INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
PENHORA
BEM IMÓVEL
Sumário


I. A situação jurídica dos credores da insolvência após o encerramento do processo, relativamente à possibilidade de exercício dos seus créditos, para além das limitações que possam decorrer da existência de um plano de insolvência ou de um plano de pagamentos, também estão sujeitos às restrições resultantes de um pedido de exoneração do passivo restante, como resulta do disposto no artigo 242.º, 1, do CIRE.
II. Restrição, esta, que obsta ao prosseguimento de acção executiva para pagamento de um crédito anterior à declaração de insolvência e na qual se mostram penhorados bens imóveis, igualmente desde data anterior à insolvência, que não foram apreendidos no âmbito do processo de insolvência, em que havia sido concedida aos insolventes a exoneração do passivo restante, que não foi revogada.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Nos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo comum iniciados em 2009 e em que é exequente AA e são executados BB e mulher CC, já identificados nos autos, verifica-se que, a seu tempo, foram penhorados, designadamente, diversos imóveis.

Subsequentemente e na pendência dos autos executivos no processo que correu seus termos no Juízo de Comércio de ... – J..., com o n.º 648/14.6... – veio a ser proferida no dia 8 de Janeiro de 2015, sentença que decretou a insolvência dos aqui Executados, a qual transitou em julgado.

Nos referidos autos de insolvência nº 648/14.6..., foi proferido no dia 13/07/2020, despacho final de exoneração do passivo restante com a ref.ª .......99, tendo o respetivo anúncio da concessão sido efetuado no Portal Citius, no dia 14/07/2020.

O despacho de encerramento do processo de insolvência, n.º 648/14.6... com a ref.ª .......03, foi proferido no dia 12/10/2022, tendo o anúncio do encerramento do processo sido efetuado no Portal Citius, no dia 13/10/2022.

Não obstante,

O exequente, AA veio a este processo executivo por requerimento de 17.05.2023 requerer a adjudicação dos seguintes imóveis:

PRÉDIO URBANO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .33/19860827da Freguesia de ... e inscrita na matriz sob o n.º ..80 – preço oferecido € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros),

PRÉDIO RÚSTICO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .36/19860827 da Freguesia de ... e inscrita na matriz sob o n.º ..17 – preço oferecido € 20.000,00 (vinte mil euros)

PRÉDIO RÚSTICO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116 da Freguesia de ... e inscrita na matriz sob o n.º ..62 – preço oferecido € 20.000,00 (vinte mil euros).

PRÉDIO URBANO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116 da Freguesia de ... e inscrita na matriz sob o n.º ..80 – preço oferecido € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

Por requerimento de 4/07/2023 reiterou a adjudicação constante do seu anterior requerimento apenas quanto ao:

PRÉDIO MISTO descrito sob Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116, e inscrito na matriz sob os artigos ..62 (Rústica) e ..80 (Urbana).


*


A 20-06-2024 foi proferido o seguinte despacho (ao que interessa ao recurso)

“Veio, ainda, o Exequente AA requerer, que lhe sejam adjudicados os seguintes prédios:

a) - PRÉDIO URBANO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .33/19860827 (…);

b) - PRÉDIO RÚSTICO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .36/19860827 (…)

c) - PRÉDIO RÚSTICO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116 (…)

d) - PRÉDIO URBANO: descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116 (…)

Sobre tal pretensão, opuseram-se os Executados BB e esposa, pugnando pelo indeferimento do pedido de adjudicação dos prédios acima identificados, (…)

Alega, ainda, que em face da prolação do despacho final de exoneração do passivo restante, o mesmo importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no nº 4 do artº 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (nº 1 artº 245º do mesmo diploma legal).

(…)

Deste modo, tendo o aludido prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116, e inscrito na matriz sob os artigos 5362 (Rústica) e 1380 (Urbana) sido objeto de venda no âmbito do processo de insolvência, o mesmo mostra-se subtraído à esfera dos executados e consequentemente não pode ser objeto de nova venda em sede de ação executiva.

(…) terá de improceder o pedido de adjudicação formulado quanto ao prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..35/19980116, e inscrito na matriz sob os artigos ..62 (Rústica) e ..80 (Urbana), a que correspondem os bens acima identificados nas alíneas c) e d).

Relativamente às verbas inscritas na matriz ..80 e ..17, acima melhor discriminadas sob as alíneas a) e b), da análise dos elementos fornecidos aos autos não resulta que as mesmas tenham sido objeto de apreensão para a massa insolvente, nem tenham sido vendidas no âmbito da aludida ação executiva.

Sucede, porém, que, por despacho datado de 3 de Novembro de 2003 foi ordenada, nos termos do preceituado no art. 871.º do Código de Processo Civil, na redacção então em vigor, a sustação da execução ordinária n.º 7/2002, que corre termos no então ....º Juízo Cível de ... relativamente aos seguintes prédios: a) rústico, descrito na C.R.P. de ... sob o n.º ...36/970886 da freguesia de ...; b) urbano descrito na Constituição da República Portuguesa de ... sob o n.º ...33/970886 da freguesia de ....

(…)

Sucede que no caso em apreço os referidos imóveis foram penhorados no âmbito da ação executiva, sem que, aparentemente, tenham sido objeto de apreensão para a massa insolvente.

No entanto, tendo sido liminarmente admitido o pedido de exoneração e quando ainda se encontra em curso o período de cessão de rendimentos (art.º 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) (…) Em suma, não pode prosseguir a execução contra os executados insolventes se corre termos o incidente de exoneração do passivo restante (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Novembro de 2022, processo 8053/21.1T8PRT.P1, pesquisável in www.dgsi.pt).

Deste modo, não é possível concluir pela verificação dos requisitos indispensáveis à prossecução da execução contra os executados/insolventes BB e esposa relativamente aos referidos bens enquanto não findar o incidente de exoneração do passivo restante.


***


Em face do exposto, oficie-se ao processo de insolvência que corre termos na Instância Central de ... – ....ª Secção Comércio – J... sob o n.º 648/14.6... que informe se já foi proferido despacho final relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes e se está em curso o período de cessão de rendimentos (art.º 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.

*


A 21.08.2023 o Administrador da Insolvência, DD apresentou nos autos o seguinte requerimento:

“(…).

2º No âmbito do Processo de insolvência foram proferidas 3 (três) decisões que já transitaram em julgado há vários anos e que – na modesta opinião do signatário – consideradas em conjunto, ditam que os presentes autos devam ser imediatamente extintos no que aos Executados/insolventes BB e Mulher diz respeito.

Trata-se dos seguintes:

A) A Sentença que decreta a insolvência dos aqui Executados, BB e Mulher, com a ref.ª ......19 proferida no dia 8 de Janeiro de 2015 (cfr. Documento n.º 1);

B) O Despacho Final de Exoneração do Passivo Restante com a ref.ª .......99, foi proferido no dia 13/07/2020 tendo o respetivo anúncio da concessão sido efetuado no Portal Citius, no dia 14/07/2020 (Documento n.º 4 e n.º 5).

C) O Despacho de encerramento do processo de insolvência, com a ref.ª .......03, foi proferido no dia 12/10/2022 tendo o anúncio do encerramento do processo sido efetuado no Portal Citius, no dia 13/10/2022 (Documento n.º 4 e n.º 5).

3º Ora, tratando-se da presente execução uma execução iniciada e distribuída (em 2009) antes da declaração da insolvência (que ocorreu em 2015) significa que o Exequente aqui em questão teve que reclamar créditos no processo de insolvência!

4º Se não o fez sibi imputet.

(…) o legislador impôs aos credores por um lado a obrigação de reclamarem a verificação dos seus créditos no processo de insolvência (cfr. artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) ou — nos casos e prazos definidos no artigo 146.º do mesmo diploma —lançarem mão da chamada acção de verificação ulterior de créditos.

7º E por outro lado, impôs aos credores ainda outra regra – que se encontra prevista no artigo 90.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – e que de acordo com mesma os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código [o CIRE], durante a pendência do processo de insolvência.

(…)

11ºO que nos leva ao significado e consequências legais a retirar dos despachos referidos em 2.º B) e C) precedentes deste requerimento e que são os neles constantes e em concreto dos que até já foram dados a conhecer aos credores (e cidadãos em geral já que se trata de uma plataforma de acesso gratuito e publicação obrigatória deste tipo de actos), no anúncio publicado no portal citius:

A exoneração importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data a que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no nº 4 do artº 217º do CIRE (nº 1 artº 245º do CIRE).

A exoneração não abrange (nº 2 do artº 245º do CIRE):

Os créditos alimentares;

As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor,

que hajam sido reclamados nessa qualidade; Os créditos por multas, coimas, e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações;

Os créditos tributários e da segurança social.

(…)

Os créditos discutidos na execução aqui em causa foram abrangidos pela exoneração do passivo restante concedida aos insolventes e executados na presente execução.

O processo de Insolvência se encontra encerrado.


*


A 29-08-2023 os executados apresentaram nos autos requerimento, pelo qual reafirmam a posição expressa pelo Administrador da Insolvência, requerendo a extinção da execução, em face do trânsito do Despacho Final de Exoneração do Passivo, proferido nos autos de insolvência e do despacho de encerramento do processo de insolvência, e respetivas consequências jurídico processuais (conforme o disposto no nº 4 do artº 217º e nº 1 artº 245º do CIRE), sustentando que sendo o crédito exequendo anterior à declaração de insolvência dos aqui Executados, deverá ser julgado extinto.

**


A 31.10.2024 FOI PROFERIDO O SEGUINTE DESPACHO:

“Conforme decorre do despacho proferido em 20 de Junho de 2024, as verbas correspondentes ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .33/19860827 da Freguesia de ... e inscrita na matriz sob o n.º ..80 e ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .36/19860827 da Freguesia de ... e inscrita na matriz sob o n.º ..17, não foram objecto de apreensão para a massa insolvente.

Por outro lado, face à informação obtida no âmbito do processo de insolvência mormente de que foi aí foi proferido despacho de encerramento do processo e despacho final quanto à exoneração do passivo restante, conclui-se que tendo cessado o período de cessão de créditos, que obstava, nos termos do preceituado no art. 242.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ao prosseguimento da presente execução, estão reunidos os pressupostos para o prosseguimento dos presentes autos.

Nesta conformidade, determino a cessação da suspensão da execução contra os Executados insolventes, devendo a presente execução prosseguir os seus ulteriores termos em relação aos aludidos imóveis.

Deste modo, tendo o Exequente manifestado nos autos a intenção em que lhe sejam adjudicados os referidos imóveis, cumpre dar cumprimento ao preceituado no art. 800.º do Novo Código de Processo Civil.

Por conseguinte, o requerimento de adjudicação dá lugar às notificações referidas no n.º 2 do art. 800.º do Novo Código de Processo Civil e ainda a publicações que têm em vista a obtenção de outras propostas (cf. n.º 1 deste normativo). Estas propostas são feitas em carta fechada, com sujeição ao regime da venda nesta modalidade, independentemente da natureza dos bens cuja adjudicação haja sido requerida.

(…)

Assim, para a abertura de propostas, designo o próximo dia 16 de Janeiro de 2025, pelas 14 horas.

- Efetue as notificações referidas no n.º 2 do art. 800.º do Novo Código de Processo Civil;

- Publicite a adjudicação nos termos do art. 817.º, do mesmo Código, com a menção do preço oferecido pelo requerente da adjudicação, tendo em vista a obtenção de outras propostas, sendo aquela aceite apenas no caso de não aparecerem propostas em carta fechada ou, sendo apresentadas, estas não ofereçam preço superior.”.

Inconformados com o mesmo, dele interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, os executados, BB e mulher, o qual veio a ser julgado procedente, na sequência do que foi revogado o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que declarasse extinta a execução por extinção da dívida exequenda, com o consequente indeferimento do pedido de adjudicação de bens.

Agora, inconformado com tal decisão, o exequente, AA, interpôs o presente recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 671; 674; 675; 676; 627.º, n.º 2.º; 629.º, n.º 1; 631, n.º 1; 637.º; 638.º, n.º 1 e 639.º, todos do CPC, para o Supremo Tribunal de Justiça, visando a revogação do acórdão revidendo e a repristinação do despacho proferido em 1.ª instância, com todas as legais consequências.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. O TRIBUNAL A QUO DECIDIU PELA REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, QUE DEVE SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DECLARE EXTINTA A EXECUÇÃO POR EXTINÇÃO DA DIVIDA EXEQUENDA COM O CONSEQUENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO DE BENS.

B. SINTETICAMENTE, É SEU ENTENDIMENTO QUE COM A EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE PRODUZ NO FINAL A EXTINÇÃO DOS CRÉDITOS DA INSOLVÊNCIA, TENHAM SIDO RECLAMADOS OU NÃO, QUE NÃO TENHA SIDO POSSÍVEL CUMPRIR, POR ESTA VIA, DURANTE O PERÍODO DA CESSÃO, COM A ÚNICA RESSALVA DOS EXCETUADOS PELO 2 DO ARTIGO 245º DO CIRE. (CFR. ARTIGOS 90º, 128º, 146º, 235.º, 239.º, N.º 2 E 245.º, N.º 1 DO CIRE).

C. E ASSIM TODAS AS EXECUÇÕES PENDENTES À DATA DA INSOLVÊNCIA PARA PAGAMENTO DE TAIS CRÉDITOS DEVEM SER JULGADAS EXTINTAS (ARTIGO 245º 1 DO CIRE) NÃO PODENDO OS REFERIDOS CREDORES POR FALTA DE TÍTULO INTENTAR OU PROMOVER QUALQUER EXECUÇÃO CONTRA O DEVEDOR, POR DIVIDA DA INSOLVÊNCIA INDEPENDENTEMENTE DA QUALIDADE E TEMPO DE INTEGRAÇÃO DOS BENS NO SEU PATRIMÓNIO.

D. E QUE POR ESSA RAZÃO TODAS AS DIVIDAS EXTINGUIRAM-SE COM A DECISÃO DA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE.

E. ORA SUCEDE QUE, NÃO RESULTA DA EXECUÇÃO QUE A MESMA TENHA ESTADO SUSPENSA POR FORÇA DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DOS EXECUTADOS, ORA RECORRIDOS.

F. ADEMAIS, OS PRÉDIOS PENHORADOS NA PRESENTE EXECUÇÃO NÃO FORAM TODOS OBJETO DE APREENSÃO A FAVOR DA MASSA DA INSOLVÊNCIA.

G. O MOTIVO PELO QUAL NÃO O FORAM DESCONHECE-SE, ADMITINDO-SE QUE TAL SE DEVEU A NEGLIGÊNCIA DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA,

H. OU, POR INTENCIONAL OCULTAÇÃO POR PARTE DOS EXECUTADOS, PREJUDICANDO ASSIM TODOS OS SEUS CREDORES NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.

I. MANTENDO ASSIM OS EXECUTADOS NA SUA ESFERA PATRIMONIAL BENS QUE, SABIAM E NÃO PODIAM IGNORAR, DEVERIAM TER SIDO RELACIONADOS NO ÂMBITO DO SEU PROCESSO DE INSOLVÊNCIA, E, POR CONSEGUINTE, OBJETO DE APREENSÃO A FAVOR DA MASSA DA INSOLVÊNCIA EM ORDEM A SATISFAZER OS CRÉDITOS DOS SEUS CREDORES COM A SUA VENDA.

J. TANTO ASSIM É, QUE MESMO ANTES DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ENCERRAR, OS EXECUTADOS E AQUI RECORRIDOS VIERAM EM 02 DE MARÇO DE 2020 AOS PRESENTES AUTOS REQUERER AO JUÍZO DE EXECUÇÃO DE OVAR A EMISSÃO DE CERTIDÃO RELATIVAMENTE A 2 PRÉDIOS ONDE FOSSE CERTIFICADO QUE NÃO HOUVE VENDA EXECUTIVA OU ADJUDICAÇÃO DAQUELES PRÉDIOS EM ORDEM A PROMOVER O CANCELAMENTO DAS PENHORAS QUE SOBRE AQUELES INCIDIA.

K. ORA, AO DECIDIR COMO DECIDIU, BASEANDO-SE NO DOUTO ENTENDIMENTO ACIMA EXPLANADO, O VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DANDO PROVIMENTO AO RECURSO E À MOTIVAÇÃO APRESENTADA PELOS RECORRIDOS, VIOLOU A LEI SUBSTANTIVA, INCORRENDO EM ERRO DE APLICAÇÃO DO DIREITO.

L. AO DECIDIR COMO DECIDIU, O VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO VEM CRIAR UM PRECEDENTE, AO PERMITIR QUE PESSOAS QUE SEJAM DECLARADAS INSOLVENTES E QUE, OU POR NEGLIGÊNCIA DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA, OU MESMO POR CLARA INTENÇÃO DE OCULTAÇÃO DE PATRIMÓNIO, APÓS A PROLAÇÃO DO DESPACHO DE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE, CONTINUEM TITULARES DE PATRIMÓNIO QUE DEVERIA SER VENDIDO PARA SATISFAZER OS CRÉDITOS DA INSOLVÊNCIA SEM QUALQUER CONSEQUÊNCIA.

M. NOS TERMOS DO ARTIGO 88.° DO CIRE, A DECLARAÇÃO JUDICIAL DE INSOLVÊNCIA DETERMINA A IMEDIATA SUSPENSÃO DE QUAISQUER DILIGÊNCIAS QUE TENHAM POR OBJETO BENS INTEGRANTES DA MASSA INSOLVENTE, NOMEADA E PRINCIPALMENTE PENHORAS E AFINS, QUE RETIREM À UNIVERSALIDADE DOS CREDORES DO INSOLVENTE A POSSIBILIDADE DE SEREM EFETIVAMENTE RESSARCIDOS AO ABRIGO DO REGIME PREVISTO NAQUELE DIPLOMA, OU SEJA, DE ACORDO COM O PRINCÍPIO «PAR CONDITIO CREDITORUM».

N. A CIRCUNSTÂNCIA DE NÃO SE VERIFICAR A SUSPENSÃO ACIMA REFERIDA TEM COMO CONSEQUÊNCIA A NULIDADE DOS ATOS QUE TENHAM SIDO PRATICADOS APÓS A DECRETAÇÃO DA INSOLVÊNCIA, O QUE DEVE SER OFICIOSAMENTE DECLARADO LOGO QUE A SITUAÇÃO SEJA CONHECIDA.

O. ACRESCE QUE O ARTIGO 149.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ESTIPULA OS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA – E NÃO QUANDO APENAS FOI REQUERIDA - QUANTO À APREENSÃO DE BENS, SENDO QUE O ARTIGO 150.° DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS DISPÕE QUE O PODER DE APREENSÃO RESULTA DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA.

P. POR CONSEGUINTE, ATENTO O DISPOSTO NOS CITADOS NORMATIVOS LEGAIS, CONJUGADO COM O PRECEITUADO NO ART.º 88.º, N.º 1, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – O QUAL ESTATUI QUE «A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DETERMINA A SUSPENSÃO DE QUAISQUER DILIGÊNCIAS EXECUTIVAS OU PROVIDÊNCIAS REQUERIDAS PELOS CREDORES DA INSOLVÊNCIA QUE ATINJAM OS BENS INTEGRANTES DA MASSA INSOLVENTE E OBSTA À INSTAURAÇÃO OU AO PROSSEGUIMENTO DE QUALQUER AÇÃO EXECUTIVA INTENTADA PELOS CREDORES DA INSOLVÊNCIA (…)» - O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA É SOBERANO QUANTO AO DESTINO DE BENS E DIREITOS QUE TENHAM SIDO E SE MANTENHAM APREENDIDOS A FAVOR DA MASSA INSOLVENTE, SENDO LEGALMENTE INADMISSÍVEIS LIMITAÇÕES OU ENTRAVES ÀS DILIGÊNCIAS DE APREENSÃO E LIQUIDAÇÃO NA INSOLVÊNCIA QUE, EVENTUALMENTE, PROVENHAM DE OUTROS PROCESSOS.

Q. QUER ISTO DIZER, QUE O PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ... SOB O N.º .33/19860827 DA FREGUESIA DE ... E INSCRITO NA MATRIZ SOB O N.º ..80 E O PRÉDIO RÚSTICO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ... SOB O N.º .36/19860827 DA FREGUESIA DE ... E INSCRITO NA MATRIZ SOB O N.º ..17, CUJA ADJUDICAÇÃO O RECORRENTE REQUEREU AINDA SE ENCONTRAM NA ESFERA E TITULARIDADE DOS EXECUTADOS, AQUI RECORRIDOS.

R. TENDO OS EXECUTADOS E AQUI RECORRIDOS SIDO DECLARADOS INSOLVENTES E O PROCESSO ONDE TAL OCORREU JÁ SIDO ENCERRADO, IMPORTA CHAMAR À COLAÇÃO O REGIME PREVISTO NO ARTIGO 233.º, N.º 1, AL. D), DO CIRE, NOS TERMOS DO QUAL “[O]S CREDORES DA INSOLVÊNCIA PODERÃO EXERCER OS SEUS DIREITOS CONTRA O DEVEDOR SEM OUTRAS RESTRIÇÕES QUE NÃO AS CONSTANTES DO EVENTUAL PLANO DE INSOLVÊNCIA E PLANO DE PAGAMENTOS E DO N.º 1 DO ARTIGO 242.º (…)”.

S. INTERESSANDO PARA A PRESENTE DISCUSSÃO DE SOBREMANEIRA ESTA ÚLTIMA RESSALVA.

T. ISTO PORQUE, DE ACORDO COM ELA, “[N]ÃO SÃO PERMITIDAS QUAISQUER EXECUÇÕES SOBRE OS BENS DO DEVEDOR DESTINADAS À SATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS SOBRE A INSOLVÊNCIA, DURANTE O PERÍODO DA CESSÃO” (CFR. ARTIGO 242.º, N.º 1, DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS).

U. ASSIM, DURANTE O PERÍODO DE CESSÃO NÃO PODEM SER PROMOVIDAS EXECUÇÕES QUE INCIDAM SOBRE OS BENS DO DEVEDOR, DESTINADAS AO PAGAMENTO DE CRÉDITOS SOBRE A INSOLVÊNCIA, O QUE SE COMPREENDE, NA MEDIDA EM QUE SE VISA, POR UM LADO, ASSEGURAR A EFETIVA REALIZAÇÃO DOS FINS DA CESSÃO, PELO QUE RESPEITA AOS RENDIMENTOS CEDIDOS, NÃO OS DISTRAINDO DA SUA AFETAÇÃO E DESSE MODO OBSERVANDO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES.

V. POR OUTRO LADO, PORQUE NA BASE DESSA RESTRIÇÃO, QUANTO A OUTROS BENS DO DEVEDOR, TAMBÉM SE REVELA ADEQUADA, QUER POR A SUA EXECUÇÃO PODER AFETAR A FONTE DESSES RENDIMENTOS, QUER POR ESSES BENS CONSTITUÍREM A BASE DA VIDA ECONÓMICO-SOCIAL DO DEVEDOR.

W. SUCEDE QUE, E TAL COMO ANTERIORMENTE REFERIDO, OS PRÉDIOS QUE FORAM PENHORADOS – E QUE AINDA ESTÃO PENHORADOS – A FAVOR DOS PRESENTES AUTOS E CUJA SUA ADJUDICAÇÃO O RECORRENTE REQUEREU NÃO FORAM OBJETO DE APREENSÃO A FAVOR DA MASSA DA INSOLVÊNCIA.

X. NO ENTANTO, TENDO JÁ SIDO PROFERIDO DESPACHO DE ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA E DESPACHO FINAL QUANTO À EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE, O QUE A NÃO SE VERIFICAR, OBSTAVA, NOS TERMOS DO PRECEITUADO NO ART.º 242.º, N.º 1, DO CIRE, AO PROSSEGUIMENTO DA PRESENTE EXECUÇÃO, MOSTRA-SE ESTAREM REUNIDOS OS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS À PROSSECUÇÃO DA EXECUÇÃO CONTRA OS EXECUTADOS, AQUI RECORRIDOS.

Y. MOTIVO PELO QUAL, NÃO PODERIA O TRIBUNAL A QUO CONCLUIR QUE TODAS AS EXECUÇÕES PENDENTES À DATA DA INSOLVÊNCIA PARA PAGAMENTO DE TAIS CRÉDITOS DEVEM SER JULGADAS EXTINTAS (ARTIGO 245º 1 DO CIRE) NÃO PODENDO OS REFERIDOS CREDORES POR FALTA DE TÍTULO INTENTAR OU PROMOVER QUALQUER EXECUÇÃO CONTRA O DEVEDOR, POR DIVIDA DA INSOLVÊNCIA INDEPENDENTEMENTE DA QUALIDADE E TEMPO DE INTEGRAÇÃO DOS BENS NO SEU PATRIMÓNIO.

Z. IGNORANDO QUE OS PRÉDIOS QUE AINDA SE ENCONTRAM PENHORADOS A FAVOR DOS PRESENTES AUTOS NÃO FORAM SEQUER OBJETO DE APREENSÃO A FAVOR DA MASSA DA INSOLVÊNCIA, MANTENDO-SE NA ESFERA PATRIMONIAL DOS EXECUTADOS, AQUI RECORRIDOS.

AA. O TRIBUNAL A QUO AO DECIDIR COMO DECIDIU VIOLOU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 233.º E 242.º DO CIRE.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER REVOGADA A DOUTA DECISÃO PROFERIDA PELO VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE, EM CONFORMIDADE COM O QUE É DE DIREITO E A BOA APLICAÇÃO DAS LEIS, SE IMPÕE E JULGUE IMPROCEDENTE A APELAÇÃO APRESENTADA PELOS RECORRIDOS, MANTENDO NA ÍNTEGRA O DOUTO DESPACHO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Obtidos os vistos, cumpre decidir.

Face ao teor das alegações apresentadas pelo recorrente, a questão a decidir é a de saber se a concessão aos insolventes do benefício da exoneração do passivo restante, obsta ao prosseguimento de acção executiva para pagamento de um crédito anterior à declaração de insolvência e na qual se mostram penhorados bens imóveis, igualmente desde data anterior à insolvência, que não foram apreendidos no âmbito do processo de insolvência.

Os factos a ter em consideração são os que resultam do relatório que antecede.

Se a concessão aos insolventes do benefício da exoneração do passivo restante, obsta ao prosseguimento de acção executiva para pagamento de um crédito anterior à declaração de insolvência e na qual se mostram penhorados bens imóveis, igualmente desde data anterior à insolvência, que não foram apreendidos no âmbito do processo de insolvência.

Quanto a tal, alega o recorrente que se deve revogar o acórdão revidendo, com a consequente repristinação da decisão proferida em 1.ª instância, com base na seguinte argumentação:

- não resulta da execução que a mesma tenha estado suspensa por força da declaração de insolvência dos executados;

- os prédios penhorados na execução não foram todos objecto de apreensão a favor da massa insolvente ou por negligência do A.I. ou por intencional ocultação por parte dos executados e, nesta hipótese, estes mantiveram na sua posse bens que bem sabiam dever ter sido relacionados a fim de satisfazer os credores;

- tendo já sido encerrado o processo de insolvência, tem aplicação o disposto no artigo 233.º, n.º 1, al. d), do CIRE, conjugado com o que se dispõe no seu artigo 242.º, n.º 1.

Por seu lado, o Acórdão da Relação do Porto, assenta, fundamentalmente, em que a concessão da exoneração do passivo restante acarreta, após o encerramento do processo, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data da respectiva concessão, ainda que não reclamados e verificados.

Não será supérfluo começar por referir que o instituto, inovador, da “exoneração do passivo restante” significa a extinção de todas as obrigações do insolvente (que seja pessoa singular) que não logrem ser integralmente pagas no processo de insolvência ou nos 5 anos posteriores ao seu encerramento (cf. artigos 235.º e 239.º, n.º 2, do CIRE, na redacção aplicável).

Diz-se a tal propósito, no preambulo do CIRE, que “(…) o código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante. (…) A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica. (…)”.

Tem pois o instituto em causa como escopo a extinção das dívidas e a libertação do devedor e tem como ratio a ideia de não inibir todos aqueles – honestos, de boa fé e a quem as coisas correram mal – “aprendida a lição”, a começar de novo sem fardos e pesos estranguladores1.

É assim uma medida que não pode ser vista como um recurso normal que a lei coloca ao dispor dos devedores para se desresponsabilizarem; mas antes uma medida que o devedor pelo seu comportamento anterior e ao longo do período da exoneração fez por merecer e justificar; ou, ao menos, é uma medida que não pode ir ao arrepio do comportamento do devedor.

Ou seja, a exoneração “apenas deve ser concedida a um devedor que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, reveladores de que a pessoa em causa se afigura merecedora de uma nova oportunidade”2; a “exoneração” não se pode/deve aplicar aos devedores que se endividaram de forma completamente “leviana”, aos que não pensaram “duas vezes” quando se deram conta que era “fácil” obter um financiamento, aos que se recusaram a perceber que jamais iriam ter meios para liquidar as dívidas que estavam a contrair “levianamente”, aos que, contraídas avultadas dívidas3, apenas pretendem, pura e simplesmente, nada pagar ou quase nada pagar.

É esta, pelo menos, a história e a razão de ser do “instituto”; como, “confessadamente”, o CIRE o assumiu no seu preâmbulo.

É ainda no despacho inicial – em que, como é o caso dos autos, não se indeferiu liminarmente o pedido de exoneração – que o juiz determina a parte do rendimento que fica excluída da cessão à entidade designada por “fiduciário”; que o juiz determina que, durante um período de 5 anos – prazo fixo que não depende do prudente arbítrio do juiz – subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado como período de cessão, o rendimento disponível do devedor se considera cedido a uma entidade, designada fiduciário, para os fins do art. 241.º do CIRE, no qual se refere qual o destino a dar/afectar aos montantes recebidos.

Por outro lado, é certo que nos termos do disposto no artigo 88.º, do CIRE, com a declaração de insolvência, se impunha a suspensão de quaisquer diligências executivas que atingissem os bens integrantes da massa insolvente e se impedia a instauração ou o prosseguimento de qualquer acção executiva.

De igual modo, o facto de os insolventes não terem informado nos autos que eram proprietários de outros bens que não os identificados no processo de insolvência, poderia constituir fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, cf. artigo 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE.

Não obstante, tal fase processual já há muito se mostra ultrapassada. Foi concedido aos insolventes o pedido de exoneração e já foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, em 12/10/2022.

A exoneração do passivo restante só pode (podia) ser revogada nos termos previstos no artigo 246.º, do CIRE, cujo prazo, para tal, já decorreu (cf. seu n.º 2).

Assim, a realidade processual, mostra-nos que apesar das apontadas vicissitudes, foi concedida aos insolventes a exoneração do passivo restante, nos termos previstos no artigo 244.º, do CIRE, do que decorrem os efeitos previstos no seu artigo 245.º, n.º 1.

Ora, de acordo com o mesmo:

“A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º”.

Desta regra geral, apenas são excepcionados os créditos a que se alude no seu n.º 2, aqui não convocáveis.

Assim, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, pág. 871, como efeito da exoneração do passivo restante verifica-se “… a extinção dos créditos sobre a insolvência que ainda existam no momento em que o despacho da exoneração é proferido.

Esta solução aplica-se mesmo aos créditos sobre a insolvência que não tenham sido reclamados ou verificados, segundo o que ficou esclarecido no texto da lei”.

Ou, nos dizeres de Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, a pág. 571, o despacho de exoneração tem como consequência “… a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida. Este é o efeito fundamental – o efeito por excelência – da exoneração do passivo restante”.

Também, Marco Carvalho Gonçalves, in Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, pág.s 656/9, refere que:

“Se o juiz decidir conceder a exoneração do passivo restante, tal acarreta, nos termos do art. 245-º, n.º 1, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que a exoneração é concedida, independentemente de os créditos terem ou não sido reclamados e verificados, aplicando-se o disposto no art. 217-º, n.º 4.

(…)

Assim, uma vez concedida, em definitivo, a exoneração do passivo restante, os credores cujos créditos não tenham sido satisfeitos e se mostrem extintos por força dessa exoneração ficam inibidos de propor contra o devedor qualquer ação judicial, de natureza declarativa ou executiva, tendo em vista a satisfação desses créditos, restando-lhes apenas a possibilidade de requererem a revogação da exoneração do passivo restante”.

Ainda no mesmo sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, pág. 558; Maria do Rosário Epifânio, Manual De Direito da Insolvência, Almedina, 2009, pág.s 272/3 e Luis M. Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8.ª Edição, Almedina, pág. 376.

Consequentemente, tal como decidido no Acórdão em apreço, em face da prolação de despacho de exoneração do passivo restante, em conformidade com o disposto no n.º 1, do artigo 245.º, do CIRE – não se verificando, como não se verificam, nenhuma das excepções a que se alude no seu n.º 2 – impõe-se considerar que o exequente, aqui recorrente, não pode fazer prosseguir a execução que moveu contra os insolventes.

E nem a tal obsta o disposto nos artigos 233.º, 1, d) e 242.º, do CIRE.

Efectivamente, como decorre do acima exposto, a situação jurídica dos credores da insolvência após o encerramento do processo, relativamente à possibilidade de exercício dos seus créditos, para além das limitações que possam decorrer da existência de um plano de insolvência ou de um plano de pagamentos, também estão sujeitos às restrições resultantes de um pedido de exoneração do passivo restante, como resulta do disposto no citado artigo 242.º, 1 – neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 839.

O que mais se reforça no caso de já ter sido proferido despacho final da exoneração, com as consequências a que acima aludimos, resultantes do disposto no artigo 245.º, 1, do CIRE.

De resto, o artigo 242.º, n.º 1, do CIRE apenas rege para o período da cessão, visando que os rendimentos cedidos sejam apenas direccionados à efectiva realização dos fins da cessão.

Concluindo, é de manter o decidido na Relação.

Pelo que, improcede o recurso.

Nestes termos, se decide:

Julgar improcedente o presente recurso, negando-se a revista e, consequentemente, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo exequente, AA, aqui recorrente, tanto para os termos do presente recurso, como em ambas as instâncias.

Lisboa, 23 de Abril de 2025

Arlindo Oliveira (relator)

Rui Machado e Moura

Nuno Pinto Oliveira

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1. “A intenção da lei é a de libertar o devedor das suas obrigações, realizar uma espécie de azeramento da sua posição passiva, para que, depois de aprendida a lição, ele possa retomar a sua vida e, se for caso disso, o exercício da sua actividade económica ou empresarial. “Catarina Serra, O Novo Regime da Insolvência, 4.ª ed., pág. 133.

2. Assunção Cristas, in Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, pág. 264.

3. Para o rendimento e património de quem contrai tais dívidas.