Atento o termo de autenticação do contrato de cessão de crédito junto à petição executiva para justificar a titularidade do crédito exequendo pela exequente, posto que transmitido, bem assim da assinatura deste pelo cedente, o qual cumpriu as formalidades necessárias à consideração da sua total validade e consequente eficácia face ao enquadramento jurídico que o regia à data da sua prática, tal contrato e assinatura encontram-se revestidos da força probatória plena nos termos do 376.º, n.º 1 Cód. Civil quanto às declarações nele inscritas e atribuídas ao seu autor, bem como a assinatura tem-se por verdadeira, incumbindo à parte contra a qual o documento é apresentado demonstrar a falsidade do reconhecimento, tudo nos termos dos n.º 1 e 2 do subsequente artigo 375.º do mesmo Código.
(Sumário da responsabilidade da relatora)
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - ...
Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: João Maria Espinho Venade
2º Adjunto: António Carneiro da Silva
I.
Por apenso à execução de sentença que lhe moveu AA, veio BB deduzir embargos de executado, reconduzindo-se, em síntese, à falta da sua citação para os termos da acção na qual foi proferida a sentença exequenda, mais alegando a falsidade de documentação junta naquela acção como sendo da sua autoria, reconduzindo, pois, a mesma a uma fraude processual para o prejudicar.
A exequente contestou, aduzindo a regular citação do executado para os termos dos autos respectivos, na pessoa de resto de um seu procurador, pugnando assim, pela improcedência dos embargos.
Já em sede de audiência de julgamento, a M.ma Juiz proferiu despacho, considerando que, a mais de integrar o objecto dos embargos o de saber se o executado foi regularmente citado no âmbito da acção declarativa subjacente à sentença dada à Execução; caberia bem assim apurar da celebração do contrato de cessão de créditos entre CC, e a Exequente, AA, junto com o requerimento executivo como documento n.º 2, tendo por caracterizada a impugnação do contrato de cessão de créditos junto com o requerimento executivo.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão, a qual julgou os embargos procedentes, declarando extinta a execução, louvando-se, como dela consta, em que a Exequente não logrou provar a cedência de créditos e, consequentemente, não provou a sua legitimidade para reclamar o crédito do Executado como o impõem as regras do ónus da prova, ao abrigo do disposto no art. 342.º do CC. No caso em apreço, não resultaram provados quaisquer elementos constitutivos do direito, isto é, que evidenciem a cessão de créditos que confiram à exequente legitimidade para peticionar a quantia Exequenda com fundamento em contrato de cessão de créditos celebrado com o credor, CC, e, como tal, não será devida nenhuma quantia à Exequente, e como tal terá de ser extinta a Execução, improcedendo a pretensão da Exequente na cobrança do crédito em causa ao Executado.
É dessa decisão que vem interposto recurso, concluindo a embargada/exequente nos seguintes termos:
A. A transmissão do título executivo dado à execução pela aqui Recorrente tem origem num “Contrato de Cessão de Créditos”, contrato esse que foi submetido a Termo de Autenticação em 7 de Fevereiro de 2023, pela Ilustre Advogada DD;
B. O termo de autenticação foi registado pela Ilustre Advogada DD na mesma data em http://oa.pt/atos a que se pode aceder, usando o código ...90;
C. A autenticação de documentos pelos Advogados está prevista legislativamente no artigo 38.º do DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março
D. O documento que titula a cessão dos créditos foi objecto de autenticação como documento particular, pelo que, a sua força probatória é a mesma de um documento autêntico, de acordo com o regime constante do Artigo 377.º do Código Civil;
E. Os factos atestados no Termo de Autenticação do “Contrato de Cessão de Créditos” são, a saber: i) que os outorgantes do termo apresentaram pessoalmente o Contrato de Cessão de Créditos assinado; ii) que o leram; iii) que o Contrato de Cessão de Créditos foi assinado pelos outorgantes; iv) e que o conteúdo do contrato exprime a vontade daqueles outorgantes;
F. Consta do documento autenticado as seguintes menções: a. (...)”- Verifiquei a identidade do Primeiro Outorgante em face do documento de Identificação que me foi apresentado, verifiquei e restituí e a da Segunda Outorgante por conhecimento pessoal. b. - E por eles foi-me apresentado o presente documento “Contrato de Cessão de Créditos” para efeitos de autenticação, que declararam haver lido e assinado e que o conteúdo do mesmo exprime as suas vontades. c. Este termo de autenticação foi lido aos outorgantes e explicado o seu conteúdo”(...);
G. O documento particular autenticado, neste caso o Contrato de Cessão de Créditos reveste a forma e a substância de um documento autêntico cuja autenticidade formal não foi questionada (cfr. art.º 363.º, n.º 3 do Código Civil).
H. A prova plena feita pelo documento autêntico é uma prova plena qualificada, dado que só cede pela prova do contrário, mas uma tal prova em contrário tem na lei um regime especial: o da falsidade, cfr. art.ºs 347.º e 372.º n.º 1 do C.Civil.
I. O Embargante limitou-se a impugnar as assinaturas constantes do Contrato de Cessão de Créditos, sem curar a natureza jurídica do documento autenticado e da sua consequente força probatória;
J. O Embargante não deduziu acção de falsidade ou incidente de falsidade sobre o documento que titula a transmissão do título executivo;
K. Os documentos autênticos e os documentos autenticados estão revestidos de força probatória plena, a qual só pode ser ilidida com a demonstração da falsidade do documento (artº 371, nº 1 e 372º, nºs 1 e 2 do CC);
L. Não consta erroneamente dos factos provados, a existência do Termo de Autenticação do Contrato de Cessão de Créditos, nem consta, novamente erroneamente que o documento autenticado foi lido aos subscritores e que os mesmos o assinaram pessoalmente e que ainda os mesmos subscritores assinaram o termo de autenticação onde constam essas mesmas declarações e que o conteúdo do contrato exprime a vontade daqueles outorgantes;
M. Tais omissões configuram vícios jurídicos na apreciação da matéria de facto e na subsunção ao respectivo regime legal;
N. Em consequência será de aditar aos factos provados que:
a) Que em 07/02/2023 o então Autor daquela acção, CC, celebrou com a Exequente em 7.2.2023, o acordo denominado “Contrato de Cessão de Créditos” nos termos constantes do documento n.º 2 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
b) Constam do documento autenticado as seguintes menções: (...)”- Verifiquei a identidade do Primeiro Outorgante em face do documento de Identificação que me foi apresentado, verifiquei e restituí e a da Segunda Outorgante por conhecimento pessoal. E por eles foi me apresentado o presente documento “Contrato de Cessão de Créditos” para efeitos de autenticação, que declararam haver lido e assinado e que o conteúdo do mesmo exprime as suas vontades. Este termo de autenticação foi lido aos outorgantes e explicado o seu conteúdo”(...)
O. E em consequência será de retirar dos factos não provados que:a. b) Que em 07/02/ 2023 o então Autor daquela acção, CC, celebrou com a Exequente em 7.2.2023, o acordo denominado “Contrato de Cessão de Créditos” nos termos constantes do documento n.º 2 cujo teor se dá aqui por reproduzido, tendo a Exequente pago aquele a quantia de € 2500,00.
P. A Recorrente não concebe a interpretação dada pelo Tribunal a quo relativamente à aplicação do regime probatório do art. 342.º e 374.º n.º 2 ambos do Código Civil, porquanto não têm aplicação ao caso sub iudice, ao contrário do regime dos documentos autênticos previsto nos artigos 369.º a 372.º do Código Civil, cujo aplicação deveriam ter sido o único fundamento para a sentença proferida, assim,
Q. O Tribunal a quo deveria ter aplicado o regime previsto nos artigos 369.º a 372.º e 377.º do Código Civil, no sentido de se ter verificado o preenchimento pela entidade documentadora, neste caso da Ilustre Advogada no acto de autenticação do documento particular;
R. E em consequência ser dado como provado a transmissão do título executivo dado à execução.
S. Nesta conformidade, a sentença recorrida terá de ser substituída por outra que julgue os Embargos deduzidos integralmente improcedentes e que em consequência ordene o prosseguimento da execução contra o Executado.
V – DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
Artigos 369.º a 372.º do Código Civil, artigo 377.º do Código Civil, artigos 342.º e 374.º n.º 2 do Código Civil, Artigo 38.º do DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, artigos 150.º e 151.º do Código do Notariado, sendo que o sentido em que no entender da Recorrente deveria ter sido interpretada e aplicada constam das Alegações e Conclusões supra.
Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida e que seja proferida decisão que julgue totalmente improcedentes os Embargos deduzidos pelo Recorrido.
Em sede de contra-alegações e no que nos importa[1], apenas aduz o embargante-recorrido que a sentença faz uma correcta aplicação do direito, pugnando pela sua confirmação, sem se pronunciar concretamente sobre as razões aduzidas pela recorrente embargada[2].
II.
Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo Recorrente ou pelo Recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC).
Tendo presente o que antecede, a questão que se coloca no presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova mediante a desconsideração do termo de autenticação do contrato de cessão do crédito exequendo e consequente aplicação errada de um regime de impugnação da autoria de documentos.
Têm-se por verificados os pressupostos legais para o conhecimento do recurso em matéria de facto.
São os seguintes os na sentença recorrida considerados como
A) Factos Provados
1. O título que serve de base à Execução a que estes autos se encontram apensos, é a sentença com menção de trânsito em julgado em 26.03.2008, proferida no âmbito dos autos 702/07.0TVPRT que correram termos extinta 7.ª Vara Cível, 2,ª secção do Porto, nos termos do qual o aqui executado foi condenado a pagar ao ali Autor CC o valor de 154.627,34 € acrescido de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento; tendo ainda sido declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda que o aí Autor e aqui executado haviam celebrado; E reconhecida ao ali A o direito de retenção sobre o imóvel indicado no Artº 1º na PI daquela acção (cfr. Doc. nº 1 junto à Execução e que aqui se dá por reproduzido integralmente e certidão da sentença junta à Execução).
2. A citação (do Réu naquela acção) foi efetuada para a Rua ..., Porto ocupado desde há mais de 35 anos pela Exequente AA e seu Marido EE, estando o AR para citação assinado pelo EE em 28.07.1997, e pelo seu próprio punho.
3. EE, é irmão do executado, e a Exequente foi casada com este EE, até ao ano de 2017, data em que se divorciou.
4. AA e o Marido EE exerciam e exercem a sua atividade – fracção correspondente ao 1º Esquerdo do n.º ... da Rua ... na cidade do Porto, local onde o executado teve o seu domicilio fiscal (na Rua .... .... Porto) desde 2001-01-26 até 2011-07-07, e a seu próprio pedido.
5. O Oponente/Executado é emigrante em França, onde reside de forma permanente e estável desde 1969, o que é do conhecimento pessoal da Exequente.
6. O aqui executado, passou a EE, as seguintes procurações:
- Em 7.5.2001:
- Em 2.1.2006
7. O Executado tem outros processos pendentes com a Exequente, e entre eles, o processo que se encontra atualmente a correr termos sob o n.º 13866/22.0 T8PRT do Juiz 1 do Juízo Central Cível do Porto, no qual já foi proferida sentença, não transitada em julgado, em 2.10.2014, intentada pela aqui exequente contra o executado e sua mulher, pedindo:
- Seja declarada nula e de nenhum efeito a declaração de confissão de divida e Hipoteca, celebrado em 22/10/1993, em que foi dada em garantia hipoteca das fracções “BZ” e AA” sitas, respectivamente, na Rua ..., com entrada pelo n.º ...00, ...... no Porto, e o Lugar ..., na cave, com entrada pelo n.º ...97, da Rua ... no Porto, com todas as devidas e legais consequências;
- Seja declarada nula e de nenhum efeito a adjudicação dos Réus daquelas fracções, nos autos de Execução Sumária Procº nº 249/19, que correu trâmites no 4º Juízo Cível, 3ª Secção,
devendo ser cancelado o registo de aquisição a favor dos Réus correspondente à Ap. ...2 de 1998/08/13 referente à fracção “BZ” e Ap ...3 de 1998/08/13 referente à fracção ....
Os ali RR (aqui executado) deduziram reconvenção e foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório:
Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e absolvem-se os réus do pedido.
Mais se julga o pedido reconvencional parcialmente procedente por provado e consequentemente:
a) condena-se a autora/reconvinda a reconhecer o direito de propriedade dos Recovintes sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BZ” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ... da Cidade do Porto correspondente ao 1º andar esquerdo com terraço na fachada posterior com a área de 76,10 m, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...12/20000321 - BZ da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... no artigo matricial ...44-BZ com o valor patrimonial de 77.970,94 Euros e sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AA” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ... da cidade do Porto, correspondente a “um Lugar ..., ... m, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...12/20000321-AA da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... no artigo matricial ...44-AA com o com o valor patrimonial de 3.085,60 Euros;
b) condena-se a autora/reconvinda a restituir as mesmas aos Reconvintes livres de pessoas e coisas,
c) condena-se ser a autora/reconvinda a indemnizar os Reconvintes com o valor apurar em execução de sentença, correspondente ao valor da ocupação das referidas fracções, desde a data do pedido reconvencional até efectiva e completa restituição das aludidas fracções.
d) condena-se a autora/reconvinda a pagar aos Reconvintes o valor do remanescente em divida do mútuo formalizado por escritura publica de 22.10.1993, no valor de 27.932,68 € a que acrescem juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento à taxa legal de 4% ao ano.
8. O imóvel objeto do contrato constante da sentença dada à execução havia sido penhorado, e encontrou-se em fase de venda nos autos de execução fiscal n.º ...45, instaurado em 12.7.1999 por dívidas de IRS do aqui executado dos anos de 1993 a 1997.
B- Factos não provados
a) Que a acção referida em 1 correu à revelia do Embargante, ali Réu, por falta absoluta da sua interveniência, o qual não foi citado para os termos dessa acção;
b) Que em 07/02/2023 o então Autor daquela acção, CC, celebrou com a Exequente em 7.2.2023, o acordo denominado “Contrato de Cessão de Créditos” nos termos constantes do documento n.º 2 cujo teor se dá aqui por reproduzido, tendo a Exequente pago àquele a quantia de € 2500,00.
No que importa agora à fundamentação do facto havido por não provado na sentença, cujo erro de julgamento vem suscitado, consignou-se tão só que: «Por outro lado, e quanto ao facto elencado em b) dado como não provado, assentou na ausência total de prova que apontasse nesse sentido, e cujo ónus competia à embargada/exequente, nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou que a assinatura aposta no contrato de cessão de créditos tivesse sido efectuado na sua presença, e pelo punho de CC, sendo que de resto a este propósito nenhuma prova foi produzida.»
Ora, assiste inteira razão à recorrente no que importa à indevida desconsideração na decisão recorrida do termo de autenticação que versa justamente sobre o Contrato de Cessão de Créditos junto sob documento número 2 ao requerimento executivo…
Na verdade, como resulta do teor integral daquele documento, acompanha o Contrato de Cessão um termo, com o seguinte conteúdo:
A recorrente está, pois, certa ao invocar o art. 38/2 do DL 76-A/2006 que dá aos advogados, entre outros, o poder de reconhecer autenticidade a um documento particular, como se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
A autenticação em causa, feita por um advogado, trata-se de um reconhecimento presencial não apenas da assinatura (por declaração ulterior da autoria, esta assinada na presença do advogado), como dos termos do contrato e ela, a autenticação, trata-se de um documento autêntico que goza da força probatória destes documentos (Lebre de Freitas, A falsidade no direito probatório, Almedina, 1984, págs. 54 e 64), isto é, faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo advogado, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções desse advogado (art. 371 do CC): ou seja, que ele verificou a identidade do cedente (e cessionária), explicou o conteúdo do negócio, bem como que o cedente declarou que a assinatura constante do contrato é a sua, assinando tal “declaração” reproduzida no termo na presença do advogado, com exibição do bilhete de identidade, sendo que mais disse estar ciente dos termos /conteúdo do contrato e querê-lo.
Nos termos já do art. 375 do CC: “1. Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras. 2. Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade.”
Ou seja, perante este reconhecimento presencial da assinatura, constante da autenticação, era ao embargante que incumbia provar a falsidade do termo, mostrando não ser verdadeiro o reconhecimento (arts. 347 e 372, ambos do CC).
Ora, inexistente qualquer prova nesse sentido, já que, como se diz na sentença recorrida, ninguém se referindo às circunstâncias do contrato de cessão, como, acrescente-se, do reconhecimento.
Não resulta, consequentemente, afastada a força probatória quer da autenticação, quer do documento particular (arts. 371, 372, 346, 376 e 377, todos do CC).
A prova da autoria de um documento particular compete sempre ao apresentante do documento, nos termos do nº 2 do artigo 374º do Código Civil.
O nº 2 do artigo 374º estabelece o seguinte: "Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade".
Comentando este normativo, escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora: "Ou seja, se a parte a quem o documento é oposto impugnar a veracidade da letra ou assinatura (quer o argua de falso, quer não) ou declarar que não sabe se elas são verdadeiras, não lhe sendo o documento pessoalmente imputado, compete ao apresentante fazer a prova da veracidade (...). A lei não distingue deliberadamente entre as duas variantes de impugnação, não sendo por conseguinte a arguição de falsidade que altera o ónus da prova estabelecido". Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, págs. 514-515.
Quer isto dizer que a letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram neste caso, como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais (artigo 374º, nº 1).
Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo, mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura ou só da assinatura. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª edição, vol. I, pág. 331.
Porém, ocorrendo reconhecimento equivalente ao notarial, como é o caso, há que atentar ao disposto no art. 375º, nºs 1 e 2 do CPC, já citado.
No caso em apreço, o reconhecimento presencial da assinatura atribuída ao cedente não padece outrossim de qualquer vício formal que implique a sua invalidade e consequente ineficácia. Nem tal vinha invocado.
Donde, o reconhecimento do contrato junto à execução para justificar a titularidade do crédito exequendo pela exequente, posto que transmitido, bem assim da assinatura deste pelo cedente cumpriu as formalidades necessárias à consideração da sua total validade e consequente eficácia face ao enquadramento jurídico que o regia à data da sua prática.
O contrato e assinatura em apreço encontram-se revestidos da força probatória plena nos termos do 376.º, n.º 1 Cód. Civil quanto às declarações nele inscritas e atribuídas ao seu autor, bem como a assinatura tem-se por verdadeira, incumbindo à parte contra a qual o documento é apresentado demonstrar a falsidade do reconhecimento, tudo nos termos dos n.º 1 e 2 do subsequente artigo 375.º do diploma atrás referido. Incumbia, portanto, a indubitável prova daquela falsidade ao embargante, sob pena de a matéria em apreço ser contra si julgada – cfr. artigo 375.º, n.º 2 parte final e ainda artigo 414.º do Cód. Proc. Civil.
Ora, como se expôs, evidente que não logrou o embargante demonstrar essa falsidade, porquanto absolutamente ausente qualquer depoimento ou prova pericial a propósito das assinaturas constantes do contrato ou do termo de autenticação e sempre manifestamente insuficiente o mero juízo de sensível desproporção entre o valor do crédito cedido e o da compensação/preço referido como pago/satisfeito.
Tudo a determinar a procedência da argumentação da Recorrente quanto ao erro de julgamento na sentença e a implicar que se elimine o facto sob a alínea b) dos não provados e, por seu turno, se adicione à matéria provada um outro facto com o seguinte teor:
1-A. Em 07/02/2023 o então Autor daquela acção, CC, celebrou com a Exequente, o acordo denominado “Contrato de Cessão de Créditos”, nos termos constantes do documento n.º 2 com o requerimento executivo, no qual, para além do mais, declararam, na qualidade de primeiro outorgante o Autor naquela acção:
Este contrato foi assinado por ambos os contratantes.
No mesmo dia, foi por Ex.ma Advogada elaborado/lavrado o termo de autenticação daquele contrato, que mais foi junto sob documento n.º 2 ao requerimento executivo, nos termos que dele constam e no qual, para além do mais, consignou a apresentação perante si do documento que integra o contrato de cessão, pelos outorgantes, a identificação do cedente mediante a exibição de documento de identificação, a confirmação por aqueles de terem lido e assinado o mesmo, como a de que correspondia às respectivas vontades e bem assim a assinatura do termo perante si.
Nos termos do disposto na al. c), do art.º 729.º, do C. P. Civil, sendo a legitimidade das partes um pressuposto processual, como resulta do disposto no art.º 53.º, n.º 1 e na al. d), do n.º 1, do art.º 278.º, do C. P. Civil, a ilegitimidade em face do título executivo pode constituir um desses fundamentos de oposição.
Conforme decorre do disposto no artigo 53º do CPC, a legitimidade das partes no processo executivo afere-se, em regra, pelo título executivo: é a pessoa que figura no título como credor que tem legitimidade para promover a execução e é a pessoa que figura no título como devedor que tem legitimidade para ser demandado.
Essa regra comporta, no entanto, algumas excepções que estão previstas no artigo 54º e entre as quais se encontra o caso de ter havido sucessão no direito ou na obrigação, ou seja, as situações em que, por força de transmissão do direito ou da obrigação, o real devedor ou credor já não é aquele que figura no título. Quando assim acontece, determina o artigo 54º, nº 1, que a execução deve correr entre os sucessores do credor ou do devedor, devendo o exequente alegar, no próprio requerimento para a execução os factos constitutivos da sucessão. Trata-se, portanto, de fazer a habilitação dos sucessores do credor ou do devedor que figuram no título executivo, dispensando-se o incidente de habilitação no caso de a sucessão ter ocorrido antes da propositura da execução. Mas, tal como acontece no incidente de habilitação, o exequente está, naturalmente, obrigado a alegar e provar os factos constitutivos da sucessão.
Como decorre do disposto nos art.ºs 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, do C. P. Civil, se a cessão do crédito exequendo ocorreu antes de instaurada a execução, uma vez que a qualidade de titular do crédito não resulta do próprio título executivo, o exequente deduzirá no requerimento executivo os factos que lhe conferem essa qualidade.
No caso sub judice, quem figura no título como credor é o Autor na acção a que respeita a sentença exequenda e a execução foi instaurada pela embargada-recorrente que, em cumprimento da norma supra citada, alegou os factos constitutivos da transmissão do crédito, alegando e provando ter celebrado com credor originário e antes da instauração da execução um contrato de cessão de créditos por via do qual este lhe transmitiu o crédito que vem reclamar na presente execução.
Dispõe, todavia, o artigo 583º, nº 1, do CC, que a cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada ou desde que ele a aceite. E, porque a Exequente não alegou - no requerimento executivo - que tal notificação ou aceitação tivesse ocorrido, coloca-se a questão de saber se tal notificação pode ser efectuada através da citação para a execução.
Data venia, por concordamos totalmente com a solução e fundamentação respectiva, passamos a citar o Acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, processo 184/18.1T8OER-A.L3-6, na base de dados da dgsi:
«A notificação ao devedor é essencial atenta a “(…) necessidade da protecção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente.
(…) o desiderato da lei fundamentalmente que o devedor como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não seja confrontado como uma situação alterada no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito” (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Novembro de 2012, in www.dgsi.pt).
A questão que aqui se coloca é a de saber se a Recorrente é parte legítima, questão esta que se mostra intimamente conexa com a questão de saber por que forma é que essa notificação pode ser efectuada, isto é se a citação do executado em sede de acção de execução configura, ou não, um meio de levar ao conhecimento do devedor a cessão de créditos operada entre cedente e cessionário.
Começando pela questão de apurar por que forma é que a notificação pode ser efectuada (dado que da resposta a esta questão levará à resposta sobre a (i)legitimidade da Recorrida (exequente), existem duas posições.
Uma posição defende a equiparação da citação do devedor para a acção executiva à notificação exigida pelo artigo 583º, nº 1 do Código Civil, pelo que efectuada aquela citação a cessão de créditos passa a ser eficaz em relação ao devedor do crédito cedido.
Uma outra corrente, mais formalista, defende que a comunicação da cessão ao devedor tem de ser prévia à propositura da acção executiva, devendo constar do requerimento executivo que a cessão foi realizada e que foi notificada ao devedor (neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2003; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2020; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Setembro de 2017; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Junho de 2007; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Fevereiro de 2014; todos em www.dgsi.pt, e ainda Luís Menezes Leitão (in Direito das Obrigações, Volume II, Coimbra, Almedina, 2016, pág. 28.)
No caso em apreço comungamos da primeira tese uma vez que o artigo 583º, nº 1 do Código Civil não é taxativo quanto aos meios através dos quais a notificação ao devedor deva ser realizada e a figura da cessão de créditos visa permitir no mercado a livre circulação de créditos.
Seguindo a primeira posição, sendo a notificação uma declaração receptícia através da qual se dá conhecimento ao devedor a cessão do crédito operada entre cedente e cessionário, a declaração não está sujeita a forma especial (artigo 219º do Código Civil), uma vez que o artigo 583º do referido Código não prevê de modo taxativo o modo como deve ser realizada a notificação.
A tanto acresce que a declaração negocial pode ser expressa ou tácita nos termos do artigo 217º, nº 1 do Código Civil.
Mais se refira que, para que cessão de créditos opere os seus efeitos perante o devedor, apenas se exige que lhe seja dado conhecimento, não se mostrando necessária a sua autorização. A notificação do devedor não é, pois, facto constitutivo do direito do cessionário nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade activa, sendo mera condição de eficácia da cessão em relação ao devedor.
Não existe qualquer impedimento legal a que o devedor tenha conhecimento da cessão de créditos através da citação para os termos da acção executiva, pois, quer a notificação, quer a citação, têm inerente o conhecimento e é o conhecimento que é elemento constitutivo da eficácia da cessão em relação ao devedor. Através da citação o devedor (cedido) fica ciente da existência da cessão e da impossibilidade de invocar o seu desconhecimento e, assim, o direito do cessionário, que até então era inoponível ao devedor cedido, passa a gozar da exigibilidade que antes daquele acto a ineficácia relativa condicionava.
Os meios de protecção do devedor que a lei lhe confere, quando tem conhecimento da cessão de créditos através da citação para a acção executiva, em nada são beliscados.
Esta tese que perfilhamos há muito que vem sendo a maioritariamente aceite na nossa jurisprudência (neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Novembro de 2012; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2016; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Outubro de 2017; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2021; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Maio de 2009; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 2018).
Na doutrina encontramos o mesmo entendimento defendido pelo Prof. António Menezes Cordeiro (in Tratado de Direito Civil, Vol. IX (Direito das Obrigações), 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 800) quando defende que a citação para a acção equivale, a partir do momento em que seja feita.
Leia-se ainda Assunção Cristas, em anotação ao acórdão de 3 de Junho de 2004, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 14, pág. 64, “uma vez citado, o devedor cedido não está mais numa situação de ignorância que deva ser protegida, ainda que pretenda contestar, invocando mesmo a invalidade ou a ineficácia da transmissão, não poderá ignorar a transmissão (ainda que hipotética) e cumprir com eficácia perante o antigo credor.»
Aqui chegados somos de concluir que o conhecimento da transmissão ocorrida se deu através da citação para a acção executiva, momento em que o Recorrido ficou ciente da existência daquela cessão de créditos e da impossibilidade de, quanto a esta, invocar o seu desconhecimento e, assim, o direito do cessionário, que até então era inoponível ao devedor cedido, passa a gozar da exigibilidade que antes daquele acto a ineficácia relativa condicionava.
III.
Pelo exposto, concedendo-se total provimento ao presente recurso, revoga-se a decisão recorrida e julgam-se os embargos totalmente improcedentes.
Custas pelo Recorrido.
Notifique.
Porto, 10 de Abril de 2025
Isabel Peixoto Pereira
João Venade
António Carneiro da Silva
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[1] Assim é que a quase totalidade das alegações do recorrido se reconduzem a matéria que não é objecto do recurso, sendo certo que, por sua vez, não interpôs recurso da decisão o embargante/recorido: desde logo, a da sua não citação para os termos da acção cuja sentença se constitui como o título exequendo, quanto à qual ninguém recorreu e a da falsidade da sua assinatura constante do contrato-promessa cujo incumprimento naquela acção foi convocado como causa do crédito reconhecido na sentença, esta fora já do âmbito de admissibilidade mesmo dos embargos, nos termos e para os efeitos do art. 729º do CPC.
E assim é que, na petição de embargos, o recorrido alegou, a mais da sua falta de citação para os termos da acção, fundamento de oposição a execução se sentença previsto já na alínea d) do referido artigo 729º, que: 29 (…) , é absolutamente falso o contrato promessa que constitui o doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial naqueles Autos como absolutamente falso é o alegado nos artigos 2º, 3º e 4º da Petição Inicial do mesmo processo; 30 Do documento n.º 3 junto com a P.I. naquele processo – apenas é verdadeira a identidade do aqui Executado, sendo certo que os imóveis identificados eram propriedade do seu casal, não sendo consequentemente seus bens próprios; 31 Todo o demais conteúdo é falso, desconhecendo o aqui Executado a quem pertence a sua autoria, 32 Nunca recebeu o Executado qualquer quantia, nomeadamente as indicadas nas cláusulas Terceira e Quarta, e nunca prometeu vender a ninguém, nem ao Autor naquele Processo – Cedente nos presentes Autos - que desconhece totalmente, os imóveis aí identificados; 33 É falso o conteúdo das cláusulas Quinta, Sexta, Sétima, Oitava, Nona e Décima do referido contrato, 34 Como são absolutamente falsas a assinatura, rúbrica e letra contidas no referido contrato, que não foram feitas pelo seu punho e não são de sua Autoria, 35 Desconhecendo também se a letra e assinatura imputada àquele A/cedente CC é da autoria deste, assim a impugnando, até porque é diferente da assinatura aposta na procuração junta naquele processo, 36 É totalmente falso todo o conteúdo e o próprio documento n.º 4 constante naquele processo que não foi celebrado pelo - nem foi sequer do seu conhecimento – Executado; 37 É falso que o Autor – cedente nos presentes autos ou qualquer outra pessoa tenha tido a posse e as chaves dos prédios em questão, 38 Como falso é que o Executado tenha alguma vez recebido de quem quer que seja, nomeadamente do A/cedente, as quantias referidas na cláusula Primeira desse doc. n.º 4; 39 É absolutamente falso o conteúdo das cláusulas Primeira e Terceira daquele documento n.º 4, 40 Sendo absolutamente falso que o aí Autor – e aqui cedente tenha transmitido a quem quer que seja a posse daqueles prédios, 41 Sendo também absolutamente falso que tenha autorizado o mesmo - que não conhece - a administrar e usufruir os mesmos bens como seu legitimo dono, como falso é que o mesmo tenha administrado ou usufruído dos mesmos, 42 São absolutamente falsas, a letra, assinatura e rubricas contidas no referido documento que não são da autoria nem feitas pelo punho do Executado, 43 impugnando também a autoria da assinatura e rubricas alegadamente pertencentes ao A., e aqui cedente – CC e como tal as impugna; 44 Dir-se-á ainda que nas datas dos referidos documentos 28.11.1998 e 17.12.1999, constantes daquele processo, o Executado não se encontrava em Portugal; 45 É pois absolutamente falso o alegado nos artigos 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Petição Inicial daquele Processo, como absolutamente falso é o alegado nos artigos 10º, 11º, 11º A, 11º B, 12º e 13º da mesma peça processual; 46 É absolutamente falso o conteúdo do doc. n.º 5 junto com a P.I., daquele processo como falso é todo o referido documento, que não é da Autoria do Executado, nem àquele CC foi por si enviado; 47 sendo consequentemente falsa a letra e a assinatura do referido documento que não é de sua autoria nem foi feito pelo seu punho, 48 Revelam, contudo, os documentos anexos à referida carta, junto naquele processo judicial que alguém tinha conhecimento dos mesmos; 49 E, o Executado só divisa esse conhecimento quer naquele EE quer na sua então Esposa – a aqui Exequente AA, que terá uma relação próxima com o Autor daquela Acção – aqui cedente - o tal CC…; 50 Importa destacar que no presente processo de execução da Sentença o aqui Executado foi notificado na sua residência em França no dia 9 de Outubro em curso, e a quantia exequenda peticionada por aquela Exequente é liquidada em 266.611,33 Euros!!!; 51 Tendo aquele A. CC alegadamente cedido esse crédito à Exequente em 7 de Fevereiro de 2023 pelo valor simbólico (pasme-se) de 2.500 Euros!!!; 52Constitui este facto a prova real de que aquele processo judicial onde foi proferida a Sentença exequenda resulta de um conluio entre o Autor - aquele CC e a ex-cunhada do Executado – a Exequente AA.
Ora, manifestamente, não está em causa naquela alegação, a inexistência, inexequibilidade ou nulidade do título e a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda (fundamentos previstos, respetivamente, nas alíneas a) e e) do artigo 729.º do CPC), uma vez que tais fundamentos devem ser analisados em face do título, em si mesmo considerado, não permitindo que, a coberto da sua invocação, se possa discutir a relação contratual subjacente, impugnando o alegado na petição da acção ou invocando factos que deveriam ter sido alegados em sede de contestação. Tais fundamentos (e sequer lhe foi dado enquadramento pelo embargante que os reconduzisse a oposição atendível a título constituído por sentença), não tendo sido oportunamente alegados e na acção respectiva, não se constituindo como supervenientes, correspondem, na verdade, a meios de defesa cuja invocação se tem por precludida.
Donde a desconsideração e no saneador mesmo, sem reclamação pelo embargante, daqueles factos invocados na petição de embargos, na parte em que se discute a relação contratual que esteve na origem dos valores peticionados na acção cuja sentença se constitui título exequendo, posto que não constituem fundamento de oposição à execução baseada em sentença, por não se enquadrarem em quaisquer das hipóteses previstas no artigo 729º do CPC.
Absolutamente impertinente, pois, o teor das contra-alegações.
De resto, o que mais resulta é que a impugnação da autoria das assinaturas de documentos na petição de embargos não vai referida ao contrato de cessão do crédito declarado pela sentença, mas antes aos documentos juntos e considerados na acção a que respeita a sentença exequenda!
Por isso que a sentença recorrida acaba por se reconduzir a matéria não oportuna e devidamente alegada pelo embargante, sendo que a embargada não veio recorrer com um tal fundamento (sequer se opôs ao despacho que em audiência determinou da ampliação do objecto da oposição).
Desde logo, temos para nós prefigurar-se uma verdadeira e própria nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, n. 1 al. d) do CPC.
Certo que, no que respeita à decisão de facto, «o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, (…)» (cfr. ac. do STJ de 23.03.2017, processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt). Na verdade, e como já ensinava Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 144 a 146): «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão. (…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.». Por conseguinte, o eventual atendimento de factos não oportunamente invocados pelas partes nos respectivos articulados pode eventualmente constituir uma patologia da decisão da matéria de facto, mas não implica, em geral, a nulidade da sentença. Sempre, necessária, então, a invocação do erro respectivo em sede recursiva. Em sentido distinto, pugnando neste caso, ainda assim, por uma nulidade da sentença, o Acórdão da Relação de Évora de 2008-06-26 (Processo nº 2316/07-3), https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/3-2008-94135275.
No caso, contudo, prefigura-se, justamente, uma particular situação em que a consideração do facto não alegado, o da falta de outorga da cessão do crédito exequendo, vem a corresponder à apreciação ou conhecimento de um fundamento da oposição por embargos, i.é., de uma questão não oportunamente suscitada.
É que questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art.º 615º, nº 1, al. d), do NCPC. Assim, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia incidem sobre as “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 608º e 615º, nº 1, al. d), do NCPC, com as quais se não devem confundir os “argumentos” expendidos no seu âmbito. Sempre a ausência de transmissão do crédito, enquanto condição de legitimidade substantiva da exequente se constitui como uma questão para este efeito.
Em rigor não se trata de uma nulidade, mas de uma anulabilidade, uma vez que o Tribunal não pode conhecer dela ex officio.
Este entendimento – do não conhecimento oficioso das nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615 do CPC – estriba-se na circunstância de várias disposições legais (arts. 614/1, 615/2 e 4 e 617/1 e 6, todos do CPC) preverem, em determinadas circunstâncias, a possibilidade do seu suprimento oficioso, assim indicando que o conhecimento do vício constituirá a exceção e não a regra e que, em contrapartida, há necessidade de alegação. Neste sentido, STJ 30.11.2021, (1854/13.6TVLSB.L1.S1)[1], Maria da Graça Trigo, RG 1.02.2018 (1806/17.7T8GMR-C.G1), José Amaral, RG 17.05.2018 (2056/14.0TBGMR-A.G1), Maria João Pinto de Matos, RG 19.01.2023 (487/22.0T8VCT-A.G1), José Carlos Pereira Duarte; na doutrina, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado cit., pp. 735-736, e Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (arts. 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, p. 10. Compreende-se que assim seja: estando em causa uma nulidade intrínseca ou de conteúdo, o tribunal ad quem terá, em regra, condições para decidir o mérito da causa, quando seja procedente a arguição de nulidade (cf. art. 665/1 do CPC), pelo que o seu conhecimento oficioso e afirmação tenderia a ser um ato inútil, por ser o juízo rescindente desnecessário ao juízo rescisório. A propósito, RP de 25.03.2021 (59/21.7T8VCD.P1), Aristides Rodrigues de Almeida.
A nulidade da sentença tem, pois, um regime próprio de arguição, previsto no n.º 4 do art. 615.
Isto dito, das conclusões do recurso, supra transcritas, resulta que a Recorrente não arguiu a nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia (nenhuma das partes dela se terá apercebido), nem também se reconduziu ao erro no julgamento de facto por via da indevida atendibilidade, o que obsta a que este Tribunal da Relação conheça desse vício da decisão recorrida.
[2] E reconduzindo-se a uma impugnação da cessão ou transmissão que não alegou já em sede de embargos, como se apreciou na nota que antecede.