I- O dolo do tipo é conceitualizado pela doutrina dominante como “conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito”, ou seja, contém um elemento intelectual, a que se liga um elemento volitivo, “a indiciar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento e a consequente possibilidade do agente ser punido a título de dolo”. A acrescer a esses elementos temos o elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, que integra o tipo de culpa doloso.
II- Mostra-se descrito, embora imperfeitamente, o elemento intelectual do dolo, na alegação de que “foi propósito do arguido” e de que o arguido “pretendeu” ofender a honra, consideração e brio profissional do assistente, imputar ao assistente uma conduta criminosa e à assistente causar suspeita sobre a qualidade do produto por esta comercializada. De facto, este propósito, esta intenção, pressupõe, lógica e necessariamente, que o arguido soubesse, conhecesse o potencial ofensivo do seu comportamento, só pode ser afirmada tendo ele vontade de o praticar e representando, conhecendo, o facto típico e as suas circunstâncias.
III- Da acusação particular não consta a fórmula sacramental da indicação da livre determinação do agente, mas a assistente dá conta da existência dessa liberdade quando diz que “o comportamento do arguido não resulta de um ato irrefletido” e que este “de forma insistente e por momentos distintos pretendeu” e “teve o propósito e efetivamente conseguiu”. Ou seja, considerando que agiu com intenção, o seu comportamento resultou da sua capacidade de autodeterminação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
“1º A) Entendem os recorrentes que a acusação particular contém todos os elementos elencados no artigo 283º 3. e 285º do CPP ;
B) Inversamente, não se vislumbram os fundamentos que determinaram a rejeição da acusação particular, máxime, os elementos vertidos no artigo 311º 2. a) e 3. b) e c), dado que na referida peça processual encontram-se descritos os factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos que integram esta conduta criminal;
C) Deve o douto despacho ser revogado e substituído por outro que receba a acusação particular e determine os ulteriores termos processuais, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”
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-» O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo (artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a) e 408.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal).
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-» O MP junto da primeira instância respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1.A rejeição da acusação particular por ser manifestamente fundada nos termos do artigo 311.ºdo Código de Processo Penal, por se ter entendido não estar descrito de forma completa o elemento subjetivo do crime imputado ao arguido – mormente o elemento volitivo do dolo, tem como consequência necessária o arquivamento dos autos.
2. O teor do recurso apresentado pelos assistentes mostra-se sem fundamento, pelo que não acompanhamos o mesmo.
3. Devendo o Ministério Público obediência a critérios de estrita objectividade (artigo 53.º, nr.º 1, do Código de Processo Penal), à luz, sempre, do princípio da legalidade (artigo 29.º, nr.º 1, da Constituição da República Portuguesa), não podemos concordar com os argumentos constantes no recurso apresentado pelos assistentes, concordando assim, com a posição do Mmo Juiz.
Porém, Vossas Excelências melhor decidirão, fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!
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-» Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso, dizendo que:
“Lido o requerimento de abertura de instrução, não vemos que o mesmo não contenha, ainda que, porventura, de forma imperfeita, os elementos que o douto despacho recorrido entendeu dele estarem ausentes, designadamente, os elementos volitivo e intelectual do dolo. Com efeito,
Embora no douto despacho recorrido se afirme que no requerimento «ficou por concretizar que o arguido formulou as expressões com intenção de atingir a honra dos Assistentes e que o fez de forma livre e voluntária», a verdade é que nos parece que essa intenção se encontra suficientemente descrita quando nele se diz que o arguido fez publicações no Facebook que «tiveram como propósito e efetivamente conseguiram, provocar uma ofensa à honra, consideração e brio profissional dos ofendidos»; que «a conduta do arguido não resulta de um ato irrefletido, pelo contrário, de forma insistente e por momentos distintos pretendeu imputar uma conduta ao ofendido BB um ilícito criminal (…) e à ofendida AA, a suspeita grotesca e infame da qualidade do seu produto»; e «mantendo, consciente, uma conduta delituosa» (sublinhados nossos) - e tanto basta, a nosso ver, para se concluir pela presença, no requerimento de abertura de instrução, dos elementos volitivo e intelectual do dolo, entendido o primeiro como a vontade de realização do facto e o segundo como a representação de todos os elementos que integram o facto ilícito típico.
Assim, fazendo nossa a eloquente síntese do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05 de fevereiro de 2025, proferido no processo 102/23.5GDLRA.C1 (consultável em www.dgsi.pt), cujo o tema é idêntico ao que aqui nos convoca, diremos que, «apesar da narração factual efetuada no requerimento para abertura de instrução não ser um exemplo de rigor descritivo, permite, ainda assim, o preenchimento dos elementos correspondentes à tipicidade objetiva e subjetiva do ilícito criminal em apreço, e desta forma (a provar-se a final) fundamentar a aplicação de uma pena ao arguido, sem que resultem violados os princípios do acusatório ou do contraditório».
Assim, pelo exposto, somos de parecer que o recurso interposto pelos assistentes AA e BB deve ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que receba o requerimento de abertura de instrução.”
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Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP, não foi oferecida resposta.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objeto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
No caso, a questão trazida à apreciação deste Tribunal prende-se com saber se deve ou não, ser rejeitada, por manifestamente infundada, a acusação deduzida pelos recorrentes/assistentes.
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III – Transcrição das peças processuais relevantes para a decisão do recurso:
a) Despacho recorrido (transcrição parcial):
“2.4. O artigo 180.º, do Código Penal, prescreve que comete o crime de difamação quem «…dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo». Por sua vez, e comum aos tipos legais de crime de difamação e de injúria, o artigo 182.º, do Código Penal, consagra uma cláusula de equiparação das ofensas verbais àquelas que sejam feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão. Aqui se inclui meios de comunicação que sejam também virtuais ou desmaterializados, desde que tenham idoneidade comunicativa de uma vontade que atinja a honra.
2.5. Com esta incriminação, a nossa lei procura tutelar o bem jurídico honra e consideração, entendido como um «bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação ou consideração exterior» (cf. FARIA COSTA. — Comentário Conimbricense do Código Penal. Tomo I (Coimbra: Coimbra Editora, 1999) p. 607). O bem jurídico é a honra nas suas múltiplas dimensões, em especial a concepção fáctico-normativa numa dupla dimensão: «quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior» (cf. FARIA COSTA. Comentário conimbricense ao Código Penal, tomo i (Coimbra: Coimbra editora, 2012). p. 607 por remissão de p. 629). Tutela que é constitucionalmente garantia no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição.
2.6. O preenchimento deste tipo legal de crime implica, quanto ao seu elemento objectivo, que sejam feitas imputações indirectas de 1) factos (ainda que meramente sob a forma de suspeita) que constituem algo objectivo, um acontecimento da vida real, um fenómeno da natureza ou manifestação concreta dos seres vivos, em particular os actos praticados pelas pessoas ou os seus comportamentos, podendo provar-se que aconteceram, uma vez que se tratam de realidades objectivas, ou de 2) juízos que constituem apreciações valorativas ou manifestações de uma opinião de quem os emite, produto de determinada reflexão e da sua perspectiva das coisas e do mundo.
2.7. Quanto ao elemento subjectivo, o crime de difamação é um crime essencialmente doloso, podendo o dolo consubstanciar-se em qualquer das suas modalidades (artigo 14.º do Código Penal) e que é integrado pelos elementos intelectual e volitivo. O primeiro, elemento intelectual, diz respeito à representação da realização do facto ilícito (a consciência psicológica, ou consciência intencional e o segundo, o elemento volitivo, corresponde à posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento, implicando uma decisão de vontade de realização do ilícito-típico (por via de acção ou da omissão do comportamento devido). A verificação do crime de difamação basta-se com a consciência de que o que se disse ofende a pessoa visada na sua honra e consideração, sem necessidade de qualquer dolo específico (animus difamandi).
2.8. Assim, in casu, pese embora a assistente descreva os factos referentes ao elemento objectivo do tipo de crime de difamação a verdade é que os factos relativos ao elemento subjectivo são insuficientes, porquanto os Assistentes não alegam que houve uma intenção – acto final – de ofender a honra e consideração daqueles. Omite a alegação de factos susceptíveis de demonstrarem o elemento intelectual e volitivo do dolo . Ou seja, ficou por concretizar que o Arguido formulou as expressões com intenção de atingir a honra dos Assistentes e que o fez de forma livre e voluntária. O que pretendia e quis alcançar o Arguido quanto formulou as expressões? A acusção particular não concretiza, limitando-se a imputar objectivamente um sentido sem que a partir deste se desvenda qual a conduta finalística assumida pelo Arguido. Neste sentido, e quanto ao elemento volitivo do tipo de dolo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2019 (ECLI:PT:TRC:2019:267.16.2T9PMS.C1.60, disponível no sítio https://jurisprudencia.csm.org.pt/). Não consta da acusação particular a alegação de factos suficientes para demonstrar a verificação do elemento intencional e volitivo do volitivo do dolo, pelo que não é possível imputar os factos alegados como resultando da resolução tomada pelo Arguido de atingir e ofender a honra dos Assistentes. Não se trata de um problema de utilização de uma fórmula não padrão, antes a total ausência de factos imputados ao Arguido (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.12.2023, ECLI:PT:TRC:2023:157.22.0GDCBR.C1.D2, disponível no sítio https://jurisprudencia.csm.org.pt).
2.9. A acusação particular é, pois, totalmente omissa quanto à intenção e vontade livre e consciente, ao propósito concretizado de ofender a honra e consideração dos Assistentes por parte do Arguido prática dos factos. Tal omissão de tais factos essenciais relativos ao elemento subjectivo do crime de difamação não é passível de ser suprida por via do artigo 358.º do Código de Processo Penal. A este respeito, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015, de 20 de Novembro de 2014, publicado no D.R. 1.ª Série, n.º 18, de 27 de Janeiro: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.»
2.10. Posto sito, entende-se, igualmente, que a omissão dos factos referentes ao elemento subjectivo também não pode ser suprida pelo artigo 359.º do Código de Processo Penal na medida em que a alteração substancial dos factos a que se reporta o artigo 1.º alínea f) do Código de Processo Penal, implica que os factos descritos na acusação constituam crime e que, após a alteração substancial dos mesmos, passem a integrar um crime diverso ou o agravamento das penas.
2.11. Ora, no caso dos autos, em face da ausência do elemento subjectivo do crime de difamação a factualidade descrita na acusação não constitui crime. Não havendo crime, naturalmente que não pode haver imputação de um crime diverso nem a agravação das penas.
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.12. Desta forma, a conduta descrita na acusação é, assim, uma conduta atípica por não preencher os elementos subjectivos do crime de difamação, que não estão descritos, e, nessa medida, não constituiu a prática de dois crimes, logo o Tribunal decide rejeitar da acusação particular deduzida pelos assistentes AA e BB contra o arguido CC por ser manifestamente infundada na acepção do artigo 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alíneas b) e d) do Código de Processo Penal.”
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b) Acusação particular (transcrição parcial):
“AA e BB, casados entre si, sob 0 regime da comunhão de adquiridos, assistentes nos autos à margem identificados vêm deduzir ACUSAÇÃO PARTICULAR contra o arguidor CC, melhor identificado nos autos à margem identificados, porquanto:
No dia 25 de setembro de 2023, o arguido publicou, na rede social FACEBOOK (META) sob duas fotografias numa das quais estão os ofendidos «o queijo é muito bom sabe a cão» e «esse senhor de camisola às riscas mata os cães a pontapé».
O «senhor de camisola às riscas» é o ofendido BB.
No mesmo dia, publica «esse senhor de camisola às riscas faz queijo com sabor a cão uma maravilha».
«o queijo desse senhor de camisola às riscas é muito bom sabe a cão».
Conforme resulta da fotografia publicada, estão nela retratados os dois ofendidos, marido e mulher, sendo que a ofendida AA é produtora de queijo.
Não satisfeito com a sua façanha, em 17 de outubro de 2023, faz nova publicação na mesma rede social, com o teor «tenho mais para mostrar fica para a feira do queijo de ...» e, sobre uma fotografia do ofendido BB «o homem que mordeu cão com assistência como se vê».
Estas publicações, utilizando um meio de difusão que facilita a sua divulgação, tiveram como propósito e efetivamente conseguiram, provocar uma ofensa à honra, consideração e brio profissional das ofendidos.
Os ofendidos são jovens conhecidos no meio social onde estão inseridos e a ofendida AA, é empresária produtora de queijo, que comercializa na região.
A conduta do arguido não resulta dum ato irrefletido, pelo contrário, de forma insistente e par momentos distintos pretendeu imputar uma conduta ao ofendido BB, que por si só constituiria um ilícito criminal «mata os cães a pontapé» e à ofendida AA, a suspeita grotesca e infame da qualidade do seu produto.
Mantendo, consciente, urna conduta delituosa ao publicar que « tenho mais para mostrar fica para a feira do queijo de ...».
Cometeu assim, o arguido um crime de difamação agravado, p.p. pelo artigo 1810 do Código Penal, agravado pelo artigo 183. a), do mesmo diploma legal.”
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IV- Do mérito do recurso:
De acordo com o disposto no art.º 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente pode despachar no sentido, designadamente, « a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada».
O n.º3 deste normativo clarifica que:
«Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) Quando não contenha a identificação do arguido;
b) Quando não contenha a narração dos factos;
c) Se não identificar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou
d) Se os factos não constituírem crime.»
Vejamos que a versão inicial do CP não previa qualquer definição do âmbito do poder de sindicância da acusação pelo juiz de julgamento aquando do saneamento dos autos.
O Ac. FJ do STJ n.º 4/93, de 17 de Fevereiro (DR, I-A, de 26 de Março de 1993) decidiu que esse poder incluía a faculdade de rejeição da acusação por manifesta insuficiência de prova indiciária, permitindo-se assim que o juiz avaliasse os elementos probatórios constantes do inquérito.
Considerando as dessintonias criadas no edifício jurídico por esta jurisprudência, a Lei n.° 59/98, de 25.8, introduziu o n.° 3 no art.º 311.° com o propósito de a fazer caducar, e prevendo então, de modo claro e taxativo, as situações que podem levar à conclusão de se estar perante uma acusação manifestamente infundada.
Trata-se, em todos os casos, de controlar os vícios estruturais graves da acusação referidos no artigo 311.°, n.° 3, aditado pela Lei n.° 59/98, de 25.8.
Salienta Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, Verbo, pg 207, que estes vícios se sobrepõem às nulidades sanáveis do artigo 283.°, n.° 3, ais. a), b), c) ("sob pena de nulidade"), sendo aqui matéria de conhecimento oficioso do tribunal.
Tal não significa, evidentemente, que as causas de rejeição se transformem em causa de nulidade de conhecimento oficioso e que lhe seja aplicável o regime das nulidades, por a tal obstar o princípio da tipicidade das nulidades consagrado nos artigos 118 e 119 do CPP. Desta forma, ultrapassada a fase do saneamento, fica excluída a possibilidade de rejeição da acusação – neste sentido, António Latas, Comentário Judiciário do CPP, Almedina, Tomo IV, pg. 48.
A expressão “manifestamente infundada”, por referência à acusação, tem o sentido de ser evidente, notório, que a pretensão de submissão do arguido a uma pena ou a medida de segurança não pode proceder.
Ora, o juiz a quo invocou, como fundamento da rejeição da acusação particular, o disposto na al. b) - a acusação “não contenha a narração dos factos”- e na al. c) – os factos não constituírem crime” - do n.º 3 do art.º 311º do CPP, dizendo que os assistentes omitiram a descrição dos factos referentes ao elemento subjetivo do crime imputado ao arguido, já que, escreve, não foi alegado que “houve uma intenção – acto final – de ofender a honra e consideração daqueles. Omite a alegação de factos susceptíveis de demonstrarem o elemento intelectual e volitivo do dolo . Ou seja, ficou por concretizar que o Arguido formulou as expressões com intenção de atingir a honra dos Assistentes e que o fez de forma livre e voluntária. O que pretendia e quis alcançar o Arguido quanto formulou as expressões? A acusação particular não concretiza, limitando-se a imputar objectivamente um sentido sem que a partir deste se desvenda qual a conduta finalística assumida pelo Arguido.
Invoca ainda a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º 1/2015, onde se lê que:
«A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.358.º do CPP».
Vejamos então.
Focando a nossa atenção na jurisprudência fixada invocada pelo juiz a quo, constatamos que esta se mostra particularmente relevante quanto a vários aspetos.
Assim, neste aresto desde logo nos é recordado que o processo penal tem uma estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação da verdade material, encontrando fundamento no art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Daqui decorre o princípio da vinculação temática, ou seja a subordinação do juiz do julgamento ao objeto definido pela acusação (os factos dela constantes), a demarcação do thema probandum por esse objeto, e também a determinação dos limites da decisão (thema decidendum).
E os factos que constituem o «objeto do processo» têm que ter a concretização suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, consequentemente, serem objeto de prova.
Lembra ainda este Acórdão o texto do art.º 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, que impõe que a acusação contenha “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.»
E depois, e com interesse para o caso dos autos, frisa que:
“(…) a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito.
A acrescer a esses elementos teríamos o tal elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, como vimos, do tipo de culpa doloso, na doutrina de FIGUEIREDO DIAS.
Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
Quanto à extrapolação do dolo a partir dos factos, consigna que uma realidade é a comprovação do dolo através de presunções naturais e outra, diversa é conceptualizar o dolo como emanação da própria factualidade objetiva, presumindo-o. E conclui que: “De forma alguma será admissível que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objetivos, com «recurso á lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum».”.
À luz destes ensinamentos, e revertendo para o caso dos autos, tenhamos presente que o crime que os assistentes imputam ao arguido é um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180º do CP
De acordo com o disposto neste normativo, comete o crime de difamação quem “dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
Para que determinada conduta possa vir a ser subsumida à materialidade objetiva do tipo ora considerado, é desde logo necessária uma atuação consistente na imputação de um facto ou na formulação de um juízo - o que significa, num e noutro caso, apresentá-los como corretos segundo uma convicção própria - ou na reprodução de tal imputação ou juízo - divulgando-os agora como uma informação alheia. Posto é que efetuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada, através de terceiros.
Difamar é, pois, desacreditar, diminuir a reputação, o conceito público em que alguém é tido, isto é, imputar a outra pessoa um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou da sua consideração.
O conceito de honra é achado por referência ao quadro constitucional e aos vetores da igualdade (que impõe um reconhecimento igual da honra das pessoas) e do pluralismo (que exige que o reconhecimento da honra não fique dependente de conceções morais e sociais) e será, então, a “pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros”. Desta forma, o lado social da honra (a reputação ou consideração) e o seu lado individual (o bom nome) surgem fundidos numa “pretensão de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade” (cfr. Silva Dias, Alguns aspetos do regime jurídico do crimes de difamação e injúrias, AAFDL, 1989, p. 17 e 18).
Assumindo a total analogia substancial - ou congruência - entre a ordem de valores constitucional e a ordem dos bens que merecem tutela do direito penal, o que verdadeiramente importa, por conseguinte, é ter presente que, para o direito penal, “honra” será aquilo que “no viver em sociedade” se revelar indispensável, em termos de estrita reciprocidade, à vivência e salvaguarda da referida dignidade de cada um, bem como do respeito que todos os outros lhe devem.
No crime em análise não se protege, pois, a suscetibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, sendo uma das suas características a da sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso ou difamatório de determinada palavra ou ato é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre.
A determinação do que é ofensivo da honra terá pois de ser conseguida a partir do senso e da experiência comuns, os quais nos dirão se, e quando, certo e determinado comportamento é ou não ofensivo.
De facto, há um consenso na generalidade das pessoas, pelo menos de um certo país, sobre o que razoavelmente se deve considerar ofensivo (Cf. Beleza dos Santos, R.L.J., 92, 167.), sobre o comportamento que deve nortear cada um na convivência com os outros em ordem a que a vida em sociedade se processe com um mínimo de normalidade. Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros, se for respeitado o mínimo de respeito moral, cívico e social, mínimo esse de respeito que não se confunde, porém, com educação ou com cortesia, pelo que os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito, consabido que o Direito Penal, neste particular, não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências.
No quadro normativo atual, no entanto, não é possível fazer uma análise dos crimes contra a honra sem ter presente a letra (artigo 10º, nº 1 e 2 ) da Convenção e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).
Este normativo convencional estipula, como obrigação diretamente decorrente da sua letra e do seu espírito, a obrigação de o Estado português assegurar a plena vigência daquele princípio de liberdade de expressão, exigindo-se mesmo a implementação de medidas positivas de proteção, seja de facto, seja de direito – acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Manole e outros c. Moldávia, apud Ac RE de 13/12/2011, Processo: 99/08.1TAGLG.E1, in www.dgsi.pt.
Assim, tem o tribunal de assegurar que a liberdade de expressão é garantida através de um justo equilíbrio entre a liberdade de expressão consagrada como princípio no artigo 10º da Convenção e a honra da pessoa em causa, enquanto direito decorrente da proteção da vida privada consagrado no artigo 8º da Convenção – acórdão Cumpana e Mazare c. Roménia (processo nº no 33348/96 de 17-12-2004), § 91, disponível in https://hudoc. echr.coe.int › eng), sendo que pelo TEDH é conferido um peso maior à liberdade de expressão sobre a honra das pessoas, em consonância com a tradição anglo-saxónica, reservando a proteção penal daquele direito para situações de ultima ratio.
A lesão da honra e consideração não constitui elemento do tipo, bastando à consumação da difamação o perigo de que aquele dano possa verificar-se, configurando-se este crime como um crime de perigo (cfr. António de Oliveira Mendes, in “O Direito à Honra e a sua Tutela Penal”, Almedina, 1996, pág. 40 e ss.)
O crime de difamação é um crime necessariamente doloso (art. 13° do Código Penal), pressupondo o conhecimento dos elementos objetivos do tipo (elemento intelectual do dolo), a vontade de realização do facto (elemento volitivo) e a consciência da ilicitude da conduta (elemento emocional do dolo). O dolo pode aqui revestir qualquer das suas modalidades, incluindo o dolo eventual (art. 14º do CP).
Seguindo de perto os ensinamento de Figueiredo Dias sobre a construção do ilícito criminal, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pg 332 a 334, notamos - por ser essencial para a decisão da questão em apreço - que o dolo do tipo é conceitualizado pela doutrina dominante como “conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito”, ou seja, contém um elemento intelectual, a que se liga um elemento volitivo, “a indiciar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento e a consequente possibilidade do agente ser punido a título de dolo” .
O momento intelectual do dolo significa que só podemos afirmar um comportamento doloso quando o “agente conhece tudo quanto é necessário para a correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética ou dos valores se ponha e resolva corretamente o problema da ilicitude do comportamento”
Assim, não existindo essa representação ou sendo a representação errónea, o dolo terá de ser negado.
A punição do agente a título de dolo exige ainda uma decisão de vontade dirigida à sua realização (o elemento volitivo), conexa com o elemento intelectual e que serve também para indicar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento.
Esta decisão de vontade implica um correto conhecimento da factualidade típica, pois só se pode exercer a vontade relativamente à realidade de que se tem conhecimento, que se representa.
A acrescer a esses elementos temos o tal elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, que integra o tipo de culpa doloso.
Ora, no caso dos autos, considerando tudo o que acima foi dito, entendemos que, embora não o faça de uma forma perfeita, a acusação particular deduzida nos autos descreve os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito e, ainda, do tipo de culpa.
De facto, dela consta que “foi propósito” do arguido “provocar uma ofensa à honra, consideração e brio profissional das ofendidos” e que “a conduta do arguido não resulta dum ato irrefletido, pelo contrário, de forma insistente e por momentos distintos pretendeu imputar uma conduta ao ofendido BB que por si só constituiria um ilícito criminal «mata os cães a pontapé» e à ofendida AA, a suspeita grotesca e infame da qualidade do seu produto.
Mantendo, consciente, uma conduta delituosa ao publicar que « tenho mais para mostrar fica para a feira do queijo de ...».”
Foram pois alegados os factos que integram o elemento volitivo do dolo (direto), traduzido na vontade do agente de praticar o facto (“foi propósito”, “pretendeu”).
E a descrição feita contém factos integrantes da consciência da ilicitude, enquanto dolo da culpa, como tinha de ser (“manteve consciente uma conduta delituosa”, ou seja, tinha consciência, sabia, que a conduta era delituosa, de que era ilícita, proibida).
E esclarece o STJ no referido Ac FJ n.º 1/2015:
“ Quanto ao conhecimento da proibição legal, que não é exactamente equivalente a “consciência da ilicitude”, será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito. «Por isso, o desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo […] » FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pp. 363/364).
A necessidade de tal exigência faz-se sentir sobretudo a nível do direito contra-ordenacional, do direito penal secundário, relativamente a certas incriminações de menor relevância axiológica, mas também a nível de algumas incriminações do direito penal de justiça, principalmente no que toca à protecção de bens jurídicos cuja consciência se não encontra ainda suficientemente solidificada na comunidade social. Então, faz sentido exigir o conhecimento da proibição como forma de realização do dolo do tipo.
Na generalidade dos casos, porém, o sentido ou significação da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo. Na verdade, em crimes como o de homicídio, ofensa à integridade física, furto, injúrias, pôr a questão de saber se o agente, que actuou conscientemente, representando todas as circunstâncias do facto, e querendo, mesmo assim, a sua realização, actuou ou não com conhecimento da proibição legal, isto é, se sabia que matar, agredir fisicamente uma pessoa, subtrair coisa alheia para dela se apropriar, ofender a honra de alguém, era proibido legalmente, seria o mesmo que questionar se ele efectivamente vivia neste mundo ou se não seria um extraterrestre acabado de aterrar neste planeta, como no filme de Steven Spielberg.”
Já em relação ao elemento intelectual do dolo, os assistentes alegaram que o arguido agiu de forma consciente, ou seja, sabendo o que estava a fazer, tendo no entanto omitido a menção de que o fizeram livremente, com conhecimento das circunstâncias da factualidade típica (dos elementos integrantes do tipo).
Contudo, parece-nos que tal elemento intelectual está contido na alegação de que “foi propósito do arguido” e de que o arguido “pretendeu” ofender a honra, consideração e brio profissional dos assistentes, imputar ao assistente uma conduta criminosa e à assistente causar suspeita sobre a qualidade do produto por esta comercializada. De facto, este propósito, esta intenção, pressupõe, lógica e necessariamente, que o arguido soubesse, conhecesse o potencial ofensivo do seu comportamento.
Sabemos que o que releva é o conhecimento (previsão ou representação), por parte do agente, atuando voluntariamente, das circunstâncias do facto, ou, por outras palavras, o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, dos elementos materiais constitutivos do tipo objetivo do ilícito e que a repercussão negativa na honra e consideração dos assistentes, pretendida pelo arguido, pode ser uma consequência da conduta mas não é elemento do crime.
No entanto, reitera-se, a intenção do arguido de que o comportamento se repercutisse negativamente nestes bens jurídicos só pode ser afirmada tendo ele vontade de o praticar e representando, conhecendo, o facto típico e as suas circunstâncias.
(neste sentido, Ac. RE de 05-12-2023, Processo:155/22.3GESLV.E1, disponível in www.dgsi.pt)
Ou seja, não há omissão de alegação do elemento intelectual do dolo.
Mas vemos também que da acusação particular não consta a fórmula sacramental da indicação da livre determinação do agente.
Contudo, a assistente dá conta da existência dessa liberdade quando diz que “o comportamento do arguido não resulta de um ato irrefletido” e que este “de forma insistente e por momentos distintos pretendeu” e “teve o propósito e efetivamente conseguiu”.
Ou seja, considerando que agiu com intenção, o seu comportamento resultou da sua capacidade de autodeterminação.
(cfr Ac. RE de 2018-07-12, Processo nº 115/14.8NJLSB.E1, de 07-01-2016, Processo: 49/15.9PATVR.E1 e da RG de 19 Junho 2017, Processo: 430/15.3GEGMR.G1
Em suma: a acusação particular deduzida pelos assistentes descreve - minimamente é certo, mas ainda assim, suficientemente - o elemento subjetivo do tipo de ilícito.
A descrição, para além do mais, desordenada e segmentada, é contudo passível de ser descortinada e o juiz do julgamento pode, se assim o entender, rearrumá-la, não estando também vinculado ao uso das exatas palavras empregues pelos assistentes na descrição da factualidade que imputa ao arguido.
Assim, o recurso merece provimento.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso interposto pelos assistentes, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra em conformidade com o supra exposto.
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Sem tributação.
Coimbra, , 9 de Abril de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sara Reis Marques
Alexandra Guiné
Alcina da Costa Ribeiro