AÇÃO EXECUTIVA
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
Sumário

I - É possível a dedução do incidente de adquirente ou cessionário em ação executiva, designadamente nos casos em que, estando verificados os respetivos pressupostos legais, a intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante, sem colocar em causa a estrutura e a finalidade da ação executiva.
II - É de admitir o incidente de habilitação do Requerente que, sendo executado numa ação executiva, por ter prestado uma fiança ao devedor principal, também ele executado naquela ação, alcançou um acordo com o Exequente, nos termos do qual foi fixado o montante da quantia exequenda, montante que o Requerente pagou integralmente ao Exequente.
III - Em consequência dessa habilitação, o fiador deixa de ser Executado e passa a assumir a qualidade de Exequente (em substituição do primitivo /originário Exequente) na execução, embora limitado pelos termos do que cumpriu.

Texto Integral

Processo nº 1862/24.1T8AGD-A.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo de Execução de Águeda

Recorrente: AA

Recorrido: BB

Relatora: Teresa Pinto da Silva

1ª Adjunta: Ana Paula Amorim

2ª Adjunta: Fátima Andrade

Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução sumaria nº 1862/24.1T8AGD, em que é Exequente Banco 1..., S.A. e Executados BB, AA e CC, veio AA deduzir incidente de habilitação de adquirente contra BB.

Alegou, para tanto e em síntese, que o Requerente (AA) e a sua mulher CC foram demandados nos autos de execução acima identificados, na qualidade de fiadores do devedor principal, BB.

Após ter sido citado no âmbito da execução, o Requerente encetou negociações com o Exequente com vista ao pagamento da quantia exequenda, tendo sido alcançado um acordo pelo qual fixaram o montante em divida em €7.900,00 (sete mil e novecentos euros), montante que o ora Requerente pagou integralmente ao Banco 1..., S.A..

Uma das condições impostas pelo Requerente à Exequente para a celebração daquele acordo era a de que assumisse a sua posição processual nos autos de execução, tendo esta, no dia 08 de Agosto de 2024, apresentado nos autos principais requerimento a dar nota que o fiador - aqui Requerente - liquidou a dívida e que na qualidade de fiador iria deduzir o respetivo incidente de habilitação.

No dia 7 de agosto de 2024, o Requerente remeteu carta registada com aviso de receção ao Executado BB, na qual lhe comunicava que, no âmbito da execução supra identificada, tinha pago à Exequente a quantia €7.900,00 e, dessa forma, a dívida estava integralmente liquidada, faltando apenas a conta final do Senhor Agente de Execução, que também pagaria. Mais constava dessa carta que a comunicação em causa era efetuada nos termos do disposto nos artigos 644.º e 645.º, do Código Civil, ficando, dessa forma sub-rogado nos direitos do credor, diga-se Banco 1..., S.A., prosseguindo o processo até ver satisfeitas todas as quantias que o Requerente havia despendido, nem que para tanto tivesse que proceder à venda do imóvel.

Tal comunicação foi devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”.

Termos em que conclui pela procedência, por provado, do presente incidente de habilitação de adquirente, devendo, por via dele, o Requerente ser declarado habilitado na posição processual do Banco 1..., S.A., a prosseguir na execução principal como Exequente, em substituição do Banco 1..., S.A., contra o Executado BB, tudo com as legais consequências.

Decorridos os prazos concedidos ao Executado BB e à Exequente Banco 1..., S.A. para contestarem o incidente em causa, sem que qualquer deles tenha apresentado contestação, em 25 de outubro de 2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o presente incidente de habilitação de adquirente.

Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (vide artigo 7.º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais e artigo 539.º, n.º1, do Código do Processo Civil).

Registe e notifique, incluindo o AE para os fins tidos por convenientes, nomeadamente, extinção da execução”.


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Inconformado com esta decisão, veio o Requerente AA, em 18 de novembro de 2024, dela interpor recurso, para o que apresentou alegações com o seguinte acervo conclusivo:

1 – A decisão recorrida errou na matéria de direito ao decidir como decidiu.

2 – E, assim violou o disposto nos artigos 644.º, 589.º e seguintes do Código Civil.

3 – Incorrendo assim em manifesto erro na aplicação do direito aos factos, e ainda do princípio da legalidade.

4 – O ora Apelante é(ra) Executado nos autos principais, no qual era Exequente o Banco 1..., S.A., e eram ainda Executados BB e CC, mulher do ora Requerente.

5 – O Apelante e sua mulher foram demandados/executados na Execução na qualidade de fiadores do devedor principal - BB.

6 – Após ter sido citado no âmbito da Execução o ora Requerente encetou negociações com o Exequente com vista ao pagamento da quantia exequenda, tendo sido alcançado de imediato um acordo pelo qual fixaram o montante em divida em Euros: 7.900,00 (sete mil novecentos e nove euros) montante que o ora Apelante pagou integralmente à Exequente, sendo que uma das condições impostas pelo ora Requerente à Exequente era a de que assumisse a sua posição processual nos autos.

7 – O próprio Exequente no dia 08 de Agosto de 2024 apresentou nos autos principais o requerimento a dar nota que o fiador - aqui Requerente - liquidou a divida e que na qualidade de fiador iria deduzir o respectivo incidente de habilitação.

8 – No dia 07 (sete) de Agosto de 2024 (dois mil e vinte e quatro) o ora Apelante remeteu carta registada com aviso de recepção ao Executado BB na qual comunicava o seguinte: “ … No dia 18 de Setembro de 1995, no Cartório Notarial de Vagos, no âmbito de uma Escritura Pública de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, constituiu-se devedor ao Banco 1..., S.A. da quantia mutuada de 15.000.000$00, a que corresponde atualmente 74.819,68€. O ora signatário e sua mulher constituíram-se seus fiadores, com renúncia ao benefício de excussão prévia. No dia 06 de Agosto de 2024, lamentavelmente, eu e minha mulher fomos citados no âmbito da Execução supra identificada, na qualidade de co-executados, para, além do mais, pagar a dívida exequenda e demais acréscimos, já que desde 19 de Junho de 2023 deixou de pagar as prestações a que estava obrigado. Assim, e para não ver o meu património excutido, por facto que apenas lhe é imputável, venho formalmente e na qualidade de seu fiador comunicar que cumpri/paguei junto da exequente (Banco 1..., S.A.) a quantia de 7.900,00€ e, dessa forma a dívida está integralmente paga, faltando apenas a Conta Final do Senhor Agente de Execução que também pagarei. A presente comunicação é efetuada nos termos da Lei, mormente no disposto nos artigos 644.º e 645.º, do Código Civil, ficando, desta forma sub-rogado nos direitos do credor, diga-se Banco 1..., S.A., prosseguindo o Processo até ver satisfeitas todas as quantias que despendi, nem que para tanto tenha que proceder à venda do imóvel….”.

9 – O ora Apelante deduziu o presente Incidente de Habilitação de adquirente, e, por via dele ser declarado habilitado na posição processual do Banco 1..., S.A., a prosseguir na Execução Principal como Exequente em substituição do Banco 1..., S.A., contra o Executado BB.

10 – Por douta Sentença Judicial entretanto proferida foi julgado “totalmente improcedente o presente incidente de habilitação de adquirente”.

11 – O Tribunal “ A Quo” deveria ter proferida decisão que julgasse procedente, por provado, o incidente de habilitação de adquirente, e nesse sentido declarar o mesmo habilitado a prosseguir a execução contra o devedor principal, em substituição do primitivo exequente, com todos os sus direitos e garantias.

12 – O apelante efectuou o pagamento da divida na qualidade de fiador do devedor principal.

13 – Consequentemente fica investido, melhor dizendo sub-rogado nos direitos do credor primitivo, com todos os direitos e garantias.

14 – Pelo que deve ser proferida douta decisão que revogue a decisão proferida pelo Tribunal “ a quo”.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao Recurso, e em consequência ser a douta Sentença revogada e substituída por douto acórdão que declare procedente, por provado o incidente de habilitação de adquirente nos termos requeridos,

fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.

Mercê do exposto, da análise das conclusões apresentadas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão:

- Se deve ou não ser admitido o incidente de habilitação de adquirente deduzido pelo Requerente.

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II – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Com relevo para o conhecimento do presente recurso apuraram-se os seguintes factos, que emergem dos autos:
1) Em 21 de julho de 2024, o Banco 1..., S.A. instaurou execução sumária para pagamento de quantia certa contra BB, AA e CC, sendo a quantia exequenda de €10.130,73, acrescida de juros de mora vincendos, bem como imposto de selo, até efetivo e integral pagamento.

2) Apresentou como título executivo escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada em 18 de setembro de 1995, no Cartório Notarial de Vagos, lavrada de fls. 37 a 39, do livro de notas para escrituras diversas n.º... do referido Cartório Notarial, e Documento Complementar elaborado nos termos do artigo 64º/2 do Código do Notariado, que a integra, nos termos da qual a Exequente concedeu ao Executado BB um empréstimo de €74.819,68, a que correspondem 15.000.000$00, para aquisição do imóvel hipotecado, e do qual foram fiadores os executados AA e CC.

3) Após ter sido citado no âmbito da execução, o Requerente encetou negociações com o Exequente com vista ao pagamento da quantia exequenda, tendo sido alcançado um acordo pelo qual fixaram o montante em divida em €7.900,00 (sete mil e novecentos euros), montante que o Requerente pagou integralmente à Exequente.

4) No dia 7 de agosto de 2024, o Requerente remeteu carta registada com aviso de receção ao Executado BB, na qual lhe comunicava que, no âmbito da execução supra identificada, tinha pago ao Exequente a quantia €7.900,00 e, dessa forma, a dívida estava integralmente liquidada, faltando apenas a conta final do Senhor Agente de Execução, que também pagaria. Mais constava dessa carta que a comunicação em causa era efetuada nos termos do disposto nos artigos 644.º e 645.º, do Código Civil, ficando, dessa forma sub-rogado nos direitos do credor, diga-se Banco 1..., S.A., prosseguindo o processo até ver satisfeitas todas as quantias que o Requerente havia despendido, nem que para tanto tivesse que proceder à venda do imóvel.

5) Tal comunicação foi devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”.

6) No dia 08 de Agosto de 2024, a Exequente apresentou nos autos principais de execução requerimento com o seguinte teor: “Banco 1..., S. A., Exequente nos autos em epígrafe, em que é Executado AA e Outros, vem, mui respeitosamente, informar que o fiador liquidou a dívida, pelo que o Exequente não tem mais interesse em manter-se nestes autos, sendo que o fiador irá deduzir incidente de habilitação”.

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Fundamentação de direito
- Se deve ou não ser admitido o incidente de habilitação de adquirente deduzido pelo Requerente
O legislador consagrou, no artigo 260º, do Código de Processo Civil, o princípio da estabilidade da instância, nos termos do qual, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, admitindo-se, excecionalmente, em termos restritos e nos limites da lei, modificações subjetivas e/ou objetivas, após o ato de citação.
Nos presentes autos situamo-nos no âmbito de uma ação executiva, e, nessa medida, importa desde logo ter presente o disposto no artigo 53º, nº1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nesse título tenha a posição de devedor, bem como o artigo 54º, nº 1, do citado diploma fundamental, no qual se consagra um desvio à regra geral da determinação da legitimidade, ao estatuir-se que, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda.
Daqui decorre que “Se a posição constante do título se transmitiu, a ação executiva deve ser instaurada por quem ou contra quem foi colocado no lugar que ocupava o originário credor aparente ou o primitivo pretenso devedor[1].
Se a sucessão se verificar e tiver ocorrido antes de se ter dado início ao processo, o exequente terá (tal como ressalta expressamente da 2ª parte do nº 1 do artº 54º) de, logo no requerimento inicial, deduzir os factos constitutivos da sucessão[2].
Já, porém, se a sucessão ocorrer na pendência do processo executivo (ou mesmo tendo ocorrido antes só dela foi tomado conhecimento no decurso do mesmo) o exequente ou adquirente terá então de promover o incidente de habilitação previsto e regulado no artº. 351º e ss do Código de Processo Civil.[3].
Em termos genéricos, poder-se-á definir a habilitação como o meio processual que visa declarar / reconhecer que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava na lide, estipulando o artigo 263º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Legitimidade do transmitente – Substituição deste pelo adquirente” que:
“1- No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
2- A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recursar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
3- A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que esse não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.”
Conjugando esta norma com o disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil, no qual se prevê precisamente o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, em causa no presente recurso, conclui-se que essa habilitação não é condição necessária do prosseguimento da causa, pois que, enquanto tal não ocorrer, o transmitente continua a ter legitimidade para a lide até ao final do pleito, sendo certo que nessa situação se produzirá, de qualquer modo, caso julgado contra o adquirente.
O incidente de habilitação de adquirente destina-se a “promover a substituição da parte primitiva pelo seu sucessor na situação jurídica litigiosa”[4].
É legalmente destinado a concretizar a substituição na lide de alguma das partes, devido à alteração na titularidade da relação substantiva em litígio, verificada na pendência da ação.
Sendo deferida a substituição, a instância prossegue com o adquirente, deixando o transmitente de estar no processo, operando-se assim a modificação subjetiva da instância.
Em face do disposto no art.º 356º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil, apresentado o requerimento de habilitação, a parte contrária é notificada para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato, invocando qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade da lei substantiva ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, pelo que a contestação neste incidente, atenta as respetivas finalidades, está “limitada ao referido núcleo de factos relativos à validade formal ou material do ato de cessão ou de transmissão, ou à circunstância de ele apenas visar a dificultação da posição do contestante na causa principal”[5].
Se é certo que o incidente de habilitação de adquirente ou cessionário está estruturado em função da ação declarativa, não existe qualquer norma que determine a inadmissibilidade legal desse incidente no âmbito do processo executivo.
Nessa perspetiva, os Tribunais têm vindo a aceitar a possibilidade de dedução do incidente de adquirente em ação executiva, designadamente nos casos em que, estando verificados os respetivos pressupostos legais, a intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante, sem colocar em causa a estrutura e a finalidade da ação executiva[6].
No caso concreto, a pretensão do Requerente assenta no disposto nos artigos 644º e 645º do Código Civil, que apresentam a seguinte redação:
- Artigo 644º: “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.
- Artigo 645º: “1.O fiador que cumprir a obrigação deve avisar do cumprimento o devedor, sob pena de perder o seu direito contra este no caso de o devedor, por erro, efectuar de novo a prestação.
2. O fiador que, nos termos do número anterior, perder o seu direito contra o devedor pode repetir do credor a prestação feita, como se fosse indevida.”
À luz dos factos provados, o Requerente foi demandado em sede executiva por força exclusivamente da fiança que prestou a favor do devedor principal, o Executado BB.
Nessa qualidade de fiador, o Requerente obrigou-se a cumprir uma obrigação alheia caso o devedor não o faça – em concreto a do devedor BB, que este assumiu perante o Banco 1..., S.A. por força da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada em 18 de setembro de 1995, no Cartório Notarial de Vagos, através da qual a Exequente concedeu ao Executado BB um empréstimo de €74.819,68, para aquisição de imóvel hipotecado.
Decorre do disposto no artigo 627º, do Código Civil, que “1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. 2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”.
Recorrendo aos ensinamentos de Galvão Teles[7] diremos que a fiança é “a garantia contratual pela qual alguém - o fiador - se obriga a cumprir uma obrigação alheia, no caso de o devedor respetivo - o afiançado - a não satisfazer (art. 627º nº 1 do C.C.).” “O fiador não está apenas sujeito à responsabilidade do seu património, acha-se pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627º nº 1 do C.C.), consistindo, todavia, esta sua obrigação em cumprir a do afiançado.”
Nesta linha, seguindo de perto o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de janeiro de 2021, proferido no âmbito do processo nº 767/20.0T8VLG.P1, disponível in www.dgsi.pt, diremos que o terceiro assume “uma obrigação perante o credor a qual se apresenta numa relação de dependência ou de subordinação em relação à obrigação do devedor. Depende dela geneticamente - a invalidade do negócio principal acarreta a invalidade da fiança - depende dela funcionalmente - o fiador pode opor ao credor os meios de defesa que competem ao devedor - e depende dela também na sua dimensão extintiva, já que uma vez finda a obrigação principal igualmente desaparece a fiança. A caraterística essencial da fiança reside, portanto, na acessoriedade da obrigação assumida pelo fiador (art. 627º nº 2, 632º e 651º do CC).
Esta obrigação é ainda subsidiária da obrigação do afiançado, ou seja, o fiador chamado a cumprir pode recusar fazê-lo enquanto não se mostrar excutido o património do devedor - é o benefício da excussão prévia previsto no art. 638º do CC.
Sabe-se, porém, que, muitas das vezes, o fiador renuncia voluntariamente a esse benefício”.
No caso, o Requerente assenta o invocado incidente na sub-rogação legal prevista no artigo 644º, do Código Civil.
A figura da sub-rogação traduz-se na substituição numa relação jurídica de uma pessoa por outra que passa a ocupar o seu lugar, através da qual ocorre a transmissão de um direito de crédito já existente, acompanhada com todas as garantias e acessórios da dívida. Encontra-se regulada no capítulo da “transmissão de créditos e de dívidas” (cfr. arts. 589º e ss. do Código Civil).
Trata-se de uma modalidade de transmissão de créditos (e não uma forma de extinção da obrigação)[8] que assenta no cumprimento da dívida, e, por isso, não se confunde desde logo com outras modalidades, como a cessão de créditos, que tem por base um contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente do crédito.
Assim sendo, os direitos do sub-rogado medem-se sempre em função do cumprimento (art. 593º nº 1 do Código Civil), enquanto o direito do cessionário define-se nos termos da convenção negocial. E enquanto a cessão visa o interesse da circulação do crédito, a sub-rogação visa apenas compensar o sacrifício que o terceiro chamou a si com o cumprimento de obrigação alheia[9].
Pode ser convencional/voluntária – no caso de se fundar na vontade expressa do credor - ou legal, quando deriva diretamente da lei.
Relativamente à sub-rogação legal, dispõe o artigo 592.º do Código Civil que: “1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito. 2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.”
Recorrendo aos ensinamentos de Antunes Varela[10], diremos que “A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito, (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. (…) A sub-rogação envolve um beneficio concedido (umas vezes por uma ou outra das partes; outras pela lei) a quem, sendo terceiro, cumpre por ter interesse na satisfação do direito do credor”.
Um dos casos de sub-rogação legal, em que independentemente da vontade dos sujeitos da obrigação a lei sub-roga nos direitos do credor o terceiro que haja cumprido em lugar do devedor é precisamente o da fiança, porquanto, atento o disposto no artigo 644º, do Código Civil, como já acima se evidenciou, o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.
Do exposto decorre, no que ao caso concreto importa, que o pagamento efetuado pelo Requerente à Exequente reveste a natureza de cumprimento da obrigação a que se encontrava adstrito pela fiança que prestou em benefício do Executado BB. E daí que, com esse pagamento, passamos para o domínio da sub-rogação legal que o artigo 644º do Código Civil prevê.
Consequentemente, o Requerente, por força daquele pagamento ao Banco Exequente, adquiriu o direito de crédito que esse Banco tinha sobre o Executado BB, embora limitado pelos termos do cumprimento, na medida do que pagou.
Aqui chegados, perante tudo aquilo que se deixou exarado, teremos de considerar que, in casu, é legalmente admissível o incidente de habilitação do Requerente, que através do mesmo deixa de ser Executado e passa a assumir a qualidade de Exequente (em substituição do primitivo /originário Exequente Banco 1..., S.A. ) na execução.
Salvo o devido respeito, não se vislumbra razão suficientemente válida e convincente para assim não acontecer.
Ao Executado / Requerido, atenta a notificação efetuada para deduzir oposição ao incidente suscitado, foi-lhe concedida a oportunidade de defender os seus interesses.
Não admitir tal habilitação, obrigando o Requerente à propositura de nova ação executiva, representaria não só uma ofensa ao princípio da economia processual como uma lesão injustificada dos interesses do fiador sub-rogado.
Acresce que não colhem os argumentos invocados pelo Tribunal a quo para indeferir aquela habilitação, quais sejam “ que o incidente de habilitação de adquirente respeita à modificação subjetiva da instância, pelo que só pode visar terceiros, no sentido de trazer à lide alguém que não é parte no processo e que com o pagamento da quantia exequenda extinguiu-se o direito relativamente ao credor exequente, o que determina o fim da execução”.
Quanto ao primeiro argumento, em lado algum do artigo 356º do Código de Processo Civil se alude à obrigatoriedade de aquele incidente visar apenas um terceiro, entendido como alguém que não é parte na causa. Desde logo, a inserção sistemática desse artigo não se insere no Capítulo III (“Intervenção de terceiros”), do Título III (“Dos incidentes da Instância”), do Código de Processo Civil, aquele sim, relativo aos incidentes de intervenção de terceiros, mas antes no Capitulo IV, relativo aos incidentes de habilitação.
Em segundo lugar, dir-se-á que a modificação subjetiva da instância existe a partir do momento em que o Requerente, por virtude da habilitação, deixa de ser Executado e passa a ser Exequente, deixando de ser Exequente o Banco 1..., S.A..
Por outro lado, o pagamento efetuado pelo fiador não é uma forma de extinção de uma obrigação, mas antes de transmissão do crédito, pois que, como vimos, estamos perante um caso de sub-rogação legal. Nessa medida, a partir do momento em que o fiador sub-rogado requer a sua habilitação para prosseguir em lugar do Exequente, deixa de haver qualquer motivo para determinar o fim da execução.
Acresce que se entende que o artº 356º, do Código de Processo Civil, referente ao incidente de habilitação, tanto será aplicável às situações de cessão de créditos, previstas no artº 577º, do Código Civil, como às de sub-rogação, pois que não vislumbramos qualquer motivo para distinguir as situações, porquanto em ambos os casos os habilitandos recebem do Exequente o direito de que este era titular – que não se extingue pelo pagamento e que se encontrava incorporado no título dado à execução.
Conclui-se, assim, pela procedência do incidente de habilitação, considerando-se demonstrada a validade da sub-rogação legal do Requerente, devendo este ser habilitado a intervir nos autos principais ocupando a posição do ali Exequente, conquanto essa sub-rogação esteja limitada pelos termos do cumprimento.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 539º do Código de Processo Civil, “a taxa de justiça dos procedimentos cautelares e dos incidentes é paga pelo requerente e, havendo oposição, pelo requerido”.

Uma vez que no presente caso não foi deduzida qualquer oposição, as custas serão da responsabilidade do Recorrente.

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Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – artigo 663º, nº7, do Código de Processo Civil)
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente, e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, decidindo pela procedência do incidente de habilitação, nos termos requeridos, declarando-se o Requerente AA habilitado a intervir nos autos de execução nº 1862/24.1T8AGD, que correm termos no Juízo de Execução de Águeda, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, como sub-rogado em substituição do Banco Exequente, sub-rogação limitada pelos termos do cumprimento, deixando o Requerente de ali ser executado e aquele Banco de ter legitimidade para intervir no identificado processo executivo.
Custas pelo Apelante / Recorrente.
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Porto, 28 de abril de 2025
Os Juízas Desembargadoras
Teresa Pinto da Silva
Ana Paula Amorim
Fátima Andrade
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[1] Cfr. Prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado, Vol. 1, pág. 182”
[2] Cfr. Prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, 1999, Coimbra Editora, Vol. 1º., pág. 113.
[3] Cfr. prof. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva, 4ª. ed., pág. 173, e nota 5.”).
[4] Cfr. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, 1999, Coimbra Editora, pág. 631.
[5] Cfr. Salvador da Costa, Incidentes da Instância, 2ª Edição, pág. 242.
[6] Cfr. Neste sentido Acórdão do STJ de 28.11.2002 (processo 2B2897); Ac. do TRP, de 19.11.2009, processo nº 181-C/1995.P1, de 29.04.2014 (processo 92/12.0TBGDM-A.P1 ; Ac. do TRE 07.05.2009 (processo 284/07.3TBASL-A.E1); Ac. do TRG de 02-06-2016, processo 18/13.3TBVLP-E.G1); do TRL de 22.01.2009 (processo 9847/2008-8), de 22.11.2011 (processo 68208/05.3YYLSB-B.L1-7), do TRC de 09.05.2017 (processo nº 1062/14.9TBPBL-B.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] In Garantia Bancária Autónoma, Abril de 1991, pág. 14.
[8] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, pag. 604; Luís Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Volume II, pag. 33, onde refere : “a sub-rogação consiste na situação que se verifica quando, cumprida uma obrigação por terceiro, o crédito respectivo não se extingue, mas antes se transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários para o cumprimento.“; Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pags. 271 a 274; Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pags. 560 a 565.
[9] Neste sentido, cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em, Geral, II, pág. 324.
[10] Cfr. Das Obrigações em Geral II, 4º ed, pág. 334.