Em regra, não é admissível recurso de revista dos acórdãos da Relação proferidos no âmbito de procedimentos cautelares.
Recorrida: AA
I. — RELATÓRIO
1. AA requereu a providência cautelar de arresto contra P..., Unipessoal, Lda., pedindo que:
“a) Seja decretado o arresto do prédio urbano [localizado no Bairro ..., Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..56 daquela freguesia, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... sob o artigo ...19, composto de lote de tereno para construção com a área de 315,60 m2, registado a favor da requerida pela Ap. ..67 de 28/12/2022], ordenando-se o registo do arresto na Conservatória do Registo Predial;
b) Após efectuadas as diligências probatórias, decretada a providência e realizadas as diligências subsequentes, seja ordenada a notificação, à requerida, da decisão que decretou a providência, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 6 do artigo 366.º e n.º 1 do artigo 372.º, ambos do CPC”.
2. O Tribunal de 1.º instância decretou o arresto requerido.
3. Inconformada, a Requerida P..., Unipessoal, Lda., interpôs recurso de apelação.
4. O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
5. Inconformada, a Requerida P..., Unipessoal, Lda, interpôs recurso de revista.
6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª A recorrente deduziu oposição ao arresto, alegou factos novos, que resultaram provados, contudo o tribunal de 1ª instância considerou improcedente a oposição deduzida ao arresto, que manteve, por tal a requerida recorreu da sentença proferida pelo tribunal “a quo”, o qual confirmou a decisão recorrida, com algumas diferenças de fundamentação da sentença inicial.
Sucede que, o tribunal de recurso, de cujo acórdão se recorre, decidiu manter o arresto com fundamentação distinta da utilizada pela 1ª instância na decisão recorrida (oposição ao arresto).
Designadamente, o acórdão considera que não existe licença de construção; que não foram iniciadas as obras; que a A. não consegue contactar a R. e os seus representantes desde janeiro de 2024; reduzido capital social; inexistência de bens penhoráveis; o incumprimento face a um terceiro, entre outras.
O que está em contradição com os factos apurados em sede de oposição ao arresto e que aí foram sopesados, designadamente os constantes dos nº38; 40; 41; 42; 43; 44; 47; 48; 49; 50; 51 dos provados e não provados al.A.
Desta feita não estamos face a uma situação de dupla conforme que impeça o recurso ordinário para o STJ.
Considerando, muito respeitosamente, a recorrente que o recurso deve ser apreciado e avaliadas as singelas alegações que infra se apresentam.
2ª Dispõe o contrato firmado entre as partes na clª 6ª nº03 “ –Não sendo emitida a licença de construção para o imóvel prometido vender no prazo de dezoito meses contados da celebração do contrato a promitente compradora poderá resolver o mesmo e…..”
O prazo de não emissão de licença de construção, a qual na legislação vigente já não é emitida, não é um prazo “fatal”, absolutamente fixo, pois a forma “poderá” (terceira pessoa do singular do futuro do indicativo de poder), utilizada como verbo transitivo é demonstrativo de ter direito, razão ou motivo para um determinado facto.
Não foi pactuada expressamente a essencialidade do termo, pois caso assim fosse o texto seria totalmente diferente do constante do contrato promessa.
3ª A tardia comunicação enviada pela A. à R. (factos provados 44) não preenche os requisitos da interpelação admonitória prevista no art.808º no 1 do C.C. invoca factualmente a perda objetiva de interesse na celebração do contrato prometido, pelo que resolveu o contrato licitamente violando a clª6 nº03 do contrato promessa, nada tendo alegado e provado nesse sentido.
Na verdade, aquando da propositura do procedimento cautelar no dia 07/05/2024 a A. nem sequer tinha resolvido o contrato (facto provado 44), pelo que nem sequer se entende qual o crédito que o tribunal pretende assegurar.
4ª O prazo de 18 meses, por uma questão de boa-fé, só deveria ter-se por iniciado nessa data e só se completaria a 27 de Dezembro de 2024.
Pelo que, a propositura do procedimento cautelar ocorreu, ainda, dentro do prazo de 18 meses previsto na clª 6º nº03 do contrato, não assistindo qualquer direito à recorrida de invocar o incumprimento contratual de um contrato promessa que nem sequer tinha resolvido.
5ª A recorrente já alertava em fevereiro de 2024 da necessidade de rever as cláusulas contratuais face às alterações ocorridas (facto provado 40).
6ª Em suma, não se vislumbra a aparência do direito sobre o qual a recorrida deduziu o arresto, falhando a verificação deste primeiro requisito para a sua procedência, face à falta de alegação e prova por banda da recorrida que sustente o seu direito, firmando-se, apenas, na literalidade do contrato promessa de compra e venda.
7ª Verificando-se, após a oposição ao arresto, tal como “in casu” se verifica, que a R. possui património suficiente para solver a dívida face à A., possui créditos sobre clientes, tem várias obras em curso, que não vendeu nada do que possui, nem se ausentou da localidade, possuindo património considerável, não possuindo ainda outro património que se indicie de que se esteja a desfazer, por tal considera-se que é de ordenar o levantamento da providência decretada, por resultar afastado o justo receio de perda da garantia patrimonial.
8ª Resulta dos factos provados que a recorrente continua perfeitamente contactável, que prosseguiu o pedido de licenciamento da obra, que conseguiu obter em 23/07/2024, passando a correr um novo prazo, contratualmente fixado, de 24 meses após a obtenção da licença. (cfr. cla 6a no01 do contrato promessa doc.2 da P.I.) Tendo já efectuado escavações no local.
9ª Não foi alegado nem provado que a recorrida pretenda vender todo o património, tenha cessado a atividade, desaparecido do “mapa” que atravesse sérias dificuldades na venda de imóveis, que lute com dívidas a bancos, particulares e fornecedores que integrem o requisito “ –justo receio” de perda da garantia patrimonial, pelo que tudo não passam de conjecturas e conclusões não alicerçadas em factos provados.
10ª Face a todo o exposto terá de se concluir que não se verifica o justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial invocado pela requerente.
Nestes termos requer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência revogarem o douto acórdão recorrido, ordenando-se o levantamento do arresto.
7. Em 9 de Março de 2025, foi proferido o despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.
8. A Requerida P..., Unipessoal, Lda., respondeu ao despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.
9. Fê-lo nos seguintes termos:
1º A recorrente foi notificada para se pronunciar quanto à admissibilidade do presente recurso.
2º Considera, muito respeitosamente, que o presente recurso deve ser apreciado por V.Exªs, senão vejamos,
O tribunal “a quo”, de cujo acórdão se recorre, decidiu manter o arresto com fundamentação distinta da utilizada pela 1ª instância na decisão recorrida (oposição ao arresto).
Designadamente, o acórdão considera que não existe licença de construção; que não foram iniciadas as obras; que a A. não consegue contactar a R. e os seus representantes desde janeiro de 2024; reduzido capital social; inexistência de bens penhoráveis; o incumprimento face a um terceiro, entre outras.
O que está em contradição com os factos apurados em sede de oposição ao arresto e que aí foram sopesados, designadamente os constantes dos nº38; 40; 41; 42; 43; 44; 47; 48; 49; 50; 51 dos provados e não provados al.A.
Desta feita não estamos face a uma situação de dupla conforme que impeça o recurso ordinário para o STJ.
4º Como é consabido só será legitimo o recurso ao procedimento de arresto -meio coercivo de garantia patrimonial- se se verificar, pelo menos, a aparência da existência de um direito e o perigo ou justo receio da insatisfação desse direito.
5º No caso dos autos, dispõe o contrato firmado entre as partes na clª 6ª nº03 – “Não sendo emitida a licença de construção para o imóvel prometido vender no prazo de dezoito meses contados da celebração do contrato a promitente compradora poderá resolver o mesmo e …”
O prazo de não emissão de licença de construção, a qual na legislação vigente já não é emitida, não é um prazo “fatal”, absolutamente fixo.
Não foi pactuada expressamente a essencialidade do termo, ao contrário do que foi aceite pelo tribunal “a quo”, pois caso assim fosse o texto seria totalmente diferente do constante do contrato promessa.
Pelo que considera a recorrente que o acórdão recorrido nesse trecho está em contradição com o Ac. STJ, 14/07/2022, proc. no 514/20.6T8SSB.E1.S1 in www- dgsi:
“I. Diz-se que uma determinada obrigação contratual está sujeita a um prazo ou termo final ou resolutivo (dies ad quem) quando ela só pode ser cumprida em certo período ou até certa data.
II. O termo final será essencial se o seu vencimento implicar o início da ilicitude do devedor, com a redução ou desaparecimento da utilidade da prestação para o credor; e divide-se em termo essencial subjectivo ou objectivo, consoante resulte de uma pactuação expressa ou tácita entre credor e devedor, ou esteja ligado à finalidade da própria obrigação.
III. No termo essencial subjectivo há ainda que distinguir o termo essencial absoluto, cujo vencimento importa a perda do interesse ou utilidade da prestação para o credor, extinguindo-se então a obrigação e operando-se a caducidade do contrato respectivo e dos direitos com ele conexionados; e o termo essencial relativo, cujo vencimento implica a mera mora do devedor, que o credor pode converter ou não em incumprimento definitivo.
IV. A regra é a de que o termo essencial subjectivo tem natureza relativa, só sendo absoluto se isso decorrer de estipulação expressa ou resultar da economia e do circunstancialismo do negócio em que se demonstre que as partes consideraram a prestação inútil ou impossível após o vencimento do termo.”
Assim, não nos parece existir a aparência do direito.
6º Quanto ao justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial – Considera que o acórdão recorrido está em contradição com o Ac RC de 28/06/2017 proc. no9070/16.9T8CBR.C1 in www.dgsi.pt.:
“1- No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjecturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum.
2– Sendo que para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.
3 – A esta luz, se na situação ajuizada nenhuma prova se fez no sentido de qualquer comportamento que, complementarmente, levasse com segurança a dizer que a Requerida nos autos encetou uma atuação de venda, ocultação ou depauperação de bens, ao que acresce nem sequer ter sido alegada uma situação suficiente e bastante para atestar uma débil e deficitária actividade da Requerida, nada há que censurar à decisão recorrida que julgou o arresto que havia sido requerido como improcedente, por não considerar verificado o dito requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial.”
O tribunal “a quo” afirmou que a recorrente não tem bens para além do lote de terreno prometido vender à recorrida, não tem actividade conhecida, incumprimento face a um contrato, risco de faillure!!
Resulta dos factos provados que a recorrente continua perfeitamente contactável, que prosseguiu o pedido de licenciamento da obra, que conseguiu obter em 23/07/2024, passando a correr um novo prazo, contratualmente fixado, de 24 meses após a obtenção da licença (cfr. cla 6a no01 do contrato promessa doc.2 da P.I.)
Tendo já efectuado escavações no local, porém cumpre rectificar o preço do contrato promessa face às alterações à tipologia e acabamentos acordados inicialmente (facto nº07).
Assim, não se pode retirar dos factos provados que a recorrente alterou a sua forma de agir ou da sua actividade com o propósito de não cumprir.
Afirma o tribunal “a quo”, que o crédito da recorrida é elevado face à recorrente.
7º Apela-se a V.Exªs que apreciem e revertam a presente situação, ao abrigo do disposto no art.629º nº02 alc.s C e D do CPC, a qual paralisa a actividade da recorrente relativamente ao imóvel em questão, perdendo a oportunidade de poder nele construir e vender a moradia que aí seja implantada numa época em que a construção civil e os preços dos imóveis estão em alta.
Sendo, na verdade, a recorrida com a sua actuação que, está a provocar prejuízo sério à recorrente.
10. A Requerente AA não respondeu ao despacho previsto no artigo 671.º do Código de Processo Civil.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
11. O artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.
12. Entre os corolários do artigo 671.º, n.º 1, encontra-se, em primeiro lugar, a regra de que não é admissível recurso de revista dos acórdãos da Relação proferidos no âmbito de incidentes e, em segundo lugar, a regra de que não é admissível recurso de revista dos acórdãos da Relação proferidos no âmbito de procedimentos cautelares 1.
13. Em todo o caso, ainda que o artigo 671.º, n.º 1, não fosse correntemente interpretado no sentido de que o âmbito do recurso de revista não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito de procedimentos cautelares, sempre a admissibilidade do recurso deveria confrontar-se com o artigo 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:
“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.
14. Estando preenchidos os pressupostos do artigo 370.º, n.º 2, constata-se que a Requerida, agora Recorrente, não invocou no requerimento de interposição do recurso de revista nenhum dos fundamentos específicos do artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
15. O n.º 2 do artigo 637.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
“O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.
16. O ónus de indicação do fundamento específico da recorribilidade deve ser cumprido em todos os casos em que o recorrente pretenda que o recurso seja admitido ao abrigo de uma norma excepcional— p. ex., do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil 2.
17. A Requerida, agora Recorrente, argumenta que não há dupla conforme, alegando que a fundamentação das decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação é essencialmente diferente 3, e requer que o recurso seja conhecido ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
16. O argumento de que não há dupla conforme é de todo em todo irrelevante:
17. A inadmissibilidade do recurso de revista resulta do n.º 1 do artigo 671.º, em ligação com o n.º 2 do arrigo 370.º, do Código de Processo Civil — logo, não chega a pôr-se a questão da dupla conforme.
18. O requerimento de que há oposição do acórdão recorrido com jurisprudência uniformizada ou, em todo o caso, com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações, esse, ainda que seja relevante, é de todo em todo improcedente.
19. Em primeiro lugar, não é alegado em momento algum que o acórdão da Relação tenha sido proferido, “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça”.
20. A Requerida, agora Recorrente, não invoca um único acórdão de uniformização que possa ter sido contrariado.
22. Em segundo lugar, não foi invocado em momento oportuno que o acórdão recorrido estivesse em oposição com algum acórdão da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
23. A Requerida, agora Recorrente, não pode pretender invocar agora, a pretexto de uma resposta ao despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil, o fundamento específico de recorribilidade que não invocou no recurso de revista.
24. Em terceiro lugar, ainda que a Requerido, agora Recorrente, pudesse pretender invocar agora o fundamento específico de recorribilidade que não invocou no recurso de revista, nunca os termos em que o faz seriam termos processualmente adequados.
25. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2017 — processo n.º 1029/12.1TVLSB-A.L1.S1 4 — diz, de forma exemplar, que
“VI. — A mera citação e referência a jurisprudência variada nas alegações de revista, no sentido e em apoio da solução que a recorrente defende e pretende ver reconhecida pelo tribunal, não se confunde com a invocação do fundamento específico da revista respeitante a conflito jurisprudencial evidenciado pela contradição ou oposição entre o acórdão recorrido e outro acórdão (da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça).
VII. — Não é por se citarem vários acórdãos, sufragando a mesma solução de determinada questão de direito que, só por si, se invoca a contradição de julgados”.
26. Em concreto, a Requerida, agora Recorrente, não faz mais que citar dois acórdãos em apoio da solução que pretende seja reconhecida, afirmando, sem fazer sequer um esforço para demonstrar, que estavam em contradição com o acórdão recorrido.
27. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2025 — processo n.º 32041/16.0T8LSB-C.L1.S1 —, dir-se-á que
“a revista deve ser liminarmente rejeitada se a recorrente, além de citar mais do que um acórdão-fundamento e de não juntar cópia de nenhum deles, com certificação do seu trânsito em julgado, se limita a transcrever o respetivo sumário, alegadamente constante na base de dados www.dgsi.pt, sem evidenciar ou concretizar as circunstâncias do caso que fundariam a existência de contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão das Relações”.
28. Em quarto lugar, sempre se dirá que nunca haveria nenhuma contradição entre o acórdão recorrido e os sumários dos acórdãos transcritos pela Requerida, agora Recorrente:
29. I. — No sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2022, transcrito pela Requerida, agora Recorrente, nunca se diz que a essencialidade do termo só pode ser convencionada expressamente.
30. Pelo contrário — diz-se expressamente que o termo essencial pode resultar “de uma pactuação expressa ou tácita entre credor e devedor”, pode estar ligado à finalidade da prestação ou pode estar, tão-só, ligado ao circunstancialismo do negócio.
30. II. — No sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Junho de 2017, transcrito pela Requerida, agora Recorrente, nunca se diz que o receio do credor na diminuição da consistência da garantia patrimonial só pode ser justificado por uma alteração da forma de agir do devedor “com o propósito de não cumprir”.
31. Pelo contrário — diz-se expressamente que,
“para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes”.
32. Em consequência, nunca o recurso de revista poderia ser admitido — nem ao abrigo da alínea c) nem, tão pouco, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo Recorrente P..., Unipessoal, Lda
Lisboa, 23 de Abril de 2025
Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)
Arlindo Oliveira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
_______
1. Cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao artigo 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 434-436 (435).
2. Cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao artigo 637.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 764.
3. Cf. artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância […]” (sublinhado nosso).
4. Citado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2019 — processo n.º 143/11.5TBCBT.G1.S2.