CRIME DE FURTO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DO ARTIGO 410º
Nº 2 DO CPP
PRINCÍPIO «IN DUBIO POR REO»
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
PENA EFECTIVA
PENA SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO
PENA SUBSTITUTIVA DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PENA EXECUTADA NA MODALIDADE DO ARTIGO 43º DO CP
Sumário

1 - A prova indirecta “reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” e está sujeita à livre apreciação do tribunal, exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis.
2 - Atenta a multiplicidade de condenações anteriores do arguido e a consequente falta da garantia de que mais uma pena suspensa o poderia afastar definitivamente da criminalidade, só a sua condenação numa pena efectiva de prisão satisfaz as finalidades das penas (artigo 40°, n°s 1 e 2 do CP).
3 - Com efeito, a suspensão é inteiramente de arredar porque a pedagogia correctiva de que o arguido se mostra carente passa, não por esta pena substitutiva, mas por uma efectiva privação de liberdade, só esta realizando os fins das penas, não oferecendo ele quaisquer garantias de que a simples ameaça de execução de uma pena é suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes.
4 - Não se verificam os pressupostos materiais necessários para que se possa aplicar ao recorrente o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no artigo 43.º do Código Penal, por força das elevadíssimas exigências de prevenção especial que em relação a si se fazem sentir.
5 - A co-autoria - artigo 26º do CP - pressupõe um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, um tomar parte directa na execução.
6 - O coautor tem o domínio do facto se tiver o domínio funcional da atividade que realiza, integrante do conjunto da ação para a qual deu o seu acordo e que, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo.
7 - A função de guarda ou vigia é uma função característica de divisão de tarefas, própria da coautoria.
8 - A cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade, pois o cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nela, limita-se a facilitar o facto principal.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
1. A CONDENAÇÃO RECORRIDA

No processo comum singular (com uso do artigo 16º, nº 3 do CPP) nº 410/22.2GBPBL do Juízo Local Criminal de Pombal (Juiz 1), por sentença datada de 6 de Novembro de 2024, foi decidido (transcrição a bold e sublinhadas das partes referentes aos 3 recorrentes):  
a) «Condenar os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF pela prática, em coautoria material, na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2, al. e), por referência ao art. 202º als. d) e e) todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão para cada um destes seis arguidos, sendo que as penas de prisão aplicadas aos arguidos AA, BB, CC serão em cumprimento efectivo;
b) Proceder à suspensão das penas de prisão aplicadas às arguidas DD, EE e FF, suspensão essa por igual período (de um ano e sete meses de prisão), sujeitando apenas a suspensão das penas de prisão das arguidas EE e DD, a regime de prova a delinear pela DGRSP, o qual deverá versar, designadamente na interiorização do desvalor da conduta e na inserção laboras destas duas arguidas;
(…)».


            2. OS RECURSOS

2.1. RECURSO Nº 1 – Inconformada, a arguida EE recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1) Foi a arguida condenada, em coautoria material, com os demais arguidos, na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2, al. e), por referência ao art. 202º als. d) e e) todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, pena, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova a delinear pela DGRSP, o qual deverá versar, designadamente na interiorização do desvalor da conduta e na sua inserção laboral;
2) Verifica-se um erro notório na apreciação da prova, que decorre do facto do tribunal ter dado como provados factos que não podia ter dado como provados.
3) O Tribunal a quo deu como provados os seguintes pontos:
“1. Durante a madrugada do dia 18 de novembro de 2022, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF decidiram introduzir-se na residência situada na Rua ..., ..., ..., da propriedade de GG, para se apropriarem de bens de valor que aí conseguissem encontrar;
2. Nessa sequência, entre as 00H00 e as 04H18 do dia 18 de novembro de 2022 todos os arguidos, em execução do referido plano previamente traçado e em conjugação de vontades e esforços, dirigiram-se para a morada indicada em 1, fazendo-se transportar nos veículos de matrícula ..-..-LL, marca Hyundai, e ..-..-VQ, marca Opel, que estacionaram mesmo em frente à residência em apreço, em plena via pública;
3. Já junto ao imóvel situado na Rua ..., ..., ..., da propriedade de GG, os arguidos, munidos de alicates, forçaram a porta que veda o perímetro do logradouro da propriedade, constituída por um painel de rede, arrebentando-o, conseguindo, assim, entrar nesse logradouro;
4. Já nesse logradouro, munidos de uma chave de fendas, os arguidos partiram a janela da cozinha e introduziram-se na residência através dessa abertura;
5. Do interior da residência de GG os arguidos retiraram de dentro da casa em apreço os seguintes bens, de valor não apurado, mas certamente superior a € 102,00 (cento e dois euros):
 Uma máquina de lavar loiça de marca Teka;
 Um televisor LCD, marca Samsung, modelo LE32B350F1W;
 Um televisor LCD marca LG, modelo HAH-6000AB 1ª;
 Uma placa vitrocerâmica de marca Teka;
 Um frigorífico de marca Teka, modelo TS32370;
 Um micro-ondas, marca Teka;
 Um forno de marca Teka, modelo HE-635;
6. Nesse contexto, estando ainda a proceder ao transporte desses objetos para os veículos referidos em 2 e estando esses mesmos veículos com as portas das respetivas bagageiras ainda abertas, os seis arguidos foram surpreendidos pela presença de militares da GNR que ali se encontravam a fazer serviço de patrulha;
7. Aquando da chegada desses militares da GNR, os seis arguidos tinham já transportado para os veículos indicados em 2, o frigorífico, o forno e a máquina de lavar referida em 5);
9. Nessa ocasião referida em 6, as arguidas EE, FF e DD estavam juntos dos aludidos veículos, mesmo ao lado dos mesmos, onde as ditas bagageiras estavam abertas;”
4) E fê-lo, porque erradamente considerou que os Senhores militares da GNR (testemunhas HH e II) referiram que avistaram dois veículos estacionados em frente da uma moradia, plena via, obstruindo, em parte, a passagem, com as bagageiras abertas (vide motivação) e que, “dentro de um desses veículos (marca Hyundai) estavam já guardados um frigorífico, um forno e uma máquina de lavar loiça, estando o outro veículo (marca Opel) de mala aberta mas ainda vazio, sendo aí que estavam as arguidas.
5) Todavia, em momento algum aquelas testemunhas referiram que as bagageiras das 2 viaturas estavam abertas, referindo-se apenas à viatura de marca Hyundai.
6) Dos depoimentos daquelas duas testemunhas que as viaturas se encontravam junto ao veículo de marca Opel, mas que a bagageira do mesmo não se encontrava aberta;
7) Nenhuma daquelas testemunhas referiu ter visto as arguidas, e mais especificamente a ora Recorrente (EE), a transportar qualquer objeto do furto.
8) Acresce que as duas testemunhas referiram ainda que o transporte dos eletrodomésticos estava a ser feito para a viatura de marca Hyundai e não para o veículo de marca Opel Astra;
9) Em momento algum as testemunhas afirmaram ter visto as arguidas EE, FF e DD a forçar a porta que veda o perímetro do logradouro da propriedade e a rebentá-lo e partir a janela da cozinha e a introduzir-se do imóvel identificado nos autos através dessa abertura.
10)Termos em que, terá de ser alterada a matéria de facto, nos termos seguintes:
“1. Durante a madrugada do dia 18 de novembro de 2022, os arguidos AA, BB e CC, decidiram introduzir-se na residência situada na Rua ..., ..., ..., da propriedade de GG, para se apropriarem de bens de valor que aí conseguissem encontrar;
2. Nessa sequência, entre as 00H00 e as 04H18 do dia 18 de novembro de 2022 aqueles três arguidos, em execução do referido plano previamente traçado e em conjugação de vontades e esforços, dirigiram-se para a morada indicada em 1, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-..-LL, marca Hyundai, que estacionaram mesmo em frente à residência em apreço, em plena via pública;
3. Já junto ao imóvel situado na Rua ..., ..., ..., da propriedade de GG, aqueles três arguidos, munidos de alicates, forçaram a porta que veda o perímetro do logradouro da propriedade, constituída por um painel de rede, arrebentando-o, conseguindo, assim, entrar nesse logradouro;
4. Já nesse logradouro, munidos de uma chave de fendas, aqueles três arguidos partiram a janela da cozinha e introduziram-se na residência através dessa abertura;
5. Do interior da residência de GG aqueles três arguidos retiraram de dentro da casa em apreço os seguintes bens, de valor não apurado, mas certamente superior a € 102,00 (cento e dois euros):
Uma máquina de lavar loiça de marca Teka;
Um televisor LCD, marca Samsung, modelo LE32B350F1W;
Um televisor LCD marca LG, modelo HAH-6000AB 1ª;
Uma placa vitrocerâmica de marca Teka;
Um frigorífico de marca Teka, modelo TS32370;
Um micro-ondas, marca Teka;
Um forno de marca Teka, modelo HE-635;
6. Nesse contexto, estando os arguidos AA, BB e CC a proceder ao transporte desses objetos para o veículo Hyundai, melhor identificado em 2 e estando esse veículo com a porta da respetiva bagageira ainda aberta, tais arguidos foram surpreendidos pela presença de militares da GNR que ali se encontravam a fazer serviço de patrulha;
7. Aquando da chegada desses militares da GNR, dentro do veículo Hyundai, indicado em 2, já se encontravam o frigorífico, o forno e a máquina de lavar referida em 5);
9. Nessa ocasião referida em 6, as arguidas EE, FF e DD estavam juntos daquele veículo Hyundai e de uma viatura de marca Opel Astra, mesmo ao lado dos mesmos.
11) Não se tendo apurado de que modo possam as arguidas ter participado nos factos objeto dos autos, não tendo as testemunhas presenciado qualquer contacto das arguidas com os objetos furtados, nem qualquer introdução das mesmas no imóvel de onde tais objetos foram subtraídos, tendo-se apenas apurado que as mesmas se encontravam junto às viaturas Hyundai e Opel Astra, seria mais do que suficiente para o tribunal a quo absolver a arguida da prática do crime de furto qualificado de que vinha acusada.
12) No pressuposto da alteração da matéria de facto nos termos propostos, teria de se absolver as arguidas pela prática daquele crime.
13) Todavia, o tribunal de cuja decisão ora se recorre considerou haver prova suficiente para imputar à arguida EE o crime por que vinha acusada, ainda que apenas na forma tentada, razão pela qual se afirma o julgamento incorrecto da matéria de facto que impõe alteração aos factos provados e decisão diversa da recorrida (Artigo 410º, nº2, c) do C.P.P.).
14) De tudo o exposto se conclui que não podia o tribunal a quo condenar a arguida pelos factos de que foi acusada, pelo que, em conformidade com o princípio in dubio pro reo, a arguida deveria ter sido absolvida do crime de furto qualificado de que vinha acusada.
15) UM non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido” (Vide in Curso de processo Penal II, Germano Marques da Silva, Fls 110).
16) Verifica-se ainda a violação do princípio da livre apreciação da prova (Artigo 127.º do C.P.P.).;
17) Tal princípio encontra-se plasmado no Artigo 127º do C.P.P., que prevê o seguinte: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, entendendo-se neste caso o julgador.
18) No nosso sistema processual penal, em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127º do C.P.P., que estabelece conforme já se disse o princípio da livre apreciação da prova, também designado por sistema de intima convicção ou de prova moral, que se contrapõe ao sistema da prova legal, que implica a pré-fixação pelo legislador da valoração dos meios de prova.
19) O tribunal a quo, na formação da sua convicção e na análise crítica da prova, partiu de pressupostos incorretos, contrários à prova produzida, designadamente, considerou que os militares da GNR afirmaram que as bagageiras das viaturas Hyundai e Opel Astra se encontravam abertas, o que não sucedeu, o que conduziu mesmo a uma alteração não substancial dos factos e à formação de uma convicção de participação das arguidas nos factos dos Autos.
20) Venerandos Desembargadores, caso V.Exas entendam não alterar a matéria de facto nos termos ora requeridos, sempre se dirá que não pode a Recorrente concordar com a decisão proferida na douta Sentença, nomeadamente quanto à medida da pena que lhe foi aplicada.
21) Da análise da Sentença, entende a arguida que a medida da pena é manifestamente excessiva.
22) A Douta Sentença, conforme se disse, condenou todos os arguidos numa pena de prisão de 1 ano e 7 meses de prisão, embora em relação à ora Recorrente a referida pena tenha sido suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova a delinear pela DGRSP, tendo em vista a interiorização do desvalor da conduta e na inserção laboral;
23) É com a pena escolhida e com a medida da pena aplicada à arguida que esta não se conforma e interpõe o presente recurso, entendendo a Recorrente que o tribunal a quo deveria ter ainda em conta outros institutos, que podem ter aplicação ao caso concreto, designadamente da pena de trabalho a favor da comunidade (Artigo 58.º do C.P.);
24) O princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas, ou da máxima restrição das penas afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a proteção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, não sendo só os princípios dogmáticos do direito constitucional-penal que nos obrigam a uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das penas privativas de liberdade;
25) São também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência, alavanca para uma maior criminalidade;
26) De acordo com a Lei – artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode e deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
27) Tal prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do ato ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido.
28) Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de coresponsabilização social e de reparação simbólica.
29) No caso dos autos, parece-nos que a aplicação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, relativamente à previamente aplicada pena de prisão, ainda que suspensa, permite realizar, de forma adequada, as exigências de prevenção;
30) É, precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização), aliado à expectativa razoável de que esta pena de substituição (Artigo 58.º do CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro da arguida, que se justifica a sua escolha, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que a arguido reincida, como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral a defesa do ordenamento jurídico.
31) No caso dos Autos, entendemos também que esta pena do artigo 58.º poderá (em última instância) ser a que é a adequada, pois ainda assim representa um incómodo para o agente;
32) Em suma, ainda que no limite a pena de prisão, ainda que suspensa, deve dar lugar a uma pena de substituição;
33) Porquanto, pese embora a arguida apresente uma condenação por crime de furto simples, praticado em 12/12/2022, não pode o Tribunal deixar de ponderar que, por se mostrar pessoalmente mais gravosa, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade se mostra a mais adequada ao caso.
34) Com efeito, conforme resulta da Douta Sentença, a arguida encontra-se familiar e socialmente inserida, pese embora não desenvolva qualquer atividade profissional;
35) A prestação de trabalho a favor da comunidade, poderia ser um estímulo e um catalisador para a inserção profissional da arguida;
36) Acresce que, o trabalho a favor da comunidade é uma pena que se insere numa benéfica relação de interesse comunitário, e de certa forma, como indivíduo inserido numa comunidade, também do seu próprio interesse, o fará sentir que cumpre uma pena que, em última análise, também se destina a orientá-lo no sentido de se integrar na sociedade e que poderá ser a última oportunidade de, em liberdade, atingir esse objetivo;
37) Entendemos, por isso que, não pondo em causa a proteção dos bens jurídicos protegidos pela norma, a prestação de trabalho a favor da comunidade ainda pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que deverá ser privilegiado, em detrimento da pena de prisão, ainda que suspensa;
38) Pelo que, se mostram violadas as normas jurídicas a seguir indicadas: Artigos 40.º, nºs 1 e 2, 58.º, 70.º, 71.º e 127.º do C.P.P..
Nestes termos, e louvando-nos quanto ao mais nos factos constantes nos autos, somos de parecer que o presente recurso merece provimento, e, em consequência:
· Ser revogada a douta sentença recorrida, determinando-se a alteração da matéria de facto provada e a arguida absolvida, ou, caso assim não se entenda, que seja a pena de prisão aplicada à arguida substituída pela pena de trabalho a favor da comunidade».


2.2. RECURSO Nº 2 – Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1.ª Discutida a causa foi decidido condenar o arguido AA pela prática, em coautoria material, na forma tentada, num crime de furto qualificado,previsto e punido pelos artigos 22.º,23.º,203.º,n.º 1e 204.º,n.º 2,alínea e), por referência ao artigo 202.º, alíneas d) e e), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão efectiva.
2.ª Para tanto, o Tribunal a quo deu como provados, em suma, o seguinte:
- No dia 18 de Novembro de 2022 os arguidos, entre eles o aqui recorrente, introduziram-se, entre as 00h00 e as 04h18 na residência de GG, sita em ..., para se apropriarem de bens de valor que aí conseguissem encontrar.
- Para tanto, munidos de alicates, forçaram a porta que veda o perímetro do logradouro, constituído por um painel de rede, conseguindo, assim, entrar nesse logradouro.
- Uma vez no logradouro, munidos de uma chave de fendas, partiram a janela da cozinha e através dela entraram na sobredita residência.
- Tendo daí retirado os seguintes bens: uma máquina de lavar loiça, um televisor LCD, uma placa vitrocerâmica, um micro-ondas e um forno.
- Aquando transportavam os supra referidos bens para os veículos em que se fizeram transportar, foram surpreendidos por militares da GNR.
- Nessa conformidade, todos os supra referidos bens foram recuperados, nesse mesmo momento e posteriormente entregues à ofendida.
- Do registo criminal do aqui recorrente constam já diversas condenações, muitas delas (sete) por crimes contra o património.
3.ª Assim, o recorrente, encontra-se condenado pela prática de um crime de furto na forma tentada, cuja moldura abstrata se fixa em 1 (um) ano, como limite mínimo e 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, como limite máximo.
4.ª Sendo que, a determinação da medida concreta da pena teve em consideração as exigências de prevenção geral, que, no caso, o Tribunal a quo considerou bastante elevadas e, como não poderia deixar de ser, as exigências de prevenção especial, as quais considerou elevadíssimas porquanto entendeu, entre outros motivos, que o recorrente está desinserido a nível social e profissional.
Vejamos,
5.ª As finalidades da punição são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
6.ª Pelo que, o sistema penal português é, actualmente, baseado numa pena exclusivamente preventiva, com finalidades de protecção de bens jurídicos e visando alcançar,em toda a medida possível,a socialização do delinquente; e a culpa como elemento estranho ao fundamento e à substância das finalidades da pena.
7.ª Ou seja, as penas só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção especial, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa -, não natureza retributiva.
8.ª Quanto às finalidades da prevenção geral, a pena é um instrumento destinado a actuar sobre a comunidade, afastando os seus membros da prática de crimes, através da ameaça da sua aplicação, a qual pode ser vista numa vertente negativa ou de intimidação ou numa vertente positiva ou de integração.
9.ª Quanto à prevenção especial, a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre o agente do crime, com o propósito de o afastar da prática de novos crimes e pode ser encarada numa vertente negativa ou de neutralização ou positiva ou de socialização.
10.ª Todas estas finalidades devem coexistir e combinar-se, relevando como ponto de partida as exigências da prevenção geral positiva ou de integração e como ponto de chegada as exigências de prevenção especial,valendo sempre a culpacomo limite inultrapassável da medida concreta da pena, dando-se integral cumprimento aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da subsidiariedade da intervenção jurídico-penal e do favor libertatis.
Assim,
11.ª Neste caso, no que respeita às necessidades de prevenção geral, considera-se que as mesmas são medianas.
12.ª Já no que respeita às necessidades de prevenção especial as mesmas são já significativas.
Pois,
13.ª Apesar de não desintegrado na sociedade, o certo é que a sua conduta delituosa não é meramente ocasional e até agora não interiorizou osignificado da condenação e a pretensão de o dissuadir da prática de novos crimes. Pelo que, é necessária a consciencialização para o desvalor da sua conduta e da dissuasão para a prática de crimes.
Logo,
14.ª A pena que se revela necessária, adequada e proporcionada aos objectivos pretendidos pode, efectivamente, em nosso entender, ser a de prisão.
Pois,
15.ª É certo que agiu em contrariedade às regras legais que lhe eram impostas, sendo que lhe era exigível uma conduta diferente, pois tinha consciência e vontade
de realização dos factos, sabendo que os mesmos eram proibidos por lei. Poderia e deveria ter agido de outra forma, sendo a sua conduta censurável.
No entanto,
16.ª As penas de substituição são aquelas que podem substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas,sendo aplicadas e executadas em sua vez.
Assim,
17.ª O Tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição.
No caso em apreço,
18.ª Atendendo à medida da pena aplicada, inferior a 2 anos de prisão, apresentam-se diversas possibilidades ao julgador, nomeadamente a de suspender a sua execução (artigo 50.º do CP) ou determinar o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação (artigo 43.º do CP).
Logo,
19.ª Cabe ponderar a suspensão da execução da pena, medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a 5 anos, como aqui sucede.
Pois,
20.ª O arguido tem 30 anos, nasceu a ../../1994, encontra-se a trabalhar em Espanha desde há algum tempo, com contratos de trabalho a termo certo, o que reflete que está inserido quer social quer profissionalmente.
21.ª Desloca-se todos os dias da sua residência sita em Estrada ..., ... em Borba para o seu local de trabalho em Badajoz, regressando ao fim do dia para a sua residência.
Assim,
22.ª Dando por reproduzidas todas as circunstâncias que supra se referiram, entende-se que as mesmas permitem a suspensão da execução da pena de prisão.
Pois,
23.ª Perante esta factualidade há, ainda, uma esperança que seja fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda.
24.ª O recorrente colocou, efectivamente, sucessivamente em crise o bem jurídico tutelado pelaincriminação. Porém,atendendo ao momento em quecometeos factos, deverá beneficiar de nova oportunidade porquanto já está reorientado para a conformidade jurídica. A visão da vida que o recorrente tem hoje e a conduta do mesmo, mormente, a nível profissional, permitem um juízo de que as finalidades reintegradoras, consentem, ainda que minimamente, uma nova suspensão. Sendo que, é, ainda, possível e fundada a esperança do seu afastamento do da prática de novos crimes.
25.ª Por tudo, é possível concluir que, em função da personalidade, das condições de vida, da conduta posterior ao cometimento do crime e das circunstâncias destes, o não cumprimento efectivo da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e é, ainda razoável, formular um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E
26.º Consequentemente, julga-se adequada a suspensão da execução da pena.
No entanto, e caso assim não se entenda:
27.ª Existe, ainda, a possibilidade de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.
28.ª Sendo que, na análise da realização adequada e suficiente das finalidades da execução da pena, tem-se em conta que «com o regime de permanência na habitação pretende evitar-se, o mais possível, os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Janeiro de 2019, proc. 310/15.2SILSB5).
E,
29.ª Perante isso, tendo em conta os efeitos associados negativos ao cumprimento de pena de prisão em estabelecimento prisional (a ponderar como última ratio), sobretudo as de curta duração, como é a presente, mas também os princípios humanistas e ressocializantes associados às penas, a execução da pena em regime de permanência na habitação mostra-se, em nossa modesta opinião, consentânea com as finalidades da condenação.
30.ª Este regime depende do consentimento do arguido, o qual é agora aqui prestado.
31.ª Por todo o exposto, cremos que, no caso em apreço, é adequada a substituição da pena aplicada por regime de permanência na habitação, a qual deverá ser executada na sua habitação, caso não se decida pela suspensão da pena.
32.ª Ao não decidir pela forma descrita na conclusão anterior, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, 43.º e 71.º, todos Código Penal porquanto deveria ter decido pela suspensão da execução da pena ou pelo regime de permanência na habitação.
Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos pretendidos, ou seja, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra, que decida:
- Suspender na sua execução, a pena em que o recorrente AA foi condenado.
Ou, caso assim não se entenda,
- Substituir a supra referida pena por prisão em regime de permanência na habitação, nos termos descritos nas motivações, os quais aqui se dão integralmente por reproduzidos para todos os efeitos legais».

2.3. RECURSO Nº 3 – Inconformado, o arguido BB recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

1. «Decidiu o Tribunal “a quo” julgar a acusação procedente por provada e consequentemente:
a) Condenar os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF pela prática, em coautoria material, na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2, al. e), por referência ao art. 202º als. d) e e) todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão para cada um destes seis arguidos, sendo que as penas de prisão aplicadas aos arguidos AA, BB, CC serão em cumprimento efectivo;
b) Proceder à suspensão das penas de prisão aplicadas às arguidas DD, EE e FF, suspensão essa por igual período (de um ano e sete meses de prisão), sujeitando apenas a suspensão das penas de prisão das arguidas EE e DD, a regime de prova a delinear pela DGRSP, o qual deverá versar, designadamente na interiorização do desvalor da conduta e na inserção laboras destas duas arguidas;
(…)
2. Entende o arguido, ora recorrente, que face à factualidade dada como provada em juízo e ao direito aplicável, a pena aplicada revela-se excessivamente doseada e desproporcional.
3. Ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, entendeu inexistirem diferenças nas actuações de cada um dos arguidos, fixando em 1 ano e sete meses de prisão para cada um dos seis arguidos.
4. Sendo que apesar da inexistência de prova que ateste a eventual medida de comparticipação de cada um dos arguidos, e ao arrepio dos antecedentes de cada um, fixou o Tribunal “a quo”, a mesma medida da pena, embora com pena de substituição para as arguidas melhor identificadas nestes autos, as quais viram as suas penas suspensas na sua execução;
5. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena, nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;
6. Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor, do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena;
7. Actualmente, o Recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime pelo qual vem condenado e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade;
8. Nessa medida e no que concerne à escolha da pena e respectivo quantum aplicado pelo Tribunal a quo, entende o arguido/recorrente ter havido, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;
9. É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, na medida em que a manter-se a decisão recorrida, será tratar de forma desigual aquele que foi o entendimento igualitário nas actuações de todos os arguidos;
10. Isto porque, aplicando às arguidas uma pena suspensa e ao aqui arguido uma pena efectiva, não fazendo a sentença diferença nas actuações de cada um dos arguidos, deverá assim a escolha da pena e respectiva medida da mesma ser comum aos arguidos, pelo que assim se defende a aplicação de uma pena suspensa ao arguido/recorrente, que não deverá ultrapassar 1 ano e assim ser suspensa na sua execução, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.
11. Desta forma, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal.
Face ao exposto, e muito que será suprido por vossas excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e revogar a aliás douta sentença que condenou o recorrente na pena de um ano e sete meses de prisão efectiva, por ser desproporcionada às finalidades da punição e ser aplicada ao recorrente pena não superior a um ano de prisão, suspensa na sua execução, no tempo que V. Ex.ªs acharem ser conveniente».

           3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu aos 3 recursos, opinando que eles não merecem provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

4. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta concluiu assim:
«Em resumo, em nosso parecer, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto no restrito aspeto acima referido, sem relevância para a factualidade global e do direito aplicável, e, no mais, deverá manter-se, na íntegra, a decisão recorrida».

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.
Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Mas também é grave quando o recorrente apresenta fundamentação nas conclusões que não tratou de modo nenhum na motivação.
Estas conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não devem trazer nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões.
Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
RECURSO Nº 1
· Há algum vício do artigo 410º, nº 2 do CPP?
· Há erro de julgamento quanto à intervenção da arguida no teatro dos acontecimentos?
· Há violação do princípio constitucional do «in dubio por reo»?
· Subsidiariamente, a pena aplicada é excessiva, devendo ser aplicada uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do Código Penal, doravante CP)?
RECURSO Nº 2
· A pena aplicada é excessiva, devendo antes ter sido suspensa na sua execução ou, subsidiariamente, aplicada em regime de permanência na habitação?
RECURSO Nº 3
· A pena aplicada é excessiva, devendo antes ser aplicada uma pena de prisão não superior a um ano, suspensa na sua execução?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição da parte relevante para nossa decisão):

1. «Durante a madrugada do dia 18 de novembro de 2022, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF decidiram introduzir-se na residência situada na Rua ..., ..., ..., da propriedade de GG, para se apropriarem de bens de valor que aí conseguissem encontrar;
2. Nessa sequência, entre as 00H00 e as 04H18 do dia 18 de novembro de 2022 todos os arguidos, em execução do referido plano previamente traçado e em conjugação de vontades e esforços, dirigiram-se para a morada indicada em 1, fazendo-se transportar nos veículos de matrícula ..-..-LL, marca Hyundai, e ..-..-VQ, marca Opel, que estacionaram mesmo em frente à residência em apreço, em plena via pública;
3. Já junto ao imóvel situado na Rua ..., ..., ..., da propriedade de GG, os arguidos, munidos de alicates, forçaram a porta que veda o perímetro do logradouro da propriedade, constituída por um painel de rede, arrebentando-o, conseguindo, assim, entrar nesse logradouro;
4. Já nesse logradouro, munidos de uma chave de fendas, os arguidos partiram a janela da cozinha e introduziram-se na residência através dessa abertura;
5. Do interior da residência de GG os arguidos retiraram de dentro da casa em apreço os seguintes bens, de valor não apurado, mas certamente superior a € 102,00 (cento e dois euros):
·  Uma máquina de lavar loiça de marca Teka;
· Um televisor LCD, marca Samsung, modelo LE32B350F1W;
· Um televisor LCD marca LG, modelo HAH-6000AB 1ª;
· Uma placa vitrocerâmica de marca Teka;
· Um frigorífico de marca Teka, modelo TS32370;
· Um micro-ondas, marca Teka;
· Um forno de marca Teka, modelo HE-635; 
6. Nesse contexto, estando ainda a proceder ao transporte desses objectos para os veículos referidos em 2 e estando esses mesmos veículos com as portas das respetivas bagageiras ainda abertas, os seis arguidos foram surpreendidos pela presença de militares da GNR que ali se encontravam a fazer serviço de patrulha;
7. Aquando da chegada desses militares da GNR, os seis arguidos tinham já transportado para os veículos indicados em 2, o frigorífico, o forno e a máquina de lavar referida em 5);
8. E estavam os arguidos CC, BB e AA a proceder ao transporte dos demais bens supra referidos em 5) para esses mesmos veículos, tendo-os deixado cair no dito logradouro logo que se aperceberam da presença da polícia naquele local;
9. Nessa ocasião referida em 6, as arguidas EE, FF e DD estavam juntos dos aludidos veículos, mesmo ao lado dos mesmos, onde as ditas bagageiras estavam abertas;
10. Todos os referidos bens foram, assim, recuperados nesse mesmo dia, cerca das 04H18, e entregues à ofendida no dia 06-12-2022;
11. Todos os arguidos agiram de forma livre, deliberada, voluntária e conscientemente, em comunhão de intentos e esforços, no propósito concretizado de se apoderarem dos bens indicados em 5, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem o conhecimento e contra a vontade da proprietária, o que representaram e quiseram.
12. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
Mais se provou que:
13. À data dos factos descrito em 1 a 9, os arguidos DD, BB, CC e EE residiam no ...;
14. E a essa data, à semelhança do que sucede na actualidade, a ofendida encontra-se a residir em França;
15. A arguida DD mantém, há cerca de vinte anos, uma relação marital com o coarguido BB há cerca de vinte anos, tendo contraído matrimónio segundo ritual cigano, quando ambos eram menores de idade, sendo este seu relacionamento por ambos descrito como próximo e afetuoso, apesar de terem sido mencionados à DGRSP momentos de instabilidade, incluindo uma separação de cerca de três semanas;
16. Os arguidos DD e BB encontram-se a residir actualmente, desde há cerca três meses, em ..., vindos do ..., onde viveram nove anos;
17. Em sede de entrevista na DGRSP, a arguida DD justificou tal mudança de residência com o objetivo de se afastarem de situações e companhias problemáticas, e que aqui contam com o apoio da mãe do companheiro;
18. Os arguidos DD e BB têm quatro filhos em comum, com 19, 16, 14 e 8 anos de idade, sendo que o filho mais velho (AA) encontra-se actualmente encontra-se a viver no ..., onde integra o agregado de um tio paterno;
(…)
35. À data dos factos supra descritos, o arguido CC, estando a beneficiar de liberdade condicional há cerca de um ano, integrava-se o agregado constituído pela companheira (coarguida EE) e pelos quatro filhos do casal, com idades actuais compreendidas entre os 17 e os 8 anos;
36. E ambos encontravam-se formalmente desempregados, desempenhando, a essa data, o arguido CC actividades laborais esporádicas como vendedor ambulante e comerciante de automóveis;
37. Ante essa instabilidade dos rendimentos, a essa data o agregado era apoiado no âmbito do programa “Rendimento Social de Inserção”, auferindo a esse título e de abono dos menores a quantia aproximada de 1.000,00 € mensais, que salvaguardava as necessidades básicas da família;
38. O arguido CC e EE estabeleceram relação marital com cerca de 16 anos de idade;
(…)
51. A companheira, aqui coarguida EE, referiu auferir presentemente um montante global de cerca de 1.400,00 € mensais, resultante dos mesmos apoios sociais acima indicados;
(…)
69. A arguida EE reside actualmente em casa arrendada com os quatro filhos (de 17, 13, 12 e 7 anos de idade) que tem em comum com o coarguido CC;
70. A arguida EE paga € 250,00 de renda de casa;
71. A arguida EE estudou até ao 4º ano de escolaridade;
72. E actualmente encontra-se inscrita numa formação profissional do IEFP, a iniciar em breve, com equivalência para o 2º ciclo (6º ano de escolaridade);
73. A arguida EE nunca exerceu qualquer profissão;
74. A arguida EE recebe um valor global de € 1411,00, resultante do RIS e abonos referentes aos filhos;
75. Actualmente, a arguida EE não se encontra integrada em nenhuma actividade estruturada, utilizando o seu tempo nas tarefas domésticas da casa e no apoio aos filhos;
76. Em termos comunitários, a arguida EE apresenta uma imagem social positiva, sendo descrita como uma pessoa com comportamentos normativos de acordo com as suas referências culturais e integrada, não lhe sendo associadas problemáticas ou conflitos;
77. Em sede de entrevista na DGRSP, a arguida EE revelou alguma preocupação e ansiedade em relação ao presente processo, no entanto, apresenta uma postura de negação face aos factos que lhe são imputados;
78. Os arguidos AA e FF faltaram injustificadamente às entrevistas que lhes foram agendadas pela DGRSP, com vista à elaboração de relatório social, mantendo-se incontactáveis;
79. Ao arguido AA não lhe são conhecidos quaisquer bens e/ou rendimentos;
80. A arguida FF é dona dos veículos de matrículas ..-..-CT, ..-..-AU, ..-..-SI, ..-..-LR e ..-..-PB;
(…)
82. O arguido BB apresenta os seguintes antecedentes criminais registados:
a. no âmbito do processo sumário nº 72/09...., que correu termos no então ... Juízo do Tribunal Judicial de Elvas, por sentença datada de 19/06/2009, transitada em julgado a 20/07/2009, o arguido foi condenado pela prática, a 28/06/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3º do DL nº 2/98 de 02/01, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. Esta pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão datada de 17/10/2011;
b. no âmbito do processo abreviado nº 15/12...., que correu termos na então secção única do Tribunal Judicial de Fronteira, por sentença datada de 18/06/2012, transitada em julgado a 24/07/2012, o arguido foi condenado pela prática, a 30/03/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3º do DL nº 2/98 de 02/01, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. Esta pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão datada de 28/01/2013;
c. No âmbito do processo sumaríssimo nº 71/23...., que correu termos no então ... Juízo do Tribunal Judicial de Elvas, por sentença datada de 21/02/2014, transitada em julgado nessa mesma data, o arguido foi condenado pela prática, em 30/05/2013, de um crime de furto simples, p.p. pelo artigo 203º nº 1 do C.Penal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €5,00. Esta pena foi declarada extinta, por prescrição, por decisão datada de 24/05/2018;
d. No âmbito do proc. comum colectivo nº 240/15...., que correu termos no J.C.Criminal de Santarém (Juiz 1), por Acórdão datado de 03/04/2017, transitada em julgado a 30/01/2019, o arguido foi condenado pela prática, em 20/05/2015, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º nº 1 e 204º nº 2, al. e), por referência ao art. 202º, als. d) e e), todos do C.Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva. No âmbito deste processo, por decisão datada de 26/10/2023, foi declarado perdoado um ano de prisão ao arguido, por aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 02/08. Por decisão datada de 27/04/2022 foi concedida liberdade condicional ao arguido, até 17/06/2023;
e. No âmbito do proc. comum singular nº 328/12...., que correu termos no J.L.Criminal de Elvas, por sentença datada de 02/02/2023, transitada em julgado 06/10/2023, o arguido foi condenado pela prática, em 02/02/2013, de um crime de furto simples, p.p. pelo artigo 203º nº 1 do C.Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
f. No âmbito do proc. comum colectivo nº 164/16...., que correu termos no J.C.Criminal de Santarém (Juiz ...), por Acórdão datado de 18/12/2017, transitado em julgado a 30/01/2018, o arguido foi condenado pela prática, em 06/03/2016, de um crime de roubo a residência, p.p. pelo artigo 210º nº 1 do C.Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova. Esta pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão datada de 10/12/2020;
g. No âmbito do proc. comum singular nº 137/13...., que correu termos no J.C.Genérica do Redondo, por sentença datada de 03/11/2014, transitada em julgado a 03/12/2014, o arguido foi condenado pela prática, a 10/12/2013, de um crime de consumo de estupefacientes, p.p. pelo art. 40º nº 2 do DL 15/93 de 22/01, e de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86º nº 1, al. c) do RJAM, na pena única de 360 dias de multa, à taxa de € 6,00. Esta pena, após ter sido convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade, foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão datada de 20/02/2017;
h. No âmbito do processo sumário nº 515/14...., que correu termos no J.L.Criminal de Elvas, por sentença datada de 18/12/2014, transitada em julgado a 30/01/2015, o arguido foi condenado pela prática, a 18/12/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 02/01, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade. Esta pena de substituição foi revogada e determinado o cumprimento da pena prisão, pelo que, por decisão datada de 19/11/2020, após ter sido perdoado o cumprimento do remanescente da prisão em apreço, sob condição resolutiva, foi concedida liberdade definitiva ao arguido, com efeitos reportados a 11/04/2020;
i. No âmbito do processo comum singular nº 430/22...., que correu termos J.C.Genérica do Entroncamento (Juiz 1), por sentença datada de 14/11/2023, transitada em julgado a 14/12/2023, o arguido foi condenado pela prática, a 22/09/2022, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 02/01, na pena 12 meses de prisão, substituída por 360 horas de trabalho a favor da comunidade;
j. No âmbito do processo comum singular nº 13/23...., que correu termos J.C.Genérica do Entroncamento (Juiz ...), por sentença datada de 10/01/2024, transitada em julgado a 09/02/2024, o arguido foi condenado pela prática, a 08/01/2023, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 02/01, na pena 14 meses de prisão, substituída por 420 horas de trabalho a favor da comunidade. No âmbito destes autos, por decisão datada de 29/04/2024, transitada em julgado a 29/05/2024, procedeu-se ao cúmulo da pena aqui aplicada com a pena do proc. referido na anterior alínea - i) -, tendo sido o arguido condenado numa pena única de 18 meses de prisão, substituída por 460 horas de trabalho a favor da comunidade;
84. O arguido AA apresenta os seguintes antecedentes criminais registados:
i. [1]No âmbito do processo comum singular nº 107/11...., que correu termos então ... Juízo do Tribunal Judicial de Elvas, por sentença datada de 18/04/2013, transitada em julgado a 2/05/2013, o arguido foi condenado pela prática, a 13/09/2011, de um crime de futo simples, p.p. pelo art. 203º nº 1 do C.Penal, na pena 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. Esta pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão datada de 22/01/2014;
ii. No âmbito do processo comum singular nº 46/13...., que correu termos J.C.Genérica de Vila Viçosa, por sentença datada de 10/12/2014, transitada em julgado a 22/01/2015, o arguido foi condenado pela prática, a 21/07/2013, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º ambos do C.Penal, na pena 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova. Esta pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, por decisão datada de 07/10/2016;
iii. No âmbito do processo comum singular nº 44/14...., que correu termos J.L.Criminal de Portalegre, por sentença datada de 29/05/2015, transitada em julgado a 07/09/2015, o arguido foi condenado pela prática, a 17/07/2014, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nºs, 1, al. a) e 2, al. e) todos do C.Penal, na pena 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a deveres (pagamento de quantia a ofendida);
iv. No âmbito do processo sumário nº 383/16...., que correu termos J.C.Genérica do Entroncamento (Juiz 1), por sentença datada de 29/06/2016, transitada em julgado a 14/09/2016, o arguido foi condenado pela prática, a 01/06/2016, de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art. 86º nº 1, al. c) da Lei nº 5/2006 de 23/02, na pena 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova. Por decisão datada de 03/03/2018, transitada em julgado a 23/04/2018, o Tribunal determinou a revogação da aludida suspensão da pena e, em consequência, o cumprimento pelo arguido da pena principal de 1 ano e 10 meses de prisão efectiva;
v. No âmbito do processo comum colectivo nº 240/15...., que correu termos J.C.Criminal de Santarém (Juiz 1), por Acórdão datado de 03/04/2017, transitado em julgado a 30/01/2019, o arguido foi condenado pela prática, a 20/05/2015, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 2, al. e), por referência ao art. 202º als. d) e e) todos do C.Penal, na pena 3 anos e 10 meses de prisão efectiva. No âmbito destes autos, por Acórdão datado de 16/09/2019, transitado em julgado a 16/10/2019, procedeu-se ao cúmulo da pena aqui aplicada com as penas dos procs. referidos nas anteriores alíneas iii) e iv, tendo sido o arguido condenado numa pena única de 5 anos de prisão efectiva. Após ter sido declarado o perdão de parte dessa pena, por decisão datada de 27/05/2021 foi concedida liberdade definitiva ao arguido com efeitos a essa data;
vi. No âmbito do processo nº ...18, que correu termos em Tribunal espanhol, por sentença datada de 16/09/2021, transitada em julgado a 16/09/2021, o arguido foi condenado pela prática, a 27/02/2014, de um crime de furto com violência ou arma, ou ameaça ou uso de arma contra outrem (robo con violência o intimidación), p.p. pelo art. 242.1 do C.Penal espanhol, na pena 2 anos de prisão;
vii. No âmbito do processo sumário nº 118/22...., que correu termos J.C.Genérica de Fronteira, por sentença datada de 14/12/2022, transitada em julgado a 27/01/2023, o arguido foi condenado pela prática, a 29/11/2022, de um crime de furto simples, p.p. pelo art. 203º nº 1 do C.Penal, na pena 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova, designadamente incidindo sobre a inserção laboral do arguido;
viii. No âmbito do processo comum colectivo nº 4/17...., que correu termos J.C.Criminal de Leiria (juiz 1), por Acórdão datado de 04/12/2023, transitado em julgado a 17/01/2024, o arguido foi condenado pela prática, em Janeiro de 2017, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nºs 1, al. a) e 2, al. e) ambos do C.Penal, e um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art. 86º nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006 de 23/02, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com sujeição a regime de prova;
86. A arguida EE foi condenada no âmbito do processo sumaríssimo nº 2280/21...., que correu termos no J.L.P.Criminalidade de Lisboa (Juiz ...), por sentença datada de 23/02/2022, transitada em julgado a 22/04/2022, pela prática, em 12/12/2021, de um crime de furto simples, p.p. pelo art. 203º do C.Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa de € 5,00».

2.2. Como FACTOS NÃO PROVADOS elencou os seguintes:
a. «Na ocasião descrita em 2, os arguidos retiraram ainda do interior da aludida residência uma garrafa de Whisky de marca Grant´s de 12 anos e uma garrafa de Ricard com 70 cl;
b. Os bens descritos em a. tinham um valor não concretamente apurado, mas superior a €102,00».

2.3. Motivou-se a matéria dada como provada e não provada da seguinte forma (transcrição):

«A convicção do Tribunal quanto aos factos provados formou-se atendendo à prova carreada para os presentes autos e produzida em sede de audiência de julgamento, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127º do CPP.       
A medida do valor da prova prestada por depoimento, como é o caso das declarações dos arguidos/recorrentes e das informações prestadas por testemunhas mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores:
1. Seriedade (boa motivação da testemunha para depor).
2. Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior).
3. Razão de Ciência – fonte de conhecimento dos factos.
4. Coerência Lógica:
a) Interna (depoimento confrontado consigo mesmo).
b) Externa (depoimento confrontado com os demais).
           É no âmbito da coerência lógica que podem e devem ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes).
           Se a lógica pura e simples não der a resposta completa (por exemplo, um facto pode ser possível, mas de difícil verificação), aí entra a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras de experiência (artigo 127º do Código Penal).
           Refira-se, ainda, que o depoimento prestado pelo arguido/recorrente, à semelhança do que sucede no processo penal, deve ser também valorado à luz dos factores de credibilidade com que se julga a prova testemunhal, embora tendo em conta as especificidades decorrentes do seu estatuto. O arguido/recorrente é também aqui, como se sabe, a “testemunha” principal do processo, pois que ele mais que outra pessoa está em posição para relatar – ou não – os factos de que vem acusado. Porém o arguido/recorrente tem um estatuto processual especial no nosso direito, não sendo obrigado a prestar declarações nem sequer a falar verdade.
É com base nestes pressupostos que se irá avaliar as versões em oposição nos autos.
Ora, cumpre desde logo referir, por um lado, que os arguidos AA e FF faltaram, sempre, injustificadamente à audiência de discussão e julgamento, e, por outro lado, que os restantes arguidos (CC, BB, DD e EE), tendo estado presentes pelo menos na primeira sessão de julgamento, não quiseram prestar declarações, no exercício legítimo ao seu direito ao silêncio.
Assim, tendo tais arguidos se remetido ao silêncio e, evidentemente, como consabido, não podendo o seu silêncio desfavorecê-los, a verdade é que, perante a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, dúvidas inexistiram para o Tribunal quanto à prova dos factos descritos na acusação e ora dados como provados nos pontos 1 a 12.
Vejamos.
Em primeiro lugar, haverá que referir que todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento depuseram de forma absolutamente espontânea, coerente e objectiva, tendo, por isso, estes depoimentos merecido total credibilidade do Tribunal.
Em segundo lugar, cumpre igualmente salientar que dos depoimentos prestados pelas testemunhas II e HH (ambos militares da GNR) resultou de forma inequívoca que parte dos factos foram por ambos percepcionados, pelo que os arguidos, como se explanará de seguida, foram apanhados em quase flagrante delito.
Eefctivamente, veja-se que estas duas testemunhas, corroborando a prova documental junta aos autos (auto de notícia de fls. 62 a 64, auto de apreensão de fls. 65 a 68, relatório fotográfico de fls. 69 a 77 e termo de entrega de fls. 131 a 133) confirmaram não só as circunstâncias espácio-temporais em que estes factos ocorreram, mas também que, estando ambos, naquela madrugada, a fazer policiamento na zona em apreço, avistaram dois veículos estacionados em frente da uma moradia, plena via, obstruindo, em parte, a passagem, com as bagageiras abertas, e que, tendo-se aproximado do local, avistaram as arguidas junto desses veículos e os arguidos a transportar electrodomésticos de dentro daquela casa para aqueles veículos e que, logo que avistaram estas testemunhas, largaram esses objectos no quintal dessa casa, tal como se percepciona do relatório fotográfico junto aos autos a fls. 69 a 77.
Mais confirmaram estas duas testemunhas, por um lado, que dentro de um desses veículos (marca Hyundai) estavam já guardados um frigorífico, um forno e uma máquina de lavar loiça, estando o outro veículo (marca Opel) de mala aberta mas ainda vazio, sendo aí que estavam as arguidas e, por outro lado, a forma como os arguidos se introduziram naquela casa, nos exactos termos ora dados como provados.
Relevante ainda a circunstância de estas duas testemunhas terem confirmado também, por um lado, que, estando os três arguidos a proceder, naquele exacto momento ao transporte de outros electrodomésticos de dentro daquela casa para os veículos estacionados ali à porta, as três arguidas, estando junto a esses mesmo veículos para onde estavam a ser levados tais electrodomésticos da ofendida, ficaram com a percepção, inequívoca, que as mesmas estariam a fazer vigia, naquela entrada da casa, e, por outro, que, tendo procedido à detenção dos seis arguidos, os veículos ali estacionados pelos mesmos, foram dali retirados, estando em perfeito funcionamento.
Finalmente, o Tribunal teve ainda em consideração o depoimento prestado pela ofendida, a testemunha GG, que, além de ter confirmado ser a dona do imóvel em causa, explicou que, estando emigrada em França, esta é a sua casa, que os electrodomésticos em apreço são seus e foram os que dali foram retirados, apreendidos e que depois lhe foram restituídos e que mais tarde, quando veio a Portugal, viu estarem novamente colocados em sua casa, apresentado cada um valor superior a € 102,00, bem como explicou como teve conhecimento do furto a esta sua casa.   
Assim para prova dos factos dados como provados nos pontos 1 a 12 e 14, o Tribunal alicerçou a sua convicção na conjugação entre a prova documental junta aos autos, concretamente auto de notícia de fls. 62 a 67, auto de apreensão de fls. 65 a 68, relatório fotográfico de fls. 69 a 77 e termo de entrega de fls. 131 a 133 com os depoimentos das três aludidas testemunhas, nos exactos termos supra explanados.
De facto, no que respeita à prova da imputação do furto em apreço aos seis arguidos, à forma como os mesmos se introduziram naquela habitação e, assim, à intervenção dos seis arguidos nos factos ora dados como provados, a convicção do Tribunal resulta da conjugação entre os depoimentos das aludidas testemunhas II a HH com as regras da experiência comum e da lógica, não se podendo aqui olvidar, igualmente, como certo, porque resulta igualmente provado, que, naquela data, os arguidos DD, CC, EE e BB residiam no ..., cidade que dista a cerca de 75 km da localidade onde ocorreram os factos em apreço. Ou seja, não tendo os mesmos prestado declarações, desconhecendo-se, por isso, a sua eventual versão dos factos, conclui-se que os mesmos nenhuma ligação tinham a esta cidade ... e, assim, concretamente à localidade em apreço.
Assim, muito embora não se tenha apurado a residência dos arguidos AA e FF àquela data, tendo-se como certo que aqueles outros quatro arguidos não residiam naquela localidade, estando os todos, nessa ocasião, por um lado, ali presentes e a proceder à retirada em plena madrugada (entre 0.00 horas e as 4.18 horas) daquela dia 18/11/2022, e estando os veículos onde se fizeram transportar estacionados à frente de uma moradia, cuja proprietária reside no estrangeiro, tendo já retirado, repita-se em plena madrugada, para aqueles veículos, três electrodomésticos, e, por outro lado, perante a presença de agentes policiais, os arguido AA, BB e CC largado de imediato os outros bens que já tinha retirado do interior da casa da mesma, estando, em pleno acto de transporte dos mesmos para aqueles seus veículos, deixando-os caídos no logradouro dessa residência, inexistem quaisquer dúvidas para o Tribunal, até por recurso às regras da experiência comum e da lógica, que perante tais comportamentos e forma de actuação, que todos os seis arguidos, de acordo com um plano previamente gizados entre todos e em comunhão e esforços e intentos, se deslocaram àquela residência, naquelas circunstâncias de tempo, com o intuito de ali se introduzirem e dali retirarem, como o fizeram, e, consequentemente, se apropriarem dos bens ali existentes, sem conhecimento e contra a vontade da ofendida, sua proprietária, só não logrando a posse definitiva e pacífica porque foram surpreendidos pelas entidades policiais que ali se deslocaram.
Aliás, neste âmbito, sempre cumprirá referir que, no que concerne especificamente às três arguidas, não tendo as mesmas querido prestar declarações, desconhecendo-se, por isso qual a sua versão dos factos, designadamente o porquê de se encontrarem ali presentes àquela hora e num local onde nem sequer residiam, a verdade é que, à luz das regras da experiência comum e da lógica, o Tribunal conclui, com a segurança devida e exigida, que estando as mesmas, aquando da chegada dos militares da GNR, àquela hora/madrugada, junto de uma casa onde a proprietária não se encontrava a residir e junto dos veículos para onde tinham já sido transportados alguns dos bens retirados da casa da ofendida, estando para ali a ser transportados os demais bens, encontrando-se, por isso, a assistir a esse transporte que estava a ser efectuados pelos arguidos CC, AA e BB, necessariamente as mesmas actuaram da forma descrita nos pontos 2 e seguintes, designadamente em execução de um plano previamente gizado entre os seis arguidos, em conjugação de esforços e intentos.
A propósito da co-autoria ou comparticipação criminosa e da autoria paralela, Simas-Santos e Leal-Henriques (cfr. Código Penal Anotado, 2002, I vol. pág. 339), ensinam que, quanto à primeira "são, assim, dois os requisitos, o acordo com outro ou outros: esse acordo «tanto pode ser expresso como tácito; mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos, uma consciência da colaboração (...), a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral» (BMJ 1444-43); participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros: um exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da «execução» (v.g., a conduta do motorista do veículo onde se deslocam os assaltantes do banco). Há ainda, pois, co-autoria quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.
Assim, veja-se que para que se conclua pela existência de uma situação de co-autoria não é necessário que todos os agentes tenham tido intervenção na elaboração do aludido plano, necessário se torna apenas que os mesmos actuem, conjugadamente e em comunhão de esforços, no sentido de alcançar o objectivo criminoso, tal como se entende que sucedeu no presente caso. A co-autoria exige, pois, a verificação do elemento subjectivo (uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado criminoso) e do elemento objectivo (uma execução igualmente conjunta, não sendo, porém, indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar). Pode dizer-se, com o STJ (Ac. de 89-10-78, BMJ 390-142) que a essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas".
Entende-se que, no presente caso e face ao supra exposto, ser de dar como provado que os seis arguidos actuaram em conjugação de esforços e intentos, de acordo com um plano previamente gizado, nos exactos termos ora dados como provados nos pontos 1, 2, 11 e 12.
Efectivamente, quanto aos factos que integram o dolo, como se refere no Acódão do T.R.P. de 23.02.93 - in B.M.J. 324/620 - “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”, razão pela qual a sua prova resulta da conjugação da mencionada prova testemunhal e documental, e de acordo com a convicção formada por este Tribunal nos termos supra explanados.
Quanto às condições sócio-económicas e familiares dos seis arguidos, valoraram-se, quanto aos arguidos AA e FF, apenas as pesquisas às bases de dados efectuadas em sede de audiência de discussão e julgamento, até porque os mesmos faltaram injustificadamente quer às convocatórias da DGRSP, para proceder à elaboração de relatório social ao mesmo, frustrando a sua realização, quer à audiência de discussão e julgamento, e quanto aos demais arguidos às declarações por cada um prestados nessa sede, bem como e ainda principalmente os respectivos relatórios sociais.
A existência de antecedentes criminais resulta naturalmente dos respetivos certificados de registo criminal juntos aos autos.
Os factos dados como não provados resultam da total inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, designadamente porquanto nem a própria ofendida conseguiu assegurar que, nessa ocasião, detinha dentro dessa sua residência tais bebidas alcoólicas».

3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

3.1. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

3.1.1. Vem a arguida EE, no recurso nº 1, impugnar a matéria de facto dada como provada.
Essa recorrente impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, invocando o vício do artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP, mas também cumprindo – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões - o determinado nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada quanto a este RECURSO (no caso, os depoimentos dos dois guardas policiais, HH e II).

3.1.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· o da impugnação ampla, se tiver sido suscitada;
· e dos vícios do nº 2 do art. 410º do CPP.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.
Comecemos pela que primeiro[2] deve ser analisada pois a sua procedência pode levar ao reenvio do processo para a 1ª instância, ao abrigo do artigo 426º do CPP, se este tribunal não tiver condições para decidir a causa.

3.1.3. Na realidade, estabelece o artigo 410º, nº 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
3. Erro notório na apreciação da prova.
           Tais vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do CPP.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
De facto, pressuposto comum à verificação de tais vícios é que os mesmos resultem do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum – nº 2 do artigo 410º do CPP.
Ao determinar-se que tais vícios sejam cognoscíveis com base no texto da decisão, adoptou-se uma solução de recurso-remédio e não de reexame da causa.
Este último, numa tese inicialmente defendida, permitiria uma maior amplitude do recurso, pela também possibilidade de análise da prova registada, mas uma tal solução poria em causa o princípio da imediação com que havia sido apreciada a prova na primeira instância, princípio cujo cumprimento seria de muito difícil alcance pelo tribunal de recurso.
Daí a solução intermédia, chamada de revista alargada.
Tal sindicância não deixa de ser, em bom rigor, uma actividade puramente jurídica, pois basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra.

3.1.4. Quais são os vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP?
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito[3].
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão[4].
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cfr. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo nº 1509/97).
O vício de erro notório ocorre, não só quando um erro é evidente, crasso, escancarado à luz dos olhos do cidadão comum, mas também à luz da análise feita por um tribunal de recurso ou de um jurista minimamente preparado, de molde a considerar-se, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada.
Segundo os Juízes Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, tal erro ocorrerá "quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”.
Consideram os mesmos autores que “existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos. Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro"[5].
Os conceitos podem confundir-se à primeira vista mas têm palco próprio e distinto entre si.
O erro de julgamento, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova ocorrem respectivamente quando:
a)- o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado;
b)- os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz - artº 410º nº 2 a) CPP;
c)- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida (cfr. Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740) ou, como atrás se disse,  quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.

3.1.5. Pergunta-se então:
O arguido invoca o aludido no nº 2, alínea c) – cfr. conclusões nºs 2 e 13.
Há na sentença recorrida algum vício do artigo 410º/2 do CPP?
Oficiosamente, vislumbramos um vício do artigo 410º, nº 2, alínea b).
Por manifesto lapso do Colectivo, a redacção do facto nº 11 não corresponde àquilo que foi dado como provado no julgamento e que resulta claramente dos factos provados nºs 1 a 10 e à explicação dada na fundamentação de Direito (quanto à questão de saber onde está a fronteira entre a tentativa e a consumação do crime em causa) – na realidade, a Mª Juíza convolou a consumação do crime de furto qualificado para o estádio da tentativa, tendo feito a competente comunicação a que alude o artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP, não tendo havido qualquer oposição (inexistindo também qualquer directa impugnação dessa decisão jurídica em sede recursória).
Se assim é, não faz sentido a aposição da palavra «concretizado» (que vinha da acusação pelo crime consumado) no texto do facto nº 11, a qual deverá ser substituída pela expressão «não concretizado», como é bem de ver.
Como tal, existe, de facto, uma contradição entre o facto nº 11 e os restantes, devendo ser este o teor do facto nº 11:
«11. Todos os arguidos agiram de forma livre, deliberada, voluntária e consciente, em comunhão de intentos e esforços, no propósito não concretizado de se apoderarem dos bens indicados em 5, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agiam sem o conhecimento e contra a vontade da proprietária, o que representaram e quiseram».
Sendo um vício da matéria de facto, pode esta Relação suprir facilmente o mesmo, sem recurso à figura do reenvio, como é bem de ver [cfr. artigo 431º, alínea a) do CPP].
É o que se fará no Dispositivo deste aresto.

*
E que dizer do vício do nº 2, alínea c)?
Não o vemos em lado algum do sentenciado.
Aquilo que a defesa chama erro notório na apreciação da prova, deve ler-se «erro de julgamento», a resolver de seguida, pois a estrutura interna do acórdão é irrepreensível, não havendo incongruências, contradições ou imprecisões, para além da contradição acima resolvida.
Improcedem, assim, as alegações de vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP, assente que, a nível interno, a decisão é escorreita e lógica, sem prejuízo da correcção oficiosa feita por este tribunal, ao abrigo do artigo 431º, alínea a) do CPP.

3.1.6. Vejamos agora se existiu algum erro de julgamento.
Este erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 do CPP - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua o Juiz Desembargador Jorge Gonçalves nos seus acórdãos, quer em Coimbra, quer em Lisboa, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412º, nº 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.1.7. Falemos de PROVA e de CONVICÇÃO.
O artigo 127º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
– os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
– A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
– Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
– A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
– Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto;
– De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária[6] ou indirecta;
– Como é evidente, e socorrendo-me das palavras sábias do STJ – [cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção], «tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos».
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência e, sobretudo, pela dimensão ética do acto de julgar.
Convém nesse jaez lembrar o que exemplarmente escreve Hermengarda do Valle-Frias, no artigo «A motivação ética da decisão judiciária - o (re)encontro entre o direito e a justiça», publicado na Revista do CEJ nº 2016-II:
«A motivação da decisão judicial, sobretudo fundamental no processo penal, firmada sobre os princípios da independência do juiz e livre convicção, constitui a legitimação do judiciário em sentido próprio – o juiz recebe os factos, analisa-os, valora-os de acordo com cada um dos instrumentos de que dispôs (meios de prova) e subsume-os ao direito.
Apreciação da prova e a valoração da prova, no entanto, não se equivalem.
A primeira, implica a actividade intelectual de escrutínio e validação dos pressupostos, conteúdos e resultado combinado dos meios de obtenção de prova; a segunda, implica a actividade intelectual de determinar o valor concreto de cada meio de prova, do conjunto da prova e das suas consequências em termos de convencerem, ou não, sobre a culpabilidade do arguido.
Num sistema de prova assente na livre convicção, a motivação constitui a persuasão racional do julgador no convencimento da culpabilidade, ou não, do arguido ou, quando da prova se extraia a necessidade de aplicar o princípio da presunção de inocência, a argumentação essencial à justificação dessa aplicação.
Para conseguir persuadir os destinatários da justeza da sua decisão, o juiz envolve-se num processo técnico de aplicação de conhecimentos jurídicos, não podendo descartar-se dos sentidos humano e social que resultam da sua própria formação pessoal, da forma como aceita os comportamentos humanos no contexto social em que se integra e na forma como se auto-impõe os limites decorrentes da sua própria condição profissional. Querendo com isto dizer-se que, em última instância, deve procurar superar-se a si mesmo para atingir a máxima perfeição de que é capaz enquanto decide, aí sim, não em seu nome, mas em nome da Sociedade e do bem social que constitui, em última instância, o limite dos seus próprios poderes decisórios.
Este, que não é um circuito fechado em rotação constante sobre si mesmo, tem de ser um percurso com uma dinâmica evolutiva.
O juiz é e deve ser um homem do seu tempo, atento aos humores sociais, culturais, políticos e económicos, porque é neste conjunto que se justifica o fundamento do acto decisório. Aplicando a lei ou criando a norma (com a devida ressalva do direito penal substantivo), o decisor está sempre vinculado ao compromisso ético inerente à sua função.
Decidir, nesta perspectiva, é determinar a forma de resolução de um litígio com vista a atingir a pacificação social, a reposição do tempo do homem no tempo social de que se destacou. Ao condenar no processo penal, a decisão restaura tendencialmente a ordem comportamental que é assegurada pela Lei em cada momento histórico, implicando isto entender a sanção como censura social, mas também como investimento no Futuro.
Por isso, a pena tem também um fundamento ético importante – vincular o infractor às responsabilidades inerentes à quebra dos laços afectivos com o todo social e, ao mesmo tempo, vincular a sociedade à responsabilidade de recuperação do infractor para que volte a integrar-se nela. Ou, melhor, para que não chegue a desintegrar-se dela.
Cabe ao juiz, pois, garantir o equilíbrio entre estes dois interesses. E esse desiderato, consegue-o através de uma motivação tecnicamente adequada, humanamente ponderada e culturalmente aceitável».

3.1.8. Vejamos.
Invoca a recorrente que foi erroneamente dada como provada a sua intervenção activa neste furto tentado.
No fundo, quer alterações ao teor dos factos nºs 1 a 9, entendendo que não foi feita qualquer prova de a arguida recorrente (e as outras arguidas) ter participado nos factos objecto dos autos.
Há duas versões sobre o evento dos autos:
· a da acusação e da sentença recorrida – a arguida EE, bem como a FF e a DD, actuaram de forma concertada com os arguidos masculinos, executando um plano de furto gizado pelos seis, em conjugação de esforços e intentos;
· a da defesa – a EE não interveio neste plano de furto, estando apenas junto das viaturas que estavam estacionadas defronte da casa assaltada.
A arguida não falou em julgamento sobre os factos.
Nenhum deles falou sobre os factos.
Os arguidos AA e FF nem sequer compareceram em julgamento, sempre faltando.
No fundo, temos a palavra dos guardas policiais que depuseram em tribunal e que interceptaram os arguidos naquela noite de Novembro de 2022 (HH e II), assente que a vítima do furto não viu ninguém pois estava emigrada em França na altura do assalto.
A defesa alude aos seus depoimentos para nos fazer crer que não foi feita prova inequívoca da colaboração da EE neste assalto.
Fomos ouvir os extractos dos depoimentos em causa.
É verdade que eles depuseram no sentido de não terem visto abertas as bagageiras dos dois veículos, mas apenas a do Hyundai. (onde estavam já alguns dos bens mencionados no facto nº 7) – e, assim, neste caso, é, de facto, temerária a afirmação aposta na motivação de facto de que o Opel «tinha a mala aberta mas ainda vazia» e a redacção dada aos factos 6, 7 e 9.
De facto, dos meios de prova indicados pelos recorrentes (e dos demais, que se ouviram e consultaram - nomeadamente auto de notícia e foto de fls. 76), resulta que o veículo Opel Astra de matrícula ..-..-VQ, não tinha a porta da bagageira aberta.
E resulta das declarações da testemunha HH, que nas circunstâncias em que a GNR interceptou os arguidos, as três arguidas estavam junto das duas viaturas, entre as mesmas e atrás da viatura onde já estavam a ser guardados electrodomésticos (cfr. acta de 14.10.2024, gravação CITIUS, início após 15h15m, sensivelmente pelos 5m40s/7m20s de gravação).
É também verdade que disseram que estavam as 3 arguidas no exterior do Opel Astra, a outra viatura que estava estacionada junto do Hyundai.
É verdade que atestaram que o Opel Astra não tinha ainda carregado em si qualquer bem oriundo da casa assaltada.
É verdade que nenhum deles referiu ter visto a arguida a entrar à força na casa assaltada (e note-se que nem sequer viram os homens a entrar de forma furtiva, apenas os vindo a sair).
Contudo, estas 4 verdades não afastam a responsabilidade da arguida em todo este esquema.
O guarda HH foi claro em dizer que as arguidas estavam a fazer vigilância, o mesmo opinando o guarda II.
Já aqui se viu que não poderia ter concluído o tribunal que a mala do Opel estava aberta.
E daí que se imponha a alteração dos factos nºs 6, 7 e 9 nos exactos termos propostos pela Exmª PGA desta Relação (o que se fará, a final).
Mas tal inverdade não mexe minimamente com o juízo probatório a que o JLC de Pombal chegou.
Ouçamo-lo (sublinhado nosso):
· «Relevante ainda a circunstância de estas duas testemunhas terem confirmado também, por um lado, que, estando os três arguidos a proceder, naquele exacto momento ao transporte de outros electrodomésticos de dentro daquela casa para os veículos estacionados ali à porta, as três arguidas, estando junto a esses mesmo veículos para onde estavam a ser levados tais electrodomésticos da ofendida, ficaram com a percepção, inequívoca, que as mesmas estariam a fazer vigia, naquela entrada da casa, e, por outro, que, tendo procedido à detenção dos seis arguidos, os veículos ali estacionados pelos mesmos, foram dali retirados, estando em perfeito funcionamento».
· «De facto, no que respeita à prova da imputação do furto em apreço aos seis arguidos, à forma como os mesmos se introduziram naquela habitação e, assim, à intervenção dos seis arguidos nos factos ora dados como provados, a convicção do Tribunal resulta da conjugação entre os depoimentos das aludidas testemunhas II a HH com as regras da experiência comum e da lógica, não se podendo aqui olvidar, igualmente, como certo, porque resulta igualmente provado, que, naquela data, os arguidos DD, CC, EE e BB residiam no ..., cidade que dista a cerca de 75 km da localidade onde ocorreram os factos em apreço. Ou seja, não tendo os mesmos prestado declarações, desconhecendo-se, por isso, a sua eventual versão dos factos, conclui-se que os mesmos nenhuma ligação tinham a esta cidade ... e, assim, concretamente à localidade em apreço».
· «Assim, muito embora não se tenha apurado a residência dos arguidos AA e FF àquela data, tendo-se como certo que aqueles outros quatro arguidos não residiam naquela localidade, estando os todos, nessa ocasião, por um lado, ali presentes e a proceder à retirada em plena madrugada (entre 0.00 horas e as 4.18 horas) daquela dia 18/11/2022, e estando os veículos onde se fizeram transportar estacionados à frente de uma moradia, cuja proprietária reside no estrangeiro, tendo já retirado, repita-se em plena madrugada, para aqueles veículos, três electrodomésticos, e, por outro lado, perante a presença de agentes policiais, os arguido AA, BB e CC largado de imediato os outros bens que já tinha retirado do interior da casa da mesma, estando, em pleno acto de transporte dos mesmos para aqueles seus veículos, deixando-os caídos no logradouro dessa residência, inexistem quaisquer dúvidas para o Tribunal, até por recurso às regras da experiência comum e da lógica, que perante tais comportamentos e forma de actuação, que todos os seis arguidos, de acordo com um plano previamente gizados entre todos e em comunhão e esforços e intentos, se deslocaram àquela residência, naquelas circunstâncias de tempo, com o intuito de ali se introduzirem e dali retirarem, como o fizeram, e, consequentemente, se apropriarem dos bens ali existentes, sem conhecimento e contra a vontade da ofendida, sua proprietária, só não logrando a posse definitiva e pacífica porque foram surpreendidos pelas entidades policiais que ali se deslocaram».
· «Aliás, neste âmbito, sempre cumprirá referir que, no que concerne especificamente às três arguidas, não tendo as mesmas querido prestar declarações, desconhecendo-se, por isso qual a sua versão dos factos, designadamente o porquê de se encontrarem ali presentes àquela hora e num local onde nem sequer residiam, a verdade é que, à luz das regras da experiência comum e da lógica, o Tribunal conclui, com a segurança devida e exigida, que estando as mesmas, aquando da chegada dos militares da GNR, àquela hora/madrugada, junto de uma casa onde a proprietária não se encontrava a residir e junto dos veículos para onde tinham já sido transportados alguns dos bens retirados da casa da ofendida, estando para ali a ser transportados os demais bens, encontrando-se, por isso, a assistir a esse transporte que estava a ser efectuados pelos arguidos CC, AA e BB, necessariamente as mesmas actuaram da forma descrita nos pontos 2 e seguintes, designadamente em execução de um plano previamente gizado entre os seis arguidos, em conjugação de esforços e intentos».
· «Entende-se que, no presente caso e face ao supra exposto, ser de dar como provado que os seis arguidos actuaram em conjugação de esforços e intentos, de acordo com um plano previamente gizado, nos exactos termos ora dados como provados nos pontos 1, 2, 11 e 12».

Estamos completamente de acordo com este raciocínio, pois pensar o contrário (que a EE estava ali, completamente alheia à ilicitude que então acontecia à sua frente, numa terra que não era a sua) é contra as regras da experiência comum e viola fragrantemente as regras do normal acontecer da vida.
Não conseguiu a defesa convencer este tribunal, com base em provas que tenha apresentado [cfr. artigo 412º, nº 3, alínea b) do CPP], que a arguida recorrente é completamente alheia a este esquema furtivo.
 Por isso, não conseguiu tal defesa carrear para este recurso suficiente factualidade capaz de nos fazer duvidar do juízo de culpabilidade encontrado na 1ª instância, apelando nós também à chamada «prova indirecta» que tanto vai fazendo pela missão judiciária de descortinar a verdadeira verdade material da história vivida e trazida aos foros.
Essa prova indirecta está sujeita à livre apreciação do tribunal, exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis.
Doutrinou o Acórdão desta Relação de 25/11/2009 o seguinte:
«Nos casos de prova indirecta o que está em causa é «o tribunal inferir racionalmente a prova dos factos a partir da prova indirecta ou indiciária desde que seja seguido um processo dedutivo baseado na lógica e nas regras de experiência comum (recto critério humano e correcto raciocínio) – cf. Ac. R. Coimbra de 2008, proc. 495/002.
A prova indirecta, sendo um meio de prova absolutamente legítimo, pode ser livremente utilizada e valorada pelo Tribunal, em todas as circunstâncias que entender como útil à sua utilização, assumindo relevância específica em circunstâncias de défice da prova directa, seja por virtude de inexistência, seja pela sua debilidade valorativa.
Nesse sentido «a prova indirecta ou indiciária pode ser valorada preferencialmente pelo julgador e, só por si, conduzir à sua convicção, tal qual a prova directa», cf. Ac. RC 26.11.2008 proc. 341/06 in www.dgsi.pt.
Já nos referimos à prova indirecta em vários dos nossos arestos desta Relação, escritos desde 2009 a 2011.
Sabemos que fundamental em muitos casos da vida judiciária em que não é possível obter prova directa dos factos é a valoração da chamada “prova indirecta”.
Neste sentido: J. M. Asencio Mellado, in “Presunción de inocência em Matéria Criminal”, 1992: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência deste tipo de provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura”.
Entendemos, assim, que há que ultrapassar os rígidos cânones da valoração pelo julgador exclusivamente da prova directa, para atribuir à prova indirecta, indiciária ou por presunções judiciais o seu específico relevo nos casos de maior complexidade.
Mittermayer, in “Tratado de La Prueba em Matéria Criminal”, 1959, dizia já o seguinte: “…o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade”.
Por outro lado, há que afirmar que ao ser valorada a prova indiciária não se está a violar o princípio da presunção da inocência, uma vez que aquela valoração tem de ser objectivável, motivável e não arbitrária, baseada numa pluralidade de indícios.
Este entendimento, que já começou a ser seguido na jurisprudência nacional, tem sido defendido pela jurisprudência de Espanha, conforme os seguintes Ac do Tribunal Supremo de Espanha: Ac nº 190/2006, de 1 de Março de 2006; Ac nº 392/2006, de 6 de Abril de 2006; Ac nº 562/2006, de 11 de Maio de 2006; Ac nº 560/2006, de 19 de Maio de 2006; Ac nº 557/2006, de 22 de Maio de 2006; e Ac nº 970/2006, de 3 de Outubro de 2006 (ver todas estas referências in Revista Julgar, nº 2, 2007 – Euclides Dâmaso Simões – “Prova Indiciária).
A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J., ano XXVII, 2º, página 44), “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte, importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289.
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6º, tomo 4º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência, incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, nº 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico-jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
Ana Brito, em brilhante artigo intitulado «A valoração da prova e a prova indirecta», publicado em e-book do CEJ («Da Prova Indirecta ou por Indícios», Julho de 2000), disserta sobre a figura da prova indirecta, resumindo muito do que atrás se escreveu:
«(…)
Nas lições escritas em 1975, Figueiredo Dias, realça a “deslocação do fulcro de compreensão do próprio direito das normas gerais e abstractas para as circunstâncias concretas do caso”. Ensina que livre apreciação significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo”.
Não poderá tratar-se de uma convicção puramente subjectiva ou emocional. Curando-se sempre de uma convicção pessoal, ela é necessariamente objectivável e motivável. Esclarece ainda Figueiredo Dias que a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
(…)
Paulo Sousa Mendes adverte que “o julgador moderno tem, cada vez mais, de produzir abundante fundamentação dos seus juízos probatórios. Para o efeito ele faz apelo não só aos meios de prova científicos, mas também às chamadas regras da experiência”.
(…)
Como se sabe, a prova indiciária é aquela que permite a passagem do facto conhecido ao facto desconhecido. É neste campo que as regras da experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização dessa passagem. Seja como for, a apreensão do facto principal terá, no final, de ser feita de um modo totalizante, pois o juiz historiador nunca pode perder de vista que lhe cabe fazer um juízo objectivo, concreto e atípico acerca do caso decidendo”.
O juiz terá sempre que “averiguar em que medida os factos concretos e individualizados do caso, confirmam ou infirmam aquelas inferências gerais, típicas e abstractas…
As regras da experiência, os critérios gerais, não serão aqui mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso – é assim em geral, em regra, mas sê-lo-á realmente no caso a julgar?” (aqui, Paulo de Sousa Mendes cita Castanheira Neves).
Revemo-nos nas conclusões deste autor, que são as seguintes: “as regras da experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência de vida”. “Então, elas ficam sujeitas à livre apreciação do juiz”.
(…)
No acórdão do STJ, de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, afirma-se que “a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.”
Também no acórdão do TRL, de 13/02/2013, relatado por Carlos Almeida, se desenvolve: “Nas questões humanas não pode haver certezas… Também não se pode pensar que é possível, sem mais, descobrir “a verdade” (…). A reconstrução que o tribunal deve fazer para procurar determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis assenta essencialmente na utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis. Mais ou menos prováveis, mas nunca conclusões necessárias como são as que resultam da utilização de raciocínios dedutivos, cujo campo de aplicação no domínio da prova é marginal. O cerne da prova penal assenta em juízos de probabilidade e a obtenção da verdade é, em rigor, um objectivo inalcançável, não tendo por isso o juiz fundamento racional para afirmar a certeza das suas convicções sobre os factos. A decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem. Esta exigência de confirmação impõe a definição de um “standard” de prova de natureza objectiva, que seja controlável por terceiros e que respeite as valorações da sociedade quanto ao risco de erro judicial, ou seja, que satisfaça o princípio in dubio pro reo”.
(…)
A prova indirecta determina especiais exigências de fundamentação.
Nas várias classificações das provas, a distinção mais importante segundo Taruffo, é a que distingue entre provas directas e indirectas.
Seguindo de perto este autor, a distinção assenta na conexão entre o facto objecto do processo “e o facto que constitui o objecto material e imediato do meio de prova”.
“Quando os dois enunciados têm que ver com o mesmo facto, as provas são directas”, pois incidem directamente sobre um facto principal.
“O enunciado acerca deste facto é o objecto imediato da prova”.
“Quando os meios de prova versam sobre um enunciado acerca de um facto diferente, acerca do qual se pode extrair razoavelmente uma inferência acerca de um facto relevante, então as provas são indirectas ou circunstanciais”.
Trata-se de uma distinção funcional que depende da conexão entre as provas e os factos
Indirectas podem ser quaisquer provas, obtidas por qualquer meio.
(…)
Cavaleiro Ferreira declara que a apreciação das provas indirectas pressupõe “grande capacidade e bom senso do julgador”, que “as complexas operações mentais que o manejo da prova indiciária implica exigem raras qualidades” E enumera: “inteligência clara e objectiva, experiência esclarecida, integridade de carácter, ausência de fácil ou emotiva impressionabilidade”.
(…)
Também Santos Cabral, em estudo sobre a prova indiciária e a sua valoração, conclui:
“As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária”.
(…)
Destaco dois pontos do sumário do acórdão STJ de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, que deve merecer leitura integral:
“O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões”».

Desta forma, ligando a prova testemunhal, está estabelecida a conexão probatória entre os factos e a pessoa da EE e que ali estava também acompanhando o seu companheiro CC (factos nºs 35 e 38), não podendo ignorar o que por ali se passava, sem margem, também para nós, para qualquer dúvida.
A ideia de que as mulheres, nestes esquemas, são meros adereços e não peças da engrenagem criminosa tem os seus dias contados.
Corroboramos em absoluto a leitura da prova feita tribunal, ouvidos os depoimentos em causa.
O tribunal explicou-se de forma muito fundamentada.
Ouvidos os depoimentos em audiência, não vislumbramos qualquer dado contrário a esta leitura da prova feita pelo tribunal, tendo o tribunal feito as ligações entre todos os seis arguidos, familiarmente ligados entre si.
Ora, o tribunal explicou a razão pela qual chegou à culpabilidade da arguida recorrente com base em métodos de prova directa e indirecta, legais e admissíveis legalmente.
Como já aqui se disse, ouvimos[7] a gravação das duas testemunhas de acusação – e as provas indicadas no recurso não impõem decisão diversa ou a formação de convicção contrária à que foi criado pelo tribunal recorrido.
O recurso perde-se em afirmações conclusivas sem que, na maioria das vezes, tenha especificado quaisquer provas concretas.
Como tal, só há que considerar que a defesa não conseguiu convencer este tribunal sobre a existência de um qualquer erro de julgamento.
Razão pela qual não há que alterar a matéria de facto quanto aos pontos sindicados no recurso e por força de algum erro de julgamento, a não ser na redacção dos factos nºs 6, 7 e 9 nos termos acima gizados (alteração esta que não contende, como é óbvio, com o inequívoco juízo de comparticipação nos factos extensivo às arguidas, na medida em que, como mais à frente se verá, a função de guarda ou vigia é uma função característica de divisão de tarefas, própria da coautoria).

3.1.9. Uma palavra sobre o princípio do «in dubio pro reo», tido por violado pela arguida na sentença recorrida (recurso nº 1).         
No fundo, o que a recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ela própria entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
A recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que, no entanto, é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo, que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso -, o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação do Porto de 9.9.2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9.9.2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o artº 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Pombal em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.

3.1.10. Em CONCLUSÃO, da análise da prova produzida, pela audição dos depoimentos gravados, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante do acórdão recorrido, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão a quo.
Como tal, só pode improceder a argumentação deste recurso, em sede factual, tendo-se por assentes, em consequência, todo o acervo factual constante do aresto de Pombal (com a excepção dos factos nºs 6. 7. 9 e 11 que terão nova redacção como atrás se explicou).

3.2. DO DIREITO

3.2.1. Praticaram os seis arguidos um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alíneas d) e e) do CP.
E explicou devidamente a co-autoria no caso.
A co-autoria (artigo 26º do CP) pressupõe um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, um tomar parte directa na execução.
A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
O autor deve ter o domínio funcional do facto, tendo o co-autor também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e na execução de tal acordo se dispôs a levar a cabo.
O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
A teoria do domínio funcional do facto, fundada por Lobe e desenvolvida por Roxin, permite melhor fundamentar a essência da autoria e delimitar a autoria de outras formas de comparticipação.
A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume.
Por isso só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cfr., Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição de 1996, p. 701-702).
O domínio do facto remete para princípios distintos, em paralelo com as possibilidades de divisão do trabalho – domínio do facto mediante a realização da acção executiva (domínio do facto formal, vinculado ao tipo); decisão sobre a realização do facto (domínio do facto material como domínio da decisão) e domínio do facto através da configuração do facto (domínio do facto material como domínio de configuração).
Quando intervêm vários agentes podem distribuir-se os vários elementos por partes: cada um deve tomar parte em algum dos três âmbitos de domínio, mesmo quando um configura e outros executam; na medida em que o titular do domínio do facto formal não está dominado por um autor mediato, também nele reside o domínio do facto.
A autoria tem de definir-se, ao menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto.
A distribuição em âmbitos de domínio diferentes no seu conteúdo não significa a reunião de elementos heterogéneos, mas antes homogéneos pelos actos de organização (cfr., Günter Jakobs,”Derecho Penal, Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación”, 2ª ed., 1997, p. 741-742).
A co-autoria fundamenta-se, assim, também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção.
Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto (cfr. Hans-Heinrich Jescheck, op, cit., p. 726).
De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o “se” e o “como” da execução do facto» (Acórdão do STJ de 7/11/2007, in www.dgsi.pt).
A outra forma de comparticipação – a cumplicidade – está definida no artigo 27º do CP: «é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso».
Pressupõe, pois, um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.
A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la - cfr., Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II; ed. Verbo, p. l79.
A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime – cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit. págs. 283 a 291.
«O cúmplice pode participar no acordo e na fase da execução (embora não tenha necessariamente de assim suceder, ao contrário do que acontece com o co-autor) mas, contrariamente ao que se verifica com este – e nisso consiste a característica fundamental de diferenciação entre as duas formas de comparticipação – o cúmplice não tem o domínio funcional do facto ilícito típico; tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado. A sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto crime praticado, não é causal da existência da acção» (acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Novembro de 2001, proc. nº 2758/01; cfr. também o acórdão de 31 de Março de 2004, proc. 136/04 e jurisprudência aí citada).
Em suma,
· a doutrina e a jurisprudência consideram como elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes:
o a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);
o o acordo para a realização conjunta do facto, acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;
o o domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
· A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes».
· A cumplicidade[8] pressupõe um mero auxílio material ou moral à prática por outrem do facto doloso, por forma que ao cúmplice falta o domínio do facto típico como elemento indispensável da co-autoria.
· A cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade, pois o cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nela, limita-se a facilitar o facto principal.
Ou seja (e recorrendo às doutas considerações escritas no texto do Acórdão desta Relação datado de 10 de Maio de 2023 – em que o relator foi aí adjunto - e proferido no Pº 472/21.0JALRA.C1):
«Na comparticipação criminosa, o crime resulta de uma ação coletiva (colaboração na execução de um crime).
A coautoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis por acordo.
Na medida em que cada elemento do grupo participe na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, resulta que cada contribuição se funde num todo unitário e por isso o resultado alcançado é de todos e é, portanto, imputado a todos.
O elemento subjetivo é o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada ação típica, e o elemento objetivo é a realização conjunta do facto, no sentido de tomar parte direta na sua execução, independentemente dos termos de cada participação individual.
Para se concluir pela realização conjunta do facto temos que encontrar a vontade comum na realização do ilícito - a autoria plural do crime resulta de haver uma pluralidade de pessoas que se uniram com vista àquele fim, concertando vontades em torno daquele objetivo.
Está adquirido que o acordo para a realização do facto ilícito não tem que ser prévio ao cometimento do crime e também não tem que ser expresso.
Esta concertação pode acontecer antes da execução do crime, bastante antes da execução do crime, até, de tal modo que poderá configurar um caso de premeditação, mas pode acontecer muito mais tarde e, em última análise, pode surgir aquando da execução do facto, quando um agente adira ao que o outro está a fazer, com consciência e vontade de colaboração.
Ou seja, pode ser contemporâneo com a execução do facto e pode ser tácito.
Daí que haverá acordo, que determinará a condenação conjunta, se, do desenrolar dos factos, resultar que todos os arguidos se uniram na produção do facto, praticado por um ou por alguns dos elementos do grupo.
Quanto à execução conjunta, também é pacífico que não é necessária a intervenção de todos os agentes em todos os atos tendentes à produção do resultado típico pretendido, bastando que a atuação de cada um seja elemento componente do conjunto da ação, mas indispensável à finalidade a que o acordo se destinava.
Nesta situação deixa, portanto, de ser indispensável apurar quem praticou o ato lesivo porque o crime será imputado a todos a título consumado e doloso.
A autoria criminosa assenta no domínio do facto.
É coautor quem tem o domínio funcional do facto.
O coautor tem o domínio do facto se tiver o domínio funcional da atividade que realiza, integrante do conjunto da ação para a qual deu o seu acordo e que, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo.
Resta dizer que, nas situações em que os arguidos não confessam ter agido em co-autoria, necessariamente que esta só se alcança através da apreciação da concreta dinâmica dos factos».
No caso em apreço, face à prova existente nos autos, a co-autoria foi ajuizada e correcta, assente que os seis arguidos contribuíram para a eclosão dos crimes, nunca nenhum deles tendo perdido o real domínio do facto.
Nada a apontar, pois, a esta conclusão de Direito.

3.2.2. Vejamos, de seguida, se foram estes 3 arguidos recorrentes condenados na justa e adequada medida.
As penas aplicadas foram as seguintes:
· Ao arguido AA, uma pena de 1 ano e 7 meses de prisão efectiva;
· Ao arguido BB, uma pena de 1 ano e 7 meses de prisão efectiva;
· À arguida EE, uma pena de 1 ano e sete meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita esta suspensão a um regime de prova a delinear pela DGRSP.
A moldura penal abstracta do crime em apreço – no estádio da tentativa - é a seguinte: prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses (artigo 73º, nº 1 do CP), reconduzível a 5 anos por força do uso pelo MP do mecanismo do artigo 16º, nº 3 do CPP.
Entendem os arguidos recorrentes o seguinte:
RECURSO Nº 1
· a pena aplicada é excessiva, devendo ser aplicada uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do CP)?
RECURSO Nº 2
· a pena aplicada é excessiva, devendo antes ter sido suspensa na sua execução ou, subsidiariamente, aplicada em regime de permanência na habitação?
RECURSO Nº 3
· a pena aplicada é excessiva, devendo antes ser aplicada uma pena de prisão não superior a um ano, suspensa na sua execução?

3.2.3. Assim se justificou o tribunal recorrido neste particular (com sublinhado nosso):

«Nos termos do artigo 71º nº 1 Código Penal “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Quanto a esta determinação, regem os critérios contidos nos artigos 40º e 71º Código Penal.
Assim, na determinação da medida concreta da pena atender-se-á também às finalidades de prevenção geral e especial, previstas no artigo 40º Código Penal, funcionando estas dentro da medida da culpa, moldura de topo da pena, atendendo-se, nos termos do art. 71.º, n.º 2 C.P. “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
No caso em análise, as exigências de prevenção geral são bastante elevadas, havendo que ter em consideração a natureza e a relevância do bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime em análise, concretamente a propriedade, bem como e ainda o facto de se tratar de um tipo de crime bastante praticado quer nesta comarca, quer um pouco por todo o país (vide Relatório Anual de Segurança Interna de 2023, onde os crimes contra o património assumem-se com um dos crimes mais participados e praticados no nesse ano). São, portanto, crimes que criam muito alarme social, razão pela qual é mais do que notória e premente a exigência por parte da comunidade da reposição da confiança dos cidadãos na validade e vigência das normas em apreço.
Quanto às exigências de prevenção especial, cumprirá desde logo mencionar, quanto às três arguidas, as mesmas se revelam relativamente moderadas, porquanto, apesar dos antecedentes criminais que apresentam (a arguida DD duas condenações pela prática de crimes de furto simples, a arguida EE uma condenação pela prática de um crime de furto e a arguida FF duas condenações por crimes cujos bens jurídicos nem sequer se relacionam com o bem jurídico tutelado pela incriminação objecto destes nossos autos) e a evidente desinserção profissional das mesmas, a verdade é que as arguidas se revelam bem inseridas familiarmente e até mesmo a nível social.
Diversamente, quanto aos três arguidos, entende-se que as exigências de prevenção especial já se revelam elevadíssimas, porquanto, apesar de os arguidos CC e BB se revelem inseridos a nível familiar, do acervo de factos dados como provados quanto às condições sócio-económicas e profissionais e quanto aos seus antecedentes criminais, o Tribunal conclui que estes três arguidos se revelam desinseridos a nível social e profissional, apresentando todos múltiplos antecedentes criminais precisamente pelo mesmíssimo crime pelo qual vão agora condenados e tendo já todos cumprido penas de prisão efectivas por esses crimes, senão vejamos.
De facto, veja-se que o arguido AA apresenta ao todo sete condenações pela prática de crimes contra o património (por factos praticados nos anos de 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2022, com sentenças proferidas e transitadas nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017/2019, 2021, 2022/2023 e 2023/2024), tendo já cumprido penas de prisão efectiva e tendo-lhe, por um lado, sido concedida liberdade definitiva pouco tempo antes dos factos objecto destes nossos autos, concretamente a 27/05/2021, e, por outro, sido condenado, a 16/09/2021, em Espanha, precisamente por um crime contra o património, em pena de dois anos de prisão.
O arguido BB, das dez condenações averbadas no seu CRC, quatro são precisamente por crimes contra o património (por factos praticados nos anos de 2013, 2015 e 2016, com sentenças proferidas e transitadas nos anos de 2014, 2017/2018, 2019 e 2023), tendo praticado os factos objecto destes nossos precisamente em pleno período de liberdade condicional que lhe foi concedida, a 27/04/2022, no âmbito do proc. nº 240/15.... (cujo termo vigorou até 17/06/2023), o que denota bem uma ausência total de interiorização do desvalor da conduta e indiferença absoluta pelas condenações anteriores a que fora sujeito.
O arguido CC, das sete condenações averbadas no seu CRC, cinco são precisamente por crimes contra o património (por factos praticados nos anos de 2006, 2007, 2013, 2017, 2018, com sentenças proferidas e transitadas nos anos de 2007/2008, 2009, 2014, 2017/2018, 2018/2019, 2020 e 2021), tendo praticado os factos objecto destes nossos precisamente logo após lhe ter sido concedida liberdade definitiva no âmbito do proc. nº 90/17...., concretamente a 09/09/2018, e logo após lhe ter sido concedida liberdade condicional no âmbito do proc. nº 141/18.... (no âmbito do qual, após realização de cúmulo, lhe fora aplicada uma pena única de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva), liberdade condicional essa concedida a 25/11/2021 até ao termo da pena (09/03/2024), o que denota bem uma ausência total de interiorização do desvalor da conduta e indiferença pelas condenações anteriores a que fora sujeito. Além do mais, não se pode igualmente ignorar que este arguido se encontra actualmente em prisão preventiva, no âmbito de um processo onde foi já julgado e condenado por crimes contra o património, estando essa sentença a aguardar trânsito em julgado.
Outrossim, cumpre ainda atender às seguintes circunstâncias:                   
· grau de ilicitude dos factos, que se afigura relativamente moderado, atendendo à forma como os factos foram praticados, o tipo de objectos em apreço (eletrodomésticos) e a circunstância de, no que ora releva, àquela data, a ofendida estar a residir em França;
· O dolo dos arguidos, na sua modalidade mais intensa, é directo, uma vez que os arguidos infringiram conscientemente as normas jurídicas, actuando com intenção de realizar os factos criminosos;
· Dão-se aqui por reproduzidas as considerações supra tecidas quanto às exigências de prevenção especial que se fazem sentir quanto a cada um dos seis arguidos, dando-se maior ênfase aos seus antecedentes criminais.
Pelo exposto, não se vislumbrando, face ao acervo de factos dados como provados, diferenças nas actuações de cada um dos arguidos (até porque se desconhece se antes da presença policial as três arguidas se deslocaram ou não ao interior daquela propriedade), afiguram-se justas e adequadas as penas 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão para cada um destes seis arguidos.
*
Penas de substituição
           Neste âmbito, seguindo o entendimento que vem sendo propugnado pela jurisprudência de que as penas de substituição assumem entre si uma ordem de preferência, ou dito de outra forma, devem ser ponderadas de forma crescente consoante a sua natureza e efeitos para o condenado (nesse sentido, vide entre outros, o Ac. TRC de 03/07/2012, proc. nº 48/12.2GTLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt).
            Deste modo, tendo em consideração as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08 aplicável ex vi artigo 2º nº 4 do C.Penal, a ordem de preferência será, assim, a seguinte: 1º - multa (artigo 45º); 2º - suspensão da pena (artigo 50º); 3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º); 4º- regime de permanência na habitação (artigo 43º).
            Com efeito, no presente caso atenta a pena em que cada um dos seis arguidos vão condenados há que ponderar desde logo da suspensão da pena de prisão aplicada.
           Dispõe este artigo 50º nº 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão  aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às sua condições vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim, a decisão de suspensão da pena de prisão terá como ponto de partida a ideia de que finalidades da punição assumem, efectiva e exclusivamente, uma natureza preventiva, ou seja, prender-se-ão apenas com medida da tutela dos bens jurídicos e, concomitantemente, com a necessidade de ressocialização do agente.
           Revertamos ao caso em concreto, apreciando, em primeiro lugar, da eventual aplicação desta pena de substituição às três arguidas e após quanto aos demais arguidos.
           In casu, muito embora as três arguidas apresentem já antecedentes criminais, nos termos dados como provados e supra explanados, aquando da aferição do grau das exigências de prevenção especial cujas considerações se dão aqui por reproduzidas, duas das quais pela prática de ilícitos criminais contra o património, e a arguida FF por crimes cujos bens jurídicos tutelados são absolutamente distintos do bem jurídico em apreço nestes autos, a verdade é que, não só quanto a essas duas arguidas (EE e DD) condenadas por crimes contra o património foram sempre aplicadas penas de multa, mas também todas estas três arguidas se revelam inseridas a nível social e familiar.
           Deste modo, face ao exposto, crê-se que, quanto a estas três arguidas, é ainda possível tecer um prognóstico favorável acerca do comportamento das mesmas no futuro caso lhe seja aplicada uma pena não privativa da liberdade, sendo certo que, do ponto de vista da comunidade e das elevadas exigências de exteriorização física da reprovação, entende-se que a aplicação de uma pena distinta da pena de prisão efectiva seria ainda bem aceite pela comunidade, em virtude de permitir demonstrar que a sanção não é propriamente indiferente à gravidade do crime especificamente praticado, mas não esquecendo, por outro lado, que, face às circunstâncias supra descritas, em que tal crime foi levados a cabo e à personalidade destas arguidas, a sanção, no modo e condições encontradas, se mostra adequada e justa à satisfação das suas necessidades de integração social.
            Assim sendo, determina-se a suspensão da pena de 1 ano e 7 meses de prisão em que cada uma destas três arguidas foi condenada, por igual período.
            Contudo, no que concerne às arguidas EE e DD, face ao tipo de antecedentes criminais averbados nos respectivos certificados de registo criminal (só condenações pela prática de crimes de furto) e não olvidando, face ao acervo de factos dados com provados quanto às respectivas condições económico-financeiras e profissionais, entende o Tribunal ser de condicionar as suspensões das penas aplicadas a estas duas arguida ao cumprimento pelas mesmas de regime prova a delinear pela DGRSP, o qual deverá incidir, designadamente na interiorização do desvalor da conduta e a sua inserção laboral (art. 53º do CPP), o que determina.
(…)
Diversamente quanto aos arguidos CC, AA e BB, face às considerações supra tecidas quanto às elevadíssimas exigências de prevenção especial que se fazem sentir quanto a cada um destes arguidos, cujas considerações se dão aqui por reproduzidas, o Tribunal entende ser absolutamente desajustado e insuficiente, atentas as elevadas exigências de prevenção geral e especial, proceder à suspensão das respectivas penas de prisão, senão vejamos.
Em primeiro lugar, haverá que salientar que, do acervo de factos dados como provados quanto às condições sócio-económicas dos arguidos AA, BB e CC, resulta inequívoca a desinserção social destes três arguidos, bem como e ainda, quanto a estes dois últimos arguidos, a sua desinserção profissional, nada se tendo conseguido apurar, nesta sede, quanto ao arguido AA, o qual frustrou intencionalmente a elaboração do seu relatório social.
Em segundo lugar, veja-se que todos estes três arguidos apresentam já um percurso criminógeno considerável precisamente pela prática de crimes contra o património, nada os tendo impedido de, à mínima solicitação, reiterarem na prática do mesmíssimo ilícito criminal.
De facto, veja-se que enquanto que o arguido AA apresenta ao todo sete condenações pela prática de crimes contra o património (por factos praticados nos anos de 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2022, com sentenças proferidas e transitadas nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017/2019, 2021, 2022/2023 e 2023/2024), tendo já cumprido penas de prisão efectiva e tendo-lhe sido concedida liberdade definitiva pouco tempo antes dos factos objecto destes nossos autos, concretamente a 27/05/2021, e tendo pouco tempo antes destes nossos factos (a 16/09/2021) sido condenado numa pena de dois anos de prisão em Espanha precisamente por crime contra o património (furto com violência ou arma) já o arguido BB, das dez condenações averbadas no seu CRC, quatro são precisamente por crimes contra o património (por factos praticados nos anos de 2013, 2015 e 2016, com sentenças proferidas e transitadas nos anos de 2014, 2017/2018, 2019 e 2023), tendo praticado os factos objecto destes nossos precisamente em pleno período de liberdade condicional que lhe foi concedida, a 27/04/2022, no âmbito do proc. nº 240/15.... (cujo termo vigorou até 17/06/2023), o que denota bem por parte destes dois arguidos uma ausência total de interiorização do desvalor da conduta e indiferença pelas condenações anteriores a que foram sujeitos.
Da mesma forma, também o arguido CC revela um percurso criminógeno bastante elucidativo, porquanto das sete condenações averbadas no seu CRC, cinco são precisamente por crimes contra o património (por factos praticados nos anos de 2006, 2007, 2013, 2017, 2018, com sentenças proferidas e transitadas nos anos de 2007/2008, 2009, 2014, 2017/2018, 2018/2019, 2020 e 2021), tendo praticado os factos objecto destes nossos precisamente logo após lhe ter sido concedida liberdade definitiva no âmbito do proc. nº 90/17...., concretamente a 09/09/2018, e logo após lhe ter sido concedida liberdade condicional no âmbito do proc. nº 141/18.... (no âmbito do qual, após realização de cúmulo, lhe fora aplicada uma pena única de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva), liberdade condicional essa concedida a 25/11/2021 até ao termo da pena (09/03/2024), o que denota igualmente uma ausência total de interiorização do desvalor da conduta e indiferença pelas condenações anteriores a que fora sujeito. Da mesma forma, igualmente elucidador da total desinserção social deste arguido, não se pode igualmente ignorar que o mesmo se encontra actualmente em prisão preventiva, no âmbito de um processo onde foi já julgado e condenado por crimes contra o património, estando essa sentença a aguardar trânsito em julgado.
Deste modo, muito embora a evidente inserção familiar dos arguidos BB e CC, face ao ora exposto, o Tribunal conclui, quanto a estes três arguidos, que aqueles factores/circunstâncias inculcam de forma inegável a elevadíssima censurabilidade da conduta adoptada pelos mesmos, os quais, sem excepção, têm pautado a respectivas vidas pela prática reiterada de ilícitos criminais, mesmo cientes que tinham, à data dos nossos factos, acabado de cumprir em regime de reclusão, penas de prisão, sendo recente a concessão de liberdade definitiva (caso do arguido AA, cuja liberdade definitiva tinha ocorrido a 27/05/2021, ou seja, cerca de um ano e seis meses antes dos nossos factos) ou que se encontram em plenos períodos de liberdade condicional (o arguido CC, com liberdade condicional concedida a 25/11/2021 até 09/03/2024; e o arguido BB, com liberdade condicional concedida a 27/04/2022 a vigorar até 17/06/2023).
Assim, face ao exposto, é entendimento do Tribunal ser flagrante que estes seus históricos de condenações, mormente em prisão efectiva, com concessões de liberdade condicional e definitiva para cada um destes três arguidos e quanto a dois (CC e BB) com o cometimento de novo ilícito criminal pelo qual já haviam sido por múltiplas vezes condenações nessas penas de prisão efectiva, não lograram impedi-los, de forma alguma, de reiterar na conduta criminosa, manifestando estes três arguidos uma clara postura antijurídica de incumprimento das normais penais, reiterando a prática crimes sem que a aplicação dessas penas tenha sido, até hoje, eficaz para satisfazer as necessidades de prevenção especial.
Ademais, entende-se que o facto de estes três arguidos, dois dos quais em pleno período de liberdade condicional e o outro (AA) após ter cumprido uma pena de prisão efectiva de cinco anos e ciente, antes destes nossos factos, da condenação por si sofrida entretanto, em Espanha, em nova pena de prisão efectiva (dois anos), não sendo residentes nesta comarca, arriscarem deslocarem-se a localidade distinta da sua residência, estacionarem os veículos à porta do imóvel onde procederam ao furto em causa, denota, no entendimento do Tribunal, uma personalidade de fraca capacidade de interiorização do desvalor da conduta, de auto controlo e até mesmo de pensamento sequencial, tendo dificuldades para resistir no imediato.
Assim, tendo em conta todo o exposto, bem como os demais factores referidos aquando da determinação da medida concreta da pena, para os quais se remete, é evidente que não é de crer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para afastar os Arguidos CC, BB e AA da prática de novos crimes e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, porquanto o juízo de prognose favorável, atento o percurso criminal destes três arguidos e a persistência que vêm demonstrando na prática de crimes, nomeadamente da natureza dos autos, revela-se, à saciedade, irremediavelmente comprometido, pelo que o Tribunal decide não suspender a execução das penas de prisão em que os arguidos CC, BB e AA vão condenados.
Haveria ainda, neste âmbito, que equacionar a eventual aplicação das penas de substituição previstas nos arts. 43º e 58º ambos do C.Penal.
Com efeito, não só pelas considerações supra explanadas, o Tribunal entende que estas penas de substituição se revelariam absolutamente desajustadas face às elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir quanto a estes três arguidos, razão pela qual nem sequer as equacionou em sede de julgamento, mas também haverá que mencionar que tal não foi equacionado pelo Tribunal, quer porque, exigindo-se o consentimento expresso do condenado, os arguidos AA e BB faltaram injustificadamente ou a todas (caso do arguido AA, que inclusivamente se desconhece o seu actual paradeiro) ou praticamente todas (caso do arguido BB), quer porque, quanto ao arguido CC, atenta a sua actual situação (prisão preventiva no âmbito de um processo onde de julgaram precisamente factos integradores de crimes contra o património, e a circunstância de as últimas condenações averbadas no seu certificado de registo criminal, precisamente por esse tipo de crime, terem sido sempre em prisão efectiva).
Deste modo, face ao exposto, não se aplica a qualquer destes três arguidos, qualquer das penas de substituição previstas nos arts. 43º, 50º e 58º C.P.»
3.2.4. Analisemos então a causa neste segmento.
O artigo 71º, nº 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
            Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71º, nº 1 do CP que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do nº 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena.
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
Em suma, a determinação da pena envolve diversos tipos de operações:
· a)- determinação da medida abstracta da pena (olhando para o tipo legal de crime em causa);
· b)- escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70º, do CP (não aplicável in casu);
· c)- fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71º, do CP;
· d)- ponderação da aplicação de uma pena de substituição;
· e)- fixação, finalmente, desta pena (sua medida concreta).
            Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, há que considerar que a pena final – atribuída por igual a todos os seis arguidos, desconhecendo-se com rigor qual a exacta contribuição de cada co-arguido para a ideação criminosa e para o resultado final - foi justa e equitativa.
           São, na realidade, prementes as exigências de prevenção geral.
Assim, em concreto, atender-se-á:
· à culpa, sendo certo que os arguidos actuaram com dolo directo;
· às exigências de prevenção geral, as quais se nos afiguram particularmente acentuadas dada a frequência deste tipo de crime e alarme que provoca na comunidade, assente que os crimes contra os património grassam por aí;
· às exigências de prevenção especial, as quais revertem principalmente contra os dois recorrentes AA e BB, com larguíssimos antecedentes criminais neste jaez (a descrição dos seus CRCs é absolutamente correcta – contámos, no caso do arguido BB, 10 condenações, por crimes de condução sem habilitação legal, de furto simples, de furto qualificado, de roubo e de consumo de estupefacientes, já tendo conhecido penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, penas efectivas de prisão e penas de prisão substituídas por trabalho a favor da comunidade, por factos ocorridos em 2009, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2022 e 2023; já no caso do arguido AA, contámos 8 condenações, por crimes de detenção de arma proibida, de furto simples, de furto qualificado e de roubo – em tribunal espanhol -, já tendo conhecido penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, uma delas revogada, e penas efectivas de prisão, por factos ocorridos em 2011, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2022[9]).
Como tal, e recordando que a moldura penal abstracta do crime em apreço é a de 1 mês a 5 anos de prisão, ajuíza-se que não é excessiva a pena de prisão aplicada.
A pena não pode ser reduzida, portanto.
Uma pena inferior à aplicada revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Não deixaremos ainda de considerar, como o faz o acórdão desta Relação, datado de 16/2/2022 (Pº 226/18.0GAPMS.C1):
«Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.
Como se pode ler também no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.
Posição jurisprudencial que se acompanha».
E nós também.
Como tal, a prisão aplicada não revela qualquer desproporção, não devendo ser alterada.

3.2.5. E que dizer das penas substitutivas?

3.2.5.1. Olhando para o recurso nº 1, não vemos como aplicar neste caso a pena substitutiva do artigo 58º do CP, tal como pedido pela arguida EE.
Já sabemos que a pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (artigo 58º, nº 2 do CP) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 58º, nº1 do CP).
O pressuposto formal desta pena é a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade (artigo 58º, nº 5 do CP).
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, ou seja, a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade. 
Por isso, a prestação de trabalho a favor da comunidade é, de per si, uma pena autónoma que visa satisfazer “as finalidades da punição”.
Quid uris neste caso?
Como bem afere o MP de 1ª instância:
«Conforme resulta da matéria de facto dada como provada (factos 73, 75 e 77) a recorrente nunca exerceu qualquer profissão, atualmente não se encontra integrada em nenhuma atividade estruturada, utilizando o seu tempo nas tarefas domésticas da casa e no apoio aos filhos e, em sede de entrevista na DGRSP, a recorrente revelou alguma preocupação e ansiedade em relação ao presente processo, no entanto, apresenta uma postura de negação face aos factos que lhe são imputados.
A prestação de trabalho a favor da comunidade, constitui uma pena de substituição que assenta na adesão do próprio arguido, simultaneamente apelando a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica, sendo que no caso em apreço, não obstante a disponibilidade pela recorrente manifestada de prestar trabalho (em sede de recurso) resulta claro, dos seus antecedentes criminais e dos factos dados como provados, que a recorrente não assimilou a gravidade dos factos que praticou.
Deste modo, entendemos que não é possível efetuar juízo de prognose favorável quanto à aplicação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, no sentido de afastar a recorrente da prática de ilícitos criminais no futuro e de alcançar as exigências de prevenção geral e especial».
No nosso caso, temos um antecedente criminal de 2022 relativo a factos de 2021.
A sentença que lhe aplicou uma multa – e o crime é também de furto - data de 23.2.2022, poucos meses antes da prática dos nossos factos (facto nº 86).
Como, assim, justificar agora tal pena de trabalho comunitário, assente que a primeira experiência/condenação não «mexeu» com a consciência da EE?
Citemos um douto aresto do STJ (datado de 6/7/2000 – Pº 160/2000, SASTJ, nº 43, p. 61):
«Os antecedentes criminais são reveladores de uma certa personalidade, essa sim, única, mas que projecta as suas consequências na culpa que concorre para a formação dessa personalidade e que se reflecte inevitavelmente na medida da pena e que vai bulir também nas exigências de prevenção. Assim, os antecedentes criminais projectam a sua importância, sem que haja lugar a quaisquer duplicações, quer na medida da pena quer na culpa, quer nas exigências de prevenção».
Razões de prevenção geral e especial impõem, assim, o afastamento desta pena substitutiva (cfr. artigo 58º do CP), mantendo-se a pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova tal como gizado pela 1ª instância.

3.2.5.2. Olhando para o recurso nº 2, não vemos como aplicar neste caso a pena substitutiva do artigo 50º do CP, tal como pedido pelo arguido AA, nem tão pouco a modalidade da prisão do artigo 43º do mesmo diploma.
Uma palavra sobre a suspensão da execução da pena de prisão.
O regime jurídico de tal pena está previsto nos artigos 50º a 57º do CP, e nos artigos 492º a 495º do CPP.
            O artigo 50º, nº 1, do CP – revisto em 2007 - dispõe:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
            As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
           Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora era de 3 anos), entendemos, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. nº 912/07-1, www.dgsi.pt).   
           Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.
           No seio da Comissão, Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.)
           Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:
              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (artº 72º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).
Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).
           A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».
           A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
           Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
           No caso vertente, entendeu-se que a aplicação de uma suspensão da execução da pena era um poder-dever que vincula o julgador, que a terá de decretar, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos.
            O pressuposto formal está verificado – a pena de prisão aplicada é inferior a 5 anos.
E o pressuposto material?
Para nós, indiscutivelmente não está perfectibilizado.
O seu CRC fala por si.
São vezes demasiadas a prevaricar.
Há crimes contra o património, além de crimes rodoviários.
Note-se que este arguido praticou crimes depois de ter conhecido a reclusão, tendo sido libertado em 11.4.2020.
Ao que parece, também não surtiram qualquer efeito esses regimes de prova a que ficaram condicionadas as suspensões da execução de penas de prisão.
Também nós não estamos convencidos que o arguido se irá afastar desta criminalidade, sendo também para nós notório que este homem não compreendeu ainda o desvalor da sua reiterada conduta ilícita a todo o nível.
Desta forma, entendemos que a suspensão é inteiramente de arredar porque a pedagogia correctiva de que o arguido se mostra carente passa, não por esta pena substitutiva, mas por uma efectiva privação de liberdade, só esta realizando os fins das penas, não oferecendo ele quaisquer garantias de que a simples ameaça de execução de uma pena é suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes.
Sabemos que um erro na vida não significa uma vida de erros.
Mas parece-nos que foram cometidos erros a mais por este homem, não aproveitando, como podia e devia os efeitos pretendidos pelas penas anteriores.
Em conclusão, não é hoje possível formular qualquer juízo favorável da sua adequação futura às regras de convivência social, o que se regista com pesar.
Mesmo a junção de um contrato de trabalho temporário em Espanha não nos convence, assente até que está hoje findo o seu prazo (18.2.2025).
Por todos estes motivos, só há que concluir que não estão criadas as condições objectivas e subjectivas para que o tribunal possa suspender a execução desta pena de prisão, mesmo que com regime de prova.
Sabemos que o que está aqui em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda.
Ora, neste caso concreto, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizam, de forma adequada, as exigências e finalidades da punição.
Pelo exposto, só a condenação do arguido numa pena efectiva de prisão satisfaz as finalidades das penas (artigo 40°, n°s 1 e 2 do CP), não se podendo dizer que esta pena não foi suspensa na sua execução «porque o tribunal não quis» - não, o tribunal não conseguiu fazê-lo, e por razões estritamente legais, face à panóplia de condenações anteriores deste homem e à falta da garantia de que mais uma pena suspensa o poderia afastar definitivamente da criminalidade.
Diga-se mais:
Se não veio a tribunal dizer de sua justiça sobre a sua consciência crítica em relação aos factos praticados, tal se deveu só à sua efectiva vontade, não podendo nem devendo este tribunal de recurso ter qualquer tolerância para com alguém que prevarica, deixa de comparecer a um seu julgamento, assim fugindo às suas responsabilidades para com a Justiça.
*
Também não faz sentido aqui aplicar a modalidade de prisão do artigo 43º do CP.
A vigilância eletrónica é o meio técnico de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, como tal permitido no País a partir da introdução do nº 2, do artigo 201º, do CPP, pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto – é regulado pela Lei nº 33/2010, de 2 de Setembro (entretanto alterada pela Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto), que veio revogar a anterior Lei nº 122/99, de 20 de Agosto (medida de coacção que não se confunde, como é bem de ver, com o regime do artigo 43º, do CP).
A Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, prevê que o disposto no nº 1, do artigo 1º, no artigo 2º, nos nºs 2 a 5 do artigo 3º, nos artigos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 8º e no artigo 9º da Lei nº 122/99, de 20.8, que regula a vigilância eletrónica prevista no artigo 201º, do CPP, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 43º e 62º, do CP.
Isso mesmo agora também resulta do texto do artigo 2º, do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro.
A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu nº 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral.
Mais do que um modo pelo qual pode ser executada a pena de prisão (na palavra aparentemente expressa do artigo 43º, nº 1, do CP), entendemos que estamos perante uma pena substitutiva da prisão (pelo menos em sentido impróprio), na linha aliás do expressamente declarado na Proposta de Lei nº 98/X, que esteve na base da revisão de 2007 do CP.
Note-se que é o próprio Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12 de Outubro, a não regular no âmbito do seu texto (246 artigos) a pena prevista no artigo 43º, do CP, apenas a ela se referindo no artigo 2º, da Lei (e não do Código por ela aprovada) – para fazer as correspondências entre esta pena e o regime da vigilância electrónica da então Lei nº 122/99, de 20/8 -, no artigo 120º/1, b) do seu texto (ao falar da possibilidade de modificação da execução da pena de prisão, transformando-a no regime de permanência de habitação e no artigo 188º (adaptação à liberdade condicional, que se refere ao já previsto no artigo 62º, do CP).
O novo Código é claro – fala apenas da execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais ou em estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.
Fala sempre em recluso, o que não é a situação do condenado em regime de permanência na habitação que, fora de qualquer dúvida, tem alguma liberdade – exactamente aquela que não tem o recluso que foi condenado em prisão efectiva.
Como tal, estamos perante uma pena de substituição, claramente não privativa da liberdade (sob o ponto de vista jurídico-criminal) – na medida em que o arguido «já regressou a casa», na feliz expressão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 21/10/2009 -, no sentido que a distingue da efectiva reclusão em meio prisional.
Veja-se ainda alguma firmada corrente jurisprudencial no sentido de não se aplicar a este regime de cumprimento da pena de prisão o instituto da liberdade condicional.
Diga-se, assim, que tem sido entendido que o regime de permanência na habitação é uma pena autónoma, com natureza de pena substitutiva e que, por isso, só pode ser aplicada na sentença condenatória ou no recurso que vier a conhecer dessa mesma sentença. Ou seja, se o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, não permite o artigo 43º, do C. Penal, que, tendo sido suspensa a execução da pena de prisão, possa ser perspetivada a aplicação daquele regime, em caso de posterior revogação da referida suspensão.
Ora, no nosso caso, também tal pena substitutiva foi afastada.
Entende a defesa que o tribunal deveria tê-la aplicado.
Discordamos.
O tribunal foi claro a final – decidiu que a execução, de forma efectiva e contínua, da pena de prisão, ora aplicada, é necessária para prevenir o cometimento de novos crimes e apenas essa execução realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Concorda-se que, neste caso, em que ao arguido já foram aplicadas penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e penas de prisão efectiva, a execução em regime de permanência na habitação da pena de prisão aplicada não iria, nem de perto nem de longe, satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.
Voltar atrás na progressão sequencial das penas seria desadequado – o arguido já conheceu a reclusão por este delito no passado e, de forma reincidente, voltou à mesma ilicitude.
Assume-se, assim, que o efeito de sharp-short-shock da pena de prisão, mesmo que de curta duração, configura-se como a única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e mesmo de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida.
Sabendo que estaria a um passo de ir para a prisão, este homem parece indiferente à sua sorte, continuando a delapidar património alheio[10].
Em conclusão, não é hoje possível formular qualquer juízo favorável da adequação futura deste homem às regras de convivência social, o que se regista com pesar, não se podendo dizer que por este meio à distância se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução de uma pena de prisão.
Por todos estes motivos, só há que concluir que não estão criadas as condições objectivas e subjectivas para que o tribunal possa prescindir da aplicação de uma pena privativa de liberdade – não se ignora, a última ratio da política criminal mas, por vezes, a única adequada para satisfazer as necessidades de prevenção da futura criminalidade - a este homem, ainda tão jovem (tem hoje 31 anos de idade) e que terá de dar, no futuro, um outro rumo à sua errante e desgovernada vida.
Não ignoramos os comprovados efeitos criminógenos das penas curtas de prisão – mas, neste caso, o arguido tudo fez para merecer uma.
Como bem afere a Exmª Magistrada do MP de 1ª instância:
«Por outro lado, quanto ao regime de permanência na habitação (artigo 43.º do Código Penal) além dos pressupostos materiais, o legislador exige como pressuposto formal para aplicação desta pena de substituição: o consentimento do condenado.
Nos termos do nº 2 doartigo4.º da Lei nº 33/2010,de 02de setembro,relativo à vigilância eletrónica “O consentimento é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto”.
O recorrente manifestou, em sede de recurso, o seu consentimento para lhe ser aplicado o regime de permanência na habitação, referindo que este pode ser executado na sua residência.
Ora, no caso em apreço, conforme consta na sentença, a audiência de julgamento realizou-se na ausência do recorrente, não tendo sido possível, sequer apurar o seu paradeiro. Pela mesma razão, revelou-se impossível a elaboração do relatório social para determinação da sanção.
Sobre uma situação idêntica, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra em 28/10/2020, em cujo sumário pode ler-se:
“III - Todavia, não tendo sido possível obter o consentimento pessoal do condenado, sequer a realização do relatório social visando a determinando da sanção, sem que nesta vertente também se detecte qualquer falta de diligência do tribunal, que tudo fez, designadamente para localizar o arguido, em causa ficou, desde logo, o pressuposto formal da aplicação do regime enunciado no n.º 1 do art. 43.º do CP, revelando-se, neste circunstancialismo, desnecessário mergulhar na ponderação dos respectivos requisitos materiais, o mesmo é dizer, no juízo conducente à eventual aplicação do dito regime”.
.Mas, apesar disto, o tribunal a quo, antes de afastar o regime de permanência na habitação por via do pressuposto formal, justificou a sua não aplicação, desde logo, pelas elevadíssimas exigências de prevenção especial que se fazem sentir em relação ao recorrente.
Pelo exposto, entendemos que não se verificam os pressupostos materiais necessários para que se possa aplicar ao recorrente o cumprimento da pena de prisão em regime de permanênciana habitação, nos termos previstos noartigo43.º do Código Penal».
Completamente de acordo.
Pelo exposto, só a condenação do arguido numa pena efectiva de prisão satisfaz as finalidades das penas (artigo 40°, n°s 1 e 2 do CP).

3.2.5.3. Olhando para o recurso nº 3, também não vemos como aplicar neste caso a pena substitutiva do artigo 50º do CP tal como pedido pelo arguido BB.
Reiteramos aqui tudo o que escrevemos em 3.2.5.2. sobre a pena autónoma de suspensão da execução da pena de prisão (aqui apenas não tem aplicação a falta injustificada ao julgamento por parte deste arguido).
Aqui também uma pena de prisão suspensa (mais uma) não se justifica depois de tanta ilicitude praticada no seu passado.
E como bem lembra a Exmª Magistrada do MP de 1ª instância:
«Ademais, o facto de o recorrente estar em pleno período de liberdade condicional e, ainda assim, não sendo residente nesta comarca, arriscou deslocar-se a uma localidade distinta da sua residência, para proceder ao furto em causa, denota uma personalidade com fraca capacidade de interiorização do desvalor da conduta, de autocontrolo e até mesmo de pensamento sequencial».

3.2.5.4. Por tudo isto, não foram desproporcionais as penas aplicadas, vendo-se este tribunal obrigado a secundá-la (não carreando a defesa para a causa quaisquer factos adicionais que possam infirmar o quantum encontrado pela Mº Juíza de Pombal, sendo a argumentação expendida quase só enunciativa e pejada de lugares comuns sem qualquer força persuasiva).
 Falece, assim, também nesta parte, a argumentação dos 3 arguidos.

3.3. Sem prejuízo das alterações factuais que se vão fazer ao abrigo do artigo 431º do CPP, improcedem, assim, os 3 recursos, só restando a este tribunal validar a sentença exarada nos autos, não se tendo por violados os preceitos legais mencionados nas peças de recurso.

            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em:
1º- Proceder à alteração da matéria dada como provada, nos seguintes moldes:
· O facto nº 6 terá a seguinte redacção:
o «Nesse contexto, estando ainda a proceder ao transporte desses objetos para os veículos referidos em 2 e estando o veículo de matrícula ..-..-LL, marca Hyundai, com as portas da respetiva bagageira ainda abertas, os seis arguidos foram surpreendidos pela presença de militares da GNR que ali se encontravam a fazer serviço de patrulha»;
· O facto nº 7 terá a seguinte redacção:
o «Aquando da chegada desses militares da GNR, os seis arguidos tinham já transportado para o veículo de matrícula ..-..-LL, marca Hyundai, o frigorífico, o forno e a máquina de lavar referida em 5)»;
· O facto nº 9 terá a seguinte redacção:
o «Nessa ocasião referida em 6, as arguidas EE, FF e DD estavam juntos dos aludidos veículos, mesmo ao lado dos mesmos, na traseira do veículo de matrícula ..-..-LL, marca Hyundai, cuja bagageira estava aberta»;
· O facto nº 11 terá a seguinte redacção:
o «11. Todos os arguidos agiram de forma livre, deliberada, voluntária e consciente, em comunhão de intentos e esforços, no propósito não concretizado de se apoderarem dos bens indicados em 5, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agiam sem o conhecimento e contra a vontade da proprietária, o que representaram e quiseram».
2º- Negar provimento aos recursos intentados pelos arguidos EE, AA e BB, mantendo na íntegra as condenações gizadas em 1ª instância.

            Custas pelos arguidos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa], sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficiem.
Coimbra, 9 de Abril de 2025
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro  – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)

 
Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Alcina da Costa Ribeiro
Adjunto: Alexandra Guiné


[1] Faremos aqui a correcção das numerações das alíneas pois não faz sentido começar aqui pelo «viii.», fazendo mais começar pelo «i.».
[2] Podendo, em alguns casos, ser preferível começar pela impugnação alargada se for previsível que a sua análise e decisão sobre ela acabar por suprir algum vício existente do artigo 410º, nº 2 do CPP.
[3] «Pressuposto do que seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é desde logo uma noção minimamente exata do que seja o objeto do processo: conjunto de factos ou de questões, cuja determinação é dada em primeira linha pela acusação ou pronúncia, peças processuais a partir das quais se vai estabelecer a vinculação temática do tribunal, mas também pela contestação ou pela defesa, ou ainda pela discussão da causa.
Determinando-se desse modo os poderes de cognição do juiz, para assim também se poder afirmar que aquilo que o tribunal investigou ou os factos sobre os quais fez incidir o seu poder/dever de decisão eram, no fundo, os que constituíam ou formavam o objeto do seu julgamento, ou da audiência de julgamento, nos termos do artigo 339º, nº 4, do CPP, e que fora deste não ficou nenhum facto que importasse conhecer, dando-os como provados ou não provados, tanto faz. Só se existir algum desses factos, que não tenha sido objeto de apreciação pelo tribunal, é que poderemos concluir pela insuficiência da decisão sobre a matéria de facto provada (ou não provada) e com ela de violação do princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, porquanto o tribunal não investigou, como lhe competia, toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa.
Em suma, existe insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340º do CPP, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição» (Francisco Mota Ribeiro, em e-book CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019).
[4] «Teremos uma contradição da fundamentação, impeditiva da função que a esta cabe, se no respetivo texto verificarmos existir uma incompatibilidade entre duas ou mais proposições, cuja conjugação não permita chegar uma conclusão logicamente coerente. Será o caso, por exemplo, de se afirmar que, “nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, “A é B” e que “A não é B”, pois as duas afirmações não podem ser ao mesmo tempo verdadeiras. Ou dar-se como provado que, nas mesmas circunstâncias descritas na acusação, e na sequência de uma discussão entre Alberto, Bernardo e Daniel, Alberto desferiu uma bofetada no rosto de Bernardo, e de seguida, na mesma decisão, dar-se como não provado que Alberto tivesse dado uma bofetada no rosto de Bernardo. Ou que, para motivar a primeira proposição, o Tribunal considerasse unicamente o depoimento da testemunha Carlos, referindo quanto à razão de ciência desta testemunha que ela se encontrava junto a Alberto e Bernardo, mas na mesma motivação da decisão de facto, de seguida, se acrescentasse que, precisamente, por se encontrar junto de Alberto e Carlos, viu presencialmente Daniel a desferir a bofetada no rosto de Bernardo. Sendo a estrutura interna da própria lógica que aqui é posta em causa, na medida em que esta exige como uma das suas regras fundamentais a inexistência de contradição entre enunciados, assim como exige que a sequência desses mesmos enunciados, no raciocínio lógico, obedeça a “uma ordem do fundamento e da consequência”, com o sentido de que o raciocínio, através do qual se obtém a ilação ou inferência, por via indutiva ou dedutiva, não utiliza os enunciados ou proposições de forma arbitrária ou casual.
Podendo dizer-se que as possibilidades de vir a ser posta em causa a fundamentação e a relação entre esta e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, nº 2, al. b), do CPP, são essencialmente reconduzíveis à violação da relação lógica que deve existir entre enunciados ou proposições, por violação do princípio da não contradição (contradição da fundamentação) e à violação do princípio do fundamento ou da ordem do fundamento e da consequência (contradição entre a fundamentação e a decisão). Nesta última hipótese caberá o seguinte exemplo: o tribunal dá como provados factos constitutivos do crime de furto, crime pelo qual vinha o arguido acusado, mas na fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica entende que, dado o arguido não ter restituído a coisa furtada, os factos integram também o crime de abuso de confiança, mas na decisão final, julgando procedente a acusação do Ministério Público, acaba por condenar o arguido apenas pelo crime de furto». (Francisco Mota Ribeiro, em e-book CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019).


[5] Francisco Mota Ribeiro é suficientemente eloquente e exemplificativo ao escrever no e-book já aqui assinalado: «Existirá um erro de tal magnitude quando, por exemplo, se se dá como provado facto, cuja possibilidade de verificação viole as leis da natureza (física mecânica) ou as leis da lógica.
Tal vício é oficiosamente cognoscível e tem de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Poderá suceder um tal erro, como vimos supra, quando na motivação da decisão de facto se invoca facto constante de documento com força probatória plena, que minimamente se reproduza na decisão recorrida, dando-se como provado facto contrário àquele, sem que tal documento tenha sido arguido de falso.
Também haverá erro notório na apreciação da prova quando se declare ou não a realidade de um facto, quando é do domínio público que o mesmo não haja ou haja ocorrido.
Há erro notório na apreciação da prova se o tribunal dá como provado que o arguido apenas havia bebido um ou dois copos de vinho, quando resulta provado que a esse mesmo arguido lhe havia sido detetada uma TAS de 2,05g/l.
Presumindo-se subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico, inerente à prova pericial (nº 1 do artigo 163º do CPP), constitui erro notório na apreciação da prova [alínea c) do nº 2 do artigo 410º] divergir--se dele sem fundamentação – Ac. do STJ, de 15/10/97, Pº 97P1494.
No âmbito da apreciação da prova indireta, quando o tribunal infere de um facto (a entrada frequente de indivíduos numa casa com volumes) aquele outro facto (de, dentro da casa, uns indivíduos irem adquirir estupefacientes), sem uma base racional sólida que tenha deixado expressa na decisão, está a cometer um erro notório na apreciação da prova, que vicia o acórdão e não permite ao STJ conhecer de fundo – Ac. do STJ, de 04/01/1996, Pº 048666.
Na aplicação do princípio in dubio pro reo, quando da decisão recorrida resultar que, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, o tribunal a quo decidiu em desfavor do arguido ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar, no entanto, evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo assim de concluir que a dúvida só não foi reconhecida, no sentido de fazer operar aquele princípio, em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP – Ac. do STJ, de 22/05/98, Pº 98P930».
[6] Conforme refere Germano Marques da Silva, «é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória».
[7] E a voz ouvida tem uma importância capital. Mas não é tudo, como é bem de ver...
Como opina o Acórdão da Relação de Évora, datado de 18/3/2010 (Pº 22/07.0GACUB.E1):
«1. Na tarefa da valoração da prova exige-se ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, nas da lógica e da ciência, sem descurar a percepção – que a imediação potencia – da personalidade do depoente.
2. A voz não é o único canal comunicativo, sendo normalmente apreciado, pelo destinatário de qualquer mensagem, como um dos elementos da mesma, mas considerado numa avaliação global de toda a comunicação estabelecida. A voz é o canal mais informativo em qualquer comunicação, mas há que coaduná-la com elementos como expressões faciais, gestuais e corporais.
3. Em primeira instância, na apreciação do depoimento dá-se relevância aos aspectos verbais, mas também se considera a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, o tom de voz, as alterações na frequência vocal, as hesitações, o período de silêncio entre a pergunta e a resposta, os silêncios, a frequência dos períodos de silêncio no decurso do discurso, durante o discurso, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos corporais etc. Releva-se, ainda, a preocupação que a testemunha revela com o efeito do deu depoimento, em cada uma das partes, nos advogados, no Tribunal, a feitura ou não de alterações no tipo de discurso, e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores até da mentira.
4. Consequentemente, a prática de registo da voz das testemunhas, em sistema áudio, e a sua reapreciação pelo Tribunal de 2.ª instância, é insatisfatória e está longe de conduzir aos melhores resultados. Por isso, quando o julgador da primeira instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova - testemunhal ou por declarações - porque a opção tomada se funda na oralidade e na imediação, o Tribunal de recurso, em princípio, só a deverá censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada carece de razoabilidade, violando as regras da experiência comum».
[8] Como diz Faria Costa (Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, pág. 174), «A primeira ideia que ressalta… é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização, relativamente à autoria. Há, pois, uma linha que se projecta não na assunção de todas as consequências… mas que se fica pelo auxílio. Isto é, fazendo apelo a um velho critério…, deparamo-nos aqui com uma causalidade não essencial».

[9] Foi-lhe dada liberdade definitiva pouco tempo antes a prática dos nossos factos [cfr. facto nº 84, alínea v)]. Saiu em liberdade em 27.5.2021 e cometi estes nossos factos em 18.11.2022.
[10] Cfr. Relatório de Segurança Interna de 2023, no qual os crimes contra o património são dos crimes mais participados e praticados nesse ano. E a tendência mantém-se.