INCIDENTES DA INSTÂNCIA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
RECURSO
TAXA DE JUSTIÇA
CUSTAS DE PARTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DIREITO AO RECURSO
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I - Nos incidentes da instância e procedimentos cautelares, a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, de acordo com a regra especial estabelecida no art.º 7.º n.º 4 daquele Regulamento.
II - Também nos recursos interpostos, nos procedimentos referidos naquele art.º 7.º n.º 4, a taxa de justiça devida é igualmente determinada de acordo com a tabela II anexa ao referido Regulamento.

Texto Integral

Acordam na 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça


I - RELATÓRIO

KEYCAPITAL, SGPS, Lda, tendo sido notificada do teor da conta de custas final, elaborada abrangendo o processo principal e todos os seus apensos – conta registada com o n.º .............22 – dela reclamou, indicando os termos em que deveria ser definida a sua responsabilidade pelo pagamento das custas e requerendo subsidiariamente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Após pronúncia do Escrivão de Direito contador e do Ministério Público foi a reclamação decidida em primeira instância, em 4 de maio de 2022.

Inconformada com a decisão, a Autora interpôs recurso de apelação, visando a sua revogação e substituição por outra que ordenasse a reforma da conta, nos termos por ela pretendidos.

Por acórdão proferido, em 24 de novembro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação parcialmente procedente, ordenando a reformulação da conta final nos termos que do mesmo constam.

Inconformada, ainda, a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça invocando o disposto nos artigos 671.º, n.º 2, alínea a), 629.º, n.º 2, alínea d) e 674.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:

Os incidentes e procedimentos são tributados em primeira instância pela Tabela II, nos termos do art.º 7.º n.º4 do Regulamento, através de taxas fixas ou intrinsecamente variáveis, sem que o maior ou menor valor da acção faça variar proporcionalmente o valor das respectivas custas.

É também inequívoco (resulta da comparação da Tabela I-A e I-B do Regulamento) que o legislador tributa os recursos com taxas significativamente inferiores às dos respectivos processos principais.

Além disso, pode-se ler na epígrafe do art.º 7.º do Regulamento que esta norma determina as Regras Especiais que devem ser observadas em determinadas situações.

Sendo certo que o n.º 4 deste dispositivo constitui uma norma especial relativamente aos respectivos n.º 1 e 2 e, atento que lex specialis derogat legi generali, impõe-se a sua aplicação também aos recursos dos incidentes e procedimentos aí elencados.

Pelo contrário, a aplicação da Tabela I-B àquelas questões incidentais e procedimentos cautelares conduzirá a uma tributação incomensuravelmente mais onerosa dos recursos dos incidentes e procedimentos por comparação com a tributação do seu julgamento em primeira instância.

A aplicação do critério seguido pelo Tribunal a quo conduz, a título meramente exemplificativo, a que o julgamento, em primeira instância, de um incidente de intervenção de terceiros tenha uma tributação máxima de 4 UC (€408) independentemente do valor da causa, mas o julgamento do respectivo recurso seja tributado ( como se pretende no caso dos autos ) em €26.367,00 ( ou seja 65 vezes mais caro).

A decisão recorrida viola o disposto no n.º 4 do art.º 7.º do Regulamento.”


*


Não obstante o disposto no artigo 31.º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais, por ter sido invocada contradição com acórdão(s) da Relação no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não sendo admitido recurso ordinário por motivo estranho à alçada do Tribunal, foi admitido, pela Relação, o recurso de revista ao abrigo do preceituado nos invocados artigos 671.º n.º 2 alínea a) e 629.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil.

Por despacho proferido neste STJ, em 28 de abril de 2023, foi a Autora convidada a escolher de entre os indicados nas suas alegações, um acórdão fundamento da invocada contradição jurisprudencial.

A Autora/Recorrente elegeu como acórdão fundamento, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de janeiro de 2020, proferido no proc. n.º 10526/19.7T8PRT-A.P1, transitado em julgado em 3 de fevereiro de 2020.

Atendendo à pendência de um acórdão para uniformização de jurisprudência sobre a questão da admissibilidade do recurso de revista em caso de oposição de julgados entre acórdãos de Tribunais da Relação versando sobre decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual (decisões não finais), foi determinada a suspensão da instância, por despacho de 3 de julho de 2023, até ao trânsito em julgado do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência que viesse a ser proferido sobre a matéria no processo com o n.º 575/05.8TBCSC-W.L1-A.S1-A, então em fase de preparação de decisão.

Em 12 de setembro de 2024, o Pleno das Secções Cíveis deliberou não se verificar contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto ao Recurso de Uniformização de Jurisprudência n.º 575/05.8TBCSC-W.L1-A.S1-A, cujo arquivamento foi ordenado.

Tendo deixado de subsistir a razão que fundamentou a suspensão da instância oportunamente decretada, foi apreciada liminarmente a admissibilidade do recurso e afigurando-se não ser o mesmo legalmente admissível, foi ordenada a notificação das partes nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 655.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

As partes nada disseram.


*


II - DA ADMISSIBILIDADE DA REVISTA

Visa o presente recurso um acórdão proferido pela Relação de Lisboa que apreciou uma decisão da 1.ª instância no âmbito de um incidente de reclamação da conta de custas processuais apresentada pela autora.

Sobre tal matéria rege o art.º 31.º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), com o seguinte teor:

6 – Da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC;”

Não obstante, a autora interpôs recurso de revista invocando o disposto nos artigos 671.º n.º 2 a) e 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil1.

O primeiro reporta-se à recorribilidade dos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual.

O segundo à recorribilidade incondicional dos acórdãos dos Tribunais da Relação por efeito de contradição jurisprudencial com anterior acórdão de qualquer Tribunal da Relação.

No caso, o acórdão recorrido incidiu sobre uma decisão interlocutória (decisão não final), uma vez que recaiu unicamente sobre uma questão processual.

Nos termos do artigo 671.º, n.º 2, as decisões que apresentem esta natureza só podem ser objeto de revista em duas situações:

a)nos casos em que o recurso é sempre admissível, isto é, quando as questões processuais aí tratadas possam ser subsumíveis a alguma das situações previstas no artigo 629.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (artigo 671.º n.º 2 a) );

b)quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, (artigo 671.º n.º 2 b) ).

Sobre a questão da admissibilidade da revista no âmbito dos artigos 671.º, n.º 2, alínea a) e 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil, por oposição de acórdãos da Relação existe divergência jurisprudencial no Supremo Tribunal de Justiça, tal como longa e aprofundadamente se explanou no despacho que antecede.

Porém, brevitatis causa, adianta-se que aderimos ao entendimento mais amplo, ou seja, aquele que admite a aplicação conjunta dos artigos 629, n.º 2 alínea d) e art.º 671.º n.º 2 alínea b)2.

Para sustentação desta tese destaca-se, desde logo, “o elemento literal, uma vez que não existe qualquer indício de que a admissibilidade de revista nas situações excepcionais previstas na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º deva ser condicionada pela natureza final ou interlocutória ou pelo teor da decisão de 1.ª instância apreciada no recurso de apelação. O que se pede unicamente é que o recurso de revista seja concretamente impedido ou condicionado por razões que não estejam ligadas ao valor do processo.”3 É o caso do presente recurso em que o condicionamento de acesso ao Supremo decorre exclusivamente da norma constante do art.º 31.º n.º6 do RCP.

Não só através do elemento literal, mas também um argumento de ordem racional ou teleológica, a que aderimos, justifica a admissibilidade do recurso neste caso. E consiste no facto de “a ampliação da recorribilidade constituir a solução que garante a efectiva possibilidade de, por intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, serem superadas contradições ou divergências jurisprudenciais, ou erradas interpretações que tendam a consolidar-se ao nível das Relações em torno de questões de direito adjectivo que, por regra, não surgem no âmbito dos demais recursos de revista interpostos ao abrigo do n.º1 do art.º 671.º”4

Como resulta da alínea d) do nº 2 do art.º 629º do CPC, é sempre admissível recurso “do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”.

O fundamento da recorribilidade é, assim, decomposto em três requisitos:

“que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito 5.

Sendo certo que “ocorre oposição relevante, para efeitos de admissibilidade de revista com o fundamento específico previsto no art.º 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, quando a mesma questão de direito fundamental sobre idêntico núcleo factual tenha sido objeto de análise interpretativa desenvolvida do segmento normativo convocado pelo acórdão-fundamento e, suscitada pelas partes noutro processo, tenha sido decidida em sentido contrário pelo acórdão recorrido”.6

Por conseguinte, “a contradição ou oposição de julgados há-de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas”7.

Ora, operando o cotejo entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, verifica-se que a questão apreciada num e noutro foi a de saber se nos procedimentos cautelares ( acórdão fundamento) e nos incidentes ( acórdão recorrido), quer em primeira instância, quer em sede de recurso, é aplicável o disposto no art.º 6.º n.º7 do Regulamento das Custas Processuais, ou antes o disposto no art.º 7.º n.º4 com referência à Tabela II, do mesmo diploma.

O facto de o acórdão fundamento ter sido proferido no âmbito de um procedimento cautelar e o acórdão recorrido tratar da questão a propósito dos incidentes é irrelevante pois que a norma constante do art.º 7.º n.º 4 do RCP refere-se indistintamente aos “Incidentes e procedimentos cautelares”.

Sucede que, enquanto no acórdão recorrido, para além de outras questões que foram apreciadas, mas que não relevam para este recurso, foi entendido, quanto à intervenção de terceiros que “a taxa de justiça a pagar pelo impulso do recurso é, por força do art.º 6.º n.º2 do RCP, sempre fixada nos termos da tabela I-B”; enquanto que no acórdão fundamento se entendeu que aos recursos aos recursos interpostos de incidentes e de procedimentos cautelares aplica-se a regra especial do art.º 7.º n.º4 e a tabela II.

Não há, pois, qualquer dúvida sobre a oposição de julgados num e noutro acórdão sobre esta concreta questão.

É, por conseguinte, admissível o presente recurso de revista.

III - OS FACTOS

Para melhor contextualização da questão em análise, importa elencar os elementos de facto já realçados no acórdão recorrido e que resultam dos autos:

1 - O caso diz respeito a uma acção proposta pela autora contra dois réus, intentada a 13/01/2016, pedindo que estes fossem condenados a pagar--lhe, na parte que agora importa, 695.000€ + juros de mora vencidos (à taxa de juros comerciais) no valor de 110.396,73€ (desde 01/02/2014 a 13/01/2016).

2 - A autora pagou 1.632€ de taxa de justiça.

3 - Na contestação, os réus requereram a intervenção principal de duas pessoas ao lado da autora e deduziram contra a autora e intervenientes reconvenção pedindo, na parte que importa, que a autora e os intervenientes fossem condenados solidariamente a restituírem 811.146,47€ e a pagarem uma indemnização de 2.819.606,40€.

4 - A ré pagou 816€ de taxa de justiça (1.ª prestação) e depois 408€ pelo incidente de intervenção principal provocada. Não chegou a pagar a 2.ª prestação de taxa de justiça.

5 - O réu teve apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos.

6 - A autora replicou e deduziu oposição ao incidente de intervenção. Não pagou a taxa de justiça devida pela oposição.

7 - A 24/04/2017 foi deferida a intervenção principal, com custas a cargo dos requerentes, isto é, dos réus.

8 - Os intervenientes contestaram a reconvenção e pagaram, 1.632€ de taxa de justiça.

9 - No despacho saneador de 19/12/2017, foi decidido que o valor processual da causa era de 4.436.149,60€, correspondente à soma do pedido e da reconvenção.

10 - Depois de realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os réus a pagar à autora 695.000€ e 96.091,84€ de juros de vencidos, absolvendo os réus do pagamento de 14.304,89€ de juros vencidos. Os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes, tendo a autora e os intervenientes principais sido absolvidos dos pedidos contra eles formulados.

11 - Quanto a custas foi dito:

Custas da acção pela autora e pelos réus, na proporção do decaimento e da reconvenção pelos réus reconvintes - artigo 527/1-2 do CPC -, reduzindo-se, ao abrigo do disposto no artigo 6/7, do RCP, o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 1/4, suportando apenas 3/4 da taxa de justiça remanescente - sem prejuízo da protecção jurídica concedida ao 2.º réu, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo".

12 - Os réus recorreram deste acórdão.

13 - Puseram em causa a decisão quanto à parte da reconvenção (queriam a condenação da autora e intervenientes a pagar a indemnização de 2.819.606,40€ e já não falavam na restituição dos 811.146,47€) e, quanto à acção puseram em causa, com base no abuso de direito, a condenação a pagarem 695.000€ e disseram, de qualquer modo, que este valor de 695.000€ estava errado - seriam apenas devidos 665.000€ - e, em consequência, estava também errado o valor dos juros vencidos.

14 - A ré pagou 816€ de taxa de justiça.

15 - A autora e os intervenientes contra-alegaram e pagaram 816€ de taxa de justiça.

16 - O TRL proferiu acórdão julgando a apelação parcialmente procedente, condenando agora os réus a pagar à autora 665.000€ a título de capital, acrescida de juros de mora, à taxa de juro comercial, sobre o montante de 695.000€, vencidos desde 01/02/2014 até 09/03/2015, inclusive, e sobre o montante de 665.000€, vencidos desde 10/03/2015 até integral pagamento” [o que representa, de juros vencidos até 13/01/2016, 54.886€ + 39.817,99€ = 94.703,99€ – utilizou-se o calculador de taxas de https://www.homepagejuridica.pt/calculos/juros-comerciais].

17 - Do que antecede resulta implicitamente a improcedência do recurso quanto à reconvenção. O acórdão não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça quanto ao recurso, mas não revogou a parte da sentença que tinha dispensado em ¼ a taxa de justiça remanescente na acção.

18 - Autora e réus foram condenados nas custas, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da protecção jurídica concedida ao réu apelante.

19 - O réu (que tem apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e encargos) interpôs recurso de revista excepcional contra o ac. do TRL que foi admitido pelo STJ.

20-A autora e intervenientes contra-alegaram e a autora pagou 816€ de taxa de justiça. A revista excepcional foi julgada improcedente, com custas pelos réus.

IV - O DIREITO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões recursivas, sendo vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 e 2 do CPC).

Assim, a única questão em apreço consiste em saber se os recursos das decisões proferidas nos incidentes e procedimentos cautelares devem ser tributados nos termos da Tabela I-B ; por força dos artigos 6.º n.º2 e 7.º n.º2 do Regulamento das Custas Processuais ou como defende a Recorrente, nos termos da Tabela II em consequência da aplicação do art.º 7.º n.º4 do mesmo Regulamento.

Vejamos, então:

Argumenta o acórdão recorrido, o seguinte, a propósito desta questão, quanto ao apenso B:

A autora entende que a taxa devia ser calculada pela tabela II-A do RCP, por se tratar da tributação de recurso de um incidente de intervenção de terceiros, nominado e expressamente tipificado na referida tabela, para efeitos de custas, devendo o recurso ser tributado do mesmo modo.

Como fundamento diz que a fixação do valor da causa não serve como base tributável de todas as ocorrências processuais, como por exemplo nos incidentes e nos procedimentos cautelares que, nos termos do art. 7/4 do RCP, devam ser tributados de acordo com a Tabela II anexa ao RCP, isto é, em 4 UC ou 2 UC, consoante a causa tenha, ou não, valor igual ou superior a 30.000,01€, ou seja, no caso, atento o valor da acção, pela tributação mais elevada, em 4 UC, não havendo, por isso, taxas de justiças remanescentes; acrescenta que é óbvio que, nos termos da lei em vigor, o legislador tributa os recursos de forma menos gravosa do que o impulso processual inicial de uma acção: é o que resulta inequivocamente da comparação entre a Tabela I-A e I-B anexa ao RCP, e a mesma regra tem de valer para tributação dos recursos nos incidentes e nos procedimentos cautelares: se a tributação destes está limitada nos termos da Tabela II, então os recursos que nesse âmbito sejam interpostos e tramitados não podem ser tributados pela Tabela I-B, sob pena de manifesta e injustificada desproporcionalidade. Invoca, no mesmo sentido e com desenvolvimento, os três acórdãos das Relações que serão referidos a seguir.

Ou seja, segundo a autora a taxa de justiça devia ser só de 4 UC.

Apreciação:

A autora não tem razão, tal como já foi dito pelo relator deste acórdão no despacho antes da admissão do recurso, que se passa a parafrasear:

A taxa de justiça a pagar pelo impulso do recurso é, por força do art. 6/2 do RCP, sempre fixada nos termos da tabela I-B.

É certo que alguns acórdãos das relações entendem que a taxa de justiça dos recursos, nestes casos, é calculada de acordo com a tabela II do RCP – assim, os acórdãos do TRE de 09/11/2017, proc. 2052/15.0T8FAR.E2, do TRG de 24/01/2019, proc. 2589/17.6T8BRG-A. G1, do TRE de 27/06/2019, proc. 1489/09.8TBVNO-A.E1 e do TRP de 13/01/2020, proc. 10526/19.7T8PRT-A.P1.

Mas fazem-no - criando e aplicando um regime próprio para o caso, que entendem como mais justo -, sem razão, porque o juiz deve aplicar a lei tal como ela existe e não como entende que ela devia ser e o regime legal é claro e decorre da norma do art. 6/2 do RCP já citada, reforçada pela do art. 7/2 do RCP: Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.

Neste sentido, vai o acórdão do STJ de 29/03/2022, proc. 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1: “I - Nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1º, nº 2) a taxa de justiça “é sempre fixada” ou, “é fixada” nos termos da tabela I-B, tal como preceituam os nºs 2, dos arts. 6º e 7º, do Regulamento”, acórdão este que refere e rejeita, com toda a razão, aqueles acórdãos e ainda invoca a favor de tal posição a obra de Salvador da Costa, “As Custas Processuais - Analise e Comentário, a pág. 127 refere que “resulta dos artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 2, que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B…” e especifica a pág. 130 que “a taxa de justiça devida nos recursos de decisões proferidas nas espécies processuais constantes da tabela II é calculada com base na tabela I-B, do que pode resultar ser a taxa de justiça do recurso superior à da causa.” No mesmo sentido, ainda, veja-se o ac. do STJ de 06/09/2022, proc. 3516/18.9T8BRR-J.L1.S1.

E este regime não sofre de qualquer inconstitucionalidade, pois que, para além do mais (por exemplo, o que é referido no ac. do STJ), os recursos não diferem substancialmente conforme sejam interpostos de decisões proferidas nas acções, ou nos incidentes ou nos procedimentos cautelares. São tão complicados, ou tão pouco complicados, naquele como nestes casos, não se justificando por isso que nestes casos fosse aplicada uma taxa substancialmente inferior à da que é aplicada naquele caso.

Um recurso, por exemplo, mesmo contra um simples despacho que decide uma reclamação de conta, pode implicar tanto trabalho e estudo quanto um outro qualquer recurso contra uma sentença de mérito de uma acção.

Posto isto, a conta da autora, nesta parte (apelação, apenso B), devia ter sido elaborada como o foi pelo contador, tendo em consideração que a autora ficou vencida e que o réu contra-alegante beneficia de apoio judiciário que o dispensa do pagamento da taxa de justiça, embora aqui se prefira a seguinte demonstração (com o mesmo resultado).

Valor tributável: 4.436.149,60€

Tabela I-B

Taxa de justiça inicial: 816€.

Taxa de justiça remanescente da autora: 25.551€ (= 167 UC x 1,5 x 102€).

Total: 816€ + 25.551€ = 26.367€

Taxa de justiça paga: 816€

Taxa em dívida: 25.551€.”

E este raciocínio é, naturalmente, repetido em relação aos apensos E, F (embora quanto a este tenha sido corrigido o valor do processo por se tratar de um arresto) e G.

Com efeito, o acórdão recorrido ancora-se no entendimento constante do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 29-03-20228, onde se defendeu que, nos recursos, ainda que no âmbito dos expressamente referidos na tabela II, designadamente incidentes e procedimentos cautelares, “a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela 1-B”. A favor deste entendimento cita, de resto, Salvador da Costa in “As custas Processuais- Análise e Comentário”, pág. 127, na parte em que este Autor escreve: “ resulta dos artigos 6.º n.º2 e 7.º n.º2 que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B”.

Argumenta aquele acórdão o seguinte:

Desta interpretação, com cabimento na letra e no espírito do RCP, resulta que o legislador usou a taxa de justiça como meio dissuasor de interposição de recursos nos processos expressamente referidos na tabela II, entendendo que nesses processos ( incidentes e procedimentos cautelares, entre outros aí discriminados), em princípio, não se justificará a fase de recurso porque não põem termo ao processo.”

E a favor desse entendimento, aduz ainda:

O legislador entendeu que a tabela a aplicar na fase de recurso, independentemente do tipo de processo autónomo, é sempre a tabela I-B (…)

E verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente.”

E adianta ainda o seguinte argumento:

Nada impede que nos procedimentos cautelares e incidentes ( e outros) se aplique a tabela II-A na 1.ª instância e a tabela I-B nos recursos” visto que “ o contador quando elabora a conta, atende autonomamente às diversas fases que o processo percorreu e não conta a fase do recurso em função das taxas da tabela correspondente para a 1.ª instância.”

E foi esse o entendimento que igualmente prevaleceu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-20249. Ali se argumentou:

44. O texto do art.º 6.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, ao convocar o advérbio sempre, depõe no sentido de que a Tabela I-B seja aplicável a todos os recursos10

E prossegue este acórdão sublinhando:

45. O facto de a taxa de justiça aplicável à acção e aos incidentes e a taxa de justiça aplicável aos recurso serem fixadas de acordo com tabelas diferentes explica-se ou justifica-se atendendo às diferenças entre o regime dos processos cuja taxa de justiça em 1.º instância é fixada nos termos da tabela I e o o regime processos cuja taxa de justiça em 1.º instância é fixada nos termos da tabela II.

46. Os processos cuja taxa de justiça em 1.º instância é fixada nos termos da tabela II são quase sempre processos em que o recurso só é admissível em circunstâncias excepcionais, determinadas em termos restritivos — o legislador, através da distinção entre as taxas de justiça em 1.ª instância e as taxas de justiça em 2.ª e em 3.ª instâncias, terá pretendido reforçar a excepcionalidade das circunstâncias em que é admissível o recurso .

47. O perigo de as taxas de justiça em 2.ª e em 3.ª instância serem desproporcionadas ou excessivas é prevenido pelo n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais: (…)11-

Com todo o respeito por esta argumentação, de resto foi subscrita pela ora relatora no acórdão datado de 28-05-2024, não podemos continuar a sufragar tal entendimento, pois que o mesmo não resistiu a uma mais profunda reflexão sobre os pilares argumentativos que a sustentavam, como passamos a expor:

Como é sabido, a obrigação tributária respeitante a processos judiciais compreende a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, conforme se preceitua nos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo D.L. n.º 34/2008, de 26-02, com as sucessivas alterações, nomeadamente a introduzida, com republicação, pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, e se define no artigo 529.º do CPC.

O regime legal dessa obrigação tributária complexa encontra-se estabelecido numa parte substancial no referido Regulamento e também no concernente aos processos cíveis, nalgumas disposições do Código de Processo Civil.

Do Regulamento consta, no que aqui releva, o quadro normativo sobre a fixação da taxa de justiça e sobre o modo de liquidação das custas. Por sua vez, o Código de Processo Civil disciplina a determinação dos responsáveis pelas custas e a repartição dessa responsabilidade em função do julgado, como resulta dos artigos 527.º a 541.º.

Segundo os artigos 6.º, n.º 1, do RCP e 529.º, n.º 2, do CPC, “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.

De acordo com o n.º 2 do artigo 1.º do mesmo Regulamento, a tributação processual incide sobre cada processo autónomo tributável, considerando-se, para tal efeito, cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso.

Nesta base, a taxa de justiça encontra-se fixada, nas tabelas anexas àquele Regulamento, sendo expressa com referência à unidade de conta processual (UC), hoje equivalente a € 102,00, consoante as espécies processuais tributáveis e, em regra, de forma progressivamente escalonada em patamares delimitados por determinados valores da causa.

Feitos estes breves considerandos, vejamos os preceitos legais que estão mais directamente relacionados com a questão em análise:

Dispõe o art.º 6.º do RCP, sob a epígrafe “Regras Gerais”:

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

(…)

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Por sua vez, estabelece o art.º 7.º do mesmo RCP, sob a epígrafe “Regras especiais”:

“1 - A taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela I, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, que fazem parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.

3 - Nos processos de expropriação é devida taxa de justiça com a interposição do recurso da decisão arbitral ou do recurso subordinado, nos termos da tabela I-A, que é paga pelo recorrente e recorrido.

4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento.

5 - Nas execuções por custas, multas ou coimas o executado é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nos termos da tabela II.

6 - Nos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, que sigam como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no n.º 4.

7 - Quando o incidente ou procedimento revistam especial complexidade, o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela II.

8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.

Ora analisada a Tabela I anexa ao RCP, a mesma apresenta a Coluna A com referência aos artigos 6.º n.º1 e 7.º n.º3; a coluna B com referência aos artigos 6.º n.º2, 7.º n.º2, 12.º n.º1 e 13.º n.º7 e a coluna C com referência aos artigos 6.º n.º5 e 13.º n.º3 do RCP. São especificadas as unidades de conta devidas, conforme o valor da acção, estabelecidos treze patamares hierarquizados em função do respectivo valor da acção até € 275.000,00. A partir deste valor “ ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção , 3UC, no caso da coluna A, 1,5UC na coluna B e 4.5UC, no caso da coluna C.”

Por sua vez, na Tabela II perscrutamos a coluna A) referente à “taxa de justiça normal” e a coluna B) referente à “taxa de justiça agravada”.

Referindo o art.º 7.º n.º 4 do RCP que “a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares (…) é determinada de acordo com a tabela II(…)”, suscita com efeito a dúvida de saber se também nos recursos interpostos no âmbito desses incidentes e procedimentos cautelares se aplica a mesma Tabela II. 12

Ora, se bem atentarmos na inserção sistemática da norma constante do art.º 6.º n.º 2 do RCP, segundo a qual “nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B”, verificamos que estão aqui abrangidos os recursos nos processos que cabem nas regras gerais, previstas no n.º1. Segundo o n.º 1 “a taxa de justiça é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial os valores da Tabela I-A”. Ora, a palavra “sempre” constante do n.º 2 pretende abranger também os casos em que exista disposição especial, em que não seja aplicável a Tabela I-A. Contudo, nos recursos, a taxa de justiça será sempre, nesses casos também, fixada nos termos da tabela I-B.

Se assim não fosse, não seria necessário repetir no n.º 2 do art.º 7.º que “nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B”. Mas aqui o legislador repetiu, deixando claro que o n.º 2 está em relação com o n.º 1, ou seja, está relacionado com os processos ali previstos que são os processos especiais, “salvo os casos expressamente referidos na tabela II”. Pois, em relação a estes, rege o n.º 4 do art.º 7.º segundo o qual:

A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares (…) é determinada de acordo com a tabela II (…)

Logicamente, a tabela II será de aplicar na determinação da taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares quer na fase inicial quer na fase de recurso. E porquê? Porque o art.º 6.º n.º2 se refere aos recursos dos processos mencionados no art.º 6.º n.º1. O art.º 7.º n.º2 refere-se aos recursos nos processos especiais, mencionados no n.º1 do art.º 7.º, excluídos, expressamente, os referidos na tabela II, justamente, entre os demais ali mencionados, os incidentes e procedimentos cautelares.

Por conseguinte, nos recursos interpostos nos incidentes e procedimentos cautelares, procedimentos de injunção, procedimentos anómalos e nas execuções a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela II, atento o disposto no art.º 7.º, n.º 4, do RCP.

A esta mesma conclusão, necessariamente chegaremos fazendo uma breve análise da coluna A e da coluna B da tabela I. Verificamos, então, que a coluna B apresenta valores que correspondem sempre a metade dos valores constantes da coluna A, o que nos leva a concluir que o legislador não pretendeu que a taxa de justiça para recorrer fosse superior à devida pelo impulso inicial de um processo. Pelo contrário, a taxa de justiça devida pelo recurso é precisamente metade daquela que é devida pela interposição inicial do processo.

Pergunta-se: por que razão a opção legislativa seria a oposta, no caso dos incidentes e procedimentos cautelares e outros processos previstos na Tabela II? Como Salvador da Costa13 admite, ao aplicar-se a taxa de justiça devida nos recursos de decisões proferidas nas espécies processuais constantes da Tabela II, com base na Tabela I-B, “pode resultar ser a taxa de justiça do recurso superior à da causa”. Ora, no nosso modesto entendimento, cremos que a incongruência deste resultado constitui argumento, precisamente, para demonstrar que o legislador não quis essa solução, pelo que necessariamente se chega à conclusão de que, por força do art.º 7.º n.º4 do RCP, a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares e demais procedimentos ali previstos é determinada de acordo com a tabela II, também nos recursos.

Esta é a interpretação que decorre do disposto no art.º 9.º n.º 3 do Código Civil, segundo o qual “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Logo, não podemos aceitar como boa uma interpretação da norma que conduz a um resultado desajustado e contraditório com a opção legislativa que resulta do conjunto do sistema legislativo.

Não vemos que outra interpretação tenha cabimento, quer na letra quer no espírito do Regulamento das Custas Processuais, pois que na generalidade dos processos, da aplicação da Tabela I-B aos recursos, resulta que a taxa de justiça devida pela interposição do recurso é 50% inferior àquela que é devida pela interposição da acção.

Discordamos, assim, que o legislador tenha usado “a taxa de justiça como meio dissuasor de interposição de recursos nos processos expressamente referidos na tabela II, entendendo que nesses processos ( incidentes e procedimentos cautelares, entre outros aí discriminados), em princípio, não se justificará a fase de recurso porque não põem termo ao processo.”14

Já não nos revemos, pois, na ideia de que “Relativamente a tais processos também as condições de admissibilidade de recurso são mais estritas pelo que terá o legislador pretendido reforçar, pela via da taxa de justiça, a especial excepcionalidade dos recursos nesse âmbito”15

Nestes casos – incidentes e procedimentos cautelares – em que o recurso para o STJ é admitido em casos excepcionais, precisamente por existirem razões de interesse público que justificam essa admissibilidade – designadamente evitar a contradição de julgados - , não se vê por que razão o legislador haveria de, contraditoriamente com aquela finalidade e razão de ser, penalizar as partes recorrentes na sua decisão de recorrer, através do agravamento das custas processuais.

Além disso, são as normas relativas à admissibilidade dos recursos, constantes do Código de Processo Civil que se destinam a racionalizar os meios naturalmente escassos destinados à administração da Justiça, procedendo a essa avaliação dos casos em que se justifica ou não a existência de recurso. 16 E como sabemos, tais limitações do direito ao recurso, designadamente no que respeita às decisões interlocutórias e procedimentos cautelares, decorrem, nomeadamente, do regime constante dos artigos 370.º; 629.º, 630.º e 644.º do CPC. Concretamente, quanto à admissibilidade de revista para o STJ destaca-se o disposto nos artigos 671.º e 674.º n.º 3 como ilustrativos da opção legislativa de limitar o acesso a um triplo grau de jurisdição.

Ora, assim sendo, não seria sequer legítimo ao legislador, depois de definidos os casos em que é admissível o recurso, “uma eventual opção legislativa que redundasse na exclusão arbitrária do direito de recorrer17 através do agravamento do valor da taxa de justiça.

Neste enquadramento, “o Tribunal Constitucional tem constantemente afirmado que não decorre do direito fundamental do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa a consagração de um direito universal ao recurso de toda e qualquer decisão judicial lato sensu. (…)”. Contudo, “ incide, neste domínio, a ampla liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, em vista de preservar a coerência e a funcionalidade do sistema de justiça, podendo ser justificada a criação de ónus procedimentais para as partes cumprirem, sob pena, por exemplo, de consequências preclusivas ou mesmo de limitações ao exercício da faculdade de provocar a atuação dos tribunais, isto é, de estabelecer condições especiais por meio das quais a tutela jurisdicional efetiva opere.

Naturalmente, tais soluções legislativas são passíveis de fiscalização de constitucionalidade face ao direito fundamental ora visado. Assim, os regimes adjetivos vigentes não podem oferecer obstáculos excessivamente onerosos, inclusivamente no que toca aos seus custos, que impeçam, de forma arbitrária ou desproporcionada, o proveito do direito à tutela jurisdicional efetiva.18 Por isso, eles devem ser funcionalmente adequados aos fins do processo e não se podem converter em uma exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável19

Sempre seria, pois, inconstitucional, a utilização do desproporcionado aumento do valor da taxa de justiça aplicável a determinado processo, como forma de dissuadir a parte de recorrer de uma decisão apesar de a lei processual o permitir.

Pelos motivos supra mencionados, procede o recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte impugnada, devendo a conta final de custas ser reformulada em conformidade com o ora decidido.

V - DECISÃO

Em face do exposto, acordamos na 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, determinando a reforma da conta de custas, aplicando a taxa de justiça nos recursos dos incidentes de acordo com a Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Custas pela parte recorrida.

Lisboa, 23 de abril de 2025

Maria de Deus Correia (relatora)

Arlindo Oliveira

Maria de Fátima Gomes (vencida, conforme declaração de voto que segue)

Vencida. Consideraria aplicável aos recursos a tabela I-B.

_______


1. Serão deste código todos os preceitos que vierem a ser citados sem indicação de proveniência.

2. Vide neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, p.66.

3. Idem.

4. Ob.cit. p. 67.

5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2024, Processo 2278/20.4T8LLE.F.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt

6. Acórdão do STJ de 11-02-2015, Processo n.º 9088/05.7TBMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt

7. Nas palavras do Acórdão deste Supremo de 03-10-2024, já citado.

8. Processo 3396/14.3T8GMR.2. G1. S1, disponível em www.dgsi.pt

9. Processo n.º1561/19.6T8PDL-A.L2-A.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira em que intervieram como Adjuntas as Juízas Conselheiras Maria de Deus Correia, ora Relatora, e Maria de Fátima Gomes, disponível em www.dgsi.pt

10. Invoca ainda no mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de abril de 2023, Processo 12144/21.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt-

11. E remete de novo para o que se refere, em igual sentido, no já citado acórdão de 27-04-2023, segundo o qual “ Relativamente a tais processos também as condições de admissibilidade de recurso são mais estritas pelo que terá o legislador pretendido reforçar, pela via da taxa de justiça, a especial excepcionalidade dos recursos nesse âmbito.”

12. Assim foi entendido pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 13-01-2020, Processo 10526/19.7T8PRT-A.P1, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nos acórdãos datados de 24-01-2019, Processo n.º2589/17.6T8BRG-A.G1 e de 15-02-2024, Processo 3870/20.2T8GMR.G1, pelo Tribunal da Relação de Évora nos acórdãos datados de 09-11-2017 Processo 2052/15.0T8FAR.E2 e de 27-06-2019, Processo 1489/09.8TBVNO-A.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

13. In “As Custas Processuais- Análise e Comentário”, p.130.

14. Argumento constante do Acórdão do STJ de 29-03-2022, supra citado.

15. Acórdão do STJ de 27-04-2023, já citado.

16. Vide a propósito, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição Actualizada, p.22.

17. Idem.

18. Sublinhado nosso.

19. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 740/2020 de 10 de Dezembro de 2020, disponível em www.dgsi.pt.