PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário

I - Estando as nulidades da sentença previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC é pacificamente aceite que estas respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”, motivo por que nas mesmas se não incluem quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito.
II - Demonstrada não só a efetiva privação do uso do imóvel em consequência da sua ocupação ilícita, bem como demonstrada a perda das utilidades que o imóvel proporcionaria aos lesados, se não estivesse ocupado contra a vontade dos mesmos, reconhece-se a estes um direito indemnizatório, cujo valor será fixado com recurso a critérios de equidade, mas tendo por referência o valor locativo do imóvel.

Texto Integral

Processo nº. 807/22.8T8VCD.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta – Teresa Sena Fonseca

Adjunta – Ana Paula Amorim

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto – Jz. Local Cível de Vila do Conde

Apelantes / AA e marido

Apelados / BB e outros

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

1. BB e marido CC;

2. DD, solteiro, maior, aqui representado por EE;

3. FF, solteira, maior, aqui representada por EE;

4. GG e mulher HH, aqui representados por EE; e

5. II e mulher JJ, aqui representados por KK,

instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra

AA e marido LL.

Pela procedência da ação peticionaram os AA. a condenação dos RR. nos seguintes termos:

“1ª Serem os Réus condenados a reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano destinado a habitação, composto por dois andares, interior com portão e com quintal. A confrontar do Norte com MM, do Sul com NN, do Nascente com terreno dos donos e do poente com Estrada, prédio inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., atual União de freguesias ... e ... sob o artigo ..., descrito na conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº ...;

2ª Serem os Réus condenados a reconhecer que ocupam a casa, a título precário e por mera tolerância;

3ª- Serem os Réus condenados a entregar a casa livre de coisas e bens aos Autores;

4-ª Serem os Réus condenados a pagar aos Autores, uma indemnização pelos danos que estes tiverem que suportar, derivados do uso de privação da sua habitação e da eventual ocupação de outra casa, durante o tempo necessário que estiverem em Portugal, bem como todas as despesas designadamente judicias e outras que os Autores tenham que suportar em consequência da conduta omissa dos Réus, a liquidar em execução de sentença;

5ª- Serem os Réus condenados a pagar aos Autores, uma indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados em consequência da descrita conduta, bem como pelos danos de natureza idêntica que terão que suportar em consequência do agravamento das condições de salubridade e ou habitabilidade resultante da conduta omissiva dos Réus, a liquidar em execução de sentença;”

Para tal alegaram os AA., em síntese, serem os proprietários do imóvel descrito em 1º da p.i.

Propriedade que lhes adveio por aquisição celebrada por escritura pública de compra e venda em 20/01/2011, estando registada a seu favor na CRP, beneficiando por tal de presunção da titularidade do direito.

Tendo ainda invocado factualidade atinente à demonstração de que também por via da aquisição originária - usucapião, tal propriedade lhes pertence.

Mais alegaram que a R. e marido vivem no imóvel em causa, por mera cedência temporária desde 2017 concedida pelo procurador dos AA., Sr. GG, com a condição de estes pagarem a água e luz que consumissem naquela casa. Comprometendo-se os RR. a entregar a casa logo que para tanto fossem interpelados, livre e devoluta de pessoas e bens.

Casa que não tem condições de habitabilidade e que os AA. interpelaram a respetiva entrega, tendo os RR. a tal se recusado e exigido a realização de obras.

Bem sabendo os RR. que os AA. nunca quiseram arrendar a casa. Ali se mantendo sem o consentimento dos AA. e por isso de má-fé.

A atuação dos RR. é causa de prejuízos para os AA. nos termos que descriminaram na p.i., relativos quer a despesas suportadas e relacionadas com a atuação destes mesmos RR.; quer pela necessidade de recuperar a casa que se continua a degradar elevando, a não entrega das chaves, os prejuízos dos AA. nesta sede; quer pela não fruição da casa por parte dos AA.

A não entrega da casa aos Autores, constitui assim um ato suficientemente grave suscetível de gerar a obrigação de indemnizar pelos danos que já estão a provocar e pelos que no futuro lhes venham a provocar.

Danos cuja liquidação os AA. requereram fossem relegados para futura liquidação de execução de sentença.

Termos em que concluíram nos termos acima enunciados.

Citados os Réus, apresentaram comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento taxa de justiça e nomeação e pagamento de patrono.

Foi declarada a suspensão dos prazos em curso (vide artigo 24º nº 4 da Lei do Apoio Judiciário).

Em 15/02/2023 foi apresentada contestação/reconvenção pelos RR.

O que motivou resposta dos AA. em 21/03/2023.

Por decisão de 24/01/2024 (após prévio contraditório concedido por despacho de 27/11/2023), determinou o tribunal a quo “o desentranhamento da contestação com reconvenção apresentada pelos Réus, por extemporânea, bem como a sua devolução aos apresentantes.

Notifique e, após trânsito, abra novamente conclusão.”


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Em 13/03/2024, o tribunal a quo declarou confessados os factos e determinou o cumprimento do disposto no artigo 567º nº 2 do CPC.

Apresentaram os AA. alegações, concluindo pela procedência da ação.


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Proferiu após o tribunal a quo sentença, decidindo, “(…) julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenar os Réus a reconhecer que que os Autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano destinado a habitação, composto por dois andares, interior com portão e com quintal, a confrontar do Norte com MM, do Sul com NN, do Nascente com terreno dos donos e do poente com Estrada, prédio inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., atual União de freguesias ... e ... sob o artigo ..., descrito na conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº ...;

b) Condenar os Réus a reconhecer que ocupam a aludida casa a título precário e por mera tolerância;

c) Condenar os Réus a entregar a casa aos Autores, livre de pessoas e bens, no prazo de trinta dias contados da presente decisão;

d) Condenar os Réus a proceder ao pagamento aos Autores de uma indemnização a título de privação do uso, a determinar em liquidação de sentença e tendo por base critérios de equidade fundados no valor locativo do imóvel;

e) Condenar os Réus no pagamento aos Autores no valor global de € 180,96 (cento e oitenta euros e noventa e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais; e

f) Absolver os Réus do demais peticionado.”


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Do assim decidido apelaram os RR., oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto pelos réus AA e marido versando sobre matéria de direito entendendo-se que a sentença recorrida enferma de nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. c) e d) do CPC, além de violar o disposto nos art.ºs 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 557.º, n.º 2, artº final, e 558.º, al. c) e 628.º do CPC e art.º 483.º do CC, impondo-se reconhecer que nos presentes autos, a entrega da casa aos Autores apenas poderá ocorrer no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão e já não no prazo da decisão, assim como não poderão os réus ser condenados a pagar aos autores uma indemnização a título de privação de uso atenta a falta de alegação de factos que sustentem tal pedido e a alegação de outros indiciadores da inexistência de um qualquer dano a título da privação do uso.

2. No que em concreto respeita ao decidido em c) na sentença recorrida quanto ao prazo para entrega do prédio que os réus afetaram à sua habitação, decidiu-se que a entrega deveria verificar-se no prazo de trinta dias contados da decisão.

3. Ora a decisão aqui em causa está datada de 03/05/2024, a sua notificação às partes ocorreu via eletrónica na pessoa dos respetivos mandatários, sendo que tal notificação foi elaborada a 06/05/2024, considerando-se efetuada em 09/05/2024, sendo que nesse ínterim perdem-se “6 dias” do prazo estabelecido, sem que os réus sejam disso responsáveis Cfr. art.º 248.º do CPC.

4. Ademais, as decisões judiciais apenas se tornam definitivas com o respetivo trânsito em julgado, imposta, sobretudo, por razões de certeza e segurança nas relações jurídicas.

5. O preceituado no art.º 628.º do CPC o visa, assim, determinar, com rigor, o momento a partir do qual transita em julgado uma decisão judicial, isto é, quando essa decisão se torna, para o mundo jurídico, definitiva.

6. De tal normativo resulta que uma decisão judicial só possa considerar-se transitada em julgado depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição do recurso ou, não sendo admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma.

7. No caso concreto, atento o valor da ação (€ 18.000,00) é admissível o Recurso para o tribunal da Relação, o que significa que só após ter decorrido o prazo de 30 dias contados da notificação da decisão é que a sentença proferida em 03/05/2024 transitaria em julgado e desde que a mesma não fosse objeto de recurso em tal prazo.

8. No caso concreto o prazo legal para recorrer da decisão proferida em 03/05/2024, considerando que a notificação daa mesma apenas se considera feita a 09/05/2024 apenas terminaria no dia de hoje, mas o recurso agora interposto importa que não se verifique o seu transito.

9. Acresce ainda que estando em causa nos presentes autos a posse e a propriedade da casa de habitação dos réus, o presente recurso, por força da lei (art.º 647.º, n.º 3, al. b) do CPC) tem efeito suspensivo, no que respeita à decisão proferida.

10. Atento o supra exposto e se considerássemos que a obrigação de entrega da casa de habitação dos réus era efetivamente devida no prazo de trinta dias contados da decisão, a mesma impor-se-ia a 02/06/2024, portanto 24 dias apenas após a sua notificação aos réus e 9 dias antes do termo do prazo para recorrer da decisão proferida (!), havendo o risco, pelo menos em abstrato, da decisão ser revogada, alterada em sede de recurso.

11. Pelo que salvo melhor entendimento, o prazo de 30 dias para entrega pelos réus da sua casa de habitação as aqui autores terão de ser contados não da decisão (que não foi de imediato comunicada por facto não imputável aos réus, nem se torna de imediato exequível, podendo ser objeto de revogação ou modificação pelo Tribunal da Relação) mas antes do trânsito em julgado da decisão que a determine, na medida que só após o transito em julgado da decisão é que a sentença se torna definitiva e os seus efeitos se consolidam na esfera jurídica dos intervenientes.

12. Foram ainda os réus condenados a proceder ao pagamento aos autores de uma indemnização a título de privação do uso, a determinar em liquidação de sentença e tendo por base critérios de equidade fundados no valor locatício do imóvel.

13. Quando se consideram confessados os factos, por falta de contestação, a causa é julgada “conforme for de direito” (art.º 567.º, n.º 2, in fine do CPC) e esse julgamento pode conduzir ou não à procedência da ação, já que há confissão de factos, mas não do direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semipleno.

14. O efeito cominatório semipleno, decorrente da situação de revelia operante, apenas determina que se devam ter por confessados os factos que tenham sido efetivamente alegados pelo autor, os quais se podem revelar insuficientes, no momento da subsunção, tendo em vista a procedência do pedido. Neste sentido ver Ac. STJ de 18/03/2021, processo 572/19.6T80LH.E1.S1

15. Perscrutada a PI deduzida em juízo pelos autores contata-se que não obstante a formulação de um pedido de condenação dos réus ao pagamento de uma indemnização a título de privação de uso (Ponto 4.º do pedido), os autores não deduzem factos que sustentem tal pedido, nomeadamente não invocam que concretas privações, constrangimentos, danos, prejuízos padecem pelo facto dos réus lhe ocuparem o prédio, assim como não alegam que a utilização que os réus fazem de tal prédio é incompatível com a utilização que eles autores dele pretendem fazer, não alegam que concreta utilização pretendem fazer do prédio e que se encontra impedida ou condicionada pela utilização feita pelos réus, não indicam qual seja o valor locatício do imóvel, nem a data sequer a partir do qual alegadamente os réus se encontram em incumprimento na entrega (!).

16. Ora, o reconhecimento da existência de uma obrigação de pagamento, melhor, a condenação no pagamento de uma determinada indemnização, ainda que o seu quantitativo seja feito em incidente de liquidação de sentença, pressupõe que na primitiva ação declarativa em que é proferida tal condenação, sejam alegados e consequentemente dados como provados concretos factos que sustentem o pedido indemnizatório.

17. Perscrutada a PI o que resulta alegado é contrário à pretensão e/ou obstaculiza que lhes fosse deferido a indemnização pela privação do uso, pois alegam (facto dado como provado pela revelia) que a casa tem mais de 50 anos, não sofre obras de manutenção há mais de 20 anos, não se encontra em condições de habitabilidade, que eles autores se encontram todos emigrados, pouco usam a casa, o que apenas fazem em férias (embora não aleguem com que periodicidade venham de férias), e que não querem arrendar a casa. Cfr. art.º 26.º, 27.º, 31.º, 43.º da PI.

18. A ausência de concretos factos aptos a sustentar o pedido de indemnização pela privação do uso, conciliada com a alegação dos factos em 26.º, 27.º, 31.º e 43.º da PI impunha que se absolvesse os réus do pedido na condenação no pagamento de uma indemnização a título de privação de uso, por falta de alegação de dano.

19. A condenação no pagamento de um qualquer valor indemnizatório, ainda que o seu montante seja para liquidar em execução de sentença, pressupõe que previamente na ação primitiva sejam apurados determinados factos (com base na causa de pedir apresentada), com fundamento nos quais, por aplicação do pertinente enquadramento jurídico, se reconheça a existência de um credito indemnizatório, relegando-se apenas para incidente de liquidação a operação de mera quantificação de uma obrigação jurídica, i.e., a expressão pecuniária concreta em que o credito indemnizatório se traduz. Neste sentido ver Ac. STJ de 10/05/2021, proferido no processo 35505/12.1YIPRT.P1.S1., disponível e www.dgsi.pt.

20. Ora a mera privação do uso da coisa não é indemnizável, devendo o lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por ato ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa, o que constitui entendimento jurisprudencial dominante e atual do STJ. Entre outros ver acórdão do STJ, processo 2875/10.6TBPVZ.P1.S1., de 12/07/2018, disponível em www.dgsi.pt

21. Não é suficiente a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efetivo – de proceder à sua utilização.

22. Com efeito, o uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade concreta desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efetiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, e que consiste o dano da privação do uso. Neste sentido ver Ac. STJ de 26/05/2022, Processo 12883/21.6T8SNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt

23. É entendimento dominante e recente do STJ que a mera possibilidade de uso não constitui um dano indemnizável só por si, desacompanhado da demonstração de concretas e efetivas utilizações que a coisa proporcionava ou era suscetível de proporcionar e que a ocupação fez frustrar, isto é, o dano.

24. Ora o dano só pode ser encontrado se o uso ou gozo tiver um valor material concreto, não um valor abstrato; ou seja, quando a privação se traduza num dano emergente (prejuízo causado) ou num lucro cessante (benefícios frustrados).

25. O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento de património; é nesta diferença patrimonial concreta e efetiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, em que consiste o damo da privação do uso.

26. Logo, não havendo uso, isto é, aproveitamento das vantagens económicas proporcionadas pela coisa, inexistirá, obviamente dano da respetiva privação.

27. É que bem pode acontecer que alguém que seja titular de um bem móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respetivas vantagens ou utilidades.

28. Assim ao ter condenado os réus no pagamento de uma indemnização pela privação do uso aos autores, a determinar em liquidação de sentença e tendo por base critérios de equidade fundados no valor locatício do imóvel incorre a sentença recorrida em nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. c) e d) do CPC, seja porque condena em valor superior ao peticionado, conhecendo de questões que não lhe foram colocadas, tanto assim que os autores não invocam no seu articulado o valor locatício do imóvel assim como não requerem em momento algum que a fixação da indemnização tenha por consideração o valor locatício do imóvel.

29. Aliás, do alegado na Pi resulta que o prédio qui em causa não tem condições de habitabilidade e salubridade, não é pretensão dos autores arrendá-lo e pouco ou nenhum uso fazem dele na medida em que se encontram emigrados, pelo que os concretos factos apurados importam um desvio à regra do valor locatício do imóvel, que de resto não foi requerido pelos autores.

30. Por outro lado, a decisão parece-nos ambígua, obscura e contraditória pois que apesar de se reconhecer na fundamentação a falta de alegação do valor locatício assim como da data de incumprimento de entrega, elementos essenciais a que se deferisse a pretensão na condenação no pagamento de uma indemnização pela privação do uso, ainda assim é proferida, inadvertidamente tal condenação.

31. Por fim a sentença recorrida viola o disposto nos art.ºs 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d) e 558.º, al. c) do CPC e art.º 483.º do CC, atenta a ausência de alegação de concretos factos aptos a sustentar o pedido de condenação dos réus no pagamento de uma indemnização pela privação do uso aos autores, a determinar em liquidação de sentença e tendo por base critérios de equidade fundados no valor locatício do imóvel.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pelos Recorrentes ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada nos seguintes termos:

1. diferir o início do prazo de 30 dias para entrega da casa de habitação dos réus aos autores para o transito em julgado da sentença recorrida (Ponto c) da Sentença)

2. absolver os réus do pagamento de uma indemnização aos autores a título de privação do uso,

3. Em face da alteração requerida supra ser revista a proporção no decaimento em custas.

Como é de JUSTIÇA!”


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Apresentaram os recorridos contra-alegações.

Em suma tendo pugnado pela manutenção da decisão recorrida, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:

a) Nulidade da sentença (vide conclusão 28);

b) Erro na subsunção jurídica dos factos ao direito - em causa o decidido sob as als. c) e d) da sentença recorrida.


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III- Fundamentação

Para a prolação da decisão, o tribunal a quo considerou em sede factual os “factos articulados pelos Autores, nos termos do art.º 567.º do Cód. Proc. Civil, sendo, pois, a partir dos mesmos que se procederá à fundamentação jurídica e à respetiva decisão – cfr. art.º 567.º, n.º 3, do citado normativo.

Neste sentido vd. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/01/2019, proc. n.º 896/17.7T8PFR.P1, disponível in www.dgsi.pt.”


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1) Cumpre em primeiro lugar apreciar da arguida nulidade da sentença recorrida.

Nos termos do artigo 615º, nº 1 do CPC:

“É nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Estando as nulidades da sentença previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC é pacificamente aceite que estas respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[1], motivo por que nas mesmas se não incluem quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[2].

A nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, quando fundada em vício da contradição, reporta-se à contradição entre a decisão e seus fundamentos. E quando fundada na ininteligibilidade/obscuridade da decisão pressupõe a verificação de um vício expositivo da decisão alvo de censura, na medida em que devendo esta ser, num procedimento silogístico, a conclusão lógica deduzida de premissas anteriores, aquele se verifica quando os fundamentos antes expostos conduzirem a decisão oposta à seguida. Ou a mesma não for percetível.

Por sua vez, a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia a que se reporta a al. d) do mesmo nº 1 do artigo 615º, respeita ao não conhecimento, ou conhecimento para além, de todas as questões que são submetidas à apreciação pelo tribunal. Ou seja, de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões). Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.

Encontra este dever a sua consagração legal no disposto no artigo 608º nº 2 do CPC.

Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [3].

Finalmente a nulidade prevista na al. e) do artigo 615º é aferida em função do objeto da ação e pedido formulado pelo autor, o qual delimita a atuação do tribunal em respeito pelo princípio do dispositivo, verificando-se este vício quando o tribunal a quo na sua decisão condenatória não respeita o pedido, condenando em quantidade superior ou em objeto diferente do pedido formulado pelo autor.

Assim caraterizados estes vícios, cumpre apreciar se aos recorrentes assiste razão. Não obstante na conclusão 28 estes tenham apenas identificado as als. c) e d) do artigo 615º, facto é que afirmaram também ter ocorrido condenação em valor superior ao pedido, o que a verificar-se, configuraria a nulidade prevista na al. e) que assim vai também por nós analisada.

Analisado o pedido condenatório formulado pelos autores e o segmento decisório da sentença recorrida – ambos no relatório supra reproduzidos - é claro que a arguida nulidade de condenação ultra petitum – al. e) do artigo 615º - não procede.

A condenação constante do segmento decisório atacado pelos recorrentes e elencada sob a al. d) da decisão recorrida, está na integra contida no pedido formulado sob o ponto 4º do pedido condenatório formulado pelos AA. na sua p.i., sendo deste um minus. Note-se em especial que os recorridos sob o ponto 4º do seu pedido condenatório peticionaram precisamente a condenação dos RR. ao pagamento de uma indemnização pelos danos suportados “derivados do uso de privação da sua habitação” (entenda-se privação do uso da sua habitação).

E tal foi a condenação decidida pelo tribunal a quo, tendo julgado parcialmente improcedente o demais peticionado em tal ponto 4º, para além do que consta na al. e) do segmento decisório e que não vem impugnado.

Improcede como tal esta arguida nulidade.

Por outro lado, quanto às nulidades previstas nas als. c) e d), o que os recorrentes alegam para aquelas fundamentar é, em suma, que a factualidade alegada não é suficiente para suportar a decisão recorrida (vide conclusões 15 e seguintes). Mas este é argumento que nos reconduz a um imputado erro de julgamento na subsunção jurídica dos factos ao direito, não a uma qualquer contradição entre a decisão e seus fundamentos ou ambiguidade da mesma, sequer a um conhecimento para além das questões que foram colocadas à apreciação do tribunal a quo.

Motivo por que se impõe a conclusão de que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são imputados.

Sendo em sede de apreciação da subsunção jurídica dos factos ao direito que cumpre apreciar se ocorreu erro no julgamento do direito.

Concluindo, improcedem as nulidades da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615º nº 1 als. c) a e) do CPC suscitadas pelos recorrentes.

2- Do erro na subsunção jurídica dos factos a direito.

Por via do presente recurso, colocaram os recorrentes à nossa apreciação o decidido no segmento condenatório sob as als. c) e d) que aqui se deixam (de novo) reproduzidos:

“c) Condenar os Réus a entregar a casa aos Autores, livre de pessoas e bens, no prazo de trinta dias contados da presente decisão;

d) Condenar os Réus a proceder ao pagamento aos Autores de uma indemnização a título de privação do uso, a determinar em liquidação de sentença e tendo por base critérios de equidade fundados no valor locativo do imóvel;”

Nada tendo sido oposto aos demais segmentos da condenação e absolvição, transitaram os mesmos.

Quanto à al. c) insurgem-se os recorrentes apenas quanto ao segmento decisório final, relativo ao prazo para a desocupação do imóvel, que o tribunal a quo fixou em 30 dias contados da decisão.

Defendem os recorrentes que tal prazo – que em si não questionam - apenas dever ser contado após o trânsito da mesma. Para tanto invocando que se trata da sua casa de habitação e que por tal o recurso a interpor da decisão e que ora se aprecia tem efeito suspensivo, tal como veio a ser fixado pelo tribunal a quo.

A crítica dos recorrentes respeita, portanto, ao não condicionamento da ordenada entrega do imóvel ao trânsito da decisão.

Considerando que em causa está efetivamente a casa de habitação dos réus – tal qual foi alegado pelos autores na sua petição e que o tribunal a quo julgou confessado por efeito da revelia – ao recurso a interpor de tal decisão viria a ser fixado efeito suspensivo, ao abrigo do disposto no artigo 647º nº 3 al. b) do CPC.

Efeito suspensivo que impede a execução da decisão (vide sobre a exequibilidade da sentença o disposto no artigo 704º do CPC).

Nesta medida, resta-nos apenas reconhecer que aos recorrentes assiste razão e que assim o prazo de 30 dias fixado para a desocupação do imóvel – prazo em si não questionado - se contará a partir do trânsito da decisão.

Como segundo fundamento do recurso, vem apontada crítica pelos recorrentes à sua condenação no pagamento aos autores de uma indemnização a título de privação do uso do imóvel, a determinar em liquidação de sentença e tendo por base critérios de equidade fundados no valor locativo do imóvel.

Alegam para tanto os recorrentes (entre o mais) que os AA. não alegaram factos que sustentem a procedência da condenação em causa. Nomeadamente afirmando não terem os AA. invocado concretas privações, constrangimentos ou danos pela ocupação do prédio pelos RR., assim como não alegado que a utilização que de tal prédio fazem os RR. é incompatível com a utilização que deles pretendem os AA. fazer. Tão pouco alegando o valor locatício do imóvel, nem a data a partir da qual os RR. se encontram em incumprimento na entrega. Motivo, na perspetiva dos recorrentes para revogar a sua condenação nos termos que ora se analisa.

Analisando a decisão recorrida, da mesma extrai-se que o tribunal a quo, após ter enquadrado a relação contratual estabelecida entre as partes ao abrigo do qual os RR. ocupavam o imóvel no contrato de comodato e assinalar que nos termos do artigo 1137º nº 2 do CC estavam os mesmos obrigados à entrega logo que lhe fosse exigida, assim concluindo pela sua obrigação de os RR. procederem à restituição aos AA. dos imóvel pertença destes, assinalou que os AA. não especificaram a data em que os RR. tomaram conhecimento de tal pedido de restituição do imóvel, pelo que declarou que a “fixação da indemnização terá como início a data da citação dos RR., momento em que os mesmos sem margem para dúvida, tiveram conhecimento da solicitação para restituição”.

O mesmo é dizer que o argumento dos RR. quanto ao desconhecimento da data a partir do qual estão em incumprimento é sumariamente afastado.

Por outro lado quanto à não alegação do valor locativo do imóvel, é também na decisão recorrida reconhecido que tal valor não foi invocado, o que não obstou ao decidido. Nomeadamente e após concluir pela obrigação de os RR. procederem à restituição do imóvel, tendo o tribunal a quo concluído pela condenação dos RR. a proceder ao pagamento de uma indemnização pela privação do uso, pelos fundamentos que aqui se deixam reproduzidos:

“ IV.1 – Da indemnização pela privação do uso

Os peticionaram uma indemnização pela privação do uso do imóvel, a liquidar em execução de sentença.

Vem sendo entendimento jurisprudencial que a privação de uso de bem imóvel em caso de ocupação indevida é passível de indemnização, independentemente da utilização que se pretenderia dar ao mesmo. Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 20 de Janeiro de 2022, proc. n.º 6816/18.4T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, determinou que:

“I. A privação do uso de um prédio urbano, de rés-do-chão, com cinco divisões e com um valor locativo de €460,00, decorrente de ato ilícito de quem, não tendo título legítimo para o ocupar, persiste nessa atuação, mesmo depois de interpelado para o entregar, representa para os proprietários um dano autónomo.

II. Do facto de não terem provado a vontade de arrendar o prédio não deve retirar-se que os autores não pretendam dele extrair, como bem entenderem, na qualidade de proprietários, as utilidades que aquele estará em condições de lhes facultar, não se tendo provado qualquer circunstância que, não fora a ocupação que se vem registando, revele que não o possam levar a efeito”.

Idêntico entendimento é perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2023, proc. n.º 14396/20.4T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.

Concorda-se com o aludido entendimento. Na verdade, independentemente da concreta vontade dos Autores em arrendar os imóveis, a mera ocupação pelos Réus coarta-lhes tal possibilidade o que, por si só, representa um prejuízo passível de indemnização.

A aludida jurisprudência mais vem referindo que, para efeitos de cálculo indemnizatório, deve recorrer-se à equidade, tendo por base, designadamente, o valor locativo do imóvel.

No caso em análise, os Autores não invocam o valor locativo do imóvel, nem a data a partir da qual os Réus, tendo tido conhecimento da intenção de restituição por parte dos Autores, não procederam à devida entrega.

Quanto ao segundo ponto, tal implica que a fixação da indemnização terá como início a data de citação dos Réus, momento em que os mesmos, sem margem para dúvida, tiveram conhecimento da solicitação para restituição.

No que concerne ao primeiro ponto, os Autores relegaram para liquidação de sentença a determinação de tal montante.

Nada obste a que este Tribunal, efetivamente, relegue para tal momento a determinação do valor indemnizatório. Não obstante, a respetiva liquidação não deixará de seguir critérios de equidade, tendo como ponto de partida o valor locativo do imóvel, nas suas condições atuais – neste sentido vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2021, proc. n.º 970/18.2T8PFR.P1.S1, também disponível em www.dgsi.pt.”

Para análise da argumentação aduzida pelos recorrentes, importa aqui concretizar o que pelos AA. foi alegado (já que a decisão recorrida o fez por remissão para o articulado) com relevo para a questão que aqui se discute.

Após a alegação atinente à propriedade do imóvel em causa, bem como aos termos em que os RR. passaram a viver neste imóvel, alegaram os AA. na sua p.i., nos artigos 22º e seguintes:

“A cedência temporária e precária da casa aos Réus, teve como condição prévia e essencial que os mesmos entregassem a casa quando tal lhes fosse solicitado, devendo os mesmos entrega-la devoluta, isto é, livre de pessoas e bens.

(…)

Volvido algum tempo, após a sua instalação no imóvel supra identificação, chegou aos ouvidos dos Autores que os Réus seriam pessoas conflituosas.

(…)

Os vizinhos comentavam que o Réu marido é pessoa de caráter agressivo e que se envolve em zaragatas frequentes, sendo temido pela vizinhança.

(…)

A circunstância de a casa ter mais de 50 anos, e não ter sofrido obras de manutenção há mais de vinte anos, já que todos os Autores se encontram emigrados e pouco têm usado a casa, (só em férias)

(…)

Permitem concluir que a casa atualmente não se encontra em condições de habitabilidade, pese embora o aparente bom aspeto exterior que apenas encobre quer as deficiências construtivas de que a mesma possa padecer, quer a deterioração que tenha vindo a sofrer nos últimos anos, em resultado das alterações climáticas, designadamente das chuvas e do vento, que terão contribuído também para a sua deterioração. Daqui resultando ser inequívoco a ausência de condições de habitabilidade.

(…)

Aliás isto foi reconhecido pelos Réus, que após terem sido interpelados por um dos procuradores dos Autores para comparecer e conversar, responderam com a exigência de obras e ameaças de participação no Ministério do Ambiente (…)

(…)

Assim, embora os Réus saibam que o imóvel por si ocupado a titulo precário, precisa de obras de restauração interior, que com o tempo se vai degradando e deixando de ter condições de conforto e de salubridade como os Réus bem sabem,

(…)

Mantém-se a ocupar a casa sem consentimento dos Autores, e por isso, de Má-fé,

(…)

Impedindo o exercício do direito de propriedade dos Autores, de usarem e fruírem a coisa do modo que entenderem mais conveniente à conservação da mesma.

(…)

A conduta dos Réus gera sérios prejuízos aos Autores (…)

(…)

Os futuros custos financeiros serão mais elevados com a recuperação da casa, que continua a degradar-se e por isso a recusa da entrega das chaves, importará gastos financeiros mais elevados, num futuro,

(…)

Em virtude de terem agido sempre livre voluntária e conscientemente e com a intenção de prejudicar os Autores, já que bem sabem que ocupam a casa a título precário e que têm que a entregar aos donos,

(…)

Bem sabem que as suas condutas também impedem os Autores de usarem e fruírem da casa,

(…)

Pelo que, a não entrega da casa aos Autores, constitui um ato suficientemente grave suscetível de gerar a obrigação de indemnizar pelos danos que já estão a provocar e pelos que no futuro lhes venham a provocar,

(…)

Danos que são relegados, para futura liquidação de execução de sentença.”

Temos assim alegado pelos AA. não só que a não restituição do imóvel os impede de realizar obras de que a casa necessita, estando a deteriorar-se o que agrava os custos que mais tarde terão de suportar para o efeito, como igualmente alegaram que a ocupação do imóvel pelos RR., contra a sua vontade e sem título para tanto, os impede de usar e fruírem da casa, do modo que entenderem mais conveniente à sua conservação.

Não fruição que implica para os AA. não poderem do imóvel retirar todas as utilidades e benefícios que o uso e fruição normal de um imóvel que é sua propriedade aos mesmos pode proporcionar.

Ora a privação do uso e gozo de um imóvel causada por terceiro, a partir do momento em que se demonstra ocorrer contra a vontade do seu legítimo proprietário, constitui um ato ilícito[4] gerador da obrigação de indemnização pelo responsável do ato ilícito. Constituindo um dano patrimonial cuja indemnização, na impossibilidade da reconstituição natural, será fixada em dinheiro por referência às utilidades de que o lesado se viu privado, na sua avaliação sendo considerado o valor locativo do bem[5].

Acresce que nas situações em que o dano ainda não se verificou, mas é previsível, ou se não for ainda possível fixar o seu quantum, deve o tribunal relegar para futura liquidação o que vier a ser apurado. Assim o determina o artigo 609º nº 2 do CPC, o qual dispõe que se aquando da prolação da sentença, “não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja líquida”.

Tendo todos os factos alegado sido julgados provados, vem provado que os AA. ficaram privados de fazer na casa obras de conservação para a tornar habitável, bem como de fruir e usar o imóvel e consequentemente dele retirarem todas as utilidades que o mesmo lhes permite, como bem entendessem.

A indemnização da privação do uso enquanto dano autónomo, desde que alegado e demonstrado pelo lesado que ficou impedido não só de utilizar o bem, como também de que de tal impedimento resultou uma efetiva impossibilidade de fruir das respetivas utilidades que esse bem lhe proporciona, tem sido defendida de forma maioritária pelo STJ, descartando assim a exigência de prova de danos concretos e específicos decorrentes de tal privação que a outra corrente jurisprudencial considera igualmente necessário. Entendimento maioritário que acompanhamos.

Tal como referido no Ac. STJ de 14/12/2016[6], Relatora Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt [e reportando-se ainda a posição já antes defendida em Ac. de 09/07/2015 pela mesma Relatora no mesmo sítio, no caso por referência à privação de uso de veículo automóvel na sequência de acidente de viação, mas com total aplicação à situação sub judice igualmente fundada em facto ilícito] este tribunal superior tem vindo maioritariamente a entender “que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava”.

Recorrendo à distinção que jurisprudencialmente tem sido realçada entre “privação do uso” e “privação da possibilidade do uso”, afere-se a exigida prova de que a privação gerou perda de utilidades que o bem proporcionava ao seu titular. Não bastando, no campo das possibilidades, a suscetibilidade de a coisa poder ser usada durante o período da privação.

E uma vez demonstrada a perda de utilidades (não a mera possibilidade) que decorrerá desde logo do demonstrado uso normal que o lesado fazia da coisa, reconhece-se demonstrado um efetivo prejuízo, porquanto só naquele caso fica demonstrada a privação como causa de prejuízo gerador de indemnização [cfr. nesse sentido Ac. TRP de 08/09/2014 Relator Alberto Ruço e Ac. TRP de 30/06/2014 Relator Manuel D. Fernandes; ainda Ac. TRP 30/01/2017, Relator O. Abreu e Ac. TRP de 18/05/2023, Relatora Judite Pires, todos publicados todos in www.dgsi.pt/jtrp ].

Ou seja, e voltando à situação dos autos, demonstrada não só a efetiva privação do uso do imóvel em consequência da sua ocupação ilícita, bem como demonstrada a perda das utilidades que o imóvel proporcionaria aos lesados, se não estivesse ocupado contra a vontade dos mesmos, reconhece-se a estes um direito indemnizatório, cujo valor será fixado com recurso a critérios de equidade, mas tendo por referência o valor locativo do imóvel.

Como já referido, os ora recorridos alegaram (e o alegado vem julgado provado) que o imóvel está ocupado contra a sua vontade e que tal os impede de fruir e usar o imóvel como bem o entenderem, nomeadamente realizando no mesmo imóvel obras de conservação para o tornar habitável e o usarem e fruírem.

Sendo certo que tal uso e fruição foi pelos mesmo exercido, enquanto foi a sua vontade, por via da celebração do contrato de comodato que no entretanto cessou também por sua vontade, a partir de tal momento é legítimo decidir o destino do bem que entenderem. Seja dando-o em locação ou, como o alegaram, realizando nele obras de conservação para o tornarem, na sua perspetiva, habitável e o mesmo usarem e fruírem.

Nesta perspetiva vem provada a factualidade suficiente para julgar demonstrado o dano pela privação de uso que o tribunal a quo reconheceu aos recorridos desde a citação. Decidindo que seria liquidado futuramente tal dano e por referência ao valor locativo do imóvel, então a apurar – já que este não foi alegado.

Nada sendo oposto quanto à concreta decisão de relegar para futura liquidação, sobre a mesma nada nos cumpre dizer.

E quanto ao valor locativo é este o critério seguido como referência para depois e com recurso a critérios de equidade ser fixado o montante indemnizatório, nada obstando a que venha a ser apurado em sede de liquidação do dano.

Em suma, nenhuma censura merece o decidido neste campo.

Termos em que procede parcialmente o recurso interposto.


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IV. Decisão.

Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação deduzida, consequentemente alterando o decidido sobre a al. c) da decisão condenatória, a qual passará a ter a seguinte redação:

“c) Condenar os réus a proceder a entregar a casa aos autores, livre de pessoas e bens, no prazo de 30 dias contados do trânsito da decisão proferida”.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelos recorrentes e recorridos, na proporção de 1/2 para cada um.


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Porto, 2025-04-28
Fátima Andrade
Teresa Fonseca
Ana Paula Amorim
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