ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Sumário


A diferença na fundamentação de facto só relevará para efeitos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil desde que se implique uma diferença na fundamentação de direito e desde que a diferença na fundamentação de direito seja essencial.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: Óptica 2, Lda.

Recorridos:

— AA e mulher, BB; CC; DD e mulher, EE;

— M..., SA

I. — RELATÓRIO

1. Óptica 2, Lda., propôs a presente acção declarativa contra

I. — AA e mulher, BB; CC; DD e mulher, EE;

II. — M..., SA,

pedindo:

I. — a título principal, e em síntese,

a. — que seja declarado que é titular do direito de preferência prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... com os n.ºs ..48 e ..50;

b. — que, em consequência do exercício do direito de preferência, seja transmitida a propriedade dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... com os n.ºs ..48 e ..50;

c. — que, em consequência da transmissão da propriedade, os Réus sejam condenados a entregar-lhe os prédios descritos, livres e desocupados, “no estado em que se encontravam à data da aquisição”;

II. — a título subsidiário, “que os Réus sejam condenados no pagamento de uma indemnização em montante a apurar à data do trânsito em julgado, mas nunca inferior a €17.599,28 a título de danos patrimoniais e €1.565.600,00 a título de danos não patrimoniais”.

2. Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção, e a 2.º Ré deduziu reconvenção.

3. O Tribunal de 1.ª instância:

I. — não admitiu a reconvenção;

II. — julgou improcedente a excepção de caducidade,

III. — julgou improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.

4. O Tribunal da Relação confirmou, por unanimidade, a decisão do Tribunal de 1.ª instância de julgar improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido.

5. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.

6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. É entendimento dos recorrentes dever o presente recurso ser admitido como ordinário.

B. A sentença da 1º instância não atentou que o nº 8 do artigo 1091.º do Código Civil apenas conferia um direito de preferência relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado e a Autora, com esta acção, pretenderia preferir na venda de todo o prédio e não apenas numa quota-parte indivisa.

C. Já o acórdão do Tribunal da Relação, que confirmou a decisão da 1ª instância apreciou se o arrendatário de parte de um imóvel que não se encontra constituído em propriedade horizontal pode preferir na venda de todo o imóvel, à luz do disposto no artigo 1091.º, nº1 a) do Código Civil e ainda, conforme expressamente alegado pela Autora, dos números 6 e 9 do mesmo artigo, tendo concluído que os mesmos dispositivos apenas que lhe confeririam tal direito se o arrendamento em discussão fosse de natureza habitacional.

D. Estamos, portanto, perante uma fundamentação totalmente diversa da utilizada pela sentença proferida na primeira instância, peloque, nostermos do artigo 671.º, nº 3 do Código de Processo Civil, não se verifica uma situação de “dupla conforme”, sendo o recurso de revista comum, no entendimento da Autora, admissível.

E. Caso assim não se considere, requer-se que o presente recurso seja admitido como de revista excepcional nos termos previstos no artigo 672.º do Código de Processo Civil (CPC) por, de igual forma, estar em causa a apreciação de questões que, pela sua extrema relevância jurídica e social se revestem de importância fundamental e ainda por a admissão e decisão do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito como melhor se demonstrará em sede de alegações.

F. Nos presentes autos discute-se o direito a uma indemnização por parte dos Autores.

G. Os factos materiais sobre os quais incidirá a presente revista foram fixados pelo Tribunal da Relação de Guimarães, corrigindo, parcialmente, a matéria de facto fixada pela Primeira Instância (pontos F e L). Com relevância para a apreciação desta Revista os factos provados são os constantes dos parágrafos A) a J) e P) a S) da matéria assente.

H. O génese do pedido de indemnização da Autora está o facto de ter exercido preferência ANTES de conhecer da tentativa de retratação dos Primeiros Réus, datada de 02.03.2023 que não pode, tal como defendido na decisão recorrida, produzir efeitos imediatos, como adiante se explanará.

I. O exercício do direito de preferência por parte da Autora é resultado sine qua non do teor da missiva dos primeiros Réus datada de 10 de fevereiro de 2023. Pese embora o prédio não esteja constituído em propriedade horizontal e inegável o facto de que a Autora foi notificada para exercer direito de preferência, creu que os vendedores se encontravam vinculados à declaração negocial proferida e, aceitando-a, acreditou-se igualmente vinculada e obrigada à celebração do negócio nos termos expostos.

J. O Tribunal de primeira instância julgou improcedente o pedido da Autora julgando, indubitavelmente provada a recepção, por parte da Autora da missiva dos Réus de 02.03.2023 no dia 03.03.2024 às 10:58 e, subsequentemente considerou o pedido de indemnização da Autora totalmente improcedente, mencionado mesmo que todas as despesas incorridas pela Óptica 2, Lda. para concretização do negócio o foram por sua exclusiva responsabilidade. A prova produzida no sentido de alicerçar a convicção do Tribunal do supra exposto foi o registo interno dos CTT.

K. Pode ler-se do Acórdão recorrido (página 45, 47 [final]):

“É certo que a Autora enviou à Ré carta datada de 23 de março de 2023 (ponto M dos factos provados) onde dava conhecimento de, após ter sido notificada para o efeito pelos vendedores, ter exercido o direito de preferência e de não ter intenção de abrir mão desse direito; porém tal comunicação é já posterior a toda a troca de correspondência respeitante ao direito de preferência, sendo que a carta onde os primeiros Réus afirmam que a Autora não tem direito de preferência, ao contrário do que erradamente tinham julgado existir, tem a data de 1 de março, e que a Autora informou que exercia o direito de preferência, por carta datada de 2 de março.”

“Questão distinta é a da alegada existência de prejuízos para a Autora decorrente da atuação dos primeiros Réus ao procederem à comunicação de 14/02/2023 e da eventual responsabilidade destes, geradora de obrigação de indemnizar a Autora, a que se reportam os pedidos formulados pela Autora em VI), VII e VIII [o pedido formulado em VI) respeita à condenação dos Réus no pagamento de quantia não inferior a €17.599,28 a título de danos patrimoniais, no caso de ser declarado o direto de preferência da Autora econdenados os Réus à celebração do negócio projetado nacomunicação de preferência; o pedido formulado, subsidiariamente, em VII) respeita à condenação no pagamento da mesma quantia a título de danos patrimoniais e de €1.565,600,00 a título de danos não patrimoniais, no caso de não ser reconhecido tal direito, e o pedido formulado em VIII) reporta-se ao pagamento de juros moratórios, em qualquer um desses casos]. (…) Sustenta a Recorrente que a comunicação enviada pelos Primeiros Réus criou na sua esfera jurídica a justa expectativa de vir a celebrar o negócio de compra e venda dos imóveis. Alega ainda que exerceu o seu direito de preferência antes de ter tomado conhecimento da tentativa de retratação dos primeiros Réus (…).

L. Continuandona página 48 e 49 onde se pode ler: (…) os primeiros Réus, ainda dentro do decurso do prazo concedido à Autora, e antes do envio e do recebimento da comunicação da Autora a exercer o direito de preferência, informaram a Autora que melhor esclarecidos era manifesto que a Autora não tinha qualquer direito legal de preferência. (…) De qualquer forma, dir-se-á ainda, quanto à generalidade dos danos patrimoniais invocados na petição inicial pela Autora, que neles incorreu por força do seu próprio entendimento quanto à questão do exercício do direito de preferência, pois que são de momento posterior à receção da comunicação dos primeiros Réus a informar da inexistência de direito legal de preferência.

M. O objecto do presente recurso é precisamente o excerto decisório do Acórdão recorrido que julgou improcedente os fundamentos da Apelação no que concerne à data de recepção da comunicação enviada pelos Primeiros Réus a 02.03.2023. Ao assim ter decidido, o Acórdão recorrido cometeu um seríssimo equívoco, com repercussão para além desta lide e que tem, forçosamente, ser sanado por este Venerando Tribunal, sob pena de esta jurisprudência se afirmar em outros casos.

N. As questões que se submetem a Revista são saber se se pode considerar o teor de uma comunicação definitivamente conhecida por parte de uma pessoa colectiva quando, a missiva em questão, não é endereça e/ou remetida para a sede estatutária da empresa nem tão pouco é recebida por um representante legal e/ou funcionário da mesma?

O. Em situações similares às dos Autos, em que a correspondência não é recepcionada na sede estatutária da empresa ou em local onde funcionem serviços administrativos relacionados com a mesma empresa; nem o aviso de recepção é assinado por representante legal da empresa, sobre quem recai o ónus da prova sobre o momento exacto do conhecimento do teor da missiva?

P. Das conclusões de Apelação da Autora, Óptica 2, no seu ponto AA, YY a DDD, bem como do próprio ponto K) da matéria provada resulta que esta não aceita, nem nunca aceitou o teor do ponto H) da matéria de facto, ou seja “(…) e recebida pela Autora em 03.03.2023 às 10:58”. Sem prejuízo parece-nos que tal discordância não foi tida em consideração na análise da matéria de facto feita pelo Acórdão recorrido e, ante a falta de produção de prova testemunhal no sentido de assegurar em que momento os representantes legais da Autora tomaram efectivo conhecimento do teor da missiva ali referenciada, as conclusões que tanto o Tribunal de 1º instância como a Relação alcançaram, quanto ao pedido de indemnização apresentado, terão por base, com a devida vénia, asserções erróneas que cumpre ao Venerando Tribunal corrigir.

Q. O Tribunal da Relação se pronunciou-se no sentido de considerar, indubitavelmente, que a missiva dos primeiros Réus foi recepcionada pela Autora, no dia 03.03.2023 pelas 10:58 horas o que justificou, na perspectiva do Acórdão recorrido a consideração de que “(…) [a] generalidade dos danos patrimoniais invocados na petição inicial pela Autora, que neles incorreu por força do seu próprio entendimento quanto à questão de do exercício do direito de preferência, pois que são de momento posterior à receção da comunicação dos primeiros Réus a informar a inexistência de direito legal de preferência” – realce nosso

R. Ora, não pode a Recorrente apaziguar-se com este entendimento quer do Tribunal de Primeira Instância, quer do Tribunal da Relação que parece, com todo o respeito e a devida vénia, desconsiderar, por completo, o facto de a Autora não se tratar de uma pessoa jurídica singular mas sim de uma pessoa jurídica colectiva.

S. Resulta da prova documental junta aos autos: Documento 4 da Contestação dos Primeiros Réus apresentada com a referência CITIUS .......58 – A Autora é uma sociedade comercial com a firma Óptica 2, Lda., número único de matrícula e identificação fiscal 505796406 que se obriga com a intervenção de dois dos seus três gerentes: FF, GG e HH; Documento2 da Contestação dos Primeiros Réus com a referência CITIUS .......58, página 4 – No dia 02.03.2023 foi a carta registada com o número RH.......00PT aposta nos correios para distribuição tendo sido recepcionada, no dia 03.03.2023, pela Senhora II com o número de identificação civil ......49; O documento 2 da Contestação, dos Primeiros Réus, com a referencia CITIUS .......58, páginas 1, 2e 4, demonstra que a carta foi enviada pelos primeiros Réus, à Óptica 2, Lda., para o endereço Avenida da Liberdade, 45, 4750-312 Barcelos; o documento 4 da Contestação apresentada, pelos Primeiros Réus, com a referência CITIUS .......58 demonstra, muito claramente, que a sede da Autora é na Rua ..., número 68, ..., ....

T. O estabelecimento que se situa na Avenida da ..., ... ..., trata-se de uma loja denominada “Perfumaria . . .”, propriedade da empresa S..., Lda e, como tal, local totalmente estranho ao funcionamento da normal administração da Autora.

U. A senhora II não é funcionária da Óptica 2, Lda., mas, mais claro ainda, resulta o facto de não ser, sem margem para dúvidas, representante legal da mesma empresa.

V. A Autora tem vindo a afirmar, consistentemente ao longo do processo, que apenas recepcionou a missiva remetida pelos Primeiros Réus após ter exercido o direito de preferência e após ter incorrido em despesas no sentido de viabilizar a aquisição mencionada na missiva de 10 de Fevereiro de 2023. Afirmação que mantém e, reitera.

W. Este entendimento, confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães terá, indubitavelmente, de forma genérica, impacto na jurisprudência, no sentido em que se poderá passar a fazer menção a tal decisão no sentido de defender e fundamentar que as pessoas colectivas se consideram conhecedoras do teor das missivas a elas remetidas no exacto momento em que é assinado um aviso de recepção por pessoa estranha à administração, em local completamente irrelacionado com a actividade da empresa. Interpretação que urge corrigir.

X. Assim, desconhecendo-se a data concreta em que a Autora tomou conhecimento do teor da missiva dos primeiros Réus e atendendo a que remeteu a sua carta no dia 03.03.2024 outra conclusão não poderá alcançar-se para além de que a Óptica 2, Lda. desconhecia, completamente, quando exerceu o direito de preferência, a tentativa de retratação por parte dos Primeiros Réus. Algo que, consistentemente, tem vindo a dar nota no processo.

Y. Prova em contrário, tendo os primeiros Réus falhado em remeter a comunicação para a sede estatutária da empresa, caberia a estes e não à Óptica 2, Lda. Ou seja, cabe aos primeiros Réus provar, uma vez que isso o alegam, que a Autora conhecia do teor da sua comunicação antes de ter exercido o direito de preferência e não o oposto.

Z. Interpretação oposta à plasmada no douto acórdão que liberta os primeiros Réus da necessidade de produção de qualquer prova adicional para além do registo dos CTT apresentado, o que, no humilde entendimento da Autora cumpre, igualmente, corrigir, sob prejuízo de se criar um entendimento jurisprudencial comprometedor do bom funcionamento do sistema jurídico quanto às pessoas colectivas.

AA. Aplicando, supletivamente, a lógica do direito processual civil verificamos que dispõe o artigo 231.º: “1. Os incapazes, os incertos, as pessoas colectivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados e notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º (…) 3. As pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração”.

BB. A missiva dos Primeiros Réus não foi recepcionada pelos legais representantes da Óptica2, Lda.; não foi recepcionada na sede da empresa; não foi recepcionada por empregado da Autora.

CC. Os legais representantes da Autora prepararam a missiva de exercício ao direito de preferência, solicitaram a análise de crédito para empresas e iniciaram as diligências para libertar os capitais pessoais a fim de fazer frente aos necessários suprimentos, bem antes de terem conhecido o teor da carta supra identificada dos primeiros Réus.

DD. Como base no pressuposto supra narrado, há que verificar todas as implicações na obrigação de indemnizar por parte dos Primeiros Réus pois, dúvidas não podem existir que, deverá a Autora ser ressarcida de todos os custos suportados em sequência da mesma.

EE. Coloca-se ainda a questão da indemnização, por culpa in contrahendo, dos danos integrantes do interesse contratual positivo quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, falta apenas a formalização do contrato. Conforme já devidamente recordado, os Primeiros Réus, notificaram a Autora para exercer preferência tendo, em momento posterior, recusado concluir o contrato, sendo que, neste hiato temporal, já a Autora tinha incorrido em custos para viabilizar a aquisição e, de forma autónoma e alternativa, desenvolvido um interesse contratual positivo sobre o negócio.

FF. Uma correcta análise da matéria de facto, nomeadamente as datas opostas nos contratos de financiamento/ suprimentos, passa por compreender a forma diária e comum da lide empresarial. O que não foi feito nem pelo Tribunal de Primeira Instância nem pelo Tribunal da Relação. Num primeiro momento releva entender, e provar, a data efectiva de conhecimento da missiva e, ainda, entender que, quando é necessário, a uma empresa, socorrer-se de um financiamento, determinados pró-formas são exigidos pelas instituições bancárias. É necessária uma análise da capacidade económica, de esforço financeiro, são negociadas as taxas, é aprovada a proposta… o que demora, necessariamente, tempo. Para a Autora apresentar um contrato de financiamento assinado em 23.03.2023 o processo ter-se-ia iniciado, e os emolumentos, seguros e impostos liquidados, imediatamente após a recepção da missiva em 14.02.2023 e antes do conhecimento do teor da missiva de 03.02.2023. De forma preparatória já a outorgante incorreu em custos. O mesmo se passando com os contratos de suprimento.

GG. Nos termos do art.º 227º, n.º 1, do Cód. Civil, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. A ordem jurídica pretende conciliar, na fase pré-contratual, dois interesses a salvaguardar: o interesse da liberdade negocial, que impõe que às partes, até ao último momento, seja reconhecida liberdade de optar entre contratar ou não; e o interesse criado pela confiança no projecto de contrato, quer dizer, a legítima expectativa de contratar que as próprias negociações vão consolidando, pois que normalmente tal expectativa vai aumentando à medida que as negociações vão avançando e as partes vão chegando a acordos parcelares ou suportando despesas e encargos relacionados com essas negociações.

HH. Ora, na fase preliminar, vestibular ou negociatória, que se desenrola durante um período de duração variável no decurso do qual se prepara as partes usufruem de uma liberdade muito maior que na fase posterior à conclusão do negócio. Mas essa margem de liberdade, é limitada pela nítida intenção do legislador em proteger a confiança formada na outra parte no decurso das negociações. Há que ter em conta que as próprias negociações e a conduta da outra parte a podem ter levado a proceder a novos estudos de mercado, consultas, elaboração de orçamentos, contratos de prestação de serviços com outrem, seguros e demais actividades onerosas, porventura dispendiosas, determinantes de despesas que a lei entende por be proteger, como foi o caso nos autos. É esta a razão de ser do instituto da responsabilidade pré-contratual que se invoca.

II. Afirmam agora, os primeiros Réus, que se enganaram quando à existência ou não do direito de preferência dos Autores. Sem prejuízo houve todo um hiato temporal que decorreu entre o dia 10 de fevereiro de 2023 e o dia 02 de março de 2023 onde o comportamento pré contratual dos réus inculcou, indubitavelmente, na contraparte uma ideia muito concreta sobre uma realidade contratual futura que entendeu como certa. Ideia que se manteve mesmo após o dia 02 de Março.

JJ. Sendo a declaração negocial dos Primeiros Réus de dia 10 de fevereiro de 2023 válida, ainda hoje, por não anulada, os seus efeitos repercutem-se no tempo. Tendo a Autora exercido o direito de preferência a ela concedido, dentro do prazo para o efeito e antes de conhecer da tentativa de retratação remetida, dúvidas não podem existir que o comportamento dos primeiros Réus é passível de ter gerado na Autora as convicção de conclusão do negócio que esta agora invoca.

KK. Pelo exposto, as expectativas geradas na Autora como resultado directo da missiva dos Primeiros Réus são: Legítimas: na medida em que assentavam numa comunicação emitida por entidade proprietária dos imóveis onde lhe era dada a possibilidade de adquirir os prédios em discussão nos autos, sem mais; Críveis: ante o teor da comunicação existiam motivos para crer que a expectativa de negócio se iria, inexoravelmente, transformar em realidade; Juridicamente protegidas: estamos perante uma declaração válida, eficaz, emitida por quem de direito, por meio idóneo, devidamente recipienda e como tal produtora de efeitos jurídicos na esfera da Autora, interveniente de boa-fé.

LL. Portanto, o interesse protegido é a boa-fé de quem espera a conclusão do negócio, sendo que aquele que induz a confiança terá de ser responsabilizado se a trai. A ruptura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, faz incorrer os Primeiros Réus em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.

MM. Assim, são objecto da obrigação de indemnizar os danos que constituam lesão do chamado interesse contratual negativo ou interesse da confiança, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária, que, à data da interposição da petição inicial, ascendiam €17.599,28 (dezassete mil quinhentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos) e ainda, por culpa in contrahendo, dos danos integrantes do interesse contratual positivo.

NN. Ainda, tem a Autora direito a ser indemnizada pela violação do seu interesse contratual, pela frustração do benefício que lhe traria a execução efectiva do contrato. Nos termos do artigo 496.º do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do Direito. Efectivamente a Autora tem direito a ser indemnizada pelo interesse contratual positivo, ou seja, pela frustração do benefício que lhe traria a execução efectiva do contrato. Frustração esta que é directamente proporcional ao facto revelador de um acréscimo patrimonial que seria obtido não fora a existência do contrato incumprido.

OO. Como refere Pessoa Jorge, no seu Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, página 312, a expectativa jurídica reporta-se a casos em que a lei tutela o iter que apenas parcialmente tenha tido lugar, nos casos em que a sua verificação total conduziria ao surgir de um direito “Nesses casos o desenvolvimento gradual do direito e, a partir de certa altura, os elementos dos facto produtor são já suficientes para se outorgar certa protecção ao titular do futuro direito, embora não haja a certeza que este venha a nascer.”

PP. Assim, perceber o âmbito da protecção legal fala-se em esperança negocial para distinguir dos casos em que já intervém essa protecção legal que seriam de expectativa jurídica propriamente dita – Galvão Teles, O Direito, página 2.

QQ. Resta ponderar se o iter seguido pela Autora poderá considerar-se juridicamente tutelado - perda de chance ou perda de oportunidade. Citando a obra de Júlio Gomes (Direito e Justiça, volume XIX, 2005, II), mencionada no Acórdão supra referenciado “Afigura-se-nos, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória (…) Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual de perda de chance no Direito Português Vigente: (…). Trata-se de situações em que a chance já se “densificou” o suficiente para, sem se cair no arbítrio do Juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de “uma quase propriedade”, um “bem”.”

RR. Atendendo à questão pela perspectiva da Autora tem relevo entender que esta, desconhecendo a tentativa de retratação, exerceu o direito de preferência. Ora, a sua convicção foi no sentido de considerar que o negócio teria de ser realizado, consigo, nos termos propostos ou, caso não o fosse, poderia intentar acção para se substituir ao terceiro adquirente, como aliás veio a fazer.

SS. O primeiro dos citados acórdãos resolve esta questão considerando a perda de oportunidade como um dano em si mesmo, uma antecipação do prejuízo relevante em relação ao dano final. Surge, no entanto, o problema de quantificação do dano, para o qual o Tribunal terá necessariamente de se socorrer de um juízo de probabilidade e equitatividade – artigo 566.º, número 3 do Código Civil.“O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, aperda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que achance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhançasendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de olesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização”. – vide Acórdão do STJ de 22.10.2009, Processo 409/09.4YFLSB, com Relator João Bernardo – sublinhado nosso.

TT. Concretizando, em relação ao edifício sito na Avenida da ..., onde se situa a loja arrendada pela Autora, com a descrição ..48/20141013 da freguesia de ..., Concelho de ..., da Conservatória de Registo Predial de ... e inscrito na matriz predial urbana com o número .87 da União de Freguesias de ..., ... e ..., mesmo não sendo realizado qualquer investimento por parte da Autora, existiria uma poupança, directa, do valor da renda. Poupança esta nunca inferior a €850,00 (oitocentos e cinquenta euros)/mês, Acresce que é do conhecimento da Autora, porque assim lhe foi comunicado pelos Primeiros Réus que existem outros arrendamentos no Edifício o que implica o recebimento de outras rendas, de valor que se desconhece e que não foi possível ainda apurar.

UU.Quanto ao interesse contratual positivo propriamente dito, e com foco no prédio com a descrição ..50/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... e ...), com o número .93, foi solicitado um parecer técnico junto aos autos como documento 25 da petição inicial, elaborado pelo Arquitecto JJ. Parecer que após ponderação das características dos edifícios em discussão nos autos, da sua situação a nível de condicionantes no Município de ...; áreas; preço de construção por metro quadrado; rendas; possibilidade e rentabilização de reconstrução; índice de ocupação, prevê-se um resultado bruto da operação de €1.463.600,00 (um milhão quatrocentos e sessenta e três mil e seiscentos euros).

VV. Valor este que seria expectável à Autora beneficiar, após investimento nos prédios em discussão e que se traduz numa verdadeira perda de chance, com base na expectativa jurídica gerada pela comunicação dos primeiros Réus. Expectativa esta forte e juridicamente tutelada.

WW. Aqui chegados, entende a Recorrente que, em resposta às questões submetidas a Revista, deve ser acolhida a interpretação segundo a qual, reconhecendo o Tribunal que a Autora não se pode considerar conhecedora da missiva dos primeiros Réus, datada de 02.03.2023 no momento de entrega da missiva pelos CTT, se reconhecerá a responsabilidade civil dos primeiros Réus, nos termos solicitados na Petição Inicial. Mais entende que deve ser formalmente declarado o desconhecimento, por parte do Tribunal, do exacto momento em que a Autora tomou conhecimento do teor da comunicação remetida pelos primeiros Réus, de dia 02.03.2023, com as necessárias consequências a nível da responsabilidade civil. E ainda, é igualmente seu entendimento que o ónus de prova relativamente ao momento em que tal conhecimento se substanciou, impende, não sobre a Autora, mas sobre os Réus devendo tal ser formalmente decidido pelo Venerando Tribunal.

XX. Dispõe o artigo 672.º número 1 do Código de Processo Civil o seguinte: Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no número 3 do artigo anterior quando: a) esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) estejam em causa interesses de particular relevância social.

YY. Desde movo, a admissão deste tipo de recurso, depende do preenchimento dos seguintes requisitos: da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

ZZ. A relevância jurídica das questões parece-nos indiscutível em face da premente necessidade de esclarecer, com vista a estabilizar a jurisprudência, proteger as expectativas jurídicas dos legais representantes das pessoas colectivas e a segurança jurídica em geral, se uma comunicação, endereçada a uma empresa, entregue numa morada que não a sua sede estatutária, com um aviso de recepção assinado por uma pessoa que não é um representante legal da firma, se pode considerar realizada no momento de registo de entrega da missiva pelos CTT. Matéria com repercussões gerais quanto ao reconhecimento do direito das pessoas colectivas, assim citadas, a alegar o desconhecimento de teor da missiva até que prova cabal em contrário seja feita pela contraparte. Com efeito, a questão ultrapassa, sem qualquer margem para dúvidas, o caso singular, uma vez que o veredicto sobre a mesma ditará soluções para todos os casos similares.

AAA. A questão exige ainda uma exegese jurídica consideravelmente complexa na medida em que impera dirimir, de forma profunda, o alcance a aplicação supletiva das normas existentes relativamente a esta matéria em sede de processo civil e exige fixar jurisprudência relativamente ao momento e aos requisitos de recepção das comunicações escritas, via carta registada com aviso de recepção, por parte das pessoas colectivas.

BBB. Quanto ao requisito da melhor aplicação do direito, terá lugar, designadamente, quando, em face das características do caso concreto, se revele seguramente a possibilidade de esse caso concreto ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada passível de se repetir em casos futuros, e, cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas.

CCC. O caso aqui em apreço é, como vimos, susceptível de constituir um tipo e a quaestio decidendi há-de, certamente, repetir-se. De facto, a questão tem relevo social profundo para as sociedades comerciais e pessoas colectivas em geral. É necessário, no humilde entendimento da Autora que relega ao douto entendimento deste Venerando Tribunal, explicar de forma cabal que a solução perfilhada pelo Acórdão recorrido é particular e juridicamente insustentável, contrariando os princípios processuais civis de funcionamento da citação das pessoas colectivas.

DDD. Ora, sendo dever indeclinável de um Tribunal Superior proteger essa consciência jurídica e a melhor aplicação possível do direito, temos como assente que a apreciação da questão vertida servirá exemplarmente esses propósitos.

EEE. A presente Revista tem, assim, o seu fundamento numa flagrante violação de lei processual, consubstanciada na violação, por aplicação supletiva, do artigo 231.º do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE,

E nos mais de direito aplicáveis

Deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, com todos os legais efeitos.

Fazendo assim Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!

7. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

8. Em 9 de Março de 2025 foi proferido o despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.

9. A Autora, agora Recorrente, respodeu ao despacho previsto no artigo 655.º pugnando pela admissibilidade do recurso.

10. Fizeram-no nos seguintes termos:

A Autora, Óptica 2, Lda., propôs acção de processo comum fundando a sua pretensão invocando o direito de preferência, terminando o seu pedido da seguinte forma:

OU, SE ASSIM NÃO SE CONSIDERAR, DEVEM OS RÉUS SER CONDENADOS:

VII. NO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO EM MONTANTE A APURAR À DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO, MAS NUNCA INFERIOR A €17.599,28 (DEZASSETE MIL QUINHENTOS E NOVENTA E NOVE EUROS E VINTE E OITO CÊNTIMOS) A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS E €1.565.600,00 A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS

E EM QUALQUER UM DOS CASOS:

VII. NO PAGAMENTO DE JUROS MORATÓRIOS VENCIDOS E VINCENDOS;

VIII. NO PAGAMENTO DE CUSTAS E PROCURADORIA CONDIGNA – INCLUINDO CUSTOS E HONORÁRIOS DA MANDATÁRIA DA AUTORA NOS TERMOS PREVISTOS NO CPC E REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.

Requer-se ainda a citação das partes contrárias para, querendo, contestar, seguindo-se os ulteriores termos até final.

1. Ora o ponto essencial em discussão no presente recurso consiste no pedido subsidiário, de indemnização, apresentado pela Autora na sua petição inicial, fundado nas expectativas negociais criadas na sua esfera jurídica, como consequência de um acto livre, voluntário e intencional dos Primeiros Réus.

2. Assim Autora alega a existência de obrigação de indemnizar por parte dos primeiros Réus com base na expectativa, legítima, em si criada, pela missiva inicial enviada pelos primeiros Réus.

3. E esta questão, com todo o respeito e devida vénia, que é muito, devido e merecido, não está relacionada com a existência efectiva do Direito de Preferência mas, outrossim, com o facto de a missiva em questão ter produzido efeitos jurídicos.

4. Nem tão pouco, sem produção de prova sobre a data em que, efectivamente, a carta foi recepcionada pela Autora, poderia resultar numa conclusão em que (…) sempre teria sido posterior àquele em que a situação de confiança foi desfeita pela carta enviada pelos 1ª Réus à Autora em 2 de Março de 2023”.

5. Isto porque, na realidade, a data em que o teor de tal carta chegou ao conhecimento da Autora não é conhecida nos Autos, de todo.

6. Pelo que se os encargos suportados pela Autora serão posteriores ou não, é algo que falta saber e provar.

7. Indubitavelmente existiu, por parte da Autora, o convencimento de que iria celebrar um negócio jurídico, que não se veio a concretizar e para tal incorreu em despesas.

8. Sendo que, em ambas as instâncias, seja a Primeira, seja a Relação, esta questão, apesar de sucessivamente invocada, foi completamente ignorada e afastada pela simples análise da data de entrega da missiva de 02.03.2023 pelos CTT à Autora.

9. Motivo pelo qual o pedido de indemnização foi completamente desconsiderado

10. Neste sentido, a Revista Extraordinária é pertinente e deve ser devidamente avaliada no sentido de perceber se se pode considerar a Autora notificada do teor da carta em questão, no exacto momento de entrega da comunicação pelos CTT ou se, pelo contrário, como a missiva foi recepcionada em endereço distinto da sede da empresa e por pessoa que não será funcionária, a data de recepção efectiva da comunicação carece de prova adicional.

11. Não se considerando a Autora notificada no dia da entrega do correio pelos CTT a missiva enviada pelos Primeiros Réus terá de ser, necessariamente, considerada como posterior e, sendo posterior (em momento até à data desconhecido), as consequências geradas por tal documento na esfera da Autora terão de ser avaliadas.

12. Perante a possibilidade de um erro de julgamento sobre a matéria de facto no presente caso, ponderar-se as implicações jurídicas de tal facto é essencial, para, por um lado, impedir a formação de jurisprudência que possa conduzir a interpretações erróneas da lei e, por outro, clarificar os termos em que as sociedades se devem considerar notificadas, em termos gerais.

Finalizando este ponto, em face questões de direito levantadas como fundamento ao pedido de revista extraordinária e a necessária produção de prova para avaliação dos danos, a Autora terá necessariamente defender como preenchidos os fundamentos de admissibilidade do recurso e a sua manifesta utilidade processual, terminando como nas alegações.

Pede e de VS. Ex^, muito respeitosamente, espera deferimento

11. Os Réus, agora Recorridos, AA e mulher, BB; CC; DD e mulher, EE, responderam ao despacho previsto no artigo 655.º pugnando pela inadmissibilidade e subsidiariamente pela improcedência do recurso.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

12. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

A) A Autora é uma sociedade por quotas, com sede em ..., que se dedica à comercialização a retalho de material ótico, auditivo, fotográfico, cinematográfico e de instrumentos de precisão em estabelecimentos especializados (CAE 47782); Outras atividades de saúde humana (CAE 86906) e compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100).

B) No dia 29 de setembro de 2005 foi celebrado, entre a Autora e os primeiros Réus, contrato de arrendamento não habitacional relativamente ao bem imóvel inscrito na matriz predial urbana com o número 483 da freguesia de ....

C) O arrendamento em questão, de natureza não habitacional, a termo certo, não abrangia a totalidade do prédio, não constituído em propriedade horizontal, mas a loja comercial com os números 45 e 46, excluindo-se o quintal, sito na parte traseira, bem como divisões de arrumo anexas.

D) Desde setembro de 2005 aos dias de hoje, o mencionado contrato vem-se renovando, sucessivamente, no seu termo.

E) No seguimento do contrato de arrendamento assim outorgado recebeu a Autora, no dia 14.02.2023, notificação datada do dia 10 do mesmo mês e ano, realizada pelos primeiros Réus, informando que na qualidade de proprietários dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... com os n.ºs ..48 e ..50 negociaram e acordaram a venda global dos dois prédios, com uma contrapartida global de 1.350.000€, no estado em que se encontram e com os arrendamentos vigentes, a forma de pagamento, a data da realização da escritura de compra e venda e a identificação do comprador, fazendo constar ainda que “(…) Sendo V.Ex. atualmente arrendatário em um dos prédios, conferindo-lhe a Lei o direito de preferência, vimos nos termos do art. 416º comunicar a V. Ex.ª o projeto de venda em conjunto de ambos os prédios como acima referido. Querendo, deverá V. Ex.ª, no prazo de 30 dias, comunicar o exercício do direito de preferência nas precisas condições acima aludidas. (…)”.

F) A Autora enviou ao Réu AA carta datada de 16 de fevereiro de 2023, junta a fls. 94 vº a 95 dos presentes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde declarou, para além, do mais, o seguinte:

“(…) No que concerne ao exercício do direito legal de preferência vimos, antes de mais, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 1091º, n.º 7, e 417º, n.º 1, do Código Civil, requerer, muito respeitosamente, esclarecimentos sobre a existência, ou não, de prejuízo apreciável na eventualidade de tal direito ser exercido apenas em relação à verba por nós arrendada, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído. Da leitura da vossa missiva parece-nos que apenas terá sido invocada a mera contratualização da não redução do negócio. Posteriormente, para ponderação de interesse contratual ao exercício do direito de preferência pela globalidade do negócio, solicitamos, se possível, a V/ Ilustre colaboração, mediante envio de elementos informativos adicionais, nomeadamente cópia da caderneta predial; cópia da descrição predial; plantas de localização ou documento similar; levantamento topográfico ou documento similar, de ambos os prédios e ainda esclarecimentos mais detalhados sobre quais “os arrendamentos atualmente vigentes” (…)”

G) Por carta datada de 1 de março de 2023, responderam os 1ºs Réus à Autora, declarando

“Acusa-se a receção da carta que dirigiram, de que cumpre comunicar o seguinte: Melhor esclarecido sobre a existência ou não de direito de preferência de arrendatário, que erradamente a princípio se julgaria existir, verifica-se que tem havido uma definição da jurisprudência no sentido de o arrendatário de apenas uma parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal não ter qualquer direito de preferência na sua transmissão, nem na parte nem no todo. Com efeito, tal é precisamente o caso de V. Ex.ªs. (…) é manifesto que não tem V. Ex.ªs qualquer direito legal de preferência cujo exercício possam reivindicar. (…)”.

H) Esta carta foi colocada pelos Réus no correio no dia 02.03.2023 e recebida pela Autora em 03.03.2023 às 10.58 horas.

I) Por carta datada de 2 de março de 2023 a Autora respondeu aos Réus, comunicando que

“(…) vimos para todos os efeitos de direito, nomeadamente os do artigo 1091º do Código Civil, dentro do prazo de 30 dias que nos foi expressamente concedido, por V. Ex.ªs, inequivocamente, exercer o nosso direito de preferência, estando dispostos a adquirir os mencionados prédios, nas condições indicadas (…)”.

J) Esta carta foi colocada nos correios em 03.03.2023, às 16.42 horas, sendo recebida pelos Réus a 06.03.2023, às 10.00 horas.

K) A Autora respondeu, por intermédio da sua mandatária, por carta de 10 de março de 2023, sustentando

“(…) O exercício do direito de preferência foi efetuado em tempo, pelo meio idóneo e de forma inequívoca, em resposta à interpelação feita por V.ª Ex.ª, precisamente nesse sentido, cumprindo-se integralmente, os requisitos legais. Após receção da proposta e subsequente envio da resposta mencionada, foi rececionada pelo meu constituinte, uma segunda missiva da parte de V.ª Ex.ª onde se realizou uma tentativa de retratação (…). Sem prejuízo, (…) tal entendimento terá pouca relevância perante a teoria da receção e do conhecimento em caso de declarações recipiendas – artigo 224º, n.º 1, do Código Civil – o que necessariamente implica a irrevogabilidade da V/ proposta (…). Assim, a retratabilidade da proposta apenas nos seria oponível caso rececionada antes da notificação para o exercício do direito de preferência, o que não aconteceu. Sendo assim, é da vossa parte irrevogável (…). (…) solicito (…) que nos seja informado o local e a hora para outorga da escritura de compra e venda a fim de comparecermos no dia 28 de março de 2023, para formalizar o ato”.

L) O Réu AA enviou à Autora carta datada de 20 de março de 2023, junta a fls. 48 dos presentes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde declarou, para além, do mais, o seguinte:

“(…) 3. Assim, é manifesto a inexistência de qualquer direito de preferência de arrendatário comercial como V.Exªs. erradamente pretenderiam reivindicar e que, por isso, importa de todo aqui rejeitar.

4. Finalmente, apesar da inexistência de qualquer direito, aproveita-se para comunicar que também outro arrendatário comercial, manifestou o exercício do direito de preferência para ambos os prédios e pelo mesmo valor, mas que por igual razão se declinou (…)”.

M) Por carta de 23 de março de 2023, a Autora, por intermédio da sua mandatária, comunica à 2ª Ré que “(…) após ter sido expressamente notificada para o efeito pelos promitentes vendedores, no dia 14.02.2023, exerceu, em tempo, expressa e inequivocamente direito de preferência não tendo qualquer intenção de abrir mão desse direito. (…)”.

N) A Autora requereu a notificação extrajudicial dos 1ºs Réus para cumprirem a comunicação de preferência por si realizada, informando os Requerentes da hora e local onde devem comparecer, para outorgar a escritura de compra e venda dos prédios, nos moldes por si propostos, informando-se ainda, caso optem por continuar a sonegar tal informação, que os requerentes procederam a agendamento para a realização do mesmo negócio para o dia 28.03.2023, pelas 17.00 horas, em determinado cartório notarial.

O) A 2ª Ré endereçou carta à Autora, datada de 16 de junho de 2023 comunicando a aquisição do prédio onde está inserida a loja comercial arrendada à Autora.

P) Em 28 de março de 2023, os 1ºs Réus, na qualidade de vendedores, e 2ª Ré, na qualidade de compradora, celebraram contrato de compra e venda dos prédios.

Q) Os contratos de suprimento estão datados de 28 de março de 2023.

R) O documento que atesta a existência de saldo bancário tem a data de 28 de março de 2023.

S) O contrato de financiamento crédito empresas está datado de 23 de março de 2023.

O DIREITO

13. A Autora, agora Recorrente, pede a título principal que o recurso seja admitido como revista normal, alegando que a fundamentação das duas decisões é essencialmente diferente.

14. O artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

15. O acórdão recorrido confirmou, por unanimidade, a decisão e aderiu em substância à fundamentação de direito da decisão deduzida pela 1.ª instância.

16. Em tema de fundamentação de facto, há uma diferença entre as decisões das instâncias — o acórdão recorrido alterou a redacção dos factos dados como provados sob as alíneas F) e L).

17. Em todo o caso, a diferença na fundamentação de facto só relevaria se implicasse uma diferença na fundamentação de direito 1 e se a diferença na fundamentação de direito fosse essencial 2.

18. Ora, em tema de fundamentação de direito, não há uma diferença essencial nas decisões das instâncias:

19. O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação concordaram em três coisas:

I. — Em primeiro lugar, em que a Autora, agora Recorrente, não tinha nenhum direito de preferência sobre a totalidade do imóvel.

II. — Em segundo lugar, em que não se tinha constituído na esfera da Autora, agora Recorrente, nenhuma situação de confiança justificada na titularidade de um direito de preferência.

III. — Em terceiro lugar, em que, ainda que se tivesse constituído alguma situação de confiança justificada na esfera da Autora, agora Recorrente, na titularidade de um direito de preferência, sempre as despesas relacionadas com a aquisição do prédio teriam sido realizadas depois de a situação de confiança ter sido desfeita pela carta enviada pelos 1.ªs Réus à Autora em 2 de Março de 2023.

20. Estão, por isso, preenchidos os pressupostos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

20. A Autora, agora Recorrente, pede a título subsidiário que a o recurso seja admitido como revista excepcional, ao abrigo das alíneas a e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, alegando a relevância jurídica e social da questão.

21. A questão cuja relevância alega consistiria em “saber se se pode considerar o teor de uma comunicação definitivamente conhecida por parte de uma pessoa colectiva quando, a missiva em questão, não é endereçada e/ou remetida para a sede estatutária da empresa nem tão pouco é recebida por um representante legal e/ou funcionário da mesma” 3.

22. Ora, a questão enunciada não pode ser apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

23. A Autora, agora Recorrente, pretende, em substância, que seja alterada a redacção do facto dado como provado sob a alínea H) 4.

24. Os factos dados como provados sob as alíneas G) e H) são do seguinte teor:

G) Por carta datada de 1 de março de 2023, responderam os 1ºs Réus à Autora, declarando

“Acusa-se a receção da carta que dirigiram, de que cumpre comunicar o seguinte: Melhor esclarecido sobre a existência ou não de direito de preferência de arrendatário, que erradamente a princípio se julgaria existir, verifica-se que tem havido uma definição da jurisprudência no sentido de o arrendatário de apenas uma parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal não ter qualquer direito de preferência na sua transmissão, nem na parte nem no todo. Com efeito, tal é precisamente o caso de V. Ex.ªs. (…) é manifesto que não tem V. Ex.ªs qualquer direito legal de preferência cujo exercício possam reivindicar. (…)”.

H) Esta carta foi colocada pelos Réus no correio no dia 02.03.2023 e recebida pela Autora em 03.03.2023 às 10.58 horas.

25. A Autora, agora Recorrente, pretende, em substância, que se elimine do facto dado como provado sob a alínea H) qualquer referência à data em que a carta foi recebida pela Autora.

26. Ora o artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que

“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

27. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —,

“… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” 5;

“… está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” 6.

28. A Autora, agora Recorrente, vem agora alegar que,

“[p]erante a possibilidade de um erro de julgamento sobre a matéria de facto no presente caso, ponderar-se as implicações jurídicas de tal facto é essencial, para, por um lado, impedir a formação de jurisprudência que possa conduzir a interpretações erróneas da lei e, por outro, clarificar os termos em que as sociedades se devem considerar notificadas, em termos gerais”.

29. Contrariamente àquilo que alega a Autora, agora Recorrente, a possibilidade de um erro de julgamento sobre a matéria de facto não é razão suficiente para que a questão seja conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

30. A Autora, agora Recorrente, tinha o ónus de impugnar a redacção do facto dado como provado sob a alínea H) no recurso de apelação — não o tendo feito, não pode impugná-la agora, no recurso de revista.

31. Em todo o caso, ainda que não estivesse em causa uma questão de facto, sempre seria uma questão em absoluto irrelevante para a decisão do caso sub judice.

32. O facto de a Autora, agora Recorrente, ter recebido a carta enviada pelos 1.ºs Réus, agora Recorridos, antes ou depois da declaração de preferência poderia ser relevante para se averiguar se se constituiu ou não uma situação de confiança justificada.

33. Embora pudesse ser relevante para se averiguar se se constituiu ou não uma situação de confiança justificada, é absolutamente irrelevante para determinar se o investimento da Autora, agora Recorrente, tem alguma conexão causal com a confiança na titularidade de um direito de preferência.

34. O acórdão recorrido diz, de forma explícita, que a Autora incorreu na “generalidade dos danos patrimoniais invocados na petição inicial […] por força do seu próprio entendimento quanto à questão do exercício do direito de preferência, pois que são de momento posterior à receção da comunicação dos primeiros Réus a informar a inexistência de direito legal de preferência.

É o que ocorre com o pedido de pagamento de juros resultantes da celebração dos contratos de suprimento, celebrados entre a Autora e os seus sócios bastante depois da comunicação dos Réus, e dos valores pagos em abril e maio com a prestação decorrente do contrato de empréstimo que formalizou em 23 de março de 2023; bem como com o pagamento de honorários à Agente de Execução decorrente da notificação extrajudicial dos 1ºs Réus para cumprirem a comunicação de preferência em 23/03/2023 e o pagamento do custo do certificado de não realização da escritura em 28/03/2023. Relativamente às despesas relacionadas com o processo do empréstimo (comissão de dossier, comissão de formalização, e imposto de selo) decorre dos documentos juntos pela Autora que ocorreram em 22 e 27 de março de 2023, nada tendo sido alegado pela Autora de onde decorra que as mesmas tiveram origem em momento anterior a 3 de março”.

35. Entre a alegada confiança e o alegado investimento da confiança, não há nenhuma conexão causal — o investimento da Autora, agora Recorrente, sempre teria sido posterior ao momento em que a situação de confiança foi desfeita pela carta enviada pelos 1.ªs Réus à Autora em 2 de Março de 2023.

36. A Autora, agora Recorrente, vem agora alegar que

5. […] na realidade, a data em que o teor de tal carta chegou ao conhecimento da Autora não é conhecida nos Autos, de todo.

6. Pelo que se os encargos suportados pela Autora serão posteriores ou não, é algo que falta saber e provar.

37. Contrariamente àquilo que alega a Autora, agora Recorrente, a possibilidade de a carta ter sido recebida depois da data designada no facto dado como provado sob a alínea H) — 3 de Março de 2023 — não implica de forma nenhuma a possibilidade de o investimento da Autora, agora Recorrente, sempre teria sido posterior ao momento em que a situação de confiança foi desfeita pela carta enviada pelos 1.ªs Réus à Autora em 2 de Março de 2023.

38. O facto dado como provado sob a alínea K) é do seguinte teor:

K) A Autora respondeu, por intermédio da sua mandatária, por carta de 10 de março de 2023, sustentando

“(…) O exercício do direito de preferência foi efetuado em tempo, pelo meio idóneo e de forma inequívoca, em resposta à interpelação feita por V.ª Ex.ª, precisamente nesse sentido, cumprindo-se integralmente, os requisitos legais. Após receção da proposta e subsequente envio da resposta mencionada, foi rececionada pelo meu constituinte, uma segunda missiva da parte de V.ª Ex.ª onde se realizou uma tentativa de retratação (…). Sem prejuízo, (…) tal entendimento terá pouca relevância perante a teoria da receção e do conhecimento em caso de declarações recipiendas – artigo 224º, n.º 1, do Código Civil – o que necessariamente implica a irrevogabilidade da V/ proposta (…). Assim, a retratabilidade da proposta apenas nos seria oponível caso rececionada antes da notificação para o exercício do direito de preferência, o que não aconteceu. Sendo assim, é da vossa parte irrevogável (…). (…) solicito (…) que nos seja informado o local e a hora para outorga da escritura de compra e venda a fim de comparecermos no dia 28 de março de 2023, para formalizar o ato”.

39. Ora, todos os danos patrimoniais invocados na petição inicial são posteriores a 10 de Março de 2023 — data em que a Autora, agora Recorrente, reconhece ter recebido a carta enviada pelos 1.ªs Réus à Autora em 2 de Março de 2023.

40. O facto de o investimento da Autora, agora Recorrente, ter sido posterior àquele em que a situação de confiança foi desfeita pela carta enviadas pelos 1.ªs Réus, agora Recorridos, sempre seria suficiente para que se concluísse que não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade pela confiança.

41. Independentemente da resposta que deva dar-se à questão de “saber se se pode considerar o teor de uma comunicação definitivamente conhecida por parte de uma pessoa colectiva quando, a missiva em questão, não é endereçada e/ou remetida para a sede estatutária da empresa nem tão pouco é recebida por um representante legal e/ou funcionário da mesma”, sempre os pedidos da Autora, agora Recorrida, deveriam ser julgados improcedentes — ainda que a carta só tivesse sido recebida pela Autora, agora Recorrente, depois do envio da comunicação descrita nos factos dados como provados sob as alínea I) e J), nunca a Autora, agora Recorrente, teria nem a um direito de preferência, nem direito a uma indemnização pela frustração de uma confiança justificada na titularidade de um direito de preferência.

42. Em consequência, a remessa dos autos à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil seria uma formalidade de todo em todo inútil — ainda que a Formação considerasse que a questão tinha a relevância jurídica ou a relevância social requeridas pela alínea a) ou pela alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º, nunca o acórdão poderia ser revogado, total ou sequer parcialmente.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.

Custas pela Recorrente Óptica 2, Lda.

Lisboa, 23 de Abril de 2025

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Arlindo Oliveira

José Maria Ferreira Lopes

_________


1. Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao artigo 671.º, in: Recursos em Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 393-429 (414): “[u]ma modificação da matéria de facto provada ou não provada apenas será relevante para aquele efeito na medida em que também implique uma modificação essencial da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da diversidade ou conformidade das decisões centrada na respectiva motivação”.

2. Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao artigo 671.º, in: in: Recursos em Código de Processo Civil, cit., pág. 413: “[a] alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas”.

3. Cf. conclusão N) do recurso de revista.

4. Cf. conclusão P) do recurso de revista.

5. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

6. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.