I - Na jurisprudência, a questão de saber quando é que o assistente tem interesse em agir em matéria relativa à fixação da espécie e medida da pena, ou seja, quando é que está em causa a tutela de um interesse próprio, não tem tido uma posição unívoca.
II - A posição dominante, mais restritiva, tem dado lugar a uma tese mais ampla, que atribui ao assistente um papel na promoção de uma aplicação correta do direito, conferindo-lhe o direito a recorrer desacompanhado do M.º P.º - e mesmo que do provimento do recurso advenha alteração da espécie e medida da pena - em todos os casos em que, ao longo do processo, tenha pugnado ativamente por uma determinada solução jurídico-criminal que a decisão final não consagrou.
III - O assistente tem o direito de recorrer para obter tutela judicial efetiva para as concretas pretensões por que ativamente foi pugnando no decurso do processo, de obtenção de uma pena que alcance as finalidades estabelecidas no art. 40º do Código Penal, designadamente a de proteção do bem jurídico de que é titular, o que no seu entendimento, não é logrado com a pena em que as arguidas foram condenadas.
IV - O concreto interesse em agir não está, advoga-se, ligado apenas a um interesse de carácter patrimonial ou a eventuais consequências que a decisão final pudesse acarretar noutros processos ou ramos do direito.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
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I – relatório:
- » Por sentença datada de 17/10/2024, proferida no âmbito do processo comum singular nº 5/23.3PCLRA.C1 foram as arguidas AA e BB condenadas, cada uma, “pela prática, em co- autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido, pelo artigo 143.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 ( cinco euros), o que perfaz o montante global de €650,00 ( seiscentos e cinquenta euros)” tendo ainda sido decidido “Julgar parcialmente procedente, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante CC contra as demandadas AA e BB, e, em consequência, condenar as demandadas , solidariamente, no pagamento ao demandante da quantia de €1.500,00 ( mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, a qual vencerá juros moratórios, à taxa legal sucessivamente em vigor, contados a partir do trânsito em julgado da presente decisão, no mais se absolvendo as demandadas do peticionado.”
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-» Inconformado, o assistente/demandante civil CC interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
I- O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro na apreciação do Direito, quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena.
II.Apesar de não terem antecedentes criminais, as Arguidas demonstraram um manifesto desprezo pelo processo e por este Tribunal, não se tendo dignado a comparecer na diligência de julgamento ou na leitura de sentença.
III.As Arguidas não demonstraram, ao longo do processo, qualquer arrependimento pela sua actuação.
IV.Também os factos praticados pelas Arguidas se revelam particularmente censuráveis, desde logo porque o Recorrente tinha, à data dos factos, 90 anos de idade.
V. As Arguidas eram duas e agrediram o Recorrente em simultâneo, atacando-o com um objecto (ferro ou pau) e, ainda, desferindo-lhe pontapés quando o este se encontrava, indefeso, no chão.
VI.Claramente, a actuação das Arguidas poderia ter tido consequências muito mais gravosas para o Recorrente, face à sua avançada idade.
VII. Por outro lado, não são conhecidos rendimentos mensais às Arguidas, nem a propriedade de quaisquer bens móveis ou imóveis, o que demonstra que não estão minimamente inseridas na sociedade, nem têm uma vida pessoal e profissional estável.
VIII. Todas estas circunstâncias demonstram que a pena de multa não é suficiente para satisfazer as exigências de tutela dos bens jurídicos em causa, concretamente, a integridade física das pessoas, nem para satisfazer a necessidade de socialização das Arguidas.
IX. A pena de multa não é suficiente para desencorajar as Arguidas de voltar a praticar actos de natureza semelhante, designadamente, em retaliação contra o próprio Recorrente, que, como proprietário do imóvel que as Arguidas ocupam, continua obrigado a contactar com as mesmas.
X.A espécie de pena aplicada às Arguidas, de baixa intensidade repressiva, causa claro prejuízo ao Recorrente, na medida em que coloca em causa a sua própria segurança, bem como, viola ainda as suas expectativas e interesses legítimos dado que o Recorrente sempre pugnou para que as Arguidas fossem condenadas e punidas exemplarmente pelos factos contra si praticados, de forma a garantir que estas não voltem a repeti-los.
XI- Acresce que, conforme resulta dos factos provados, não são conhecidos às Arguidas rendimentos mensais ou quaisquer bens móveis ou imóveis, pelo existe uma forte probabilidade de as Arguidas não cumprirem a pena que lhes foi aplicada.
XII. Assim, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por erro na apreciação e aplicação do Direito, concretamente, do disposto no art. 70.º do Código Penal, sendo substituída por acórdão que aplique a medida de pena de prisão às Arguidas, ainda que suspensa na sua execução.
XIII. Caso não se entenda o supra alegado – o que não se admite – e com o devido respeito, entende-se que o Tribunal a quo também fez uma incorrecta ponderação dos factos, para efeitos de fixação do quantitativo diário das penas de multa.
XIV. O Tribunal a quo ignorou as várias agravantes do comportamento das Arguidas, mormente, a provecta idade do Recorrente à data dos factos, com todos os riscos daí decorrentes face aos factos em análise, e o desprezo que manifestaram pelo processo.
XV. A culpa das Arguidas e o grau de ilicitude são graves.
XVI. Assim, entende-se que a pena a aplicar às Arguidas nunca deveria ser inferior a 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa.
XVII. Na determinação do quantitativo diário da multa, ainda que esteja provado que não são conhecidos rendimentos mensais às Arguidas, não quer dizer que os mesmos inexistam, o que não se provou.
XVIII. A fixação do quantum diário da pena de multa pelo mínimo legal deve estar reservado para situações de manifesta pobreza, pois só nesse caso a aplicação de um valor superior a esse mínimo pode constituir uma privação total do sustento do arguido. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/05/2016, in www.dgsi.pt)
XIX. No caso em apreço, não está provado que as Arguidas vivam numa situação de pobreza, nem se provou, sequer, que atravessem quaisquer dificuldades económicas ou de sustento.
XX. A multa a aplicar às Arguidas tem de lhes impor um sacrifício, sob pena de não constituir uma verdadeira punição e não cumprir as finalidades do processo penal. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/11/2015, in www.dgsi.pt)
XXI. A verdadeira punição pelos crimes em que as Arguidas foram condenadas apenas se poderá verificar caso se fixe o quantitativo diário das penas de multa num valor de, no mínimo, €50,00 (cinquenta euros).
XXII. Por conseguinte, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por incorrecta apreciação e aplicação do Direito, concretamente, do art. 47.º, n.º 2, do Código Penal, sendo substituída por Acórdão que aplique a cada uma das Arguidas a pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e fixe o respectivo quantitativo diário em €50,00 (cinquenta euros).
XXIII.Relativamente ao pedido de indemnização civil, tendo-se concluído pela ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente, a fixação da respectiva indemnização deve ser feita de modo equitativo, tendo em consideração o grau de culpabilidade das Arguidas, a sua situação económica e financeira e outras circunstâncias relevantes para o caso concreto.
XXIV. O comportamento das Arguidas é censurável, na medida em que agiram com dolo directo, representando os factos e querendo praticá-los.
XXV. O grau de ilicitude da conduta das Arguidas é elevado, considerando a idade do Recorrente e a falta de arrependimento das Arguidas.
XXVI.Não ficou demonstrado que as Arguidas atravessem quaisquer dificuldades financeiras, não obstante se ter provado que não lhes são conhecidos rendimentos mensais.
XXVII. Face circunstâncias do caso concreto e aos danos sofridos pelo Recorrente, a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €1.500,00, ainda por cima a pagar solidariamente entre ambas as Arguidas, parece ter um cariz meramente simbólico.
XXVIII. Considerando os danos que se visa ressarcir, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada num valor significativo, de acordo com critérios de equidade, que não deve ser inferior a €10.000,00 (dez mil euros), a pagar solidariamente pelas Arguidas.
XXIX. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada por erro na apreciação e aplicação do Direito, concretamente, dos arts. 494.º e 496.º, n.º 3, do Código Civil, sendo substituída por Acórdão que condene as Arguidas, solidariamente, no pagamento ao Recorrente de indemnização por danos não patrimoniais no montante de €10.000,00 (dez mil euros).
Nestes termos e nos melhores de Direito, que os Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve a sentença ora recorrida ser revogada, e, consequentemente, substituída por Acórdão que:
a) Condene as arguidas AA e BB em pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução
Subsidiariamente,
b) Condene as arguidas AA e BB, cada uma, em pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias demulta, com o quantitativo diário em €50,00 (cinquenta euros);
Em qualquer dos casos,
c) Condene as demandadas AA e BB, solidariamente, no pagamento ao demandante CC do montante de €10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.”
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O recurso foi admitido, por ter sido considerado tempestivo e legal, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo ( cfr. artigos 399.º, 401.º,n.º1, alíneas b) e c), 402.º,n.º1, 406.º,n.º1, 407.º,n.º2, alínea a), 408.º,n.º1, alínea a), 410.º, 411.º e 412.º, todos do Código de Processo Penal).
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-» O Ministério Público apresentou resposta, nos seguintes termos:
“1.A pena de multa é a adequada, ao invés da pena de prisão ainda que suspensa na execução.
2. A sentença sub judice não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida na íntegra.”
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-» A arguida AA apresentou resposta, que motivou e conclui dizendo que:
“a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada e não enferma de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.”
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-» -» A arguida BB apresentou resposta, que motivou e conclui dizendo que:
1. Não merece qualquer reparo ou censura a d. decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo, a mesma, manter-se inalterada.
2. A d. sentença proferida, não padece de qualquer erro na apreciação do direito, quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena, dado não existir uma incorrecta ponderação dos factos, no que à fixação do quantitativo diário das penas diz respeito.
3. Os pressupostos que levaram à fixação dos montantes fixados, no pedido cível, encontram-se conformes.
4. Não existindo igualmente, no que ao pedido cível diz respeito, qualquer motivo, que leve à sua alteração, dado os pressupostos que levaram à fixação dos montantes indicados na d. sentença se encontrarem conformes ao direito”
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_» Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer, sustentando carecer o assistente de legitimidade para recorrer relativamente à medida da pena, já que não invoca qualquer interesse específico e próprio, distinto da finalidade de defesa social que a medida das penas visa prosseguir e proteger e que ao Ministério Público compete e não emitindo pronúncia relativamente à justeza ou não da indemnização fixada.
À cautela, pronunciou-se relativamente às penas aplicadas, julgando-as justas.
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-» Notificadas as arguidas em conformidade com o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, veio a arguida BB pugnar pela manutenção da sentença recorrida.
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-» Notificado o assistente nos termos e para os mesmo efeitos, advogou que demonstrou um específico interesse em recorrer nos artigos 22 a 26 das conclusões.
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Colhidos os «vistos» e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II – Questões a decidir.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença proferida nos autos – a única questão suscitada pelo recorrente prende-se com a dosimetria das penas aplicadas, que este reputa de excessivamente benevolente e com o quantum indemnizatório, que o recorrente pretende que seja aumentado.
Tendo em conta que se trata de recurso interposto pelo assistente, desacompanhado do Ministério Público (que, aliás, sustentou a improcedência do recurso), cabe discutir a existência de interesse em agir por parte do recorrente relativamente ao recurso na parte penal.
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III – Transcrição dos segmentos da decisão recorrida relevantes para apreciação do recurso interposto.
“A. Factos Provados:
Com interesse para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 4 de Janeiro de 2023, cerca das 12h35 horas, na Rua ... em ..., as arguidas, por motivos não inteiramente apurados (mas relacionados com o contrato de comodato existente entre o assistente e a arguida AA), em comunhão de esforços e intentos dirigiram-se ao assistente CC, na altura com 90 anos de idade, tendo uma das arguidas desferido um golpe, com um objecto não concretamente apurado, no membro superior esquerdo daquele, tendo o assistente caído no chão.
2. Já com o assistente caído no chão, as duas arguidas desferiram-lhe pontapés no corpo.
3. Como consequência directa e necessária da actuação das arguidas resultaram para o assistente, para além de dores e sofrimento físico, as seguintes lesões:
Face: equimose arroxeada, na região malar direita, medindo 4x2cm;
Ráquis: mobilidades da coluna vertebral mantidas dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus e à palpação das apófises espinhosas lombares.
Membro superior esquerdo: escoriação crosta sanguínea, no cotovelo, medindo,1cm de diâmetro, com edema subjacente. Mobilidades mantidas dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus;
Membro inferior direito: edema do joelho direito, quente ao toque. Mobilidades mantidas dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus;
Membro inferior esquerdo: ponteado equimótico arroxeada-avermelhado na face anterior do joelho, ocupando uma área de 5x4cm, no seio da qual apresenta 2 escoriações sanguíneas, a maior na sua extremidade supero-medial, medindo 3cm de diâmetro; ligeiro edema do joelho, quente ao toque. Mobilidades mantidas, dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus lesões.
4. As lesões atrás referidas determinarão, em condições normais, um período de doença fixável em 10 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral (10 dias);
5.As arguidas, com a conduta descrita, agiram em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do assistente, o que representaram e quiseram.
6.Actuaram as arguidas de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou ( Do pedido de indemnização civil):
7. Em virtude da conduta das arguidas o assistente sentiu vergonha.
8. Em virtude da conduta das arguidas o assistente ficou com medo.
Mais se provou ( Da situação económica das arguidas):
9. Não são conhecidos quaisquer bens móveis ou imóveis à arguida AA.
10. Não são conhecidos rendimentos mensais à arguida AA.
11. Não são conhecidos quaisquer bens móveis ou imóveis à arguida BB.
12. Não são conhecidos rendimentos mensais à arguida BB.
13. Do Certificado de Registo Criminal da arguida AA. “ nada consta” averbado.
14. Do Certificado de Registo Criminal da arguida BB “nada consta” averbado.
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B. Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão a proferir não se provou que:
a)Os factos descritos em 1. ocorreram no dia 5 de Janeiro de 2023, cerca das 10h53.
b)Nas circunstâncias descritas em 1. o objecto utilizado pela arguida foi um ferro.
c)Nas circunstâncias descritas em 1., uma das arguidas desferiu um golpe, com um ferro, na zona lombar do assistente.
d)Com as agressões referidas em 1, as arguidas provocaram a queda do assistente pelas escadas ali existentes.
e)Nas circunstâncias referidas em 2 as arguidas desferiram murros ao assistente.
f)Devido à conduta das arguidas, o assistente tem muita dificuldade em caminhar, face às dores que sente na coluna e pernas.
g)Devido à conduta das arguidas e em consequência das dores que sente no braço esquerdo, o assistente tem dificuldade em levantar objectos.
h)As dores do assistente são permanentes.
i)Por foça das agressões de que foi vítima, o assistente deixou de se deslocar ao imóvel descrito em 1., de que é proprietário, para obter a leitura dos contadores da água e da electricidade.
j) O assistente temeu pela sua própria vida.
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III – Motivação da Decisão de Facto:
Na formação da sua convicção, o Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, a qual, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal, foi apreciada segundo a livre convicção da entidade competente e as regras da experiência comum.
Importa começar por referir que a audiência de julgamento decorreu na ausência das arguidas.
Assim, o tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada descrita de 1 a 6, com base nas declarações do assistente CC, conjugadas com o Relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito penal (junto a fls. 46/47), com a documentação clínica junta a fls. 51 a 55 e com o auto de notícia de fls.3.
Assim:
Relativamente à data em que ocorreram os factos mostrou-se relevante o teor do auto de notícia de fls. 3, de onde consta a data e hora da “ocorrência”, conjugado com o teor da documentação clínica junta aos autos a fls. 51 a 55 de onde consta a data de admissão no serviço de urgência ( dia 4 de Janeiro de 2023) e a data em que foi realizado o RX solicitado no HSA urgência ortopedia ( 4 de Janeiro de 2023). De resto, saliente-se que o assistente disse ter contactado de imediato, via telefone, a Polícia, que se deslocou rapidamente ao local. Mais acrescentou que se deslocou às urgências, no dia em que foi agredido.
Quanto à actuação das arguidas nas circunstâncias de lugar a que se reporta a acusação, o Tribunal fundou a sua convicção com base nas declarações prestadas pelo assistente em sede de audiência de julgamento, das quais se pode retirar, ter sido atingido por uma das arguidas ( que julga ter sido a arguida AA), com um objecto (não logrando precisar de que objecto se tratava – ferro ou pau) , pelo menos, no braço esquerdo. Das aludidas declarações resulta ainda que quando já se encontrava caído no chão, no patamar, as arguidas (tendo referido de forma convincente que foram as duas) desferiram-lhe pontapés.
O assistente descreveu, assim, as agressões de que foi alvo e que resultaram provadas nos termos “supra” expostos. De resto, importa salientar que o assistente foi no dia seguinte (em 05/01/2023) sujeito a exame médico –legal onde foram verificadas as lesões descritas em 3. dos factos provados. Assim, o Tribunal não pode olvidar a existência de lesões no assistente, comprovadas pelo relatório médico-legal juntos aos autos, a saber, a fls. 46 e 47 dos presentes autos, lesões essas compatíveis com o que foi descrito pelo assistente em sede de audiência de julgamento, designadamente, quanto à agressão no braço esquerdo com um objecto, queda no chão e subsequentes pontapés. De resto, do próprio relatório médico –legal resulta que as lesões” atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação”,
Assim, as declarações do assistente conjugadas com a documentação clínica junta a fls. 51 a 55 e com o relatório médico-legal juntos aos autos, a saber, a fls. 46 e 47, permitem concluir que as arguidas actuaram nos termos descritos em 1 e 2 e causaram ao assistente as lesões descritas em 3.
De resto, a descrição efectuada pelo assistente, globalmente considerada, permite concluir que as arguidas actuaram em comunhão de esforços e intentos.
Aqui chegados resta apenas referir que a testemunha DD, Agente da PSP, não assistiu aos factos, apenas se tendo deslocado ao local no exercício das suas funções, e após comunicação para o efeito. Quando chegou ao local o assistente já estava no exterior e, na altura, viu lesões na perna e no braço (pensa que no cotovelo) do assistente
Os elementos atinentes à intenção das arguidas, ou ao seu dolo, não se demonstram directamente; recolhem-se dos factos objectivos descritos, que a demonstra inequivocamente, não podendo as arguidas deixar de conhecer o significado criminal da sua descrita actuação, agindo de forma livre e consciente e sabendo da ilicitude das suas condutas.
Os factos elencados em 7 e 8 tiveram por base as declarações do assistente, as quais encontram nas regras da experiência comum um elemento corroborador. De resto, o medo sentido pelo assistente foi também confirmado pela testemunha EE, filho do assistente.
Os factos elencados de 9 a 12 tiveram por base as pesquisas efectuadas nas bases de dados cujos resultados se encontram nas referências 108500117, 11187304, 11187303, 108500049, 11187177 e 11187170.
Finalmente, ausência de antecedentes criminais resulta da análise dos respectivos Certificados de Registo Criminal, juntos aos autos a fls.139 verso e 141 verso.
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Quanto aos factos não provados, cumpre referir que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram.
De salientar apenas que quanto aos factos não provados do pedido de indemnização civil, as declarações do demandante e o depoimento da testemunha EE (filho de demandante) não permitem, só por si, desacompanhados de outros elementos de prova, concluir que devido à conduta das arguidas, o assistente tem muita dificuldade em caminhar, face às dores que sente na coluna e pernas e em consequência das dores que sente no braço esquerdo, o assistente tem dificuldade em levantar objectos e que tais dores são permanentes.
Atente-se que do relatório médico-legal juntos aos autos, a saber, a fls. 46 e 47 dos presentes autos, resulta apenas que “Tais lesões determinarão, em condições normais, um período de doença fixável em 10 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral (10 dias). Do evento não resultarão, em condições normais, quaisquer consequências permanentes”. Por outro lado, não foi junta aos autos (para além da documentação clínica referente ao processo de urgência relativo ao dia 4 de Janeiro de 2023), qualquer outra documentação clínica e, a testemunha FF, médica, pese embora tenha dito que o demandante é seu paciente, disse não ter conhecimento das agressões.
Finalmente, quanto ao facto não provado elencado em i) importa referir que a prova produzida, designadamente, as declarações do assistente, são no sentido de, quando se desloca ao local dos factos, ter passado a ir acompanhado, o que revela o medo que, de resto, resultou provado (ou seja, tais declarações não são no sentido de ter deixado de ir ao local).”
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IV – Fundamentação:
4.1. Do interesse em agir:
As primeiras questões trazidas a este Tribunal de Recurso prendem-se com a escolha das penas e com a fixação da medida concreta das penas a impor às arguidas, assente que está o cometimento pelas mesmas, em co-autoria, de um crime de ofensas à integridade física, previsto e punido, pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal.
Porque se trata de recurso interposto pelo assistente, que para o efeito se encontra desacompanhado do Ministério Público, tendo em conta o disposto no artigo 401º, nos 1, alínea b) e 2, do Código de Processo Penal, importa apreciar da existência de interesse em agir por parte do recorrente.
Ou seja, cabe discutir se é possível afirmar que a sentença recorrida constitui uma decisão que afete o assistente, para usar a expressão do artigo 69º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
O Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 8/99, publicado no Diário da República, Iª série-A, de 10.08.1999 fixou jurisprudência no sentido de que:
«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
Na fundamentação do Acórdão, veio o STJ esclarecer que este interesse em agir do assistente “tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o Tribunal, concluindo que se não está face a um mero desejo de vindicta privada, nada mais encontrar; como insuficiente é para por aquele se concluir se o MP, nas suas alegações escritas, emitir parecer no sentido de o Tribunal a quo ter usado de uma benevolência que se não justifica na determinação da medida concreta da pena (havia de ter recorrido e no recurso ter pedido a agravação; a reformatio in pejus é proibida - artigo 409 CPP).
(…)
Diversamente, se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, um seu pedido de agravação da pena (em termos de espécie ou de medida) tem um cunho, ou, pelo menos, aparenta tê-lo, de regresso à vindicta privada, o que de há muito felizmente desapareceu das nossas leis - ainda quando elas admitem a acção directa ou a legítima defesa nunca se as quis como e enquanto sinal de vindicta, mas enquanto acção de justiça dentro de um apertado e rigoroso condicionalismo que concretamente se previu e o qual o agente não deve voluntariamente provocar.
Nestes casos, aparece com uma nitidez, bem demarcada, a ideia - exacta - de que o domínio da acção penal cabe ao MP.”
Este acórdão foi merecedor de cinco votos de vencido, constando na declaração de voto que “a autonomia do assistente nos recursos impõe-se por si e a respectiva legitimidade não pode ser vista fora do quadro do instituto da assistência, participante do interesse público, colaborante do Estado, razão da atribuição dos amplos poderes que a lei lhe confere, ao contrário da parte civil que desenvolve actividade meramente privada. Compreende-se assim que ao assistente se conceda o direito de recorrer da decisão final, mesmo que o MP não recorra e o objecto do recurso se cinja à espécie da pena ou medida da pena, por ainda então estar a colaborar na administração da justiça no caso concreto, submetendo a decisão a reexame por um tribunal superior por a mesma, segundo o seu juízo objectivo, não realizar o direito seja em que aspecto for, mesmo no doseamento da pena.
Como dissemos, o assistente está no processo penal por virtude de ofensa ao bem jurídico protegido pelo tipo penal em causa, no qual, aliás, ele é especialmente interessado. Na sua qualidade de assistente, como co-participante na administração da justiça penal, na determinação da justiça penal, na determinação dos «pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena» com a consequente determinação do conteúdo desta, realiza o ofendido um interesse público, tendo por finalidade a busca da solução justa, do direito concreto para o caso. É, pois, em tal quadro que deve entender-se a legitimidade do assistente para os recursos, mormente a legitimidade para o recurso da decisão final, mesmo que o MP não recorra.
Prevê-se no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP que têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente das decisões contra eles proferidas [das decisões que os afectem - artigo 69.º, n.º 2, alínea c)], sem qualquer referência aos tipos de crime (públicos, semipúblicos ou particulares). Seja qual for o tipo de crime, o que está subjacente, em maior ou menor medida, é sempre a tutela jurídica de bens jurídicos fundamentais, emanação do poder político do Estado, que a este cabe em exclusivo como conteúdo da soberania e se efectiva, na aplicação do direito ao caso, através dos tribunais (em sentido estrito). Daí que não pertença ao MP o domínio do processo penal, nomeadamente na sua finalidade de procurar a consequência jurídica adequada, antes convergindo a sua actuação e a do assistente para a decisão final que pertence exclusivamente ao tribunal.
O recurso, tendo por objecto a reapreciação da decisão do tribunal inferior, vai desenvolver-se, fundamentalmente, numa relação entre o recorrente e o tribunal superior, pelo que a legitimidade para o recurso e o seu âmbito não podem ser condicionados nem pelo tipo de crime nem pela posição assumida pelo MP ao não interpor recursos. As cláusulas gerais «das decisões que os afectem» e «das decisões contra eles proferidas», quando reportadas ao assistente referem-se a todas as decisões. Se um crime particular não tiver acusação do MP, nem recurso da decisão final por parte deste, não parece curial que o assistente, face à sua posição processual, não possa submeter ao tribunal superior a decisão em toda a sua extensão, incluindo facto criminoso e punição. E se houver recurso em crime público do MP e do assistente parece que a este último, em tal caso, não tem sido oposta pela jurisprudência restrição na discussão dos pressupostos do crime e respectiva consequência jurídica. Ora, a situação não pode ser diversa quando apenas recorre o assistente, pois que, podendo até ter contribuído decisivamente para a delimitação do objecto do processo em desconformidade com a posição do MP [artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP], lhe há-de a lei conceder os poderes necessários para efectivação da sua posição processual, seja na fase do julgamento seja na fase do recurso.
Do exposto decorre não ser legítimo proceder ao preenchimento valorativo das referidas cláusulas gerais relativas ao recurso com arrimo a interesses meramente pessoais, particulares, do assistente, procurando caso a caso direitos individuais pretensamente violados ou em perigo de violação, para só aí encontrar a legitimidade. Tal solução está em gritante contradição com a natureza jurídico-pública do instituto da assistência penal.”
No Acórdão STJ de FJ, n.º 5/2011, in Diário da República, Iª série, de 11.03.2011, esta questão é novamente colocada e discutida e fixou-se jurisprudência no sentido de que:
“em processo por crime público ou semi-público, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público.”
E aqui se escreve que:
“O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo-lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal.”
Mais recentemente, e sobre a mesma temática dos poderes recursivos do assistente, o Ac do STJ nº 2/2020, in Diário da República, Iª série, de 26.03.2020, veio fixar jurisprudência no sentido de que:
“O assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada”.
Explica o STJ, na fundamentação do Acórdão, o seguinte:
“Dispõe o n.º 1, alín. b), do artigo 401.º n.º 1, do CPP, que tem legitimidade para recorrer o assistente de decisões contra ele proferidas e, o n.º 2, que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir, preceituando também o n.º 1, alíneas a) e c), do artigo 69.º que o assistente tem a posição de colaborador do Ministério Púbico, a cuja actividade subordina a sua intervenção, salvas as excepções da lei e que compete em especial aos assistentes interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
Resulta dessa normas que o assistente em processo penal é um colaborador do M.º P.º, mas um colaborador subordinado, ressalvadas as excepções da lei (artigo 69.º, n.º 1), desde logo dispondo do direito de recorrer de decisões que o afectem, mesmo que esse órgão o não tenha feito.
Ainda assim e no dizer de Cláudia Cruz Santos (1) o interesse próprio e concreto do assistente na resposta punitiva é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça e "se tanto a questão da culpa como a questão da pena [globalmente considerada] se incluem no exercício do ius puniendi do Estado, a solução relativa à possibilidade de o assistente delas recorrer deverá ter idêntico sentido".
Também Damião da Cunha (2) refere que "o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da Administração da Justiça".
Daqui decorre, desde logo, que a autonomia do assistente no direito ao recurso não põe em causa o ius puniendi estatal, nem traduz qualquer desejo de vindicta privada.
Sobre o direito ao recurso do assistente o STJ já por duas vezes foi chamado a fixar jurisprudência.
A primeira, através do acórdão de fixação de jurisprudência (AFJ) (então assento) n.º 8/99 (Ac. de 30.10.1997, DR, I-A, de 10.08.1999), no sentido de que "[o] assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir".
A segunda, mediante o AFJ n.º 5/2011, (Ac. de 09.02.2011, DR, 1.ª, de 11.03.2011), em como "[e]m processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público".
Ambos os arestos, tratando obviamente de situações diferentes, assinalaram os poderes autónomos do assistente, entre os quais o de recorrer, em especial o segundo, que fez ainda eco daquela posição doutrinária, de que qualquer interesse do assistente tem de estar subordinado ao interesse público da realização da justiça penal (3).
A legitimidade, enquanto pressuposto processual para recorrer, não é problema diferente da legitimidade para a constituição de assistente, isto é, o recorrente só pode recorrer de decisões na medida da sua legitimidade, ou seja, pelos crimes em que se tenha constituído assistente (4).
É a qualidade adjectiva que do ponto de vista previamente definido pela lei e, portanto avaliada a priori, justifica que alguém possa mormente impugnar, perante tribunal superior, decisão que a afecte e que obviamente tenha relação com o objecto do processo (5).
Já o interesse em agir, igualmente verdadeiro pressuposto processual e também designado de interesse processual, conceito oriundo da processualística civil (6), consiste na necessidade de recorrer à via judiciária com vista a reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para o recorrente e que só por esse meio possa ser acautelada (7).
Na síntese de Paulo Pinto de Albuquerque (8) tem interesse em agir aquele que tem carência do recurso.
Trata-se de uma posição objectiva perante o processo, de apreciação casuística, a avaliar a posteriori.
Esse interesse existe no caso do acórdão recorrido, perante a pretensão autónoma dos assistentes (diversa de qualquer agravação da pena ou de alteração da qualificação jurídico-penal), relacionada com a reparação do prejuízo por eles sofridos com a prática do crime e cuja condição da suspensão não deixa de estar associada às finalidades preventivas da pena, de forma a melhor defender os interesses patrimoniais lesados.
Nas palavras de Cláudia Cruz Santos (9) o interesse em agir não existe apenas "nas circunstâncias em que ele exprime uma pretensão ressarcitória que pretende que seja considerada na operação de determinação da pena em sentido amplo (ainda que nesses casos deva considerar-se que tal interesse de facto existe, na medida em que tal pretensão expressa a necessidade de encontrar uma resposta - no caso, a reparação - que considere justa para o mal de que foi vítima)", indo, contudo, essa Autora mais longe quando destaca que "enquanto assistente, ele tem o poder de procurar conformar a resposta à questão penal que engloba quer a questão da culpa, quer a questão da pena", caso a decisão seja contra ele proferida e tiver interesse em agir.
Na jurisprudência, a questão de saber quando é que o assistente tem interesse em agir em matéria relativa à fixação da espécie e medida da pena, ou seja, quando é que está em causa a tutela de um interesse próprio, não tem tido uma posição unívoca, do que se se dá conta na decisão sumária proferida a 28-01-2019, no Processo: 1654/15.9PBFUN-B.L, em sede de reclamação para o presidente da Relação de Lisboa , (Relator: GUILHERMINA FREITAS - VICE-PRESIDENTE), disponível em www.dgsi.pt.
A posição dominante é a mais restritiva, quer ao nível do STJ (vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos Proc. 1740/10.1JAPRT.P1.S1, 400/12.3JAAVR.S1 e 1960/14.0PAALM.L1.S1, todos eles disponíveis in www.dgsi.pt), quer das Relações (vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos Proc. 178/06.0PTCSC.L1-9, da RL, 187/11.7PDVNG.P1, da RP, 669/16.4JABRG.G1, da RG, 1429/12.7TAFAR.E1, da RE e 310/13.7GBPMS.C1, da RC, e a decisão sumária da RC de 01-03-2024 Processo: 104/20.3T9TND.C1 igualmente disponíveis in www.dgsi.pt).
Mas tem vindo a afirmar-se outra tese, mais ampla, na jurisprudência do STJ (de que são exemplo o Ac. do STJ de 22/1/2015, proferido no âmbito do Proc. 520/13.7PHLSB.L1.S1, de 03-02-2021, Processo: 4038/18.3 JAPRT.P1.S1, de 06-05-2021, Processo: 214/19.0 JDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt) e na das Relações (de que são exemplo o Ac. da RE de 21/3/2017, proferido no âmbito do Proc. 519/09.8TASTB.E1 e de 10-09-2019, Processo: 46/17.0JAPTM.E1 e a decisão sumária proferida 28-11-2006 pela RE, Processo: 2693/06-1 e da RP de 06-12-2023, Processo: 640/21.4GAPRD.P1 todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Escreveu-se no Ac STJ de 03-02-2021, acima referido:
“a jurisprudência e doutrina mais recentes manifestam-se contra a visão tradicional que restringe o estatuto de sujeito processual do assistente, circunscrevendo os seus poderes processuais à de mero colaborador da atividade do Ministério Público, a quem, no fim de contas, tinha de subordinar a sua atuação. Nessa conceção, a relevância do papel do assistente “na promoção de uma aplicação correta do direito” resume-se ao controlo da atuação do Ministério Público. Sustenta que “sendo o Ministério Público o único titular do direito de acção penal — nos crimes públicos —, a posição processual do assistente tem natureza ancilar, não podendo ver‑se nela uma posição de titularidade plena de um direito fundamental (afirmação diferente se terá de fazer quanto ao arguido e quanto às partes civis). E mesmo tratando‑se de crimes dependentes de acusação particular, a natureza pública do processo não põe irremediavelmente em crise esta concepção da figura do assistente” – Apud acórdão n.º 254/98 do Tribunal Constitucional.
Na jurisprudência, aos AUJ citados, acrescenta-se o entendimento largamente maioritário no sentido de que o assistente pode recorrer mesmo que do provimento do recurso advenha alteração da espécie e medida da pena sempre que ao longo do processo tenha pugnado ativamente por uma determinada solução jurídico-criminal que a decisão final não consagrou”
Na doutrina, Cláudia Santos, in “Assistente, Recurso e Espécie e Medida da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18, nº 1 Jan/Mar 2008, defende que o interesse em agir existirá quando se dá “ao quantum ou da espécie da pena uma resposta contrária a pretensões fundadamente manifestadas pelo assistente durante o processo e quando essa resposta ofender de forma não insignificante o seu interesse na determinação de uma sanção para o agente que considere justa” .
Defende Damião da Cunha, in “A participação dos Particulares no Exercício da Acção Penal”, RPCC, Ano 8 Jan/Mar, pg. 647 e 648, que não existindo no processo penal qualquer ato processual escrito que preveja a possibilidade do assistente se pronunciar quanto à espécie ou medida da pena, para que se possa afirmar que tem interesse em agir, terá o assistente que formular essa pretensão em audiência de julgamento designadamente na fase das exposições introdutórias e em alegações finais.
Também André Lamas Leite, na Separata da RPCC, Ano 33, n.º 3, Setembro - Dezembro de 2023, pg. 449, defende que “uma decisão (judicial, composta por um conteúdo que põe termo à relação jurídico-processual ou que em si mesma solucione uma matéria que compete à autoridade judiciária apreciar) afecta o assistente se e na medida em que for contrária aos seus interesses, ou seja, se for capaz de produzir efeitos de Direito Penal substantivo e/ou adjectivo na sua esfera jurídica.” E mais à frente, na pg 451 acrescenta: “ninguém discute que as decisões foram “tomadas contra si” em todos os casos, excepto quando há uma absolvição plena. Toda e qualquer outra combinação abre o recurso ao arguido como direito fundamental do art. 32.º, n.º 1 que, para este efeito, não fica atrás do predito n.º 7 do mesmo inciso da CRP.”
Revertendo para o caso concreto, temos por certo que o interesse que o assistente visa assegurar, no recurso interposto – modificação da espécie da pena principal aplicada ao arguido AA, por forma a condená-lo em pena de prisão ( ainda que suspensa na sua execução) em vez de em pena de multa, como foi decidido na sentença – é um interesse próprio, sendo o recurso interposto “a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou ativamente na sua intervenção processual.”
De facto, o recorrente constituiu-se assistente no processo, ainda em fase de inquérito, deduziu acusação particular, aderindo à acusação do M.º P:º e indicando prova para além daquela que o M.º P:º tinha indicado, assim demonstrando claramente o seu interesse na condenação e punição das arguidas. Deduziu ainda pedido de indemnização civil contra as arguidas. Interveio, através de mandatário, aquando da audiência de discussão e julgamento e em alegações oralmente proferidas, peticionou a condenação numa “pena exemplar”.
Proferida sentença, recorreu, explicando que tem medo das arguidas, que é proprietário do prédio que as arguidas ocupam e que, por isso, é obrigado a contactar com elas e que entende que a pena de multa não é suficiente para desencorajar as arguidas de praticar factos de natureza semelhantes, nomeadamente de retaliação contra o recorrente, colocando em causa a sua segurança e também as suas expectativas em face da Justiça, sempre tendo pugnado para que fossem punidas exemplarmente e por forma a garantir que não se volta a repetir.
Segundo se julga, sendo a decisão recorrível, assistia-lhe o direito de recorrer para obter tutela judicial efetiva para as concretas pretensões por que ativamente foi pugnando no decurso do processo, de obtenção de uma pena que alcance as finalidades estabelecidas no art. 40º do Código Penal, designadamente a de proteção do bem jurídico de que é titular, o que no seu entendimento, não é logrado com a pena em que as arguidas foram condenadas.
O concreto interesse em agir não está, advoga-se, ligado apenas a um interesse de carácter patrimonial ou a eventuais consequências que a decisão final pudesse acarretar noutros processos ou ramos do direito.
E o assistente, ao recorrer da espécie e medida da pena, não estará apenas a pretender a realização de um “interesse próprio de vingança pessoal”, mas antes, a contribuir, tal como nas anteriores fases do processo, como colaborador do MP, na declaração do direito do caso concreto, possibilitando que um tribunal superior possa sindicar a decisão proferida, e como tal, a contribuir na finalidade pública que preside ao processo penal.
Em razão do exposto, entende-se que o recorrente tem legitimidade e interesse em agir.
4.2. Escolha da pena:
Insurge-se o recorrente contra a escolha da pena aplicada às arguidas, pugnando pela condenação em pena de prisão.
Para tanto, argumenta que as necessidades de prevenção especial são acentuadas, já que as arguidas, apesar de não terem antecedentes criminais, revelaram um manifesto desprezo pelo processo, não tendo comparecido em julgamento e não demonstraram qualquer arrependimento. Diz ainda que os factos por elas praticados são particularmente censuráveis, considerando que o recorrente tinha, à data dos factos, 90 anos de idade e que as Arguidas eram duas e agrediram- no em simultâneo, impedindo-o de se poder defender de alguma maneira, atacando-o com um objeto não identificado (ferro ou pau) e, ainda, desferindo -lhe pontapés quando este se encontrava, indefeso, no chão. Claramente, a atuação das Arguidas poderia ter tido consequências muito mais gravosas para o Recorrente, face à sua avançada idade.
Por outro lado, alega que ficou provado que não são conhecidos rendimentos mensais às Arguidas, nem a propriedade de quaisquer bens móveis ou imóveis, o que demonstra, inequivocamente, que as Arguidas não estão minimamente inseridas na sociedade, nem têm uma vida pessoal e profissional estável.
Vejamos então se lhe assiste razão.
Sabemos que, admitindo a punição prevista para o crime acima referidos a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, deve o juiz começar por escolher a espécie de pena que concretamente vai aplicar, seguindo o critério fixado no art.º 70º do C. Penal:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Relativamente às exigências de prevenção, ensina Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, in As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 211 e ss e 327 e ss., que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Tal significa que o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele necessária, do ponto de vista da prevenção especial de socialização.
Por seu turno, a prevenção geral positiva surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer que, se impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
(cfr. ainda Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/05/90, in RPCC, 2, 1991, pg.243).
É, pois, tendo presente este quadro legal e doutrinário que tem de se apreciar a pretensão do recorrente.
Justificando a escolha da pena de multa, escreveu o Tribunal recorrido que:
ln casu, as exigências de prevenção geral são elevadas, dado o grande número de crimes desta natureza, e a leviandade com que se adoptam comportamentos lesivos da integridade física de outrem, pelo que importa reafirmar a validade e eficácia das normas penais.
No que diz respeito às exigências de prevenção especial, verifica-se que as arguidas não têm antecedentes criminais registados, afigurando-se-nos que no caso concreto, a pena de multa se mostra suficiente para assegurar a tutela dos bens jurídicos protegidos e afirmar a validade e eficácia das normas jurídico-penais, bem como para conduzir as arguidas a conformar as suas condutas de acordo com os valores protegidos pelas normas jurídico -penais vigentes.
Concordamos com estas considerações.
São efetivamente elevadas as exigências de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca o crime de ofensa à integridade física praticado nas circunstâncias em que este o foi: por duas pessoas, contra um idoso de 90 anos, com utilização de um objeto não identificado (que tivesse sido um pau ou de um ferro não resultou provado) e desferindo-lhe pontapés estando ele já caído no chão. Trata-se de um crime que põe em causa valores nucleares da sociedade.
Já as exigências de prevenção especial não impressionam, considerando que, embora se desconheça as condições de vida das arguidas (para além de que não têm rendimentos regulares declarados nem qualquer património), estas não têm antecedentes criminais.
Assim sendo, entende-se, tal como o fez o Tribunal a quo, que considerando que a atuação das arguidas se mostra isolada no contexto de uma vida aparentemente pautada pelo respeito pelas normas de convivência em sociedade (na medida em que não lhes são conhecidos antecedentes criminais), o que diminui consideravelmente as exigências de prevenção especial sob a forma de ressocialização, a aplicação de penas de multa servirá de suficiente estímulo para que, de futuro, estas se afastem da criminalidade.
Por outro lado, a condenação das arguidas em penas de multa não é certamente entendida pela comunidade e como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza na luta contra a criminalidade, não compromete a defesa do ordenamento jurídico,
Assim, deverá manter-se a aplicação da pena de multa, improcedendo este segmento do recurso.
4.3. Da medida concreta da pena:
A propósito da intervenção do tribunal de recurso quanto ao controle da fixação concreta da pena, ensina Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in “As consequências Jurídicas do Crime”, págs. 196-197 - e constitui jurisprudência uniforme do STJ - , que tal intervenção “tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada.”
Ou seja, o recurso não visa nem não pode eliminar alguma margem de atuação livre, reconhecida ao tribunal de julgamento enquanto componente individual do ato de julgar.
(cfr. neste sentido, e por todos, os Acs do STJ de 29-1-2004, processo: 03P1874, relator: Pereira Madeira e de 27-5-2009, processo: 09P0484, relator: Raul Borges, Ac. RG de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, relator: Ausenda Gonçalves, disponíveis in www.dgsi.pt)
Feito este enquadramento, vejamos o que escreveu o juiz a quo e quais os fundamentos da discordância do recorrente.
Diz a sentença recorrida:
“Importa agora proceder à determinação da medida concreta da pena.
O critério legal que serve de guia na determinação da medida da pena é o constante no artigo 71º, nºs 1 e 2 do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
No direito vigente, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, nº 1 do Código Penal). Contudo, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).
Por outro lado, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem, e devem actuar, aspectos da prevenção especial de socialização, advertência individual e mesmo, de segurança, sendo estes que irão determinar, em último termo, a medida concreta da pena.
De acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
No caso concreto, relativamente ao crime de ofensa à integridade física e relativamente a ambas as arguidas, importa considerar as seguintes circunstâncias:
- a circunstância de em sede de culpa merecerem censura pois sabiam que, como consequência directa do seu comportamento, ofendiam o corpo do assistente e, mesmo assim, actuaram; agiram por isso com dolo directo, pois representaram como consequência directa e necessária da sua conduta a prática de ofensa à integridade física;
- quanto ao grau de ilicitude, o mesmo é mediano, pois temos de considerar, desde logo, as lesões decorrentes da actuação das arguidas;
- as arguidas não têm antecedentes criminais registados.
Após ponderação global das referidas circunstâncias, e à luz dos critérios expostos, entende o Tribunal ser adequado aplicar a cada uma das arguidas a pena de 130 (cento e trinta) dias de multa.”
O tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, tendo avaliado a conduta dos arguidos em função dos parâmetros legais, que foram respeitados.
Notamos que são médias/altas as exigências de prevenção geral positiva, porque a violação do bem jurídico da integridade física, quando perpetrada nas circunstâncias em que aqui o foi, por dois agentes, em co-auoria, sobre uma pessoa de 90 anos, com uso de objeto não identificado e desferindo pontapés quando o ofendido estava já caído no chão, é fortemente repudiada pela comunidade, pelo que a estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reacção forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito.
Quanto às razões de prevenção especial ou individual, entendemos que são baixas considerando a ausência de antecedentes criminais.
A ilicitude da conduta é elevada, atento o modo de atuação das arguidas (atuando em conjunto e dando um golpe com auxílio de objeto não identificado, fazendo diminuir assim a possibilidade do ofendido se defender; desferindo pontapés no ofendido quando este estava já caído no chão), as características do ofendido (um homem de 90 anos) e as lesões causadas ao ofendido, a demandaram 10 dias de doença, com incapacidade para o trabalho geral.
Em desfavor das arguidas deverá ser ainda ponderada a intensidade da vontade no dolo, já que agiram com dolo na modalidade mais grave, a de dolo direto).
E as arguidas, com a prática dos actos demonstraram possuir uma personalidade impulsiva, violenta, o que tem de ser ponderado em seu desfavor.
Cremos, portanto, que ponderando todos estes factores, qualquer pena que esteja situada abaixo da metade da moldura penal abstracta aplicável - como é a pena em que o Tribunal a quo condenou as arguidas - é claramente deproporcional e não respeita as finalidades da punição, sendo percepcionada pela comunidade como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza na luta contra a criminalidade.
Por conseguinte, e exercendo o poder corretor desta Relação, condena-se agora as arguidas na metade da pena, em 195 dias de multa.
Mas o recorrente coloca também em causa o montante diário da pena de multa, que pretende que seja fixado em €:50,00 diários. Alega para o efeito que não se provou que as arguidas tenham dificuldades económicas, que tenham despesas, cabendo-lhe o ónus da prova.
Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 47º do Código Penal, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €:5,00 e €:500,00 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
A pena de multa, sendo uma verdadeira pena, tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.
E apenas em situações de pobreza ou indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se do limite mínimo legal de € 5,00, sob pena de ser violada a finalidade da punição e o princípio da igualdade.
(neste sentido, por todos, Ac. da RC de 04-05-2016, Processo: 246/14.4TACVL.C1, in www.dgsi.pt)
Escreve Taipa de Carvalho, in “As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995”, in Jornadas de Direito Criminal -Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol. II, pág. 24:
“a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele’
Mas neste domínio há que ter o sentido das proporções, impondo-se critérios de razoabilidade e de exigibilidade, assegurando-se o mínimo de sobrevivência condigna, que o Estado não pode subtrair aos cidadãos.
Ora, de acordo com a factualidade provada, as arguidas vivem no mínimo existencial, mão tendo bens nem rendimentos, justificando que o quantitativo diário da pena de multa seja fixado no mínimo legal, como fez o Tribunal a quo, improcedendo, nesta parte, o recurso.
4.4. Do pedido de indemnização civil:
O recorrente insurge-se, ainda, contra o montante da indemnização por danos de natureza não patrimonial, fixada pelo Tribunal a quo, que considera simbólica, manifestamente insuficiente. Peticiona, assim, que as arguidas sejam condenadas no pagamento da quantia de €:10.000,00.
Ora, em fundamento do decidido, lemos na decisão recorrida:
Perante a factualidade provada, bem como perante o juízo de ilicitude e culpa penal já supra expressos, bem como atento o quadro normativo civil acabado de expor, encontram-se reunidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, cuja obrigação de indemnizar recai sobre as arguidas /demandadas.
O pedido cível em apreço estriba-se em danos não patrimoniais.
No que concerne ao dano não patrimonial, importa ter presente que a lei apenas tutela os danos não patrimoniais que sejam merecedores de tutela legal (artigo 496º do Código Civil), o que exclui, do âmbito dos danos indemnizáveis, por exemplo os meros incómodos. O dano não patrimonial atinge bens que não fazem parte do património do lesado, pelo que, tais danos apenas poderão ser compensados, mais do que indemnizados. No entanto, não podemos esquecer a sua vertente sancionatória.
No que concerne ao dano não patrimonial resultou demonstrado que, por causa da conduta das arguidas, resultaram para o assistente, para além de dores e sofrimento físico, as seguintes lesões:
Face: equimose arroxeada, na região malar direita, medindo 4x2cm;
Ráquis: mobilidades da coluna vertebral mantidas dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus e à palpação das apófises espinhosas lombares.
Membro superior esquerdo: escoriação crosta sanguínea, no cotovelo, medindo,1cm de diâmetro, com edema subjacente. Mobilidades mantidas dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus;
Membro inferior direito: edema do joelho direito, quente ao toque. Mobilidades mantidas dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus;
Membro inferior esquerdo: ponteado equimótico arroxeada-avermelhado na face anterior do joelho, ocupando uma área de 5x4cm, no seio da qual apresenta 2 escoriações sanguíneas, a maior na sua extremidade supero-medial, medindo 3cm de diâmetro; ligeiro edema do joelho, quente ao toque. Mobilidades mantidas, dentro dos parâmetros da normalidade, com referência a dor nos últimos graus lesões.
As lesões atrás referidas determinarão, em condições normais, um período de doença fixável em 10 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral (10 dias);
Mais resultou provado que em virtude da conduta das arguidas o assistente sentiu vergonha e ficou com medo.
Ora, a quantia arbitrada a título de indemnização por danos não patrimoniais assume o cariz de uma compensação por esses danos, sendo encarada como um lenitivo capaz de auxiliar a ultrapassar o desgosto adveniente dos factos nos quais se consubstanciam esses danos - neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.04.2002 in www.dgsi.pt..
Por outro lado, a par desta função, descortina-se neste indemnização, a ideia de uma reprovação do acto lesivo por via da aplicação dos meios próprios do direito civil, pois, no que se reporta à determinação do montante da indemnização, o tribunal deverá decidir equitativamente, tendo em conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste último e do lesado e as circunstâncias do caso (contando-se, entre estas, a idade, o sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais – artigos 496º, n.º3 e 494º, ambos do Código Civil).
São igualmente atendíveis “os padrões de indemnização geralmente adoptados na Jurisprudência e as flutuações do valor da moeda”, a gravidade do dano, as regras da prudência, da experiência comum, do bem sendo e da justa medida das coisas.
Desta feita, e tendo por base o disposto nos artigos 496º e 566º, n.º3 do Código Civil, bem como os danos supra descritos e dados como provados, e ponderando a factualidade dada como provada, o Tribunal julga justa, adequada e equitativa fixar a indemnização global por danos não patrimoniais sofridos pelo assistente a quantia de €1.500,00 ( mil e quinhentos euros).
Pelo pagamento da quantia descrita são responsáveis solidariamente as arguidas/demandadas.”
São corretas as considerações tecidas pelo Tribunal a quo quanto aos termos que devem balizar a decisão, designadamente, quando indica que os danos de natureza não patrimonial são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cf. artigo 496º do Código Civil) e conclui que, no caso vertente, se acha demonstrada a existência deste tipo de danos.
Sabemos que a indemnização por estes danos destina-se a minorar, a atenuar o mal consumado e não a restituir o lesado à situação em que se encontraria se não se tivesse verificado a lesão. O dano não patrimonial não é suscetível de ser medido em termos monetários. O que se pretende é a atribuição ao lesado de uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado pela lesão. Sendo essa a sua função, a indemnização por este dano não pode ser simbólica.
A indemnização por esses danos é fixada equitativamente, tendo em atenção a culpa do agente, a situação económica deste e do ofendido e as demais circunstâncias justificadas pelo caso (arts. 494º e 496º/3 do CC), no seio das regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, enfim, de uma criteriosa ponderação das realidades da vida (neste sentido, Antunes Varela, Das obrigações em geral, I, 6ª ed., p. 576, nota 4).
Tem também vindo o STJ a afirmar que no critério a adotar na fixação dos danos não patrimoniais, posto que esta não tem por escopo a reparação económica, mas antes a compensação do lesado e reprovação da conduta lesiva, não devem perder-se de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, com vista a uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito (cfr. Ac. STJ, de 22.06.2017,Processo: 307/04.8TBVPA.G1.S2 e de 07.04.2016 Processo n.55/12.1TBOFR.C1.S1, in www.dgsi.pt)
E tem vindo também o STJ a afirmar que só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pelas instâncias e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adotados, generalizadamente, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados (cfr Ac de 27.09.2016, Processo: 2249/12.4TBFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt)
Ora, considerando os danos sofridos pelo ofendido (o medo, as dores, a vergonha), o elevado grau de culpa das arguidas (que agiram dolosamente, em conjugação de esforços e de forma bastante violenta e censurável atenta a idade do ofendido), e a condição económica das arguidas e as práticas jurisprudenciais, e tendo em conta a margem de discricionariedade consentida pela norma, entendemos que a indemnização fixada pela primeira instância em € 1.500,00 é claramente insuficiente.
Deste modo, levando em conta tudo o que supra se referiu e ainda a depreciação monetária ocorrida desde a data dos factos, tem-se por por ajustado fixar a indemnização em favor do demandante civil em €:2.000,00.
Uma vez que no cálculo da indemnização foi já considerada a desvalorização monetária, sobre esta quantia são devidos juros de mora à taxa prevista para os juros civis a contar da presente decisão e até integral pagamento (nesta conformidade decidiu o Acórdão do S.T.J. nº 4/2002 de 09.05.2002, publicado no D.R. 1ª série A de 26.06.02) – cfr. artigo 805º, nº1 e 3 do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 08 de Abril.
As arguidas são solidariamente responsáveis pelo pagamento da indemnização
V. Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente assistente/demandante civil CC e consequentemente:
1. Revogar a decisão recorrida no que respeita à pena e condenar cada uma das arguidas, pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1 do CP, na pena de 195 dias de multa, à taxa diária de €:5,00, o que perfaz €:975,00, fixando a prisão subsidiária em 130 dias.
2. Revogar a decisão recorrida no que se reporta à condenação cível, fixando-se a indemnização a título de danos não patrimoniais devida pelas arguidas ao demandante civil em 2.000,00€, acrescida de juros de mora à taxa prevista para os juros civis a contar da presente decisão e até integral pagamento, absolvendo-as do que demais se peticionava.
3. Confirmar, no mais, a sentença recorrida nos seus precisos termos.
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Sem tributação nesta instância, por ausência de decaimento total.
Notifique.
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Coimbra, 9 de abril de 2025
[Texto elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]
Sara Reis Marque
Sandra Ferreira
Maria Alexandra Guiné com voto de vencido que segue:
Rejeitaria o recurso na parte crime, em conformidade com a Jurisprudência Fixada pelo Assento do STJ nº 8/99, uma vez que das conclusões do recurso não resulta o interesse concreto e próprio do assistente na aplicação de prisão suspensa na sua execução, e ainda menos, na elevação da multa (seja quanto aos dias, seja relativamente à taxa diária), ausente que se encontra nesta pena o sentido de advertência próprio da pena de suspensão.