito e o poder/dever de educação e correção dos pais.
Isto posto, revisitemos os seguintes factos:
Resulta da matéria de facto provada que com frequência, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, no interior da residência comum, o arguido iniciava discussões com a BB por causa do seu desempenho escolar e na dança ou relacionado com a mãe de BB. No decurso das referidas discussões, duas a três vezes por semana, e sem que nada o justificasse, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos “és uma mentirosa, uma parva, uma estúpida, uma desilusão, uma ingrata, não és suficiente”.
Em fevereiro de 2018, num concurso de dança, BB ficou em segundo lugar. Mal terminou o espetáculo, BB foi para junto do pai, que esteve a assistir à competição da filha, após o que se dirigiu a BB nos seguintes termos: “dançaste muito mal, não estiveste nada bem, o teu lugar não foi merecido”. Noutras ocasiões, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, o arguido elogiava todas as colegas da filha, menos BB.
Ademais, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, em média uma vez por semana, o arguido dirigia a BB as seguintes expressões: “a tua mãe é uma mentirosa, uma manipuladora, uma puta, uma porca, uma aldrabona, tu és exatamente igual a ela.”.
No ano de 2010, quando BB tinha 5 anos de idade, a sua irmã mais nova faleceu.
Sabendo de tal facto, sempre que discutia com a filha e surgiam conversas sobre mãe, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos: “morres, enterra-se, como a tua mãe fez com a tua irmã”.
Pela seu entendimento e pertinência cita-se o Ac. Do TRC de 23.10.2023, proferido no âmbito 181/22.2GHCTB.C1A: «a ONU e o Conselho da Europa já emitiram várias recomendações vincando que as crianças são verdadeiras titulares de direitos necessitando, devido à sua vulnerabilidade, de especial atenção e protecção, no que assume um papel muito especial a família. Se é verdade que as finalidades educativas abrangem o poder de correcção de condutas, é sabido que esse poder se manifesta através do exemplo e da palavra, nunca por via de posturas agressivas e violentas, física e psicologicamente. Urge cada vez mais abandonar “métodos educativos” que anteriormente vigoraram numa sociedade que aceitava pacificamente intolerâncias e abusos na educação das crianças, geradores de enormes malefícios no seu desenvolvimento, cabendo aos tribunais um papel relevante nos resquícios que ainda restam desse tipo de violência a coberto de uma pretensa “educação”.
No cumprimento do dever de educação não são aptos nem admissíveis comportamentos de intimidação, agressão física e psicológica, violação da reserva da vida privada e retaliação, pois tais comportamentos colocam em causa o equilíbrio emocional, afetivo e a liberdade do menor.»
Destarte, os pais são os primeiros responsáveis pela promoção e desenvolvimento físico, intelectual e moral dos seus filhos. No entanto, para prossecução do dever de educação dos filhos não são aptos, muito menos admissíveis, pseudodireitos à intimidação, humilhação ou a qualquer outro tipo de agressão psicológica, que são totalmente incompatíveis com os princípios da tutela da integridade pessoal e dignidade humana anunciados nos artigos 1.º, 25.º e 26.º da CRP e, além disso, integram o conceito de maus tratos psicológicos típicos da incriminação da violência doméstica.
Ora, não se concebe que tais expressões proferidas pelo arguido tenham qualquer finalidade educativa, mostrando-se desnecessárias, desadequadas e desproporcionais. Diga-se, que a constante lembrança da morte da irmã, nos moldes constantes da factualidade provada, encerra uma tremenda crueldade e insensibilidade, sendo, até, comprometedor do desenvolvimento psíquico da menor.
Por conseguinte, estão em condições de ser qualificados como maus tratos psíquicos os insultos, as críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, a sujeição a situações de humilhação, provocar estados de nervos constantes, angústia, irritabilidade permanentes e sentimentos de sujeição, opressão, o que acontece no caso dos autos conforme se observa da matéria de facto provada. Dada a reiteração dos maus tratos (i.e., os repetidos atos de violência psíquica) e, ainda que se observasse que os mesmo fossem de baixa intensidade, quando considerados avulsamente (o que não se considera, in casu), os comportamentos do arguido seriam sempre adequados a causar graves transtornos na personalidade da vítima menor quando se transformam num padrão.
Por outra banda, o insulto à mãe de BB e a imputação da semelhança extravasa o que se poderia entender como alienação parental. Tais atos revelam uma especial desconsideração pela vítima. Assim, essencial para a caraterização do crime de violência doméstica, que se evidencia da sua génese e evolução, é a existência de uma vítima e de um vitimador, este numa posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela, o que, uma vez mais, se verifica no presente caso.
Atenta a relação existente entre ambos, o arguido podia e devia ter agido de outro modo, considerando um conjunto de contra motivações que o deveriam ter determinado a não atuar da forma como atuou para com a sua filha, ao longo dos anos, o que conduz a uma agravação da censura ético-jurídica que ser-lhe-á dirigida.
Relativamente ao tipo subjetivo, face à matéria de facto provada logo avulta que o mesmo também se mostra verificado, sendo o seu dolo um dolo direto – cfr. artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal.
Mais se constatou que, parte da conduta ora imputadas ao arguido foram perpetradas no interior da residência comum de ambos (arguido e ofendida). Pelo que, dúvidas não restam quanto à subsunção das mesmas ao ilícito típico na forma agravada, nos termos do art. 152º, n.º 2 al. a) do Código Penal.
Constata-se, pois, que se mostram integralmente preenchidos o tipo legal do crime de violência doméstica agravado, nos termos supra expostos, pelo que as condutas do arguido são típicas.
Por outro lado, constata-se que não existe qualquer causa de justificação que afaste a ilicitude afirmada pela violação da norma legal, pelo que as condutas do arguido são igualmente ilícitas.
No que diz respeito à culpabilidade, ficou igualmente demonstrado que o arguido formou livremente a sua vontade, sabendo que o seu comportamento era criminalmente punível, pelo que o mesmo é suscetível de ser alvo de um juízo de censura formulado pela ordem jurídica.
ii. Consequências jurídico-penais do crime
Enquadrada da forma descrita a conduta do arguido, importa, agora, escolher e graduar, dentro da medida abstrata da pena que cabe ao crime cometido por este arguido, a pena concreta a aplicar.
«A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», dispõe o n.º 1 do art. 40.º do Código Penal. Assim, determina o art. 40.º do código penal que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – considerações de prevenção geral e especial.
A este imperativo ditado pelo artigo citado subjazem duas diretrizes fundamentais de orientação no que respeita ao sentido que deve ter o exercício do ius imperii do Estado quando submete uma pessoa ao cumprimento de uma pena: proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, i.e, considerações de prevenção geral (dirigida à sociedade, que interpreta a aplicação de uma pena como uma reação necessária e adequada relativamente aos factos criminosos, tranquilizando-a) e de prevenção especial (dirigida ao agente, no sentido de lhe permitir, uma vez cumprida a pena ou medida de segurança, integrar-se numa sociedade que o censurou, mas que deseja a sua readequação, de modo a que ele não volte a lesar bens jurídico-constitucionalmente protegidos; isto é, na esperança de que a pena tenha servido de advertência, de consciencialização).
O n.º 2 do aludido artigo enuncia o princípio geral e basilar do direito penal, o princípio da culpa, através do qual se afirma que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
A culpa traduz a vertente pessoal do crime, entendida no seu sentido comum, como elemento do conceito crime: o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma; e olhada em concreto, como culpa pelo concreto ilícito praticado.
A culpa, enquanto pressuposto da pena, definirá o seu limite máximo; não há razões de prevenção que possam situar a pena fora da dimensão da culpa (nulla pena sine culpa).
Seguindo a doutrina de Figueiredo Dias, toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo-se a pena concreta limitada pela medida da culpa, enquanto seu limite intransponível. A culpa é, assim, pressuposto e limite, mas não fundamento único da pena.
Dentro deste limite máximo, a pena é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo «ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos», e o limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual não se pode ir, sob pena daquele bem jurídico deixar de ter a tutela adequada e do efeito de reforço da «validade contrafáctica» da norma violada, a exercer perante a comunidade, se esbater.
Por conseguinte, reafirma o art. 71.º do código penal como critérios legais para a determinação do quantum concreto da pena as exigências de prevenção e a culpa do agente. Por sua vez o n.º 2 desse mesmo artigo, dispõe que o tribunal deve considerar a existência de circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes, que respetivamente, relevem para a determinação da medida da pena aumentando ou diminuído os seus limites.
Desta forma, expõe o acórdão do TRC de 13 de dezembro de 2017, proc. 357/14.6 TAMGR.C1: «o objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.
Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.»
Significa então que tem de se determinar, em abstrato, qual a moldura abstrata aplicável ao crime praticado pelo arguido.
O crime praticado pelo arguido, crime de violência doméstica agravado, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos [artigo 152.º, n.º 1, al. d), e e) n.º 2, al. a), do Código Penal].
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal tomar em conta, como diretrizes fundamentais, conforme imposição legal do n.º 1 do art. 71.º do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos fatores enunciados no n.º 2 do artigo acabado de mencionar.
Importa, agora, determinar a pena concreta que deve ser aplicada ao arguido pelo crime por ele praticado.
No caso vertente, constata-se desde logo que são muito elevadas as exigências de prevenção geral. Com efeito, o crime de violência doméstica tem-se revelado, fruto da suprarreferida progressiva consciencialização ético-social sobre a gravidade individual e social destes comportamentos, um dos mais sensíveis no seio da comunidade em geral (veja-se, a este respeito, as sucessivas alterações legislativas ao tipo penal).
Aplicando os critérios acima referidos ao caso concreto, a determinação do quantitativo da pena resultará da análise conjugada dos seguintes fatores:
Em desabono do arguido há, assim, que valorar os seguintes fatores:
- O grau de ilicitude e culpa dos factos imputados que se consideram elevados, atendendo ao tipo e reiteração dos maus-tratos em causa, tanto mais que os factos foram praticados à sua filha, muito jovem idade o que adensa a sua gravidade e censurabilidade (já considerado na agravação).
O grau de ilicitude é, pois, de elevada densidade por referência ao modo de atuação, à natureza concreta dos factos integradores do crime de violência doméstica e à repetição dos mesmos, assim como ao desvalor do resultado, não podendo deixar de se anotar que sujeitar a sua filha a epítetos constantes de “mentirosa”, “parva”, “estúpida”, “desilusão”, “ingrata”, “não és suficiente” desconsiderando-a, humilhando-a e insultando-a, revelam, por si só, características muito desvaliosas e um à-vontade com a violência psíquica e com o recurso a tratamentos degradantes e humilhante intoleráveis em sociedade e num Estado de Direito. Com efeito, a atuação do arguido, ao proferir tais expressões, que vão muito mais além do que recordar a morte da irmã, a crítica injustificada, o insulto à mãe e a imputação da semelhança à mesma, estrava-se, em muito, os poderes educativos de um pai.
- Releva também nesta sede o período temporal em que os factos foram praticados, que ainda foi longo e reiterado;
- Por outro lado, quanto às consequências das lesões provocadas, não se olvida que as lesões de ordem psíquica são de especial gravidade, dada a situação de que a ofendida foi vítima, sujeita a vexame, humilhação, insegurança, medo, intranquilidade e vulnerabilidade.
- A intensidade do dolo é alta, visto o arguido ter atuado com dolo direto, isto é, ter agido com intenção e vontade de praticar o crime;
-A culpa, que é, como se disse, elevada, uma vez que os factos provados são o resultado de uma atitude interna juridicamente desaprovada, considerando que podia e devia ter agido de modo diverso.
Em abono do arguido perfilham-se as circunstâncias de o mesmo não possuir antecedentes criminais (em território nacional). Ademais, na equação, milita a seu favor, o facto de se encontrar “separado” da filha, dado que a mesma saiu de casa, não mantendo contacto com esta. Paralelamente, inexiste notícia de outros eventos posteriores àqueles que deram causa aos presentes autos.
Ora, ponderados estes fatores, tem-se por proporcional, adequado e suficiente condenar o arguido na pena de 2 anos e (3 meses) de prisão.
DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA:
Coloca-se, agora, a questão de saber se a aplicação da pena com um sentido pedagógico e ressocializador, com é exigido no direito penal português, se alcança com a efetividade da pena ou se, para tanto, basta a suspensão da sua execução.
Dispõe o artigo 50.º do Código Penal que «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» Para aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é, pois, necessário a formulação de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido.
A lei define um requisito legal objetivo da sua aplicação (condenação em pena de prisão não superior a cinco anos) e estabelece pressupostos subjetivos, determinados por finalidades político-criminais. São eles os que permitam concluir pelo afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se integrar socialmente.
Estão aqui em questão, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção. O que está em causa, depois de escolhida a pena privativa da liberdade, de acordo com os critérios e as finalidades expostas, é determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
Esta opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do arguido para a autoprevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser negada sempre que não se configure esse juízo favorável.
O Tribunal, de acordo com Figueiredo Dias, «só deverá negar a aplicação de uma pena de substituição quando, e apesar de permitido pelo mínimo de defesa do ordenamento jurídico, a execução da pena de prisão se revele mais conveniente do ponto de vista da necessidade de socialização». 24
A suspensão de tal execução da pena de prisão assume-se, deste modo, como uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico. 25
Do ponto de vista formal mostram-se preenchidos os necessários requisitos, na medida em que o arguido foi condenado em pena de prisão inferior a cinco anos.
No mais, a averiguação da capacidade que acima se deixou referida, far-se-á em concreto através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.
Sem prejuízo da necessidade de reprovação do comportamento do arguido, que deve ser salientada, o certo é que o mesmo não possui antecedentes criminais. Por outro lado, não existe nos autos qualquer relato ou informação de que, após os factos sub judice, o arguido tenha continuado a perpetrar o seu comportamento violento, injurioso, humilhante para com a ofendida, resultando ao invés que ambos não têm mantido contacto. Assim, apesar da gravidade dos factos em apreço, que se sublinha, face ao especial circunstancialismo do caso concreto, julga-se que é ainda possível efetuar um juízo de prognose favorável ao arguido, baseado na esperança de que a suspensão da pena de prisão seja bastante para a desencorajar do cometimento de novos crimes, confiando na capacidade da mesma em compreender esta oportunidade de ressocialização, em liberdade, que lhe é concedida, satisfazendo-se, ainda, as exigências comunitárias de defesa da ordem jurídica.
Nestes termos, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses.
Do mesmo modo, estatui o art. 34.º-B, da Lei n.º 112/2009, que «1 - A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio. 2 - O disposto no número anterior sobre as medidas de proteção é aplicável aos menores, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal.».
Como tem concluído a jurisprudência, em caso de suspensão da execução da pena de prisão, a opção entre os deveres e regras de conduta ao abrigo dos artigos. 51.º a 54.º do Código Penal ou as penas acessórias do art. 152.º, n.º 4 a 6, do Código Penal, deverá fazer-se tendo por base a gravidade do caso concreto, optando-se pelos deveres e regras de conduta nos casos menos graves, e pelas penas acessórias perante factologia mais grave, até porque a sua violação, além da possível revogação da suspensão da execução da pena de prisão, implica a prática de um crime de violação de proibições.
Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo n.º 112/09.5GASJP-A.C1, datado de 28- 01-2015, relator José Eduardo Martins: «Para concluir, o que ressalta do quadro legal constituído - no âmbito do Código Penal e da Lei 112/2009 e no contexto do crime de violência doméstica -, não é tanto uma duplicação das medidas de afastamento (a prevista no artigo 152º nº 4 e 5º do Código Penal e a contida no artigo 52º do mesmo diploma), mas antes a respectiva aplicação diferenciada e alternativa consoante as circunstâncias do caso concreto, devendo a pena acessória ser aplicada nas hipóteses mais graves em que, muito embora não sendo caso de se aplicar pena de prisão efectiva, ainda assim, as necessidades de prevenção e a protecção da vítima, exigem um tutela penal reforçada, no sentido de, não só se cominar a violação daquela pena acessória com a revogação da pena suspensa aplicada a título principal (cfr. também o que se já se referiu em nota no que concerne a pena de prisão substituída por trabalho), mas também com a punição pelo crime de violação de imposições, proibições e interdições previsto no artigo 353º do Código Penal, consequência legal essa a que já não conduz a aplicação da regra de conduta prevista no artigo 52º do mesmo diploma (note-se também que a duração da pena acessória ou e da regra de conduta serão, por regra, diferenciadas, na medida em que prevista a fixação do período daquela em termos autónomos por relação com a pena de prisão aplicada como pena principal, o que também permitirá a flexibilização de soluções jurídicas em face das circunstâncias concretas do caso).»
Bem como, acórdão do Tribunal da Relação do Porto relativo ao processo 220/18.1GAARC.P1, datado de 30-10-2019, relatora Maria Ermelinda Carneiro: «I – As medidas de afastamento – quer a prevista no art. 152.º, n.º 4 e 5, quer a contida no art. 52.º, ambos do CP – apresentam- se como de aplicação diferenciada consoante as circunstâncias do caso concreto. A pena acessória apenas deverá ser aplicada nas hipóteses mais graves em que, embora não se aplique pena de prisão efetiva, as necessidades de prevenção e proteção da vítima exigem uma tutela penal reforçada. II - Essa diferenciação manifesta-se, além do mais, nas consequências jurídicas da sua violação. Enquanto o incumprimento das condições de suspensão pode eventualmente determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, o incumprimento das penas acessórias faz incorrer o agente na prática de crime de violação de imposições, proibições ou interdições.»
E o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra relativo ao processo n.º 1619/15.0T9GDR.C1, datado de 12-04- 2018, relatora Brizida Martins: «I – O regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime em causa [violência doméstica], em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima. O que redunda, em outras palavras, que a não imposição de um tal regime conducente a facultar a suspensão da execução da pena de prisão, há-de ser excepcional e devidamente fundamentado. II – A não imposição de um tal regime conducente a facultar a suspensão da execução da pena de prisão, há-de ser excepcional e devidamente fundamentado. III – A finalidade da norma do art. 34-B) da Lei n.º 112/2009 é definir regras de protecção da parte mais débil nas relações tipificadas neste crime, acautelando, sobretudo, uma sua eficácia real. Entre elas, desde logo, o afastamento dos intervenientes.»
E, tendo em conta as necessidades de prevenção geral e especial referidas anteriormente, bem com as necessidades de proteção da vítima, e ainda a determinação legislativa fixada do art.34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, também no caso vertente será de aplicar deveres e regras de conduta à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Na verdade, no caso dos autos, relevando a gravidade das condutas em análise, vê o Tribunal como essencial para proteção da vítima e atender às exigências de prevenção geral e especial que o caso impõe, à redução da eventual conflitualidade entre arguido e ofendida, e à sempre desejável unidade do sistema jurídico, ser de aplicar ao arguido o dever de proibição de contacto com a vítima (sem necessidade de meios técnicos de controlo à distância, atenta a pacificidade existente) e a proibição de se aproximar da residência e local, ou locais, de trabalho da ofendida.
Neste conspecto, é de atentar a aparente pacificidade entre arguido e ofendida, ancorada sobretudo na circunstância de não ter sobrevindo aos autos informação de nova sevícia de qualquer índole perpetrada pelo arguido após os acontecimentos aqui apreciados e o facto de a ofendida estar a residir com a sua mãe. Factualidade que demanda, primordialmente, a preferência pela aplicação dos deveres e regras de conduta ante expostos, em detrimento da aplicação das penas acessórias.
Concomitante, cumpre sopesar que, não obstante esta pacificidade, em face da animosidade familiar que se extraí da prova produzida em audiência de julgamento – que se extrai da factualidade objetiva imputada – impõe-se acautelar que novas agressões (verbais) não ocorram num futuro próximo, limitando-se os contactos entre ambos.
Pelo exposto, nos termos do art. 152.º, n.º2, al.a) e 50.º e 52.º do Código Penal e art. 34º-B, n.º1 e 35º, n.º1 a contrario, da Lei n.º112/2009, de 16 de setembro, julga-se necessário e adequado sujeitar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido aos deveres e regras de conduta de:
- Proibição de contactar, por qualquer forma, BB; e,
- Proibição de se aproximar da residência e local, ou locais, de trabalho de BB.
DAS PENAS ACESSÓRIAS:
A condenação do agente numa pena principal é condição necessária da aplicação da pena acessória, mas não consubstancia a sua condição suficiente, pois, conforme ensina Figueiredo Dias, «torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória».
Como foi já sustentado por Paulo Guerra, posição à qual se adere, «estas penas acessórias farão muito mais sentido nos casos de condenação em pena efectiva, pois, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, os mesmos objectivos podem ser melhor alcançados com a imposição de deveres e regras de conduta ou com o regime de prova (…). Na realidade, torna-se claro que a suspensão da execução da pena, subordinada à condição de proibição de contactar com a vítima, incluindo ou não o afastamento da residência e do local de trabalho desta, ou de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica, tem um maior grau de garantia de cumprimento pelo condenado pois, em caso de inobservância de tal dever/obrigação, poderá ver revogada tal suspensão e ter de cumprir a pena de prisão». 27
No caso sub iudice, considerando o que ficou exposto, entendem-se por desnecessárias as penas acessórias estabelecidas nos n.ºs 4 e 5 do art. 152.º do Código Penal, ou porque já foram determinadas ao abrigo das condições de suspensão da execução da pena de prisão e por se considerar essa sede a mais adequada ,ou porque se consideram desadequadas ao caso a decidir por não se apresentaram em qualquer medida esses perigos (mormente no que concerne à proibição de uso e porte de arma).
DO ARBITRAMENTO OFICIOSO DE INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA:
«1. À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2. Para o efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser (…)».
Por sua vez, preceitua o art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Reparação da Vítima em Casos Especiais» que:
«1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos art.ºs 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização».
Da leitura conjugada dos aludidos preceitos resulta que o eventual arbitramento de uma indemnização deve ser sempre ponderado, a título oficioso e salvo oposição expressa da vítima, em caso de condenação por violência doméstica.
No caso vertente, ponderada a conduta criminosa do arguido, as consequências decorrentes da mesma a nível psicológico para a ofendida, a circunstância da existência de danos de natureza não patrimonial, como humilhação, sofrimento, ansiedade e dor, e porque a ofendida não se opôs ao seu arbitramento, impõe-se atribuir-lhe uma indeminização.
Nestes termos, à luz do disposto nos artigos 496.º, 562.º, 564.º, 566.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil e na concretização destes princípios, dispõe o artigo 494.º ex vi do artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo às circunstâncias de cada caso, sua gravidade, grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado.
Os danos morais ou prejuízos de natureza não patrimonial correspondem àquilo que se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante da situação do lesado gerado pelo acto ilícito a que foi sujeito.
O montante da indemnização correspondente aos danos “morais” deve ainda ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Voltando ao caso concreto, tudo visto e ponderado, nomeadamente a extensão (sobretudo temporal e dada a idade da vítima, em fase de desenvolvimento pessoal), grau de gravidade das lesões psíquicas causadas à ofendida, o abalo à sua honra e consideração enquanto filha, considerando a apurada condição económica do arguido e todo o restante circunstancialismo factual, entende-se justa, equitativa e adequada, a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a pagar pelo arguido, para ressarcimento dos prejuízos sofridos em consequência das suas condutas».
3. Apreciação do recurso
*
Apreciemos as questões suscitadas no recurso.
1. Sindicância da matéria de facto
Na sindicância da matéria de facto, invoca o recorrente a violação do disposto nos art.ºs 374.º n.º 2 e 127.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), bem como do princípio da presunção da inocência constitucionalmente consagrado no art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe o n.º 2 do art.º 374.º do CPP que:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Basta ler a sentença em crise para concluir que na mesma se elencam os factos provados e não provados, sendo expostos os motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») da decisão, que não pode «impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz»[1].
Como assim é, a sentença, na observância do disposto no art.º 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), e 97.º n.º 5 do CPP, mostra-se fundamentada, encontrando-se presentes os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 374.º n.º 2 do CPP, que, contrariamente ao entendimento recursivo, não se mostra violado.
O que nos parece claro é que o que o arguido recorrente pretende, afinal, é apelar ao conteúdo da prova documental, e pessoal produzida, mas que, no seu entender, não teria sido devidamente ponderado, para concluir pelo erro de julgamento de parte da factualidade provada, pretendendo, consequentemente, a alteração da matéria de facto, remetendo, portanto, para o regime previsto no art.º 412.º n.º 3 do CPP, a que se convencionou chamar de impugnação ampla da matéria de facto.
Acontece que a intromissão da Relação no domínio factual, nos termos do art.º 412.º, cinge-se a uma intervenção cirúrgica, não sendo um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse.
Efetivamente, não sofre qualquer dúvida jurisprudencial ou doutrinal, que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos, destinados a colmatar erros de julgamento na forma como o Tribunal recorrido apreciou a prova indicada pelo recorrente, por referência aos concretos pontos de facto por este identificados.
Por isso mesmo, impõe-se o cumprimento do ónus, estabelecido no artigo 412º n.º 3 do CPP, de proceder a uma tripla especificação.
A especificação dos «concretos pontos de facto», a que se refere a alínea a) do referido n.º 3, traduz-se na indicação necessária dos factos individualizados, que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas», nos termos da al. b) do mesmo n.º 3, satisfaz-se com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Para o efeito, o recorrente deve explicar por que razão essa prova «impõe» decisão diversa da recorrida, relacionando o específico meio de prova com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.
A especificação das provas que devem ser renovadas, nos termos da al. c) do mesmo n.º 3, implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em primeira instância cuja renovação se pretende, dos vícios previstos no art.º 410º n.º 2 do CPP que inquinam a decisão recorrida, e das razões para crer que aquela renovação permitirá evitar o reenvio do processo, em conformidade com o disposto no art.º 430º do mesmo Código)[2].
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens[3] em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo de outras que forem consideradas relevantes (n.ºs 4 e 6 do art.º 412º do CPP)[4].
As exigências previstas no preceito que se analisa – art.º 412º n.º 3 e 4 do CPP – configuram um dever de primordial importância conexionado com a própria inteligibilidade e concludência do recurso sobre a matéria de facto, e não apenas um ónus meramente formal, de relevo meramente secundário.
É que «o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afeta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law»[5].
Por seu lado, as conclusões servem, entre outras finalidades, para a delimitação do objeto do recurso, operando a vinculação temática do tribunal superior, e definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se lhe impõe.
Ora, nos termos da primeira parte do n.º 3 do art.º 417º do CPP: «Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada».
Acrescenta o n.º 4 do mesmo artigo que «O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação».
E como assim é, o incumprimento do triplo ónus da especificação seja na motivação, seja nas conclusões implica a rejeição do recurso em matéria de facto sem convite ao aperfeiçoamento (art.º 417.º n.º 4 do CPP).
Por outro lado, sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (de impugnação ampla), o Tribunal da Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo[6].
Acontece, ainda que, sob pena de inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que acusam ou dos que esperam a decisão, a crítica à convicção do Tribunal a quo, assente na imediação e oralidade e sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência (art.º 127.º do CPP) não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
«Acreditar ou não num depoente ou acreditar num depoente e não acreditar noutro é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita naquele e já não acredita no outro seja racional e tenha lógica.
E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova»[7].
Sem olvidar, ainda, que a convicção do tribunal é formada não só através dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, não menos importante, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, ansiedade, serenidade, olhares, postura corporal, tom de voz, coerência de raciocínio e de atitude, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos.
O juízo de credibilidade (das provas oralmente produzidas) depende logicamente do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta e não sendo tais qualidades apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, nem o sendo do mesmo modo, pela audição de prova oral que se encontre gravada, mas sim através do contacto com as pessoas, é notório e evidente que o tribunal superior, salvo algumas exceções, adotará o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo; esta linha orientadora de pensamento encontra eco e está hoje traduzida de forma duradoura na jurisprudência dos tribunais superiores.
Por essa razão se diz que, se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção (declarações, depoimentos, acareações) – assente que obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Assim, para que obtenha sucesso, não basta, ao recorrente que pretenda fazer uma «revisão» da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção «era possível».
Exige-se-lhe que «imponha» uma outra convicção.
É, assim, imperativo que o recorrente demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido decorre de uma impossibilidade lógica, de uma impossibilidade probatória, de uma manifesta violação de regras de experiência comum, de uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
E por isso se diz que o erro de julgamento da matéria de facto, tal como resulta do artigo 412º n.º 3, do CPP, reporta-se, normalmente, a situações como as seguintes:
- O Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que sobre o mesmo nada declarou;
- Ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado;
- Prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência que o permita;
- Prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova;
- Todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso, seja possível concluir, por tal resultar da audição do registo áudio, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.
Daí que seja considerar que o erro de julgamento, reconduz-se, afinal, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.º 374.º, n.º 2 do CPP[8].
Dito isto.
Perscrutando o recurso deduzido, verificamos que o recorrente impugna a factualidade provada sob os pontos 7., 11., 16., 19., 24., 26., 27., 28. e 29.
Sucede que, relativamente aos pontos provados sob os n.ºs 26., 27., 28. e 29., constata-se o incumprimento do ónus da especificação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (art.º 412.º n.º 3 al. b) do CPP) seja na motivação, seja nas conclusões do recurso, pelo que se rejeita, nesta parte, o recurso da matéria de facto sem convite ao aperfeiçoamento.
Já no que respeita aos pontos 7., 11., 16., 19. e 24. da factualidade provada entendemos que se encontra minimamente cumprido o ónus da impugnação especificada, pelo que passaremos a apreciar a impugnação deduzida.
No que respeita ao ponto 7. («No decurso das referidas discussões, duas a três vezes por semana, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos “és uma mentirosa, uma parva, uma estúpida, uma ingrata, uma desilusão»), constatamos que o pretendido aditamento (7ª «Numa dessas situações, o arguido chamou a BB de “ingrata” porque esta disse que não gostava de uns iogurtes que o pai havia comprado») se refere a circunstância manifestamente irrelevante – como diz a ofendida nas declarações prestadas «sem sentido» - não se justificando qualquer alteração.
No que respeita aos pontos 16. («Mal terminou o espetáculo, BB foi para junto do pai, que esteve a assistir à competição da filha, após o que se dirigiu a BB nos seguintes termos: “dançaste muito mal, não estiveste nada bem, o teu lugar não foi merecido») e 19 («Ademais, em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, em média uma vez por semana, o arguido dirigia a BB as seguintes expressões: “a tua mãe é uma mentirosa, uma manipuladora, uma puta, uma porca, uma aldrabona, tu és exatamente igual a ela.”») consideramos que, as declarações da ofendida impõem as alterações pretendidas pelo recorrente, pelo que, passam a ter a seguinte redação:
«16. Mal terminou o espetáculo, BB foi para junto do pai, que esteve a assistir à competição da filha, após o que se dirigiu a BB dizendo-lhe que “dançaste mal, não estiveste nada bem”»;
19. Em datas não concretamente apuradas, mas desde os 11 anos de idade de BB até junho de 2021, em situações de discussão relacionadas com a mãe desta que ocorriam pelo menos uma vez por mês, o arguido referia-se aquela com as expressões: “mentirosa”, “aldrabona”, “manipuladora”, “puta”.
19A. No final de tais discussões, o arguido dizia a BB que esta era exatamente como a mãe».
Da factualidade não provada passa a constar que:
- Na ocasião referida no ponto 16. dos factos provados o arguido disse ainda «o teu lugar não foi merecido»;
- Em média uma vez por semana, o arguido dirigia a BB as seguintes expressões: «a tua mãe é uma mentirosa, uma manipuladora, uma puta, uma porca, uma aldrabona, tu és exatamente igual a ela.”
Inversamente, no que respeita ao ponto 24. («Sabendo de tal facto, sempre que discutia com a filha e surgiam conversas sobre mãe, o arguido dirigia-se a BB nos seguintes termos: “morres, enterra-se, como a tua mãe fez com a tua irmã”), as declarações da ofendida não justificam a propugnada alteração.
Constata-se, por fim, que na redação do impugnado ponto provado 11. («Nessa entrevista, em vez de falar da concorrente, do seu gosto pela dança e da prestação de BB no programa, o arguido esteve durante quatro páginas a falar publicamente mal da mãe da filha, que ela não se interessava pelos assuntos da filha, e de assuntos íntimos e pessoais de BB») não se concretiza o que é «falar publicamente mal da mãe da filha», nem a que se referem os designados «assuntos íntimos e pessoais» de BB.
Por outro lado, da apreciação das cópias da notícia/entrevista nos autos (sob a referência 9316519) verifica-se que o arguido não esteve «quatro páginas a falar», não só porque não as redigiu, como por a mancha gráfica dos seus dizeres não corresponder a quatro páginas.
Por outro lado, lendo a dita notícia/entrevista verifica-se que se faz constar extratos do que o arguido falou sobre a prestação da filha no programa, e sobre o seu interesse pela dança.
Assim, e tudo considerado, passará o ponto 11. a ter a seguinte redação:
«11. Nessa entrevista, o arguido falou, designadamente, da mãe da filha e que ela não se interessava pelos assuntos da filha».
Dos factos não provados ficará a constar que não se provou que:
- «As respostas do arguido à entrevista da «TV ...» preenchem 4 páginas da revista»;
- «Nessa entrevista, o arguido não falou da filha, do seu gosto pela dança e da prestação de BB no programa».
Ainda no entender do recorrente, na apreciação da prova, o Tribunal recorrido violou o princípio da presunção da inocência[9].
Efetivamente, alguns fazem derivar deste princípio, o princípio in dubio pro reo, constituindo, este, um princípio probatório, segundo o qual a dúvida (séria e insanável) em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
Como se vê, o princípio in dubio pro reo, cuja violação é invocada no recurso, «não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, sendo antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa»[10].
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do CPP, o juiz é «livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos de testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada».
Somente «quando, após a discussão da causa e da reflexão, exaustiva, sobre toda a prova produzida, apreciada de forma crítica, objectiva e racional, devidamente traduzida na motivação, persistem várias soluções razoáveis, é legítimo convocar o princípio in dubio pro reo»[11].
Ora, lida a sentença recorrida não se deteta a violação do princípio in dubio, que não resulta do texto da decisão recorrida, só por si ou conjugada com as regras da experiência comum, enquanto erro notório na apreciação da prova [cfr al. c) do n.º2 do artigo 410.º do C.P.P.).
Do texto da sentença em crise, o que emerge é que da conjugação e ponderação de toda a prova produzida, resultou para o Tribunal recorrido a certeza da prática pelo arguido dos factos dados como assentes (em especial, dos impugnados).
O Tribunal a quo acreditou numa versão dos factos que, no seu entender, tinha sustentação na prova produzida e explicou as razões dessa opção, sem que se detete que lhe tenha restado qualquer dúvida inultrapassável que devesse conduzir ao funcionamento do princípio in dubio pro reo.
E, não se impõe, ainda, a este Tribunal de Recurso a conclusão de que o Tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter tido, e que devia ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo, relativamente à matéria de facto.
Aliás, apreciando a matéria de facto impugnada, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 3 do CPP, concluímos pela sua alteração parcial, o que fizemos, não por termos dúvidas sobre a verificação dos factos impugnados (que tenhamos dirimido a favor do reo), mas sim, por entendermos que a alteração encontra suporte positivo e firme (além de quaisquer dúvidas) nas declarações prestadas pela ofendida.
Salvo no que respeita às alterações a que procedemos neste Tribunal de recurso, entendemos que o Tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este Tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do CPP.
Tudo considerado, concluímos que, relativamente à questão que ora nos ocupa - da sindicância da matéria de facto - falece, parcialmente, a defesa recursiva.
Vejamos, agora, da procedência da segunda das questões a resolver, tendo presente, naturalmente. a alteração da matéria de facto a que se procedeu nesta Relação.
2. Enquadramento Jurídico
O arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º n.º 1 e 152.º n.º 1 als. d) e e), e n.º 2, al. a), do Código Penal (doravante CP).
Na sua atual redação, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, dispõe o art.º 152.º do CP:
«1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos patrimoniais próprios ou comuns:
(…)
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
(…)».
O bem jurídico diretamente tutelado pelo crime de violência doméstica, previsto no art.º 152.º do CP é a saúde, nas suas vertentes física, psíquica e mental, cuja ratio se funda «na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana»[12].
Na génese da incriminação encontra-se a tutela da pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade. Está, por isso, diretamente abrangida pelo âmbito da proteção dispensada por aquela norma penal, não só a integridade física propriamente dita, mas a saúde da pessoa ofendida, na sua globalidade, abrangendo o bem-estar físico, psíquico e mental, enquanto elemento essencial, indispensável à mais livre realização possível da personalidade de cada pessoa na comunidade.
No artigo 25º da CRP, é reconhecido a todos os cidadãos o direito à respetiva integridade pessoal, tanto num plano físico como num plano moral.
Trata-se, assim, da defesa de um direito constitucionalmente consagrado, organicamente ligado à pessoa individualmente considerada, cuja proclamação faz resultar para cada um de nós a legítima expetativa de não vir a ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais.
Consabidamente, o preenchimento do tipo não exige nem a perversidade do agente, nem a brutalidade da agressão, nem a sua reiteração, nem mesmo a produção de efetivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima.
«O importante é analisar e caracterizar o quadro global da agressão física ou psíquica de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos»[13].
Tal como resulta da descrição típica («incluindo»), o elenco de maus tratos previsto no artigo 152º do CP é exemplificativo.
A violência doméstica é um crime de execução livre suscetível de abarcar condutas dirigidas, prima facie, a bens tão diversos como a integridade física, a liberdade, a autodeterminação sexual, a honra, a reserva da vida privada.
Assim, a ação típica tanto pode consistir em maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, ou/e em maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, insultos, ameaças, ou/e em outros maus tratos, como sejam as ofensas sexuais, as privações da liberdade, e/ou mesmo o impedir o acesso ou a fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns.
Os maus tratos psíquicos podem traduzir-se «numa multiplicidade de comportamentos, que atingem e prejudicam o bem-estar psicológico da vítima, nomeadamente ao ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desvalorizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, e exercer chantagem emocional sobre a vítima»[14] perturbando a normal convivência e as condições em que possa ter lugar o pleno desenvolvimento da personalidade dos membros do agregado familiar (ou parafamiliar).
Encontramo-nos perante um crime de relação, na medida em que pressupõe uma determinada relação entre o agente e a vítima, ou um crime específico impróprio, «cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima»[15].
No que toca ao elemento subjetivo, o tipo legal exige que o agente tenha atuado com dolo (art.º 14.º do CP), enquanto elemento subjetivo geral da ilicitude (conhecimento da factualidade típica e vontade de realização do tipo legal de crime), em qualquer das suas modalidades (direto, necessário ou eventual), a que acresce o elemento emocional, da indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso).
Afastada foi a exigência de que o agente agisse por «malvadez ou egoísmo», constante da redação do artigo 153.º do CP anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, pelo que basta o dolo genérico.
Dito isto.
No entender do recorrente:
1 - Não resulta demonstrado que as condutas do arguido foram dirigidas contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade e da dependência económica (que com ele cohabitasse), nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 152.º do CP, e, por outro lado, uma vez que não vigorava à data dos factos a circunstância de a vítima ser descendente, prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 152.º do CP, a sentença recorrida violaria os princípios da legalidade e da aplicação da lei no tempo previstos nos artigos 1º e 2º, nº 4 do CP, ao proceder à aplicação de lei penal mais desfavorável ao arguido e que não existia aquando da data dos factos;
- O arguido atuou ao abrigo do dever de correção; e,
- Agiu sem dolo, nem consciência da ilicitude.
Vejamos.
Da sucessão de leis penais no tempo
Perscrutando a factualidade provada, verificamos que os factos ocorreram entre o ano 2016 e junho de 2021.
Portanto, à data dos factos vigorava o art.º 152.º do CP, nas redações que lhe foram dadas pela Lei n.º 19/2013 de 21.02., e depois pela Lei n.º 44/2018 de 09.08.
Tendo por referência a legislação vigente à data dos diversos atos atomisticamente considerados encontram-se presentes:
- As circunstâncias típicas previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 152.º do CP, porquanto, manifestamente, uma menor de idade, entre os 11 e os 16 anos, que reside com o pai, à guarda de quem se encontra, se trata de pessoa «particularmente indefesa» «em razão da idade» e «da dependência económica» que coabitava com o arguido;
- As circunstâncias agravantes do n.º 2 do art.º 152.º do CP, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 19/23, de 21.02 (vigente no início dos factos até 31.08.2018), por o agente ter praticado «o facto contra menor» e «no domicílio comum»; e as circunstâncias agravantes da alínea a) do n.º 2 do art.º 152.º do CP, na versão da Lei 44/2018 (vigente desde 01.09.2018, findando os factos em 2021), por os atos terem sidos praticados «contra menor» e «no domicílio comum».
No entanto, em caso de sucessão de leis penais durante o período de execução reiterada de um único crime, será aplicável a todo o comportamento a lei nova vigente no momento da prática do último ato de execução (data da consumação), pois não é possível distinguir partes do facto[16].
Na redação atual, aprovada pela Lei n.º 57/2021, de 16/08, encontram-se presentes:
- As circunstâncias típicas previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º152 (não alterada), por a vítima ser «pessoa particularmente indefesa», «em razão da idade» e «dependência económica», que coabitava com o arguido;
- A circunstância típica da alínea e) do n.º 1 do art.º 152º (não vigente à data dos factos) de a vítima ser menor «descendente» do arguido;
- As circunstâncias agravantes do n.º 2 da alínea a) do art.º 152.º, por o facto ter sido praticado «contra menor» e «no domicílio comum».
Verifica-se que a sentença recorrida desconsiderou a sucessão de leis no tempo, limitando-se a fazer constar que o crime praticado pelo arguido, crime de violência doméstica agravado, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos [artigo 152.º, n.º 1, al. d), e e) n.º 2, al. a), do Código Penal].
Face ao exposto, e tudo considerado, o arguido cometeu um crime de violência agravada nos termos do art.º 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 al. a) do CP.
Efetivamente, como a alínea e) do n.º 1 art.º 152.º do CP não vigorava à data dos factos deverá ser desconsiderada para efeitos de preenchimento típico, nos termos do art.º 1.º n.º 1 do CP.
Como assim é, impõe-se nesta parte a alteração ao decidido.
Diga-se, ainda que, em qualquer das versões a que nos referimos, manteve-se a moldura penal aplicável, de dois a cinco anos (n.º 2 do art.º 152.º do CP) não tendo ocorrido outras alterações legislativas no caso relevantes ao nível da determinação das penas, pelo que não há que fazer operar o disposto no n.º 4 do art.º 2.º do CP, falecendo, nesta parte, a defesa.
Do dever de correção
No entender do recorrente estaremos perante uma conduta passível de configurar o dever de correção.
Como é sabido, com a Reforma de 1977 do Código Civil (doravente CC), eliminou-se do conteúdo das responsabilidades parentais o poder dos pais castigarem moderadamente os filhos, não ficando, todavia, estabelecida expressamente a sua proibição.
A redação atual do CC não é esclarecedora dando azo a uma divergência quer doutrinal quer jurisprudencial relativamente à legitimidade ou ilegitimidade da aplicação de castigos corretivos leves e moderados.
Certo é que a CRP estabelece, no seu artigo 36.º n.º 5, que «Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
No CC, as responsabilidades parentais surgem como efeito automático e indisponível da filiação e como forma de suprimento da incapacidade dos menores – (cf. artigos 124.º e 1881.º), e definem-se, segundo a alínea a), do primeiro princípio, da Recomendação n.º R (84) 4, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Fevereiro de 1984, como o conjunto dos poderes e deveres destinados a assegurar o bem estar moral e material do filho, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens.
Na exposição de motivos desta Recomendação, é especialmente referido que «o objectivo (…) é convidar as legislações nacionais a considerarem os menores já não como sujeitos protegidos pelo Direito, mas como titulares de direitos juridicamente reconhecidos (…) a tónica é colocada no desenvolvimento da personalidade da criança e no seu bem estar material e moral, numa situação jurídica de plena igualdade entre os pais (…) exercendo os progenitores esses poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu próprio interesse» (§ 3º e 6º da exposição de motivos).
Numa perspetiva idêntica, a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, e que entrou em vigor em 2 de setembro de 1990 consagrou o princípio de que (ambos) os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança e de que constitui sua responsabilidade prioritária a educação e assegurar o desenvolvimento, devendo constituir o superior interesse da criança a sua preocupação fundamental (artºs. 18º nº 1 e 27º nº 2 da Convenção).
Nos termos do art.º 1877.º do CC:
«Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação».
No que respeita ao conteúdo das responsabilidades parentais, dispõe o art.º 1878.º do mesmo Código:
«1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
2. Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida».
Deste carácter funcional das responsabilidades parentais, resulta que o exercício dos direitos e deveres que o integram, não tendo a ver com a realização de interesses próprios dos progenitores, encontra-se particularmente vinculado à salvaguarda, promoção e realização do interesse da criança.
O poder-dever de educar o filho menor de idade é um elemento fundamental do conjunto de responsabilidades, prevendo expressamente o artigo 1885.º do CC sob a epígrafe Educação:
«1. Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
2. Os pais devem proporcionar aos filhos, em especial aos diminuídos física e mentalmente, adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e inclinações de cada um».
O poder-dever de educar permite garantir que os filhos menores de idade adquiram as competências e os valores necessários para se tornarem adultos responsáveis e autónomos.
No exercício deste dever, é incumbência dos pais ter sempre em mente o interesse dos filhos.
No nosso caso, não estão em causa castigos físicos, mas condutas de índole psicológica (proibições, divulgação de assuntos privados, palavras insultuosas e vexatórias).
Como quer que seja, para a legitimidade na aplicação de castigos/repreensões/proibições não poderá deixar de relevar:
a) Ser educativa a finalidade que o agente visa prosseguir, o que exclui as condutas adotadas por mera irritação do agente e, obviamente, o propósito de causar sofrimento;
b) A proporcionalidade da conduta que deve ser criteriosa e a mais leve possível de entre as que se revelem adequadas e suficientes para lograrem prosseguir a finalidade educativa a que se destinam;
c) A moderação, nunca atingindo o ato praticado o limite da dignidade do menor.
Como assim é, não constitui exercício do poder dever de educação a repreensão desligada de qualquer comportamento concreto e atual do menor que o possa justificar, nem a proibição sem que alguma perspetiva, leve que seja, de perigo ou ameaça se descortine.
Por certo também o não integra o uso de expressões injuriosas e insultuosas dirigidas ao filho menor.
Dito isto.
Perscrutando a factualidade provada, entendemos que, impedir uma criança/adolescente entre os 11 e os 16 anos de sair à noite com as amigas, não configura maus tratos podendo mesmo ter um propósito educativo ou, até de preservação da saúde, incluindo a qualidade do sono.
Dizer-se «singelamente» que, quando BB estava nos intervalos letivos, o arguido «rondava a escola, para saber onde a filha estava e com quem», não assume concretude suficiente para se poder concluir tratar-se de conduta maltratante.
Identicamente a nova redação dada ao ponto 11. dos factos provados – de na entrevista (à TV ...), o arguido ter falado «designadamente, da mãe da filha e que ela não se interessava pelos assuntos da filha» - não se encontra suficientemente densificado para permitir a conclusão de que nos encontramos perante maus tratos psíquicos.
Já relativamente às proibições – de a filha estar com amigos de que o arguido não gostava ou de frequentar os treinos de dança quando se auto-mutilava - e às expressões insultuosas, vexatórias, degradantes infligidas a BB - não podemos deixar de concluir que nos encontramos fora do exercício de qualquer poder-dever de educação.
Pela arbitrariedade, uma vez que não se vislumbra qual a conduta menos própria de BB a motivar o comportamento do agente.
Pela discricionariedade que se encontra presente, no elogio constante às colegas da filha (menos BB), em dizer-lhe, logo que terminou um concurso de dança, em segundo lugar, que havia dançado mal, e, em quando o arguido não gostava de um amigo de BB, logo a proibir de estar com esse amigo.
Pela manifesta desadequação em dirigir diretamente à filha expressões insultuosas, humilhantes e degradantes, e de menosprezo, ou difamar com insultos a mãe da filha, na presença desta, para depois lhe dizer que era igual a ela, o que por certo não serve para educar.
Pela evidente desproporcionalidade - na proibição da filha ir aos treinos de dança quando esta se automutilava - o que, além de desadequado assume contornos de crueldade, tendo em conta a paixão e o empenho com que a jovem se dedicava a tal atividade.
Crueldade, esta, que também se encontrava presente quando o arguido «sempre que discutia com a filha e surgiam conversas sobre mãe, dirigir-se àquela dizendo-lhe “morres, enterra-se, como a tua mãe fez com a tua irmã” (que falecera, quando BB tinha 5 anos de idade)».
Entendemos, portanto, em sentido contrário ao das alegações recursivas, que nos encontramos perante condutas que não são castigos, nem às mesmas preside um qualquer valor educativo, mas antes comportamentos arbitrários, sem qualquer justificação, que não se encontram abrangidos pelo poder-dever de educação.
Configuram tais comportamentos maus tratos psíquicos prejudiciais ao bem-estar psicológico da vítima, que afetam o pleno desenvolvimento da sua personalidade no seio familiar, e que, até pela sua reiteração põem em causa o bem jurídico da dignidade da pessoa humana.
Portanto, as circunstâncias provadas dão-nos uma imagem global dos factos imputados ao arguido, que os remete – indubitavelmente - para o perímetro da tutela conferida pelo crime de violência doméstica, incluindo naturalmente a dimensão subjetiva.
Do preenchimento do dolo
Já sabemos que a violência doméstica é um crime doloso, sendo o dolo o conhecimento e a vontade de praticar o facto, com a consciência da sua censurabilidade.
No caso, provou-se que o agente sabia dos atos maltratantes que infligia e queria maltratar vítima, estando ciente de que a sua conduta era proibida por lei.
Em sentido inverso ao das alegações recursivas, a factualidade provada não permite a conclusão de que o arguido «atuou com a sua filha em conformidade com a sua própria instrução, com os métodos educativos que conhecia e de que era capaz, moldados pelo respetivo ambiente afetivo que vivenciou e pelo que ambicionava e projetava para o futuro daquela, de acordo com os seus próprios padrões de sucesso e em face da sua dedicação exclusiva ao projeto educativo daquela filha, não tendo efetiva consciência da ilicitude da sua conduta nem das eventuais consequências que a mesma poderia causar na sua filha».
Nem tão pouco se provou que «atendidas as concretas caraterísticas de instrução, educação, contexto familiar e profissional do arguido», «sempre se deveria concluir que o arguido agiu sem culpa por não ter consciência da ilicitude da sua atuação, devendo ser absolvido nos termos do art. 17º do C. Penal».
De todo o modo, o sentido da ilicitude dos factos maltratantes ressalta da realização pelo agente da factualidade típica, e mostra-se sedimentado na consciência ético social a ilicitude do crime de violência doméstica.
Como assim é, mesmo que o agente não tivesse consciência da ilicitude, isso teria necessariamente de lhe ser censurável, por revelar uma atitude de indiferença pelos valores jurídico-penais (art.º 17.º n.º 2 do CP)[17].
Ou seja, a falta de consciência da ilicitude não relevaria, pois, como referido, poderia ocorrer condenação na mesma, em decorrência do que se dispõe no n.º 2 do artigo 17.º CP, e por certo não beneficiaria o agente ao nível da punição (por as circunstâncias do caso não permitirem concluir pela atenuação da culpa).
Alega, ainda, o recorrente a seu favor terem os factos ocorrido «num contexto de alienação parental promovida pelo arguido, enquanto pai, relativamente à mãe da BB, sendo as diversas discussões e condutas imputadas ao arguido e descritas pela BB envolvem sempre o conflito entre os progenitores, pretendendo o arguido o maior afastamento e influência possível entre mãe e filha».
Naturalmente que a motivação egoísta do arguido - instrumentalizando a filha e denegrindo a sua mãe, visando o afastamento de ambas - não afasta o dolo, antes intensifica a culpa.
Portanto, também, nesta parte, improcede a defesa recursiva.
Como vimos:
- Foi parcialmente alterada a matéria de facto provada;
- O arguido cometeu um crime de violência doméstica, p.p. nos termos do artigo 152.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, al. a), do Código Penal.
É certo que a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art.º 403.º do CPP).
Contudo, não ocorreram alterações legislativas relevantes ao nível da determinação da pena e da fixação da indemnização cível.
E, vista a ponderação das circunstâncias do caso efetuada em primeira instância, pese embora a modificação da matéria de facto (e naturalmente, tendo esta por reporte) não se justifica qualquer mudança:
- Nas penas fixadas, sendo certo que a medida da pena de prisão foi encontrada muito próxima do limite mínimo, sendo suportada na concreta medida da culpa e é adequada às exigências preventivas, e que a substituição por suspensão sujeita a deveres, na sua medida e nos concretos deveres fixados, se revela adequada às necessidades de prevenção presentes no caso;
- No arbitramento da indemnização, que temos por parcimoniosa, posto, como é sabido que devem ser afastados na sua fixação valores miserabilistas.
Tudo ponderado, não se justifica, nesta parte, qualquer alteração.
III. Dispositivo
Em face do exposto, acordam as Juízas que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA, condenando-o pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. nos termos do art.º 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 al. a) do Código Penal;
- Manter no remanescente a sentença recorrida.
Sem custas.
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatárias – art.º 94º, nº2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09).
Coimbra, 09.04.2025
Alexandra Guiné (Juíza Desembargadora relatora)
Alcina Ribeiro (Juíza Desembargadora 1.ª adjunta)
Sara Reis Marques (Juíza Desembargadora 2.ª adjunta)
[1] cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 289
[2] Cf. Ac. TRL datado de 06.06.2017, proc. n.º 224/13.0PTFUN.L1-5 (rel. Des. Jorge Gonçalves)
[3] das gravações
[4] Ac. TRL datado de 08.10.2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9 (rel. Des. Filipa Costa Lourenço).
[5] Cf. Acórdão do TRG, datado de 19.06.2017, proc. 644/15.6PBBRG.G1 (rel. Des. Ausenda Gonçalves).
[6] Cf. Acórdão do TRG, datado de 06.11.2017, proc. 3671/13.4 TDLSB.G1 (rel. Des. Ausenda Gonçalves)
[7] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27.06.2006, processo 2849/05-1 (Des. Martinho Cardoso).
[8] Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, datado de 03.10.2006, processo 1103/06-1 (rel. Des. Alberto Borges)
[9] constitucionalmente consagrado no art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) ao dispor que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação».
[10] - Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 05.07.2007, processo 07P2279, rel. Cons. Simas Santos.
[11] - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 27.02.2019, processo 107/17.5PBCVL.C1 (rel. Des. Belmiro Andrade).
[12] Cf. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2012, págs. 511 e 512.
[13] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11.03.2021, no processo 75/20.6JAFAR.S1 (Cons. Margarida Blasco).
[14] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 564/19.5PIPRT.P1 (Rel. Des. Donas Botto)
[15] Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pág. 464.
[16] Cf. neste sentido vg Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 08.05.2019, processo 302/16.4GAMGL.c1 (Alcina da Costa Ribeiro)
[17] Sem que, aliás, se descortine que as circunstâncias do caso concreto e que resultaram provadas justificassem qualquer atenuação (art.º 72.º do CP)