I. Para que a sentença/acórdão sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente.
II. Se no acórdão recorrido, depois de se dar como reproduzida a fundamentação constante da sentença recorrida justificativa da decisão de facto proferida, a Relação apresenta a sua própria fundamentação para a improcedência do recurso na sua vertente de facto e consequente imutabilidade da matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância, não se verifica a nulidade a que se refere o artigo 615.º, 1, b), do CPC.
III. A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 615, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).
IV. Se numa acção de anulação de testamento, por vício da vontade da testadora, não provando os autores a existência do alegado vício, não incumbia ao Tribunal da Relação apreciar as consequências do mesmo, pelo que não se verifica a nulidade prevista na ora referida al. d).
V. Se o Tribunal da Relação expôs a sua própria fundamentação, especificando o porquê das respostas dadas aos factos em referência, bem como o raciocínio que subjaz à convicção do tribunal e tece considerações acerca da forma como foram prestados os depoimentos e porque se consideraram ou não os mesmos como credíveis e cotejando-os com os demais elementos juntos ao autos, nomeadamente os elementos respeitantes ao processo clínico da testadora, igualmente sopesados e valorados, e tendo em vista as regras da experiência comum, é forçoso concluir que a Relação procedeu à análise crítica da prova produzida.
Seja o Réu condenado a reconhecer a nulidade do testamento outorgado pela mencionada EE, a favor do mesmo, e assim o mesmo declarado sem qualquer efeito, e com todas as consequências legais; e caso assim se não entenda, sempre o mesmo ser condenado a reconhecer a anulação do mesmo testamento, face à sua notória invalidade, e assim também o mesmo declarado nulo, sem qualquer efeito, e com as legais consequências; e, bem assim, a reconhecer que não é único e universal herdeiro da referida EE, mas sim os A.A BB e CC, tudo com as legais consequências, nomeadamente a da entrega aos A.A do património da Herança da referida EE, reclamado no Inventário e em poder do Réu.
Alegaram, para tal, em síntese:
EE faleceu em ... de Março de 2019, e por testamento outorgado em 13 de Setembro de 2018, no Cartório Notarial de ..., a cargo da Drª. FF, instituiu o Réu DD, como seu único e universal herdeiro;
EE, não tinha descendentes nem ascendentes, mas tinha e tem dois herdeiros legítimos, seus irmãos, o segundo e terceira A.A .
O R. DD exerce a atividade funerária, e na execução dessa atividade, o mesmo a pedido da referida EE, efetivou em ... de ... de 2018, o funeral do inventariado GG, marido da EE, em segunda núpcias deste, para o cemitério de ...;
Mais tarde, segundo os vizinhos, o mesmo DD após tal decesso, jamais deixou de acompanhar, e visitar constantemente, na sua residência em ..., a referida EE, porém para o comum cidadão daquela localidade, mostra-se inexplicável, que a referida EE tivesse instituído seu herdeiro universal o R. DD, em prejuízo dos referidos irmãos CC e BB, estes seus únicos herdeiros legítimos;
O R., até ao falecimento do referido GG, não tinha qualquer relacionamento especial, ou afetividade nem com o mesmo GG, nem com a referida EE;
Os Autores tentaram encontrar verdadeira informação sobre a saúde mental da mesma EE, e junto dos médicos que a assistiram no final da sua vida, e em consequência de tal investigação, a A., CC entregou em 5 de Março do corrente ano à A. AA, cópia do processo clínico da mesma EE, adquirido através do seu médico assistente Dr. HH do Centro de Saúde de ..., e de tais documentos, referente a internamentos no Centro Hospitalar de ... iniciado a 29/01/2019 consta entre outros, que:
a) – Entre outras doenças, a mesma EE padecia de sintomas de delirium, e carecia de vigilância, pois apresentava síndrome confusível agudo, tudo conforme informação clínica de 30-10-2019;
- Nesse procedimento, o ora Réu DD era apelidado de vizinho, fazendo constar que a mesma EE, “tem como familiares uma enteada, com quem está em litígio, e sobrinha com as quais não se relaciona”, omitindo, intencionalmente a referência aos AA irmãos já identificados, tudo para que os mesmos não pudessem ser informados como deviam da doença da mesma EE;
- Conforme informação clínica do departamento de neurologia de 30-08-2019 (recebida pela A. CC após 5/08/2020) que também se junta, a referida EE, padecia de “demência neurodegenerativa compatível com D´Alzheimer”, “apresentava também sinais de libertação frontal sugestivos de disfunção cognitiva”;
- tais sinais de tal doença, eram visíveis e existiam na própria EE, logo nos meses seguintes à morte do inventariado em ... de 2018, e no Verão de 2018, e na data do testamento em 13/09/2018, sinais visíveis e bem conhecidos, quer do referido DD;
- Quer dos vizinhos e amigos da referida EE, e os mesmos informaram, nomeadamente os que viviam mais próximos daquela, agora recentemente aos A.A, que em Agosto de 2018, a referida EE, esquecia-se das coisas e dos seus bens pessoais, às vezes não conhecia as pessoas, nem conseguia contar o dinheiro, e não ouvia bem, padecendo de notória surdez, perdia as chaves de casa, e outros bens pessoais, procurando aos vizinhos pelos mesmos, e solicitando a sua ajuda;
- É notório que pela doença que sofria a mesma EE, a mesma antes de falecer encontrava-se numa situação de acentuada enfermidade por necessidade e dependência tanto física como psíquica em relação a terceiros, pois por vezes trocava o nome das pessoas, anteriormente suas conhecidas;
- tal situação impedia o R. DD, não só por ser agente funerário, mas porque bem conhecia a situação da referida EE, de beneficiar patrimonialmente do testamento referido nos autos, como beneficiou, sendo notória a actuação de exploração do R. DD, o que impõe a anulação do testamento nos precisos termos do disposto no artº 282 do C.C., por usura e ainda incapacidade acidental da mesma testadora EE, nos termos do artº 2199 do C.C.;
- foi o Réu que levou a testadora à Notária fora do concelho em ..., a mais de trinta quilómetros de distância, para não se saber do mesmo, nem por vizinhos, nem por familiares
- o segundo e terceira A.A só após 05/08/2020, e a 1ª A. em 05/03/2021 tiveram conhecimento total, do que atrás vem descrito, e assim da verdadeira causa de nulidade e anulabilidade do testamento;
- Uma vez que a testadora EE na data da outorga do testamento referido nos autos, em 13-09-2018, porque sofria de doença de Alzheimer, em contínua actividade e progressão, é de concluir que no momento da feitura do testamento, aquela se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
- O testamento constante dos autos é formalmente nulo, nos precisos termos do disposto nos artºs 50, 66 º 1 e artº 70 nº1 alínea b) do C. Notariado, pois do mesmo apenas consta que “este testamento foi lido e explicado o seu conteúdo à outorgante”, e a testadora para além de estar numa situação de não poder perceber o declarado, atenta a sua idade e doença, também tinha dificuldades em ouvir, e não sabia sequer ler, apenas sabia fazer a sua assinatura, com grande dificuldade, pelo que se impunha que o testamento fosse lido em voz alta e não foi, nem tal consta do mesmo nos precisos termos do disposto no artº 66 nº 1, sendo assim nulo por força do artº 70 nº 1 alínea b) do mesmo diploma legal (Código Notariado), e como tal deve ser declarado ( Artº 50 C. Not. ).
O Réu contestou.
Por exceção disse que carece a 1.ª Autora de legitimidade processual.
Por impugnação alegou:
- O Réu exerce as funções de gerente de uma sociedade comercial que se dedica à atividade funerária, não exercendo ele próprio diretamente tal atividade, e só nesse contexto coordenou o funeral do inventariado;
- não se vislumbra em que medida a profissão do R. - seja (no rigor dos factos) como gerente de uma sociedade, ou ainda que fosse (ele próprio) agente funerário - possa ser impeditiva do mesmo beneficiar de um testamento outorgado pela falecida EE (v.g. Art.os 2192.º e seguintes do Cód. Civil a contrariu sensu);
- Tudo o demais alegado sob os artigos 13º e seguintes da P.I não corresponde à verdade dos factos;
- já antes do falecimento de GG (inventariado), o R. visitava frequentemente a testadora e aquele GG, ajudando-os em diversas tarefas designadamente nos terrenos que tinham, ajuda que nem nenhum dos vizinhos, nem a 1.ª Autora, prestava à testadora e seu marido GG, quer em vida deste, quer depois do seu decesso, muito menos o fazendo os 2.º e 3.ª AA. que, apesar de irmãos da testadora, não mantinham com esta (e ela com eles) qualquer relação ou contacto, fosse de que natureza fosse;
- É falso que fossem visíveis e existissem sinais da doença de Alzheimer na testadora EE nos meses seguintes à morte do Inventariado GG, ocorrida em ... de 2018, e durante o verão de 2018 até à data da outorga do testamento em 13-09-2018;
- antes de tal episódio de urgência a testadora ainda conduzia, para o efeito, havia a mesma revalidado a sua carta de condução em 21 de Agosto de 2018, o que, atenta a idade à data da revalidação (80 anos), reclamou necessariamente atestado médico que a declarou apta ao exercício da condução; sendo que tal apreciação clínica e revalidação se verificaram precisamente no período posterior ao falecimento do marido e inventariado GG, tais condições físicas necessariamente atestadas não serão muito (dir-se-á mesmo, nada) consentâneas com o quadro de perfeita incapacidade de facto da testadora gizado na P.I. que, efetivamente, não se verificava;
- No período subsequente à morte do seu marido GG, a testadora EE queixava-se, isso sim, de uma compreensível sensação de ansiedade e nervosismo naturalmente relacionada com a perda do marido, sem qualquer outra complicação de saúde, inexistindo, por essa altura e até à data em que foi outorgado o testamento, o mais pequeno indício clinico que sugerisse que a testadora EE padecesse de Doença de Alzheimer, apresentando a testadora um quadro clínico perfeitamente normal para a sua idade;
- A testadora EE, em Agosto de 2018, não se esquecia das coisas nem dos seus bens pessoais em lado nenhum, conhecia perfeitamente as pessoas (designadamente as que lhe eram caras), fazia contas e usava o dinheiro com a mesma destreza que sempre teve, aliás, foi a testadora EE que ainda tratou, ela própria, pessoalmente, de todos os assuntos relativos ao acompanhamento do seu marido, GG, providenciando-lhe, ou contratando quem lhe providenciasse, os cuidados necessários no fim da vida deste;
- A testadora EE ouvia suficientemente bem, tendo em conta os 80 anos que contava à data alegada na P.I., designadamente no mês de Agosto de 2018, não padecendo de nada que se aproximasse sequer de surdez, o que igualmente se verificava à data da outorga do testamento, e apresentava-se sempre impecavelmente vestida;
- à data de instauração da presente, já estaria caducado qualquer direito de anulação do testamento;
- à data da outorga do testamento em apreço, a testadora não padecia nem sequer indiciava padecer de Doença de Alzheimer, ouvia o suficiente para compreender, como compreendeu, o teor do testamento que se resolveu, autonomamente, a outorgar;
- nenhum vício existe que possa ser assacado ao testamento em apreço que determine a respetiva nulidade ou sequer anulabilidade, sendo o mesmo perfeitamente válido.
Pediu:
A improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos.
Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:
«Pelo exposto, decide-se julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver o Réu DD dos pedidos formulados pelos Autores»
Inconformados com a mesma, dela interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, os autores, AA, BB e CC, o qual veio a ser julgado improcedente, na sequência do que foi confirmada a sentença proferida em 1.ª instância.
De novo, inconformados, os supra identificados autores, interpuseram recurso de revista excepcional, para este Supremo Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. d) e 4; 671.º, n.º 3 e 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que condene o réu no pedido, ou declare a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e pronúncia, julgando-se a acção procedente.
Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
1
Nos termos do artº 282 nº 1 do C.C., e “anulável por usura, o negócio jurídico quando alguém explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver desta, para si ou para terceiros a promessa ou a concessão de benefício excessivo ou injustificado “
2
E assim, por força desta disposição legal, até por semelhança e analogia com o quadro factual e legal, previsto no artº 2194 do C.C., por referência à dependência psicológica do testador, se impõe melhor e profunda análise dos elementos definidos por aquele dispositivo legal – ( artº 282 – situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, estado mental e fraqueza ) – e, elementos visíveis e provados nestes autos, quando se está a falar de um inexplicável relacionamento, passado a existir com a testadora, após o falecimento do marido, e desenvolvido, com o funerário, que executou o funeral do mesmo, e a partir daí passou a introduzir-se esporadicamente, ainda assim na casa da mesma testadora, o que, além do mais, e não querendo o tribunal investigar outros factos existentes nos autos, resulta ainda assim, do que está provado nos artº 1º a 5º dos factos provados.
3
É que disposições testamentárias, elaboradas com indícios e factos reveladores dos requisitos constantes daquele artº 282 do C.C., são nulas, como com a investigação factual que sempre se requereu e alegou nos autos, resulta demonstrada.
4
O comportamento do réu, minimamente identificado nos autos, viola além do mais os princípios da ética funerária, identificados nas alegações de recurso, e para este efeito de comportamento usuário alegado, e tema e questões jurídicas sobre a qual o tribunal da relação, e tribunal recorrido não se pronunciou.
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Tal matéria consta das conclusões Nº 16 – pontos A, B e E e 21, e nenhuma resposta concreta obteve deste tribunal.
6
Pelo que o Acórdão recorrido é nulo, nos precisos termos do disposto nos artº 615 nº 1 alínea d) e como tal deve ser declarado, com todas as legais consequências, e não dando cumprimentos ao disposto nos artº 282, 2194 e 2199 do C.C.
Por outro lado,
7
Aceitando o tribunal da Relação que a primeira questão a ser decidida, tinha a ver com a reapreciação da matéria de facto, o que é certo é que este tribunal não fez tal reapreciação como lhe impunha o artº 662 do C.P.C, e não formou, assim a sua própria convicção sobre a mesma.
8
É que, violando a nossa lei adjectiva, entende este tribunal “ ad quem” , não estar ao seu alcance na apreciação ética dos depoimentos, saber quem tem a consciência de dizer a verdade.
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Pois, entende, caber apenas ao tribunal recorrido, responder se o tribunal da 1ª instância cometeu “error in judicando”
10
Pois, tal violação manifesta da lei adjectiva resulta do afirmado:
“Na verdade, a aceitação de um novo e global julgamento, constituiria até um desenvolvimento e lançamento de um labéu/ suspeição sobre a competência E / ou idoneidade do juiz de 1ª instância, pois que assim ele se considerará inepto para bem apreciar toda a prova produzida, e, consequentemente para bem fixar todos os factos relevantes “
Afirmação sustentativa do Juízo e Juiz insidicável, o que a lei não sufraga.
11
É que, deve sempre considerar-se para o efeito satisfeito o ónus de alegação previsto no artº 640 do C.P.C se o recorrente, além de indicar o segmento de decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou, como sucedem no presente caso e processo,
12
Pois nos termos do artº 640 do C.P.C para efeitos do cumprimento do ónus de alegação, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
13
Nos autos não existe qualquer alegação confusa quanto aos factos, pois o que se verificou foi em sede de transcrição das alegações, ter sido confundido, por erro de escrita ou transcrição, um G por um 6, o que sempre resultará de uma análise atenta.
14
Além do mais, não resulta expresso do disposto no artº 640 do C.P.C, devem conter as conclusões do recurso, as concretas passagens das gravações dos concretos e especificados passos das testemunhas.
15
E nos autos para tal efeito, não existem quaisquer preterições de formalidades, pois no corpo alegatório constam os ficheiros áudio, tempo de depoimentos, e os minutos da reprodução, para efeitos da audição, e simultaneamente a transcrição das passagens específicas da gravação, entendidas na óptica dos recorrentes, como justificativas das mudanças propostas.
16
E de gravações que representam bastantes minutos de declarações, extensas, como é óbvio, têm de ser as respectivas gravações, a fim de ser atenta e pausadamente lidas, se não foram ouvidas como o impõe a lei.
17
Mas o tribunal de recurso, não pode simplesmente limitar-se quanto aos factos a reproduzir textualmente a motivação da Exmª. Drª. Juiz da 1ª instância, sem qualquer atinência aos argumentos e reprodução dos depoimentos dos A.A e testemunhas conforme, consta do corpo alegatório, e foi reafirmado nas alegações do presente recurso.
18
E o constante na proposta alteração quanto à alínea F – “ que a testadora EE não estava numa situação de perceber o declarado “ , na forma afirmativa cabe dentro dos poderes do tribunal efectuar tal alteração.
19
A análise do constante das alíneas A, B, C, D e E, sempre, na formação da nova convicção do tribunal da relação devem passar a FACTOS PROVADOS
20
A dúvida insanável sobre a sanidade mental da testadora, tem de funcionar a favor dos A.A, nos precisos termos do disposto no artº 342 nº 3 do C.C, e assim como sustentáculo da prova dos factos enunciados no número anterior.
21
Aliás, a própria decisão do Acórdão recorrido, ao efectivar o chancelamento do decidido em 1ª instância, não contém a sua própria e especifica fundamentação, sendo assim também nulo nos precisos termos do disposto no artº 615 nº1 alínea b) ( ex-vi artº 666 ) do C.P.C, e também face à jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça.
22
É que, é manifesto que se impõe ao Tribunal da Relação, sempre a modificação da decisão de facto, após a análise crítica da prova documental, e do conteúdo dos depoimentos das testemunhas referidas na impugnação deduzida pelos recorrentes, assumindo uma convicção divergente da, do tribunal de 1ª instância.
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Está consignado: “ certo é que alguma prova documental e pessoal aponta no sentido de que a fenecida, já antes de ter sido internada em Janeiro de 2019, padecia de algumas mazelas a nível mental e comportamental – o que se indiciava de conduzir em contramão – os quais de algum modo poderiam afectar ou condicionar a sua capacidade cognitiva e volitiva“ facto que apesar de referenciado no Acórdão, ainda assim não levou o Tribunal recorrido a efectivar nova e devida pronúncia necessária e efectiva sobre tal matéria, alegada.
24
Ou mesmo apesar do reafirmado, em sede de motivação de acórdão que:
“ Na verdade existe toda uma plêiade de elementos probatórios, documentais e pessoais, que, no mínimo, lança a dúvida – insanável, situada além da margem de álea em direito probatório permitido, sobre qual o estado de saúde de EE à data do testamento “
25
Tal dúvida ainda assim, terá que favorecer os A.A , até por presunção e aplicação do disposto no artº 342 nº 3 do C.C. , no sentido de se dar por provado que na data do testamento, a testadora não tinha saúde nem capacidade mental para querer e entender o testamento dos autos.
26
E o mesmo se diga em relação a outra conclusão dos autos:
“Certo é que não é muito normal que a falecida, tenha ganho tanta confiança e relação efectiva emocional com o Réu num lapso de tempo não muito grande – de pouco mais de um mês, pois que a maior aproximação apenas ocorreu após a morte do seu marido em ... de 2018 –parecendo assim existir aqui algum aproveitamento de alguma dependência e fragilidade física e psico emocional desta por parte do Réu “
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Mesmo a dúvida ou presunção, resultante dos factos alegados e até dos provados, só aos A.A pode favorecer.
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O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei, ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
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Assim, reclama-se um julgamento de apreciação da prova sindicada e indicada, sobre as questões suscitadas no recurso de 2ª instância, e que supra a dúvida insanável, que, presumidamente só poderá face ao direito favorecer os A.A.
Por ter sido assim,
30
O Acórdão de que se recorre mostra-se em contradição intrínseca com o Acórdão de 01-07-2008 – Proc. 08 A191 – In www. dgsi.pt (Proc. Nº 895/04 – do 3º Juízo / Vara da 1ª secção do ex-tribunal da comarca de Oliveira de Azeméis, pelo que, além do mais que foi alegado, excepcionalmente, deve ser admitido o presente recurso nos precisos termos do artº 672 nº 1 alínea c) do C. P.C, com as legais consequências.
31
A contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento é clara e resulta do que consta em sede de Sumário, no Acórdão recorrido dos seus pontos:
“II - Considerando, vg., as virtualidades da imediação e da oralidade para aferir da verdade e eticidade do verbalizado, a censura da convicção do julgador, máxime quando esta se alicerça em prova pessoal, apenas pode emergir, nos casos em que a prova produzida não apenas a sugira, mas antes inequivocamente a imponha.
III - A dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem ele aproveita, não podendo assim, em nome da certeza e segurança, ser dado como provado – artº 346º do CC e 414º do CPC.”
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E com o que consta no Acórdão fundamento
“I - Foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do DL n.º 39/95, de 10-02 (e claramente expressa na letra da lei), criar um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, embora temperado pelo ónus, imposto ao recorrente, da delimitação concreta do objecto do recurso e da respectiva fundamentação, a fim de evitar a impugnação genérica da decisão de facto no seu todo.
II - De facto, se a Relação deve reapreciar as provas indicadas pelas partes, o que, no caso de gravação dos depoimentos, passa, necessariamente, pela respectiva audição, podendo, inclusive, recorrer oficiosamente a qualquer outro elemento de prova que haja servido de fundamento à decisão sobre os pontos de facto impugnados - art. 712.º, n.º 2 - e, sendo-lhe ainda permitido ordenar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente necessários ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada (renovação que, naturalmente, se faz perante a Relação - art. 712.º, n.º 3), logo se conclui que a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova ou de qualquer outro.
III - Assim, não obstante a importância do princípio da imediação das provas, que não se nega, não poderá, em função dele, limitar-se a Relação a procurar determinar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1.ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, como, com demasiada frequência se tem vindo a decidir.
IV - Diferentemente, o mecanismo legal que permite a reapreciação da prova pela 2.ª instância, implica necessariamente que a Relação, a partir da análise crítica das provas (sem limitação às indicadas pelo recorrente) forme a sua própria convicção (que pode ou não ser coincidente com a formada pelo julgador de 1ª instância), sob pena de não se mostrar viável qualquer controle efectivo ou real da decisão proferida sobre a matéria de facto, e de se converter o 2.º grau de jurisdição sobre matéria de facto, numa garantia meramente virtual.”
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De acordo com o previsto no artº 672 nº 1 alínea c) em um e outro processo está em causa uma verdadeira e efectiva aplicação ao disposto no artº 662 nº 2 ( ex artº 712 nº 2 do C.P.C) no que se refere à modificabilidade da decisão de facto e a necessidade de formação própria de convicção pelo tribunal da Relação.
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Está em causa a mesma questão fundamental sobre a forma de efectivação do julgamento da 2ª instância, quanto à matéria de facto, e assim a mesma questão fundamental do Direito.
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Devem as contradições enunciadas, serem declaradas, nos precisos termos do disposto no artº 615 nº 1 alínea c) do C.P.C
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E assim caso tal nulidade do acórdão, não seja conhecida nesta instância, devem os autos ser remetidos a esta relação a fim de o mesmo tribunal se pronunciar sobre a mesma, caso tal se mostre necessário e devido enquadramento.
Ainda assim e sempre,
37
As questões em apreço são de direito, devendo ser conhecidas nestes autos e instância e por este tribunal.
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Donde face a tal notória contradição e também face às nulidades invocadas, deve sempre ser julgada procedente por provada a presente acção com todas as legais consequências.
E para o efeito, se necessário,
39
Os autos serem remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra, para aí se proceder à reapreciação da prova documental e testemunhal da matéria de facto impugnada, e demais análise critica dos meios de prova indicados, (sem prejuízo de outros constantes do processo) em ordem à formação da convicção própria do Tribunal da Relação, tendo em vista a procedência da mesma acção. É que,
40
O Acórdão recorrido, viola além do mais, o disposto nos artº 615, 666, 662 nº 2 e 663 todos do C.P.C, e artº 8º, 282, 342 nº 3, 2194, e 2199 todos do C.C.
Termos em que face ao exposto, admitido o presente recurso, deve declarar-se a contradição do acórdão de que se recorre com o acórdão Invocado já decidido de 01-07-2008 – Proc. 08 A191 – (Proc. Nº 895/04 – do 3º Juízo / Vara da 1ª secção do ex-tribunal da comarca de Oliveira de Azeméis, com trânsito em julgado, e ordenando-se a prolação do novo acórdão, que determine a condenação do réu no pedido, ou declare a nulidade do acórdão recorrido na 2ª instância, por falta de fundamentação e pronúncia do mesmo acórdão, tudo com as legais consequências, julgando-se a acção procedente, pois assim se mostra ser de
JUSTIÇA e de DIREITO
Contra-alegando, o réu, DD, pugna pela inadmissibilidade do recurso de revista excepcional, por inexistir a invocada contradição de acórdãos, tendo o Tribunal da Relação analisado criticamente as provas e expressou o seu próprio julgamento, pelo que o acórdão recorrido não padece dos vícios que lhe são imputados, terminando, com as seguintes conclusões:
1. Pretendem os recorrentes a revista excepcional do muitíssimo douto acórdão da Relação de Coimbra de 28.02.2023, com a referência Citius ......97, que confirmou a douta sentença datada de 08.07.2022.
2. Existindo Dupla Conforme, na medida em que o mui douto Acórdão agora recorrido confirmou sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, e estando, assim, preenchidos os pressupostos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, os Recorrentes pedem a Revista Excepcional, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil alegando que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido nos autos está em contradição com o Acórdão do STJ de 01-07-2008 proferido no Proc. 08A191, que esgrimem como acórdão fundamento.
3. No entender dos recorrentes, o fundamento para admitir a presente Revista Excepcional reside no facto da Relação, não ter ouvido as provas e não ter formulado uma convicção própria…
4. Para se admitir a revista excepcional é realmente necessário que a questão de direito decisiva para o resultado declarado em cada uma das ações tenha obtido uma resposta divergente ou mesmo contraditória.
5. No acórdão Fundamento o que se censura - e bem - é a aceitação acrítica da Relação (do Porto) da convicção do julgador de 1.ª instância, plasmando-se no mesmo todo o íter processual de que depende a efectiva apreciação da impugnação da matéria de facto pela Relação.
6. E no acórdão recorrido em momento algum se verifica qualquer aceitação acrítica pela Veneranda Relação de Coimbra do julgamento constante da sentença proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, nem sequer se vislumbrando que tenha a Relação de Coimbra, na análise que lhe competia, se tenha eximido ao cumprimento de qualquer dever que se lhe impusesse em sede recursiva, nomeadamente os deveres decorrentes do disposto no n.º 2 do Art.º 662.º do CPC.
7. O Venerando Tribunal recorrido, na apelação interposta pelos ora recorrentes, analisou todos os putativos vícios ali assinalados por estes, nomeadamente, mesmo considerando que os recorrentes incumpriram com o ónus determinado pelo Art.º 640.º do CPC, ainda assim, alisou criticamente as provas e expressou o seu próprio julgamento que, contudo, sendo coincidente com o da 1.ª Instância, naturalmente que determinou que a matéria de facto ali apurada não sofresse qualquer alteração. Pois,
8. A Relação [só] “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
9. In casu, como a Relação entendeu que o julgamento da 1.ª instância foi correcto, desde logo em matéria de facto, e tendo fundamentado criticamente essa opção partindo das provas efectivamente produzidas, o assim decido no acórdão recorrido não revela qualquer oposição ao acórdão fundamento;
10.Bem pelo contrário, o regime bem detalhado no acórdão fundamento, está perfeitamente aceite e é perfeitamente cumprido pelo acórdão recorrido. Assim,
11.Não se reúne qualquer pressuposto para que se possa sustentar a admissibilidade da presente revista excepcional.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DECORRENTES DA LEI E DO COLENDO SUPRIMENTO DE V.AS EX.AS, SE ROGA QUE SEJA JULGADA INADMISSÍVEL A PRESENTE REVISTA EXCEPCIONAL.
Remetidos os autos à Formação, a fim de ser apreciada a admissibilidade do recurso de revista excepcional, por Acórdão de 11/9/24, decidiu-se não ser admissível a revista excepcional, determinando-se a devolução dos autos ao Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro a quem a revista fora distribuída, por se considerar que:
“Tudo visto, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excecional, nada embaraça à consideração da admissibilidade da revista nos termos gerais, na apreciação preliminar do invocado erro na decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, determinando-se, por isso, que esta seja apresentada ao Exmº. Senhor Juiz Conselheiro, a quem o recurso foi distribuído, nos termos do n.º 5 do art.º 672º do Código de Processo Civil, para que, em função dos fundamentos invocados, possa reponderar o seguimento a dar aos termos da presente revista, em termos gerais.”.
Recebidos os autos pelo Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro a quem os autos tinham sido redistribuídos, pelo mesmo foi proferido despacho, nos termos do disposto no artigo 655.º, do CPC, em que defendeu a inadmissibilidade do recurso de revista normal, com o fundamento em que, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, não pode ser objecto deste recurso, o erro na fixação das provas e na fixação dos factos materiais e porque a Relação fez uma análise crítica da prova testemunhal e documental produzida nos autos, como consta “…da desenvolvida fundamentação da decisão de facto”.
Acrescentando-se não ter havido violação das regras do ónus da prova previstas no artigo 342.º, do Código Civil, tudo se passando “… no domínio da mera convicção, a qual, como vimos, não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal de Justiça”.
Em face do que, concluiu “não poder conhecer do objecto da revista ordinária”.
Notificados do mesmo, vieram os autores/recorrentes, pugnar pelo recebimento do recurso de revista normal, como decidido pela Formação, porque a matéria de facto dada como provada não é suficiente para fundamentar o decidido e a lei aplicável ao caso – art. 342.º e 2199.º CC – verificando-se falta de pronúncia da Relação sobre as questões suscitadas, violando-se o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC; impondo-se uma resposta, por ser questão de direito, a anulabilidade do negócio usurário, face ao ponto 5 dos factos provados, o que se omite no Acórdão recorrido, o que acarreta a respectiva nulidade, defendendo, face à prova produzida, que se deve dar como provado que a autora do testamento, no momento da respectiva outorga “estava doente e incapaz de entender”.
De novo, redistribuídos os autos, ao ora Relator, foi proferido o despacho que antecede, no qual, na sequência do decidido pela Formação, se admitiu o recurso de revista normal, apenas quanto à questão das invocadas nulidades e existência de análise crítica da prova produzida por parte do Tribunal da Relação.
Obtidos os vistos, cumpre decidir.
Face ao teor das alegações apresentadas pelos Recorrentes, são as seguintes as questões a decidir:
A. Se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b) e d), do CPC e;
B. Se no mesmo se procedeu à análise crítica da prova produzida.
São os seguintes os factos dados como provados:
1. Em ... de ... de 2018, faleceu GG, pai da A. AA, NIF ... ... .01, nessa data, no estado de casado, com EE, NIF ... ... .12, EE, irmã dos A.A BB e CC.
2. EE, registada como sendo filha de II e JJ, faleceu em .../03/2019, no estado de viúva de GG, sem ascendentes ou descendentes vivos.
3. Através da escritura de habilitação lavrada de fls. 86 do livro de notas para escrituras diversas n.º 324, do Cartório Notarial de ..., o Réu DD, foi habilitado como único herdeiro de EE.
4. Por testamento outorgado em 13/09/2018, no Cartório Notarial de ..., EE, declarou que “não tem descendentes nem ascendentes vivos, pelo que institui seu único e universal herdeiro o DD, natural da freguesia de ..., concelho de ..., (…)”, dele constando que “Este testamento foi lido e explicado o seu conteúdo à outorgante”.
5. O Réu exerce funções de gerente de uma sociedade comercial que se dedica à actividade funerária, tendo realizado o funeral de GG.
6. O Réu acompanhava e visitava com regularidade EE, e também o respectivo marido, em vida deste, ajudando-os em diversas tarefas, nomeadamente as relativas aos terrenos que tinham.
7. Antes do episódio de urgência hospitalar em 29/01/2019, EE ainda conduzia, tendo revalidado a sua carta de condução em 11/07/2018.
8. Em Agosto de 2018 EE conhecia perfeitamente as pessoas, fazia contas e usava o dinheiro.
9. Da informação clínica do departamento de neurologia datada de 30-08-2019, resulta, relativamente a EE, o seguinte: “Doente internada na Enfermaria de Neurologia A do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar de ... de 02-02-2019 a 01-03-2019 para estudo complementar de síndrome confusional aguda após cardioversão realizada no Serviço de Urgência do Hospital Geral de ....
À data de entrada no internamento encontrava-se vigil, porém desorientada no tempo e espaço e pouco colaborante. Não se objectivou qualquer défice motor, de sensibilidade ou de coordenação. Era capaz de verbalizar algumas palavras, sem aparente defeito de linguagem. Apresentava também sinais de libertação frontal sugestivos de disfunção cognitiva.
Da investigação complementar realizada, que incluiu: estudo analítico seriado com amostras culturais, estudo de imagem como Tomografia Axial Computorizada Crânio-Encefálico, estudo de líquor com biomarcadores, obteve-se resultados sugestivos de demência neurodegenerativa compatível com D. Alzheimer.
Em termos de evolução durante o internamento destaca-se uma intercorrência infeciosa com ponto de partida respiratório alto a condicionar um agravamento comportamental manifestado por períodos de agitação psicomotora. Realizou antibioterapia dirigida ao agente causal, com boa resposta clínica e analítica.
A doente teve alta para Lar, encontrando-se estabilizada da parte comportamental, mantendo desorientação temporo-espacial.”
10. Pelo menos após Agosto do ano de 2020, pelo CH..., ao Dr. HH, médico de clínica geral e familiar de ..., foram disponibilizados todos os elementos clínicos relativos a EE.
A. O Réu, até ao falecimento do referido GG, não tinha qualquer relacionamento especial, ou afectividade nem com o GG, nem com a EE.
B. No processo de internamento hospitalar, o Réu DD apelidou-se de vizinho, fazendo constar que a EE, “tem como familiares uma enteada, com quem está em litígio, e sobrinha com as quais não se relaciona”, omitindo, intencionalmente a referência aos Autores irmãos da EE, tudo para que estes não pudessem ser informados da doença da mesma EE.
C. Entre outras doenças, a mesma EE padecia de sintomas de delirium, e carecia de vigilância, pois apresentava síndrome confusional agudo.
D. Os sinais de tal doença eram visíveis e existiam na própria EE, logo nos meses seguintes à morte do inventariado, em ... de 2018, e no Verão de 2018, e na data do testamento, em 13/09/2018, sendo sinais visíveis e bem conhecidos, até nas consultas de apoio familiar no Centro de Saúde ..., quer do referido DD, quer dos vizinhos e amigos da referida EE, que informaram aos A.A, que em Agosto de 2018, a referida EE, esquecia-se das coisas e dos seus bens pessoais, às vezes não conhecia as pessoas, nem conseguia contar o dinheiro, e não ouvia bem, padecendo de notória surdez.
E. EE perdia as chaves de casa e outros bens pessoais, procurando aos vizinhos pelos mesmos, e solicitando a sua ajuda.
F. EE, antes de falecer encontrava-se numa situação de acentuada enfermidade por necessidade e dependência tanto física como psíquica em relação a terceiros, e por vezes trocava o nome das pessoas anteriormente suas conhecidas.
G. O Réu actuou com o intuito de exploração de EE, por ser agente funerário, conhecendo a situação daquela, e para beneficiar patrimonialmente do testamento.
H. Foi o Réu que levou a testadora EE à notária, a mais de trinta quilómetros de distância, para não se saber do mesmo, nem por vizinhos, nem por familiares.
I. Para além de estar numa situação de não poder perceber o declarado, atenta a sua idade e doença, EE também tinha dificuldades em ouvir, e não sabia sequer ler, apenas sabia fazer a sua assinatura, com grande dificuldade.
J. O testamento não foi lido em voz alta a EE.
K. EE na data da outorga do testamento, referido nos autos, em 13-09-2018, porque sofria de doença de Alzheimer, em contínua actividade e progressão, e no momento da feitura do testamento, encontrava-se numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária.
L. Os 2.º e 3.ª AA., irmãos da testadora, não mantinham com esta (e ela com eles) qualquer relação ou contacto, fosse de que natureza fosse.
A. Se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b) e d), do CPC.
Para tal sustentam os recorrentes que o acórdão recorrido padece das nulidades ora referidas, porque o mesmo “ao efectivar o chancelamento do decidido em 1.ª instância, não contém a sua própria e específica fundamentação”, o que acarreta a nulidade da al. b) e não apreciou o alegado quanto ao comportamento “usurário” do réu, por este ter violado “princípios da ética funerária”, o que consubstancia a nulidade da al. d), supra referida.
O artigo 615, n.º 1, al.s b) e d), do CPC, sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b), ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d).
Para que a sentença/acórdão sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669.
No acórdão recorrido, descrevem-se as razões de facto e de direito que acarretaram a improcedência da acção, bem como lhes foram aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo do mesmo se foram, uns e outros referindo, pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação quer de direito quer de facto.
De resto, no mesmo não se refere apenas a fundamentação para a demonstração da matéria de facto a ter como assente, que foi expendida na sentença proferida na 1.ª instância.
Efectivamente, como consta de fl.s 406 v.º a 409 v.º, no acórdão recorrido, depois de se dar como reproduzida a fundamentação constante da sentença recorrida justificativa da decisão de facto proferida, como consta de fl.s 408 a 409 v.º, a Relação apresenta a sua própria fundamentação para a improcedência do recurso na sua vertente de facto e consequente imutabilidade da matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância.
Não se verifica, pois, a nulidade a que se refere a supra identificada al. b).
A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 615, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).
Como decorre da análise do acórdão recorrido, este debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, nos assinalados termos.
Defendem os recorrentes que o acórdão não analisou a questão da invocada “violação da ética funerária”, por o réu ter feito o funeral do marido da autora do inventário.
No entanto, para além da relevância/irrelevância material de tal questão, dados os termos (formais) em que nos movemos e que determinam que apenas incumbe apreciar a invocada nulidade com base na falta de pronúncia do Tribunal da Relação, o certo é que no acórdão recorrido se refere, expressamente, cf. fl.s 410 v.º, 11.º parágrafo e fl.s 411 v.º, 1.º e 2.º parágrafos que, em consequência de os autores não terem logrado demonstrar os factos em que assentam a sua pretensão, designadamente, que não se provou que a vontade da testadora foi “viciada por «handicaps» naturais que lhe provocaram doença que lhe retiraram ou impediram de intuir o sentido e alcance do seu ato, o que reitera-se, e como ressuma do acervo factual apurado, não pode, ao menos dentro da margem da álea em direito permitida, concluir-se”.
Isto é, tal questão não se colocava, dado não se ter demonstrado que a testadora sofresse de doença ou outra incapacidade que não lhe permitisse intuir a natureza e efeitos do acto que praticou, o que afasta qualquer óbice a que instituísse como herdeiro quem quis.
Do que decorre que conheceu o acórdão recorrido de todas as questões que havia que conhecer, no âmbito das respectivas alegações das partes processuais, sem que se tenha ultrapassado tal condicionalismo e sem esquecer, ainda, que o que importa é que o Tribunal conheça das questões cuja apreciação lhes são colocadas para decisão, independentemente da argumentação utilizada pelas partes.
Consequentemente, não padece o acórdão recorrido das apontadas nulidades.
Pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.
B. Se no acórdão recorrido se procedeu à análise crítica da prova produzida.
Defendem os recorrentes que a Relação não procedeu à análise crítica da prova produzida, limitando-se a “chancelar” o que quanto a tal se decidiu na 1.ª instância.
Nos termos do artigo 154.º do CPC, impõe-se que toda a decisão proferida sobre qualquer pedido controvertido seja sempre fundamentada.
Por outro lado, o comando plasmado no n.º 4 do seu artigo 607.º, estipula que aquando da decisão da matéria de facto, se analisem criticamente as provas, especificando-se os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Como refere Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, pág. 348, “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. (…) destina-se a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”.
Por outro lado, conforme Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum, pág. 281, visa facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e reforçar o auto-controlo do julgador.
Acrescentando, este autor, na mesma Obra, À Luz do CPC de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, de pág.s 315 a 317 que a convicção do julgador tem de ser fundamentada, especificando-se as razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto, constituindo a análise crítica um complemento fundamental da gravação, evidenciando o modo como se depõe, as reacções e hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou um depoimento e levando o juiz a melhor confrontar os vários elementos de prova.
Em suma, sem esquecer o primado da liberdade de apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do NCPC, tal exigência visa que o tribunal justifique os motivos da sua decisão, assinalando os motivos que o levaram a aderir a uma das teses em confronto, o porquê de considerar mais credíveis uns meios de prova do que outros.
Retornando aos autos, verifica-se que a fundamentação da decisão de facto consta de fl.s 406 v.º a 409 vº, nas quais (fl.s 406 v.º a 408), em primeiro lugar, se reproduziu a fundamentação quanto a tal expendida na sentença proferida na 1.ª instância e depois (fl.s 408 v.º a 409 v.º) o Tribunal da Relação expôs a sua própria fundamentação, ali se especificando o porquê das respostas dadas aos factos em referência, bem como o raciocínio que subjaz à convicção do tribunal e onde se tecem considerações acerca da forma como foram prestados os depoimentos e porque se consideraram ou não os mesmos como credíveis e cotejando-os com os demais elementos juntos ao autos, nomeadamente os elementos respeitantes ao processo clínico da testadora, igualmente sopesados e valorados, e tendo em vista as regras da experiência comum.
Ou seja, os recorrentes podem não estar de acordo com o modo como a prova foi apreciada, mas tal discordância teria de ser (como o foi) manifestada em sede de recurso da decisão de facto, nos moldes legalmente previstos, questão já apreciada e decidida.
Assim, a decisão de facto, face ao acima exposto e face ao, quanto a tal, legalmente estabelecido, tem de se ter por mais do que suficientemente fundamentada, o que, desde logo afasta a violação dos preceitos em causa.
De resto, nesta sede, contra o que os recorrentes mais se manifestam não é tanto o modo como as respostas que foram dadas aos itens em causa se mostram justificadas, mas sim, a decisão, em si mesma considerada; em desacordo com o que pretendem, que é a procedência da acção, com base em factos que não se demonstraram – a insanidade da testadora.
Pelo que, também, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.
Nestes termos, se decide:
Julgar improcedente o presente recurso, negando-se a revista e, consequentemente, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelos autores, aqui recorrentes.
Lisboa, 23 de Abril de 2025
Arlindo Oliveira (relator)
Ferreira Lopes
Fátima Gomes