I. O caso julgado na sua função positiva - como autoridade - projeta os efeitos de uma determinada decisão em ações posteriores conexas com aquela em que foi formado e que venham a decorrer entre as mesmas partes, sem necessidade de total correspondência e identidade objetiva entre umas e outras, funcionando independentemente da verificação da tríplice de identidade exigida pelo direito adjetivo, pressupondo que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, importando a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente.
II. A facticidade apurada em processo crime não pode voltar a ser discutida, evitando-se, assim, qualquer contradição na demanda cível quanto ao conteúdo da decisão antecedente, daí que aqueles factos não podem ser contrariados por qualquer meio de prova, pelo que, provado no processo penal a prática de um ato criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na ação cível subsequente o ato ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade, impondo-se a eficácia probatória da decisão proferida no processo crime que pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, onde as arguidas, demandadas posteriormente em ação cível, tiveram oportunidade de juntar provas e aduzir as razões de facto e de direito.
III. A nulidade do acórdão corresponde aos casos de irregularidades que afetam formalmente o acórdão e provocam dúvidas, nomeadamente, sobre a ininteligibilidade do discurso decisório, quando a respetiva explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado.
I. BB e CC instauraram a presente ação contra AA e J..., Lda, pedindo que se condene as Rés a pagar a quantia de €100.000,00, referentes ao dano morte; a quantia de €100.000,00, a título de danos não patrimoniais, relativos aos danos por si sofridos, após o falecimento inesperado do marido e pai, respetivamente; a quantia de €15.000.00, referente aos danos sofridos pelo malogrado antes de falecer; a que devem acrescer juros de mora à taxa legal desde 03-07-2017 até efetivo e integral pagamento.
Articularam, com utilidade, que DD, marido da Autora e pai do Autor, em 23 de janeiro de 2017, foi contratado pelas Rés (a primeira é gerente da segunda) para desempenhar na 2ª Ré as funções de acabador de primeira, mediante a retribuição ilíquida mensal de 634,20 €.
Em 3 de julho de 2017, DD sofreu um acidente de trabalho que lhe causou morte, sendo que tal acidente teve origem na violação, por parte das Rés, dos deveres que sobre elas impendiam relativamente aos riscos da atividade exercida e de prestação de formação ao malogrado trabalhador, riscos e falta de formação que foram a causa necessária e adequada das lesões corporais que provocaram a sua morte.
O malogrado DD, à data do acidente, tinha 50 anos de idade. A sua morte causou profunda depressão e tristeza aos Autores, não sendo capazes de ultrapassar a sua perda. Entre o acidente e a sua morte, o malogrado DD sentiu extrema agonia, sofrimento, desespero e impotência, na medida em que tinha enorme dificuldade em respirar e tinha consciência de que acabaria por sucumbir.
2. Regularmente citadas, contestaram as Rés, impugnando os factos relatados pelos Autores, excecionando a litispendência e o erro na forma do processo, uma vez que o processo próprio é a ação prevista no art.º 18º nº 1 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), que os Autores instauram no Tribunal de Trabalho e aí corre termos.
3. Dispensou-se a audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, tendo o Tribunal conhecido das invocadas exceções nos seguintes termos: “– “(…) Tendo em conta a data do acidente dos autos – ... de ... de 2017 – no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que revogou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art. 188.º. O art. 17.º da mencionada Lei n.º 198/2009, sob a epígrafe de “Acidente originado por outro trabalhador ou por terceiro”, refere o seguinte: (…)
Deste normativo podemos concluir que o sinistrado ou seus herdeiros podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum).
Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito.
É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, que veda a possibilidade de cumulação delas, sob pena de enriquecimento sem causa, ou sob pena de estarmos perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes. São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
Diga-se ainda, que no que se refere a danos não patrimoniais, eventualmente fixados no âmbito da acção de responsabilidade civil emergente do acidente de viação, os mesmos estão excluídos para efeitos de desoneração, uma vez que, por regra, no domínio infortunístico laboral tais danos não são indemnizáveis (cf. arts. 23.º a 25.º e 47.º a 69.º da Lei n.º 198/2009).
Em suma, nos presentes autos, é evidente que as rés respondem na medida em que são os alegados responsáveis pelo acidente ocorrido, visto que não fizeram observar as regras e normas de segurança aplicáveis ao exercício da concreta actividade da sociedade; nos autos de trabalho a aqui 2.ª ré respondeu enquanto entidade patronal e a seguradora ali demandada foi-o na medida em que a entidade patronal do sinistrado/falecido havia transferido para ela a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho. Apesar da identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as acções, embora com substituição da seguradora pela aqui 1.ª ré – gerente da sociedade/entidade patronal, já quanto à causa de pedir, dúvidas também não podem existir de que é distinta num e noutro processo.
Nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que as lesões físicas sofridas e que conduziram à sua morte decorreram do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem as que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas, o que, por sua vez, determinou danos não patrimoniais aos seus familiares (mulher e filho).
Nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 “a concorrência de responsabilidades civil e laboral, ou também chamada infortunística, origina uma obrigação solidária, mas imprópria ou imperfeita e ao contrário do que ocorre na solidariedade obrigacional (art. 523.º do CC) o pagamento da indemnização pelo sinistro laboral não produz a extinção, ainda que parcial, da obrigação comum”, não liberando assim o responsável por esta, e se a indemnização paga por este extingue a obrigação a cargo da entidade patronal ou da respectiva seguradora, já o inverso não pode verificar-se.
Mais, só o eventual e efectivo pagamento ao sinistrado/seus familiares das indemnizações fixadas na acção civil e em relação às quais ocorre duplicação por parte dos responsáveis aí considerados tem a virtualidade de extinguir a responsabilidade e correspondente obrigação do respectivo pagamento por parte dos responsáveis laborais, o que não sucedeu sequer no caso.
Assim, não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na acção especial n.º 3568/17.9..., nem se verifica agora caso julgado ou qualquer erro na forma do processo, improcedendo na totalidade toda a matéria de excepção invocada pelas rés na sua contestação.”
4. Identificou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
5. Realizou-se a audiência final.
6. Determinou-se a reabertura da audiência a fim de ser junta uma certidão.
7. As Rés arguiram a nulidade desse despacho, questão que foi apreciada como questão prévia na sentença, tendo-se decidido julgar não verificada a arguida nulidade.
8. Foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:
- condenar as Rés AA e J..., Lda, solidariamente, a pagar aos Autores BB e CC a quantia de 135.000,00 € (cento e trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- absolver as Rés do demais peticionado;
- condenar Autores e Rés no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC), e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos Autores».
9. Inconformadas com o decidido, quer no saneador, quer na sentença, apelaram as Rés, tendo a Relação, conhecendo do objeto do recurso, proferido acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação das Rés, revogando o despacho saneador recorrido e, em sua substituição, decidem julgar procedente a excepção do caso julgado e, consequentemente, absolver as Rés da instância. Custas pelos Autores em ambas as instâncias.”
10. Irresignados, os Autores/BB e CC interpuseram revista, aduzindo as respetivas conclusões.
11. As Recorridas/Rés/AA e J..., Lda apresentaram contra-alegações, enunciando as suas conclusões.
12. Este Tribunal ad quem proferiu acórdão a 14 de novembro de 2024, em cujo dispositivo consignou: “Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar procedente o recurso interposto, e, consequentemente, concede-se a revista, revogando o acórdão proferido, substituindo por outro que julga improcedente a exceção de caso julgado invocada, devendo a Relação retomar o conhecimento daqueloutras questões que contendem com o mérito da causa, entretanto, por ter absolvido as Rés da instância, considerou como prejudicadas. Custas pelas Recorridas/Rés/AA e J..., Lda”
13. Irresignadas com o proferido acórdão, as Rés/AA e J..., Lda interpuseram recurso extraordinário para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, para uniformização de jurisprudência, nos termos dos artºs. 688º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, datado de 5 de maio de 2015, proferido no Processo n.º 28/2001.E1.S1, juntando cópia, e cujo trânsito se presume nos termos do n.º 2 do art.º 688º do Código de Processo Civil, tendo formulado as respetivas conclusões.
14. Foi proferida decisão singular, em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, rejeito liminarmente, o presente recurso para uniformização de jurisprudência - art.º 692º n.º 1 do Código de Processo Civil - .
15. Entretanto, os autos baixaram ao Tribunal da Relação, cumprindo-se o dispositivo exarado no aresto proferido por este Tribunal ad quem a14 de novembro de 2024, onde se enunciou: “Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar procedente o recurso interposto, e, consequentemente, concede-se a revista, revogando o acórdão proferido, substituindo por outro que julga improcedente a exceção de caso julgado invocada, devendo a Relação retomar o conhecimento daqueloutras questões que contendem com o mérito da causa, entretanto, por ter absolvido as Rés da instância, considerou como prejudicadas. Custas pelas Recorridas/Rés/AA e J..., Lda”
16. A Relação, em conformidade com a decisão deste Tribunal ad quem, proferiu novo acórdão, em cujo dispositivo declarou: “Pelo exposto, no parcial provimento do recurso das RR., revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em condenar as RR. AA e J..., Lda, solidariamente, a pagar aos AA. BB e CC a quantia de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”
17. Inconformadas, as Rés/AA e J..., Lda interpuseram revista excecional, aduzindo as seguintes conclusões:
“I. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica do Tribunal a quo, afigura-se às ora Recorrentes que o Douto Acórdão recorrido, na parte que é objeto do presente recurso, não poderá manter-se.
II. O litígio sub judice, iniciado pelos Autores Recorridos contra as Rés aqui Recorrentes, tem por objeto a responsabilidade civil extracontratual destas, nos termos previstos no artigo 483.º do Código Civil (“CC”).
III. Tendo os primeiros peticionado a condenação das segundas no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da ocorrência de um acidente de natureza laboral que vitimou um familiar daqueles, ocorrido no âmbito da atividade a que se dedica a 1.ª Recorrente.
IV. Acontece que, antes da instauração dos presentes autos no ano de 2021, sobre a mesma relação material controvertida já havia sido intentado, no ano de 2017, um processo-crime, que correu termos sob o n.º 1546/17.7... no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de ... – J5.
V. Processo esse no qual as Rés ora Recorrentes foram condenadas pela prática de um crime de violação de regras de segurança.
VI. Sentença essa que viria a ser confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – Secção Penal, proferido em 26.02.2020, portanto, ainda antes da instauração dos presentes autos.
VII. Ora, uma das questões que se coloca nestes autos prende-se com a oponibilidade da referida decisão penal condenatória às Rés aqui Recorrentes à luz do regime previsto no artigo 623.º do CPC.
VIII. Ora, este recurso tem por objeto a parte da decisão proferida pelo Tribunal ad quo que incide sobre o âmbito da inoponibilidade da decisão penal condenatória à luz do artigo 623.º do CPC.
IX. Com efeito, considerando que não existe uma relação direta ou automática entre a condenação em processo-crime e uma condenação num processo cível que tenha por objeto a mesma relação material controvertida – atentos os diferentes pressupostos de responsabilidade penal e da responsabilidade civil –, é naturalmente discutível o âmbito de inoponibilidade do primeiro processo em relação aos Réus no segundo processo.
X. Porém, a verdade é que, analisando o Acórdão Recorrido, principalmente na parte em que o mesmo aprecia o pressuposto da responsabilidade civil extracontratual relativo ao nexo de causalidade, verifica-se que o mesmo professa o entendimento segundo o qual, o caso julgado formado pela decisão proferida no processo-crime tem uma dimensão que abrange, para além do mais, o pressuposto do nexo de causalidade entre os factos e o dano.
XI. Estando o erro capital do Acórdão recorrido precisamente na circunstância de o Tribunal ad quo ter retirado da decisão proferida no âmbito penal efeitos e consequências que, salvo melhor entendimento, jamais poderia ter retirado.
XII. Violando dessa forma o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento da relação material sub judice no âmbito do processo penal, tendo confundido as vertentes penal e civil de um mesmo problema, como se as mesmas fossem inteiramente coincidentes.
XIII. O que as ora Recorrentes não podem aceitar, uma vez que no âmbito da responsabilidade civil não são aplicáveis os mesmos pressupostos que na responsabilidade penal, na qual é censurável a prática de determinadas condutas, ainda que as mesmas não tenham sido eficazes ou não tenham alcançado o resultado pretendido, sendo punível a mera tentativa.
XIV. Sendo de atentar que o entendimento do Tribunal ad quo, para além violar o regime normativo vigente, contraria o entendimento professado no Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 05.05.2015, proc. n.º 28/2001.E1.S1., disponível em www.dgsi.pt, o qual aqui se indica como Acórdão-fundamento.
XV. Oposição de julgados esta que legitima as ora Recorrentes à apresentação do presente recurso extraordinário de revista, nos termos previstos no artigo 672.º do CPC.
XVI. Sendo de atentar que, para além do Acórdão-fundamento, noutros Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, bem como das Relações, tem vindo a ser sufragado o entendimento segundo o qual, não obstante a indiscutível eficácia probatória da sentença penal no âmbito dos processos de natureza cível – o que aqui não se coloca em causa –, a verdade é que o titular do interesse ofendido continua onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade.
XVII. Ora, nos presentes autos, apesar de, numa parte do Acórdão recorrido, o Tribunal ad quo aparentar concordar com este entendimento, acaba por professar um entendimento contrário ao mesmo, conforme veremos infra.
XVIII. Com efeito, o Tribunal ad quo rejeitou o pedido de reapreciação da matéria dada como provada, o qual foi apresentado pelas ora Recorrentes no recurso de apelação que incidiu sobre a decisão de 1.ª instância.
XIX. O que sucedeu mesmo em relação à parte do pedido de reapreciação da prova relacionada com a matéria do nexo de causalidade entre a conduta das Rés Recorrentes e o dano.
XX. Entendimento este que, de acordo com o supra explanado, não podemos aceitar, nem conceder, sendo contrário ao entendimento professado no Acórdão-fundamento.
XXI. Com efeito, apesar das ora Recorrentes terem sido condenadas em processo penal pela prática do crime de violação de regras de segurança, e apesar de as mesmas aceitarem que grande parte da factualidade que foi julgada como provada nesse processo deve ser aproveitada para os presentes autos –,
XXII. Porém, a verdade é que as ora Recorrentes não deixam de poder discutir – na presente esfera cível – a existência (ou a inexistência) de um nexo de causalidade entre os factos (ativos ou omissivos) que lhes são imputados e os danos que se apurarem ter ocorrido na esfera dos ofendidos.
XXIII. Sendo perfeitamente válida a perspetiva segundo a qual a condenação pelo crime de violação de regras de segurança – que, para além de tudo, configura um crime de perigo – não significa necessariamente que tenha sido essa a causa que produziu os danos verificados, como, de facto, sub judice, não foi.
XXIV. Sendo de distinguir a responsabilidade da entidade empregadora ao nível de acidentes de trabalho – que tem uma natureza objetiva, isto é, que prescinde da culpa – da responsabilidade da entidade empregadora ao nível cível, como a que está aqui em causa – a qual tem uma natureza subjetiva, que não prescinde da culpa e, para além disso, não prescinde da verificação do nexo de causalidade entre os factos (ativos ou omissivos) praticados pela entidade patronal e os danos verificados na esfera do trabalhador acidentado.
XXV. Termos em que o Tribunal ad quo não poderia ter rejeitado o pedido de reapreciação da matéria de facto formulado pelas ora Recorrentes, desde logo na parte relativa à prova do nexo de causalidade entre a conduta (ativa ou omissiva) praticada por estas e os danos verificados na esfera do familiar dos Recorridos.
XXVI. Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, o que não concedemos, importa reparar que o Tribunal ad quo comete outro erro quanto à questão do nexo de causalidade entre o facto e o dano, desde logo e na medida em que, mesmo na parte em que parece estar de acordo com o entendimento segundo o qual o titular do interesse ofendido continua onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade – entendimento este que é apenas aparente –, acaba por professar um entendimento erróneo acerca da natureza ou âmbito do nexo de causalidade que está aqui em discussão.
XXVII. Com efeito, enquanto requisito de responsabilidade civil extracontratual, a verdade é que o nexo de causalidade deve ser verificado entre o facto (enquanto conduta ativa ou omissiva de um determinado agente) e o dano.
XXVIII. Diferentemente, porém, no Acórdão recorrido o Tribunal ad quo professou o entendimento segundo o qual o titular do interesse ofendido se encontra onerado com a prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano.
XXIX. O que constitui uma realidade totalmente diversa, desde logo e na medida em que o acidente pode ter-se dado por factos totalmente alheios ao demandado cível, tal como se verifica neste caso.
XXX. Pelo que não basta aos demandantes cíveis demonstrar o nexo de causalidade entre o acidente e os danos, mas sim entre os factos praticados pelas Rés Recorrentes e os danos sofridos pelos Demandantes.
XXXI. Ora, esta diferença relativa ao tipo de nexo de causalidade em discussão constitui mais um ponto fulcral que – de forma equivocada – levou o Tribunal ad quo a condenar as Rés aqui Recorrentes.
XXXII. Entendimento este que, conforme veremos infra, as Rés Recorrentes não podem conceder, nem aceitar.
XXXIII. Atentas as circunstâncias que acabamos de explanar, importa atentar que muito mal esteve o Tribunal recorrido desde logo no julgamento do preenchimento do requisito do nexo de causalidade enquanto pressuposto para a condenação das Rés ora Recorrentes.
XXXIV. Sendo que, conforme já referimos, não questionarmos que “os factos que foram considerados provados na sentença penal, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados”.
XXXV. Porém, as Rés Recorrentes não podem aceitar que a tais factos não possam ser acrescidos outros factos, desde logo dos factos relevantes à determinação dos danos e dos factos relevantes à determinação do nexo de causalidade entre tais danos e os factos ilícitos imputados às Recorrentes.
XXXVI. Assim, o Tribunal ad quo não poderia, pura e simplesmente, como fez, ter rejeitado o recurso na parte relativa à reapreciação da matéria de facto da Sentença proferida em 1.ª Instância,
XXXVII. Desde logo considerando que essa reapreciação não incidiu sobre factos dados como provados no processo-crime, mas sim sobre factos dados como provados por força da prova produzida na audiência de julgamento que teve lugar nos presentes autos.
XXXVIII. E também considerando que essa reapreciação incidiu sobre:
- A experiência dos trabalhadores acidentados;
- A formação ministrada aos trabalhadores acidentados;
- O não exercício pelos trabalhadores acidentados de funções que implicam o manuseamento manual de pedras de grandes dimensões;
- As funções que o trabalhador acidentado exercia imediatamente antes do acidente e a dinâmica em que este ocorreu;
- A aptidão e segurança dos cavaletes para a atividade da 1.ª Ré.
XLVIII. Pelo que assistia às Rés Recorrentes o direito de produzirem contraprova sobre essa matéria, bem como lhes assistia o direito a requererem a reapreciação da matéria de facto que incidisse sobre a prova do dano, bem como do nexo de causalidade entre o facto imputado às Recorrentes e aquele dano.
XXXIX. Ou seja, o pedido de reapreciação da matéria de facto apresentado pelas Recorrentes contende precisamente com o nexo de causalidade entre os factos praticados (por ação ou omissão) pelas Recorrentes e o acidente verificado, bem como com a contribuição do sinistrado para a sua ocorrência.
XL. Por outro lado, não tendo admitido o recurso na parte relativa à reapreciação da matéria de facto, importa considerar que o Tribunal ad quo errou igualmente na parte em que reapreciou a matéria de direito referente à verificação do pressuposto da responsabilidade civil extracontratual relativo ao nexo de causalidade, desde logo quanto à consideração da natureza ou dimensão do nexo de causalidade que está aqui em causa.
XLI. Por outro lado ainda, quanto à apreciação da matéria de facto à luz do regime instituído, a verdade é que o mesmo se socorre de factos que não foram dados como provados nos presentes autos, nem no processo-crime, e que vão muito para além daqueles factos ou presunções judiciais que resultam das regras da experiência.
XLII. Sendo de atentar que os novos factos que o Tribunal ad quo convoca chegam inclusivamente a contrariar a prova produzida, tanto nos presentes autos, como no processo-crime.
XLIII. Sendo de atentar que dos factos dados como provados nestes autos, pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo próprio Tribunal ad quo, não pode extrapolar-se, como fez o Tribunal recorrido, que:
a) A limpeza de armazéns industriais envolve uma abordagem sistemática;
b) A abordagem sistemática é fundamental para manter a eficiência, a produtividade e a segurança;
c) Ao trabalhador vítima do acidente de trabalho foi atribuída a função de fazer uma limpeza sistemática ao armazém;
d) Que a tarefa que foi atribuída ao trabalhador acidentado não se cingia a simplesmente varrer o chão do armazém;
e) A tarefa de ajustar o calço que separava as duas pedras de grandes dimensões posicionadas no cavalete integrava as ordens e instruções que lhe foram transmitidas pela sua chefia;
f) Que o trabalhador acidentado não violou quaisquer ordens da sua chefia no sentido de apenas se limitar a varrer o chão;
g) Que não foi por iniciativa livre e espontânea do trabalhador acidentado que este decidiu ajustar o calço que separava duas pedras de grandes dimensões;
h) Que a atividade de varrer o chão do armazém configura uma atividade perigosa;
i) Que o trabalhador acidentado não tinha sido proibido de manusear as pedras de grandes dimensões
j) Que o trabalhador acidentado, mesmo considerando toda a sua experiência, não estava advertido ou perfeitamente consciente da perigosidade abstrata que representava mexer em pedras de grandes dimensões.
XLIV. Sendo de atentar, de resto, que o recurso a considerações que extrapolam a matéria dada como provada apenas demonstra que esta não era suficiente ao preenchimento do pressuposto do nexo de causalidade, pois caso contrário o Tribunal ad quo não recorreria às mesmas.
XLV. Por outro lado, o recurso a tais considerações demonstra que o pedido de reapreciação da prova que as Rés Recorrentes requereram no recurso interposto tinha precisamente em vista a prova do (não) preenchimento do requisito do nexo de causalidade.
XLVI. Prova essa que as Rés Recorrentes fizeram, mas não tendo sido assim julgada em 1.ª Instância, pretendiam ver reapreciada pelo Tribunal ad quo, repare-se, não no sentido de contrariar a prova produzida no processo-penal, mas sim no sentido de a completar, como era seu direito.
XLVII. De facto, como vimos supra, apesar da condenação em processo penal, estava em aberto nestes autos a prova do dano e do nexo de causalidade entre o facto imputado às Recorrentes e aquele dano.
XLVIII. Pelo que assistia às Rés Recorrentes o direito de produzirem contraprova sobre essa matéria, bem como lhes assistia o direito a requererem a reapreciação da matéria de facto que incidisse sobre a prova do dano, bem como do nexo de causalidade entre o facto imputado às Recorrentes e aquele dano.
XLIX. Assim não o tendo feito, o Tribunal recorrido violou o regime vertido nos artigos 607.º, n.º 3, 4 e 5, do CPC, configuram inclusive a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, c), por contradição entre os fundamentos e a decisão, a qual desde já se invoca para todos os efeitos.
L. Atento o exposto, verifica-se que o erro capital do Acórdão recorrido está precisamente na circunstância de ter retirado da decisão proferida no âmbito penal efeitos e consequências que, salvo melhor entendimento, jamais poderia ter retirado.
LI. Tendo confundido as vertentes penal e civil de um mesmo problema, como se as mesmas fossem inteiramente coincidentes, o que, de forma alguma podemos conceder.
LII. Sendo uma das diferenças desde logo verificável ao nível do nexo de causalidade.
LIII. Neste sentido, não é pelo facto das ora Recorrentes terem sido punidas no âmbito penal pelo cometimento do crime de violação de regras de segurança que necessariamente terão que ser punidas no âmbito civil pelo facto de um seu trabalhador ter falecido.
LIV. De facto, falhando o nexo de causalidade adequada entre a conduta das ora Recorrentes e a referida morte, como se verifica in casu, as ora Recorrentes jamais poderão ser condenadas no presente âmbito civil.
LV. Pelo que, por violação do regime previsto no artigo 623º do CPC, vertido nos artigos 607.º, n.º 3, 4 e 5, do CPC, bem como por verificação da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, c), por contradição entre os fundamentos e a decisão, a qual desde já se invoca para todos os efeitos, bem como por violação do regime dos artigos 483.º e 563.º do CC, deverá o Acórdão Recorrido ser revogado ser ordenado o julgamento do recurso de apelação interposto pela ora Recorrentes que não foi conhecido pelo Tribunal recorrido, tendo em vista que os presentes autos sejam, a final, julgados totalmente improcedentes, por não provados.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, que V. Ex.as muito doutamente suprirão, deverá o presente Recurso de Revista Excecional ser admitido e, em consequência:
a) Deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, deverá revogar-se o Douto Acórdão Recorrido e deverá apreciar-se o pedido de reapreciação da matéria de facto objeto do recurso de apelação interposto para o Tribunal ad quo;
b) Em seguida, deverá reapreciar-se o julgamento da matéria de direito realizada pelo Tribunal ad quo à luz da matéria de venha a dar-se como provada ou, caso esta não seja alterada, à luz da matéria dada como provada em 1.ª Instância;
Caso assim não se entenda,
c) Deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, deverá revogar-se o Douto Acórdão Recorrido e ordenar-se a reapreciação da matéria de facto objeto do recurso de apelação, bem assim como a reapreciação da matéria de direito à luz da matéria de venha a dar-se como provada.
Assim decidindo, V. Exª. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”
18. Os Recorridos/Autores/BB e CC apresentaram contra-alegações, enunciando as suas conclusões, adiante reproduzidas:
I. Os Recorrentes, vieram apresentar as alegações de Recurso Excecional de Revista por entenderem, erradamente, que o Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16 de Janeiro de 2025, não poderá manter-se,
II. Afirmando que o mesmo incorre em contradição, quanto à questão fundamental de direito que delimita o objeto do recurso,
III. Pelo que, de forma desesperada e num manifesto abuso de direito, pretendem a revogação do Douto Acórdão Recorrido e a consequente absolvição dos Recorrentes de todos os pedidos contra as mesmas formulados pelos Autores Recorridos.
IV. E diz-se desesperada porquanto, em bom rigor, e em abono da verdade, o presente Recurso apresentado pelos Recorrentes é a última tábua de salvação a que os mesmos procuram aceder,
V. Pois, como resulta dos autos, já interpuseram um Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, que por Decisão Singular, datada de 25 de Fevereiro de 2025, foi rejeitado liminarmente nos termos do Artigo 692.º n.º 1 do Código de Processo Civil, por manifesta falta de fundamento.
VI. Assim, e em jeito de conclusão. é imprescindível salientar que o Recurso Excecional de Revista apresentado pelos Recorrentes configura uma última e desesperada tentativa de se furtarem à decisão sapientemente proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância,
VII. Decisão essa já confirmada quer pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão Recorrido, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, na Decisão Singular já supra identificada.
VIII. Ora, as referias alegações de recurso, carecem, inelutavelmente, de total razão fáctica e jurídica no que, assim, os Recorrentes afirmam erroneamente e sem qualquer fundamento.
IX. Porquanto, em bom rigor, e conforme infra melhor se demonstrará, as alegações e argumentos invocados pelos Recorrentes são lapidarmente irrelevantes e apenas denotam o injustificado inconformismo destes com o Acórdão recorrido,
X. Que andou, e muito bem, ao julgar improcedente o Recurso de Apelação interposto pelos Recorrentes, mantendo praticamente na integra a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
XI. Na verdade, e ao invés do alegado pelos Recorrente, a interpretação e aplicação do direito que foi feita no Acórdão recorrido em momento algum violou o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento da relação material sub judice no âmbito do processo penal.
XII. Nem tampouco, como aqueles desesperadamente alegam, o Acórdão recorrido confundiu as vertentes penal e civil de um mesmo problema,
XIII. Devendo, por isso, não ser admitido o Recurso Excecional de Revista interposto pelos Recorrentes, como Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente decidirão, só assim fazendo a tão habitual e devida justiça material,
XIV. Até porque contrariamente ao invocado pelos Recorrentes, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, não se descortina a exatidão entre a questão de direito determinante para a resolução de ambos os litígios,
XV. Não se verificando, de forma alguma, uma contradição essencial na respetiva interpretação e aplicação em cada um dos referidos Acórdãos, relevante para efeitos de interposição de Recurso Excecional de Revista nos termos do Artigo 672.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
XVI. Os Recorrentes, nas suas alegações de Recurso, vêm invocar que, analisando o Acórdão Recorrido, principalmente na parte em que o mesmo aprecia o pressuposto da responsabilidade civil extracontratual relativo ao nexo de causalidade, se verifica que o mesmo professa o entendimento segundo o qual, o caso julgado formado pela decisão proferida no processo-crime tem uma dimensão que abrange, para além do mais, o pressuposto do nexo de causalidade entre os factos e o dano,
XVII. Considerando que o Tribunal a Quo não poderia retirar efeitos e consequências da Decisão proferida no âmbito penal,
XVIII. Para tanto vêm aqueles alegar que “no âmbito da responsabilidade civil não são aplicáveis os mesmos pressupostos que na responsabilidade penal, na qual é censurável a prática de determinadas condutas, ainda que as mesmas não tenham sido eficazes ou não tenham alcançado o resultado pretendido, sendo punível a mera tentativa.”
XIX. Sucede, porém, que os Recorrentes, com uma manifesta intenção de revogarem o Acórdão recorrido, o que jamais sucederá, alteram a verdade dos factos e o real objeto principal da discussão do Acórdão recorrido,
XX. Pois, em boa verdade, a interpretação e aplicação do direito que foi feita no Acórdão recorrido em momento algum violou o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento da relação material sub judice no âmbito do processo penal.
XXI. Nem tampouco, o Acórdão recorrido confundiu as vertentes penal e civil de um mesmo problema,
XXII. Pelo que não existe qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento.
XXIII. Porquanto, mesmo não tendo o Acórdão recorrido conhecido da impugnação da materialidade adquirida processualmente, por ser considerada prejudicada face à solução encontrada para o litígio, ficou demonstrado a materialidade atinente ao nexo causal e dano.
XXIV. Podendo se afirmar, com total e inelutável grau de certeza, que a análise da factualidade provada demonstra que o Tribunal de 1ª Instância não se forrou, ou abonou, simplesmente na referência à decisão condenatória proferida no processo-crime,
XXV. Pois, em bom rigor, consignado, na facticidade apurada, as alíneas Q), R), S), T), U), V), e W), sustentam o nexo de causalidade e dano atinentes ao ajuizado acidente que vitimou o malogrado, DD.
XXVI. Não existindo, portanto, um conflito de jurisprudência entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento,
XXVII. Até porque as soluções jurídicas acolhidas não correspondem a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
XXVIII. Nessa conformidade, e dado que ao invés do invocado pelos Recorrentes não se descortina qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento.
XXIX. O Recurso Excecional de Revista interposto pelos Recorrentes, não deve ser admitido, como Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente decidirão, só assim fazendo a tão habitual e devida justiça material.
XXX. Os Recorrente, nas suas alegações de Recurso, vêm invocar, para efeitos de uma putativa contradição entre julgados, que o Acórdão recorrido “professa entendimento segundo o qual, o caso julgado formado pela decisão proferida no processo-crime tem uma dimensão que abrange, para além do mais, o pressuposto do nexo de causalidade entre os factos e o dano”.
XXXI. Afirmando que “o erro capital do Acórdão recorrido está precisamente na circunstância de o Tribunal ad quo ter retirado da decisão proferida no âmbito penal efeitos e consequência que, salvo melhor entendimento, jamais poderia ter retirado”.
XXXII. Sucede, porém, que os Recorrentes, no Recurso Excecional de Revista, não só adulteram a verdade, como procuram, desesperadamente, misturar as águas e criar a convicção de que o Acórdão recorrido opõe-se ao Acórdão Fundamento,
XXXIII. O que poderia ser mais falso,
XXXIV. Senão vejamos:
XXXV. No âmbito dos presentes autos, os Recorrentes foram condenadas em 1.ª Instância ao pagamento aos Autores, ora Recorridos, da quantia de € 135.000,00 (Cento e Trinta e cinco Mil euros).
XXXVI. Tal Decisão viria a ser erradamente revertida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 23.05.2024, tendo os Recorrentes sido absolvidas de todos os pedidos.
XXXVII. Com efeito, e perante tal demagógica e surpreendente Decisão, a mesma viria a ser revertida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 14.11.2024, o qual decidiu julgar improcedente a referida exceção do caso julgado,
XXXVIII. O qual, por sua vez, ordenou a descida dos presentes autos à 2.ª Instância para apreciação das questões que tinham sido objeto do recurso interposto pelas ora Recorrentes e que ficaram prejudicadas pela procedência da referida exceção de litispendência/caso julgado.
XXXIX. Nessa sequência que foi proferido o Acórdão recorrido, o qual condenou os Recorrentes, confirmando, assim, a Sentença proferida em 1.ª Instância (com exceção da medida da indemnização, que foi reduzida em € 5.000,00).
XL. Posto isto,
XLI. O recurso de revista interposto pelos Recorrentes configura um recurso de revista excecional, sendo interposto nos termos do artigo 672.º, do CPC, concretamente, à luz do seu n.º 1, al. c),
XLII. Nesta senda, vêm os Recorrentes interpor o presente Recurso Excecional de Revista por considerarem, errada e infundadamente, que o Acórdão Recorrido está em contradição com o Acórdão fundamento, já transitado em julgado, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito,
XLIII. Invocando, para tanto, que o Acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 16.01.2025, encontra-se em contradição com um Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 05.05.2015, proc. n.º 28/2001.E1.S1., disponível em www.dgsi.pt,
XLIV. Sucede, porém, que não assiste qualquer razão aos Recorrentes,
XLV. Dado que o presente Recurso Excecional de Revista apenas denota o desespero processual que os Recorrentes manifestam,
XLVI. Que abrem mão de todos os meios processuais disponíveis para retardar uma condenação inevitável,
XLVII. Até porque, em bom rigor, ao invés do que alegam, o presente Recurso Excecional de Revista não é admissível,
XLVIII. Já que, não existe qualquer contradição de julgados entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento,
XLIX. Por tudo isso, resulta à saciedade, que não existe qualquer contradição domínio da mesma questão fundamental de direito, relativa à eficácia probatória de uma sentença penal no âmbito de um processo de natureza cível que se debruça sobre a mesma relação material,
L. Em boa verdade, o Acórdão Recorrido encontra-se na mesma linha de raciocino do Acórdão fundamento,
LI. O qual apenas e tão só concluiu, e muito bem, que “Quanto ao aspeto da culpa e consequente responsabilidade pelo acidente, assentando o entendimento das apelantes RR. numa factualidade que não logrou ver provada e cuja reapreciação igualmente não logrou ver alterada, revela-se inquinado o desfecho do recurso, ou seja, não podem as apelantes fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.”.
LII. Sendo esse também o entendimento da 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, proferido na Decisão Singular no dia 25 de Fevereiro de 2025 no âmbito dos presentes autos,
LIII. Decisão singular essa que rejeitou, de forma unanime, o Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência interposto pelos Recorrentes,
LIV. Que para além de uniformizarem a jurisprudência quanto à questão de direito referente ao caso julgado,
LV. Conheceu da assertividade no Acórdão Recorrido e da Decisão de 1.ª Instância proferida no âmbito dos presentes autos,
LVI. Esclarecendo, oportunamente, e com juízo de assertividade e clarividência, que muito bem andou o Tribunal ad Quo ao não conhecer da impugnação da materialidade adquirida processualmente,
LVII. Uma vez que tal se encontrava prejudicada face à solução encontrada para o litígio.
LVIII. Eliminando toda e qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto à objetividade e cuidado da apreciação da matéria de facto efetuada pelo Tribunal de 1.º Instância,
LIX. Visto que afirma que “temos como demonstrado a materialidade atinente ao nexo causal e dano,”
LX. Nessa conformidade, não assiste qualquer razão aos Recorrentes, quer porque não se verifica qualquer contradição de julgados, que perfilham do mesmo entendimento, quer porque a Decisão que pretendem reverter, a Sentença da 1.ª Instância, procede de uma acertada e correta apreciação da matéria de facto,
LXI. A qual permitiu, no julgamento civil, provar o nexo de causalidade entre os danos e os factos culposos e ilícitos dados como provados na Sentença Penal Condenatória,
LXII. Dissipando qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto ao facto que constituiu o dano.
LXIII. Por tudo isso, resulta a saciedade, quer pelo vertido no Acórdão recorrido, quer pela Decisão Singular proferida pelo Douto Supremo Tribunal de Justiça, que não existe qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento,
LXIV. Que se diga, aliás, que perfilham do mesmo entendimento quanto à matéria de direito em discussão,
LXV. Não se verificando, portanto, uma contradição essencial na respetiva interpretação e aplicação de cada um dos referidos acórdãos,
LXVI. E como tal, não prevalece qualquer conflito de jurisprudência,
LXVII. Devendo, por tanto, não ser admitido o Recurso Excecional de Revista interposto pelos Recorrentes, e manter-se inalterado o Acórdão Recorrido,
LXVIII. Como Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente decidirão,
LXIX. Só assim fazendo a tão habitual e devida justiça material.
LXX. Ora, quanto a isto, e perante o fundamento do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento, não pode ser extraída qualquer outra conclusão de que não existe contradição,
LXXI. Até porque os mesmos perfilham do mesmo entendimento,
LXXII. Isto é, “os “factos ilícitos e culposos provados em decisão condenatória penal, transitada em julgado, que hajam sido fundamento de um pedido de indemnização, em ação cível, proposta contra o autor do ato criminoso, fazem prova plena quanto à ilicitude e à culpa, sem prejuízo de o lesado continuar onerado com a prova do dano e nexo de causalidade”.
LXXIII. Divergindo, apenas, que no Acórdão Recorrido o Tribunal ad Quo reconhece a existência do nexo de causalidade entre os danos e os factos culposos e ilícitos dados como provados na Sentença Penal Condenatória, com base na factualidade dada como provada no julgamento civil.
LXXIV. Dissipando qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto ao facto que constituiu o dano.
LXXV. Por tudo isso, e tendo na devida consideração que um dos pressupostos de ordem substancial para a admissão do Recurso Excecional de Revista é a “ contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito”, não pode ser extraída qualquer outra conclusão que não seja a rejeição do presente Recurso,
LXXVI. Porquanto não se verificam contradições entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento,
LXXVII. Ou seja, contradição jurídica sobre a mesma questão fundamental de direito.
LXXVIII. Não sendo possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.
LXXIX. Por tudo isto e sem a necessidade de mais amplas considerações, dado que a interpretação e aplicação do direito que foi feita no Acórdão recorrido em momento algum violou o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento da relação material sub judice no âmbito do processo penal.
LXXX. Nem tampouco procedeu a uma interpretação e aplicação do direito que contradiz o Acórdão que aqueles apresentam como Acórdão fundamento,
LXXXI. Não deve ser admitido o Recurso Excecional de Revista interposto pelos Recorrentes,
LXXXII. Como Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente decidirão, só assim fazendo a tão habitual e devida justiça material.
LXXXIII. Os Recorrentes, nas alegações de Recurso Excecional de Revista, vêm pedir a revogação do Douto Acórdão Recorrido e a apreciação do pedido de reapreciação da matéria de facto objeto do recurso de apelação interposto para o Tribunal ad Quo,
LXXXIV. E, consequentemente, a reapreciação da matéria de direito realizada pelo Tribunal ad Quo à luz da matéria que venha a dar-se como provada ou, caso não seja alterada, à luz da matéria dada como provada em 1.ª Instância.
LXXXV. Ora, acontece que os Recorrentes, sem qualquer razão aparente, é do entendimento que muito mal andou o Tribunal a Quo,
LXXXVI. Pois considera, erradamente e sem qualquer fundamento, que deveria o Tribunal ad Quo ter reapreciado da prova que estas requereram no Recurso interposto para prova do preenchimento do requisito do nexo de causalidade.
LXXXVII. Ora, perante tais alegações dos Recorrente, e antes de proceder-se a uma análise, ponto por ponto, dos motivos de discórdia daqueles,
LXXXVIII. Não podem os Recorridos, deixar de mencionar que as referias alegações de recurso, carecem, inelutavelmente, de total razão fáctica e jurídica no que, assim, os Recorrentes afirmam erroneamente e sem qualquer fundamento,
LXXXIX. Sendo por isso de confirmar inteiramente o Acórdão Recorrido, como V/Exas. Exas., Colendos Juízes Conselheiros, com toda a certeza decidirão, fazendo como sempre a inteira justiça material.
XC. Senão vejamos:
XCI. Como resulta da Sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, no que diz respeito à matéria relativa à autoria dos factos, às causas do acidente, à sua dinâmica, à morte de DD e ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte deste, atentou-se à certidão do acórdão proferido no processo comum (tribunal coletivo) n.º 1546/17.7..., transitado em julgado em 9 de Novembro de 2020.
XCII. Com efeito, e tendo sido os Recorrentes sido intervenientes nesse processo, na qualidade de arguidas, a sentença penal condenatória transitada em julgado tem, em relação a elas, eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infração e da culpa, que não podem ser objeto de novo julgamento, constituindo presunção inilidível,
LXCIII. Logo, os factos considerados provados na sentença penal que condenou os Recorrentes foram atendidos, e muito bem, sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância,
XCIV. Não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova, tendo já funcionado em relação aos Recorrentes, Arguidos no processo crime, o princípio do contraditório,
XCV. E isto porque, nos termos do Artigo 623.º do Código de Processo Civil, a sentença penal condenatória constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram a infração, os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal,
XCVI. Afirmando ainda que “provado no processo penal a prática de um acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na acção civil subsequente o acto ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade.”
XCVII. Com efeito, e ao invés do que alegam os Recorrentes, a Sentença de 1.ª Instância, não retirou da Sentença penal factos conducentes à prova do dano sofrido e do nexo de causalidade,
XCVIII. Porquanto, como resulta da mesma, “Aos Autores incumbe então fazer a prova dos danos não patrimoniais alegados e do nexo de causalidade entre o acidente que causou a morte do pai e marido e esses danos. Em relação a esta matéria a prova é testemunhal. Sobre esses factos depuseram as testemunhas EE, sobrinha e prima dos Autores, e FF, vizinha e amiga dos Autores.”
XCIX. Tendo-o feito, provando-se “o nexo de causalidade entre estes danos e aquele facto, nos termos previstos no Artigo 563.º do CC,”
C. Isto é, o Tribunal de 1.ª Instância, na Sentença proferida, atenta a matéria de facto dada como provada, resultante da produção de prova efetuada no âmbito do processo civil, assentou, e muito bem, que ficou demonstrado que o facto constitui causa do dano,
CI. Reconhecendo o nexo de causalidade como pressuposto da responsabilidade civil e medida da obrigação de indemnizar.
CII. Nessa medida, andou, muito bem, o Tribunal ad Quo ao proferir o Acórdão Recorrido,
CIII. Pois, como como bem andou a 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na Decisão Singular proferida no dia 25 de Fevereiro de 2025 no âmbito dos presentes autos, o mesmo perfilha do entendimento adotado pelo Acórdão Recorrido,
CIV. Reconhece como demonstrado a materialidade atinente ao nexo causal e dano, daí que também possamos afirmar que a análise da factualidade provada, colocada ao conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça, demonstra que o Tribunal de 1ª Instância não se forrou, ou abonou, simplesmente na referência à decisão condenatória proferida no processo-crime, antes tendo consignado, na facticidade apurada, as alíneas Q), R), S), T), U), V), e W), que sustentam o nexo de causalidade e dano atinentes ao ajuizado acidente que vitimou o malogrado, DD,
CV. Isto é, não restam dúvidas que o Tribunal de 1.ª Instância formou a sua convicção atinente ao nexo de causalidade e ao dano,
CVI. Motivo pelo qual o Acórdão recorrido não merece qualquer reparo.
CVII. Nessa conformidade, e não assistindo qualquer razão aos Recorrentes, e sem prejuízo da inadmissibilidade já alegada, deve o presente Recurso Excecional de Revista ser julgado improcedente, devendo manter-se na integra o Acórdão recorrido,
CVIII. Como Exas., Colendos Juízes Conselheiros certamente decidirão, só assim fazendo a tão habitual e devida justiça material.”
19. Foram cumpridos os vistos.
20. Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Além do conhecimento da questão prévia que importa conhecer atinente à admissibilidade do recurso de revista interposto, as questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelas Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda consistem em saber se:
(1) Ao julgar improcedente o pedido de reapreciação da matéria de facto apresentado pelas Recorrentes com vista a produzirem contraprova sobre o nexo de causalidade entre os factos praticados (por ação ou omissão) pelas Recorrentes e o acidente verificado, bem como, com a contribuição do sinistrado para a sua ocorrência, reconhecendo que o caso julgado formado pela decisão proferida no processo-crime tem uma dimensão que abrange, para além do mais, o pressuposto do nexo de causalidade entre os factos e o dano, violando dessa forma o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento em processo crime, o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, impondo-se um sentenciamento diverso daqueloutro consignado no arresto recorrido?
(2) O aresto em escrutínio padece de nulidade por violação do art.º 615º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, porquanto se socorreu de factos que não foram dados como provados nos presentes autos, nem no processo-crime, e que vão muito para além daqueles factos ou presunções judiciais que resultam das regras da experiência?
II. 2. Da Matéria de Facto
Factos provados:
“A) Os Autores BB e CC são, respectivamente, viúva e filho de DD, falecido no dia ... de ... de 2017.
B) A 2.ª Ré, Sociedade J..., Lda., que gira comercialmente sob a designação de “G...”, tem como escopo social, desde a data da respectiva constituição, ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2001, a actividade de importação, exportação, transformação e comercialização de granitos e mármores.
C) Desde a data da constituição da sociedade Ré, a 1.ª Ré, AA, sempre foi sócia da 2.ª Ré, e a partir de 16 de Outubro de 2014, passou a deter em exclusivo a sua gerência.
D) Por figurar como gerente da referida Sociedade, aqui 2.ª Ré, a 1.ª Ré, sempre exerceu, em efectividade, a administração daquela, dirigindo, nesse quadro, os destinos dela e chamando a si a competência decisória pertinente a todos os aspectos da sua gestão corrente,
E) A incluir os relativos à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes.
F) Nessa conformidade, e para o desenvolvimento do respectivo objecto social, a 2.ª Ré, sob decisão e direção da 1.ª Ré, em 23 de Janeiro de 2017, contratou DD, marido e pai da aqui Autora e Autor, respetivamente,
G) A fim de este, ao serviço da 2.ª Ré, desempenhar funções correspondentes à categoria de acabador de primeira, mediante o pagamento de retribuição mensal ilíquida de €634,20.
H) No dia ... de ... de 2017, em mais um dia de trabalho, DD, conjuntamente com o colega de trabalho GG,
I) em cumprimento de ordens e instruções dimanadas pela 1ª R. e pelo filho desta, HH, também funcionário da empresa, e no interesse da 2.ª Ré, procediam, no interior instalações da 2ª Ré, situadas no parque industrial de ..., 2 fase, lote L1, à limpeza da nave industrial, no que se incluía a zona de armazenamento de material.
J) Era na zona supra mencionada que se procedia a cargas e descargas, encontrando-se aí vários cavaletes metálicos que acomodavam as chapas de pedra.
K) Um desses cavaletes acomodava várias chapas da referida natureza, incluindo duas de granito, assentes em barrotes de madeira depostas uma sobre a outra, em posição inclinada, uma delas com a espessura de 8 cm, comprimento de 218 cm e altura de 159 cm, e a outra com a espessura de 5 cm, o comprimento de 218 cm e a altura de 155 cm, perfazendo, pelo seu conjunto, o peso de 500 a 600 quilogramas.
L) Estas chapas de granito tinham a separá-las um calço de madeira, destinado, por um lado a evitar a respetiva danificação por contacto entre elas e, por outro lado, a permitir criar e manter entre as mesmas espaço suficiente para o encaixe das cintas do sistema mecânico, denominado por ponte rolante.
M) Por volta das 11h15min, DD e GG interromperam a tarefa de limpeza do pavimento a que davam curso, para reposicionar o calço de madeira que separava as referidas chapas e que se apresentava no estado de descaído.
N) Unidos esforços para o fazer, DD, desencostou, manualmente, a chapa de pedra que se apresentava mais pela parte exterior do cavalete, inclinando-a, quando por seu turno, GG na lateral do cavalete para reposicionar o calço que estava por detrás dessa pedra e que a separava da outra.
O) A determinado momento, a segunda chapa de pedra sofreu um efeito de inclinação para a frente, também, originando, em conjunto com o peso da primeira, uma sobre carga sobre DD, que não conseguiu suster a chapa de pedra.
P) Nesse momento, o colega GG foi em seu auxílio, sem que, contudo, a união da força de ambos tivesse sido o bastante para suster a movimentação das duas chapas de pedra, que acabaram por cair sobre eles.
Q) O cavalete onde se encontravam depostas as referidas chapas de granito não era dotado nem estava provido de sistema fixo e estanque de acomodação e arrumação entre elas, que tornasse desnecessário o emprego de calços para as separar e que, por essa via, evitasse o risco de queda das pedras, em caso de manipulação manual, como veio a suceder.
R) Em consequência das ocorridas quedas que atingiram DD, marido e pai dos Autores, respetivamente, sofreu este várias lesões, nomeadamente ao nível da zona torácica e abdominal, que originaram choque hemorrágico tóraco-abdominal,
S) Lesões essas que, após horas de assistência e sofrimento no Hospital de ..., foram causa única, directa, necessária e adequada da morte de DD.
T) A 1ª Ré AA tinha, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, o dever, a que não deu cumprimento, de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso das referidas na alínea K),
U) Providenciando, em particular, como era possível e estava ao seu alcance, pela respectiva deposição e acondicionamento em cavaletes dotados de sistema de separação fixa e estanque entre elas, com supressão da utilização de calços para as separar.
V) Assim como tinha, no mesmo condicionalismo, o dever, a que não deu cumprimento também, de prestar ao trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras.
W) Ao omitir o cumprimento daqueles deveres, a 1ª Ré AA, que agiu de forma livre, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, não previu, embora pudesse e devesse tê-lo previsto, que criaria perigo, como efectivamente criou, para a vida do trabalhador DD e que, por efeito disso, poderia este sofrer, como veio a suceder, acidente de que resultou a sua morte.
X) Por tais factos e por acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo crime n.º 1546/17.7..., que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., a 1ª Ré AA foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo.
Y) E a 2ª Ré J..., Lda., condenada pela prática de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152ºB, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto no artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do mesmo diploma legal e ao que se prescreve nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 , na pena de 320 [trezentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 150,00 [cento e cinquenta euros], o que perfaz a multa global de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], valor a que se subtrai, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 82º do Dec. L. 433/82, de 27.10, a importância de € 714,00 [setecentos e catorze euros], reduzindo-se, por efeito disso, a sua responsabilidade exigível à importância de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros].
Z) Tendo a pena de multa aplicada à 2ª Ré sido substituída pela prestação de caução de boa conduta, no valor de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros] e vigente pelo período de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses, a prestar, no prazo de 15 [quinze] dias, após trânsito em julgado da presente decisão, por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.
AA) Nesse dia 03/07/2017, após os sinistrados serem prontamente socorridos pelos elementos médicos do INEM e consequentemente transportados para o Hospital de ..., EPE, a Guarda Nacional Republicana que esteve presente no local, solicitou a presença dos inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT).
BB) Com o propósito de aqueles realizarem inspecção ao local e conduzir o inquérito relativo ao acidente de trabalho.
CC) Nessa conformidade, e perante o cenário e as condições encontradas nas instalações da 2.ª Ré, os inspectores, após toda a investigação levada a cabo por aqueles, redigiram o competente relatório.
DD) Consta desse relatório que: “o pavimento que os trabalhadores estavam a limpar encontrava-se sujo e escorregadio (…) os barrotes de madeira, na base do cavalete metálico, que sustentavam as chapas de granito, encontravam-se com sinais de deterioração”.
EE) O aludido relatório esclarece ainda que os cavaletes metálicos constituem a base de apoio das chapas de granito, onde aquelas se encontravam assentes, em cima dos referidos barrotes de madeira.
FF) O familiar dos aqui Autores não teve qualquer formação profissional, designadamente quanto ao adequado manuseamento das chapas graníticas nem lhe foi administrada formação sobre os concretos e específicos riscos da actividade.
GG) DD tinha 50 anos à data do acidente,
HH) Era a trave mestra da família constituída por si e Autores, com quem mantinha estreita convivência e laços afectivos fortes.
II) Era pessoa dinâmica, prestimosa e com capacidade para o trabalho.
JJ) Era dedicado aos Autores, zelando pelo seu bem estar.
KK) Os Autores viveram e vivem sentimentos de angústia e tristeza por terem perdido e sepultado o marido e pai.
LL) Os Autores ainda não conseguiram ultrapassar a perda de DD.
MM) Nas horas que decorreram entre o acidente e o seu falecimento, DD experimentou sentimentos de agonia, sofrimento, desespero e impotência.”
Factos não provados:
1. DD esteve cinco horas a receber assistência e em sofrimento no hospital até morrer.
2. Os cavaletes encontravam-se em estado de degradação perceptível e do inteiro conhecimento das Rés.
3. Os Autores viveram e vivem estado de depressão pela morte do marido e pai.
4. DD tinha dificuldades em respirar e consciência de que iria sucumbir.
5. Teve a percepção de que jamais veria a mulher e o filho.
6. As decisões relativas à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes foram tomadas pela filha da 1.ª Ré, II, sendo esta quem detinha a administração de facto da 2.ª Ré nesse âmbito e a pessoa a quem chamou a si a competência decisória sobre tais questões.
7. No dia 03 de julho de 2017 no qual se dá o acidente de trabalho sub judice, a 1.ª Ré era a gerente de direito da 2.ª Ré, mas, não obstante ser a sua gerente nominal ou formal, não era a sua gerente de facto.
8. Sendo os filhos da 1.ª Ré – II e HH – os gerentes de facto da 2.ª Ré na data em que se deu o acidente em causa nos autos.
9. Era a filha da 1.ª Ré, II, quem controlava e decidia com plena autonomia e exclusividade todas as questões do giro comercial corrente da 2.ª Ré relativas, entre outras, à:
- Interlocução com bancos;
- Interlocução com o Fisco e a Segurança Social;
- Interlocução com o técnico oficial de clientes;
- Interlocução com clientes e fornecedores;
- Interlocução total com as empresas de segurança e saúde no trabalho; e
- Contratação de funcionários e era à II quem os trabalhadores reconheciam poder de autoridade em relação a todas as questões inerentes ao seu contrato de trabalho, tais como férias, faltas, processamento de salários, etc
10. Era o irmão da referida II, igualmente filho da 1.ª Ré, HH, quem, com total autonomia e exclusividade, decidia todas as questões no setor fabril da 2.ª Ré, isto é, era ele quem:
- Distribuía o trabalho pelos funcionários da 2.ª Ré;
- Coordenava todo o setor fabril e de transformação de pedra da 2.ª Ré;
- Dava ordens aos trabalhadores e era a ele quem estes reconheciam poder de autoridade na área fabril;
- Comunicava os procedimentos de trabalho a observar pelos trabalhadores no interior da área fabril; e
- Exclusivamente operava com as pontes rolantes que existiam na fábrica para movimentar as pedras que se encontravam na zona do armazém para a zona da produção/transformação.
11. Na prática, são II e HH quem, desde 2010 ou 2011, autonomamente, decide todas as questões relativas à gerência efectiva da 2.ª Ré.
12. A 2.ª Ré assegura a realização de formação no posto de trabalho e procedimentos de segurança.
13. A qual é ministrada de forma continuada a cada trabalhador e em contexto “on the job”.
14. Tendo essa formação por objecto, entre outros, as medidas adequadas à prevenção dos riscos profissionais das funções atribuídas a cada um, bem as regras de utilização de equipamentos de proteção individual necessários ao exercício das referidas funções.
15. Assim e concretamente no que ao Sinistrado diz respeito, foi-lhe assegurada formação contínua em contexto de trabalho, não só relativamente às principais regras de segurança e saúde no trabalho, riscos profissionais, como também relativamente às máquinas de polir e produtos de acabamento normalmente utilizados no exercício das funções a desempenhar.
16. Sendo de atentar para este efeito que, a propósito do manuseamento de pedras de grandes dimensões, apenas HH se encontrava habilitado, desde outubro de 2014, a manobrar as pontes móveis (ou rolantes) que existem nas instalações da sociedade Ré.
17. Compreendendo todos os trabalhadores da 2.ª Ré que não poderiam de qualquer forma manusear as pedras em referência, e muito menos fazê-lo de forma manual, não apenas porque esse comportamento lhes foi desde sempre proibido pelas chefias da 2.ª Ré, como também em razão da larga experiência de cada um neste ramo.
18. As chapas de granito em referência apenas caíram em resultado da acção indevida e imprudente destes, e não devido à falta de implementação, por parte da 2.ª Ré, de uma qualquer acção de prevenção, eliminação ou redução de um risco identificado de acidente.
19. Foi a queda das chapas de granito que acabou por danificar um dos barrotes de madeira que servia de apoio ao cavalete em que se encontravam as pedras envolvidas no acidente.
20. O sinistrado e demais colegas que exercem as funções de Acabador estão proibidos de realizar quaisquer tarefas de movimentação de chapas, manual ou não, tanto mais que tal movimentação de chapas pressupõe a utilização da ponte rolante manobrada em exclusivo pelos trabalhadores HH e JJ.
21. Tendo os trabalhadores acidentados procedido ao manuseamento manual de tais chapas de pedra granítica, fizeram-no contra as expressas ordens e instruções das chefias da 2.ª Ré.
22. O sinistrado estava perfeitamente consciente que as suas funções não pressupunham, em qualquer momento ou circunstância, a movimentação das referidas chapas de granito, função essa que era exercida exclusivamente pelos trabalhadores HH e JJ, e apenas por meio de uma ponte rolante.
23. De sua livre iniciativa, o sinistrado incumpriu as ordens que lhe haviam sido expressamente transmitidas pela Ré e violou a proibição da movimentação das chapas de granito.”
II. 3. Do Direito
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil, artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.
II. 3.1. Questão prévia
Distinguimos do requerimento da interposição da revista excecional que as Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda suportam a requerida excecionalidade na contradição de julgados ao apontado erro de julgamento na decisão de facto, com repercussões na solução jurídica do caso em apreço, sendo claramente necessário a sua apreciação, segundo alegam, para uma melhor aplicação do direito, conforme decorre das respetivas conclusões recursivas.
Ou seja, o recurso de revista excecional interposto pelas Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda prender-se-á com a invocada errónea interpretação e aplicação do direito, por parte do Tribunal recorrido, ao julgar improcedente o pedido de reapreciação da matéria de facto apresentado pelas Recorrentes, reconhecendo que o caso julgado formado pela decisão proferida no processo-crime tem uma dimensão que abrange, para além do mais, o pressuposto do nexo de causalidade entre os factos e o dano, violando dessa forma o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento em processo crime, estando em causa o âmbito da inoponibilidade da decisão penal condenatória à luz do art.º 623º do Código de Processo Civil, enfermando o acórdão recorrido, por isso, como sustentam, de errada apreciação da prova produzida e errada aplicação da lei.
A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental reconhece que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
Com o deliberado objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.
Cuidando de analisar os segmentos do dispositivo do acórdão recorrido, não podemos deixar de equiparar uma situação de dupla conformidade total àqueloutra em que a Relação profere uma decisão que, embora não totalmente coincidente com a da 1ª Instância, se revele mais favorável aos apelantes, importando uma procedência parcial do recurso na Relação, ou seja, sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável, quer no aspeto quantitativo, quer no aspeto qualitativo para os recorrentes, do que a decisão recorrida proferida pela 1.ª Instância, está-se perante duas decisões conformes que impede a interposição de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, conquanto o acórdão recorrido não seja totalmente coincidente com a sentença proferida em 1ª Instância, reconhecemos que o enunciado segmento do dispositivo do acórdão em escrutínio que encerra a única divergência relativamente ao decidido em 1ª Instância, encerra uma decisão mais favorável para as aqui Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda, pelo que, sem reservas o afirmamos, estamos perante duas decisões conformes que impede que se possa interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, donde, numa primeira abordagem, levar-nos-ia a ordenar a remessa dos autos à Formação para conhecimento sumário do excecional fundamento impugnatório invocado da oposição de julgados, uma vez que se entende encontrar-se verificada a dupla conformidade decisória a que alude o n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, obstativa da interposição do recurso de revista dita normal.
No entanto, atendendo ao objeto da presente revista, acima enunciado, importa referir que a doutrina e jurisprudência vem, pacificamente, defendendo que não obstante a dupla conformidade decisória existente entre os arestos das Instâncias, essa mesma conformidade sai descaracterizada quando seja invocado um erro de direito na aplicação da lei adjetiva civil, como sucede quando a parte pretende reagir contra o não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto.
Como sabemos, o Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.
A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.
Perante a configuração com que emerge a decisão impugnanda, ao pretender-se a reponderação da matéria de facto, e não estando a mesma arredada do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça uma vez que as Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda invocam erro de direito na reapreciação da matéria de facto, nos termos enunciados, temos de convir que, não obstante a dupla conformidade existente entre as decisões Instâncias, sem fundamentação inovatória, essa mesma conformidade deixa de operar, impondo-se que este Tribunal ad quem conheça do objeto da revista, em termos gerais, conforme acabado de discretear.
II. 3.2. Ao julgar improcedente o pedido de reapreciação da matéria de facto apresentado pelas Recorrentes com vista a produzirem contraprova sobre o nexo de causalidade entre os factos praticados (por ação ou omissão) pelas Recorrentes e o acidente verificado, bem como, com a contribuição do sinistrado para a sua ocorrência, reconhecendo que o caso julgado formado pela decisão proferida no processo-crime tem uma dimensão que abrange, para além do mais, o pressuposto do nexo de causalidade entre os factos e o dano, violando dessa forma o regime da autoridade do caso julgado formado pelo julgamento em processo crime, o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, impondo-se um sentenciamento diverso daqueloutro consignado no arresto recorrido? (1)
(i) As Instâncias foram concordantes, pressupondo que a facticidade apurada no Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...) não pode voltar a ser discutida, evitando qualquer contradição no presente processo quanto ao conteúdo da decisão antecedente, concluindo, por isso, que os factos que importavam apreciar relativos à situação da gerência de direito e de facto da Ré/J..., Lda, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador, resultam da sentença penal proferida naquele Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), já transitada em julgado, não tendo as aqui Rés/AA e J..., Lda, arguidas no Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), possibilidade de contrariá-los por qualquer meio de prova, ou seja, os factos que foram considerados provados na sentença penal proferida nestes autos, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, reconhecendo-se inilidível a presunção estabelecida pelo art.º 623º do Código de Processo Civil.
(ii) A este propósito, a 1ª Instância consignou, com utilidade:
“quer seja com fundamento na autoridade do caso julgado da sentença penal condenatória, quer seja com fundamento na eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória, transitada em julgado, o arguido, réu em acção cível posterior, não tem a possibilidade de ilidir a presunção estabelecida pelo ar. 623º do CPC.
Voltando então ao caso sub judice, os factos controvertidos relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador resultam da sentença penal, transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R),T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados da sentença penal, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se encontra nos autos.”
(iii) De resto, o Tribunal recorrido também sufragou idêntica orientação com vista à solução do caso trazido a Juízo, como podemos colher do respetivo acórdão, tendo enunciado, neste particular:
“Sem embargo, e seja qual for a teoria utilizada para classificar a situação (ou a do efeito reflexo do caso julgado ou a teoria da extensão do caso julgado ou da eficácia probatória da sentença penal, enquanto questão de distribuição de prova), cremos que ainda assim se poderá dizer com toda a propriedade o seguinte:
- em relação ao arguido condenado no processo penal opera plenamente e sem quaisquer restrições a autoridade do caso julgado da sentença penal no que tange à matéria da autoria, da ilicitude e da culpa, estando vedado ao arguido num subsequente processo cível entre as mesmas partes ilidir a presunção decorrente da sentença penal. Dito de outro modo: os factos que foram considerados provados na sentença penal, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova.”
(…)
Revelando-se, pois, assertiva a conclusão do Tribunal a quo de que, in casu, os factos controvertidos relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador resultam da sentença penal, transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R), T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados da sentença penal, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se encontra nos autos.”
(iv) Este Tribunal ad quem não pode deixar de estar mais de acordo com a orientação perfilhada pelas Instâncias, aliás, sobre esta temática da oponibilidade da decisão penal condenatória já tivemos a oportunidade de manifestar a nossa posição aquando da prolação, nestes autos, do acórdão de 14 de novembro de 2024, em cujo dispositivo se revogou o aresto, entretanto proferido, substituindo-o por outro que, entre o mais, determinou que a Relação retomasse o conhecimento daqueloutras questões que contendem com o mérito da causa, consideradas como prejudicadas, por ter absolvido as Rés/AA e J..., Lda da instância.
Assim, com toda a propriedade e utilidade para a economia dos presentes autos, com vista ao conhecimento da articulada questão, objeto da presente revista, respigamos, com utilidade, do acórdão proferido nestes autos a 14 de novembro de 2024:
“Enfatizamos a orientação defendida na doutrina e jurisprudência, que o caso julgado na sua função positiva - como autoridade - projeta os efeitos de uma determinada decisão em ações posteriores conexas com aquela em que foi formado e que venham a decorrer entre as mesmas partes, sem necessidade de total correspondência e identidade objetiva entre umas e outras, funcionando independentemente da verificação da tríplice de identidade exigida pelo art.º 581º do Código de Processo Civil, pressupondo, que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, importando a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente; e de igual modo, sublinhando reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos, não sendo a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo.
Assim sendo, importa considerar, desde logo, termos também por adquirido processualmente nestes autos, terem sido as Rés, AA e J..., Lda, condenadas pela prática de um crime de violação de regras de segurança, tendo por ofendido DD, marido e pai dos aqui demandantes, no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7..., por acórdão transitado em julgado, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz ... (…).
Daqui decorre que devemos ponderar, não só os princípios relativos à oponibilidade da decisão penal condenatória, mas também a prevalência dos casos julgados contraditórios.
Textua o art.º 623º do Código de Processo Civil:
“Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória
A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.”
Sobre esta temática adjetiva perfilhamos a orientação de que relativamente aos sujeitos processuais no processo penal a condenação definitiva forma caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado, e não uma simples presunção ilidível, como sucede em relação aos terceiros, neste sentido, veja-se a jurisprudência citada in, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, Almedina 2015, Maria José Capelo, página 217, nota 831 e página 220, nota 841.
Entre partes, ou seja, entre aqueles que intervieram no processo penal, designadamente arguido e demandante cível, a sentença penal condenatória, transitada em julgado, tem, necessariamente, eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infração e a culpa, que não podem por isso ser de novo objeto de discussão dentro ou fora do processo penal, ou seja, salientamos, constitui presunção inilidível.
O enunciado normativo adjetivo - art.º 623º do Código de Processo Civil - não é aplicável à empregadora, e representante legal, aqui demandadas, já que foi arguida no processo penal, não sendo terceiros para efeitos desta norma, em relação a tal processo.
Relativamente a estas, empregadora, e representante legal, aqui demandadas, impõe-se a autoridade do caso julgado que visa obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica).
Revertendo ao caso trazido a Juízo, está adquirido processualmente que o acórdão condenatório proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), transitou em julgado em 9 de novembro de 2020, e o acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 3568/17.9... (Tribunal do Trabalho ...), transitou em julgado em 11 de maio de 2022.
Coligimos do acórdão condenatório proferido no âmbito do Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...):
“Isto posto, e com pertinência relativamente ao crime de violação de regras de segurança, tendo como visado a pessoa de DD, logrou demonstrar-se que a arguida sociedade J..., Lda, que gira comercialmente sob a designação G..., tem por objecto social, desde a data da respectiva constituição, ocorrida aos 19.01.2001, a actividade de importação, exportação, transformação e comercialização de granitos e mármores.
Mais se demonstrou que, desde a data acima mencionada, foi sempre dela sócia e gerente a arguida AA, que, a partir de 16.10.2014, passou a deter, em exclusividade, a última das referidas condições.
Apurou-se, acrescidamente, que, a par da reportada qualidade formal, a arguida AA exerceu sempre, em efectividade, a administração da arguida sociedade, dirigindo, nesse quadro, os destinos dela e chamando a si a competência decisória pertinente a todos os aspectos da sua gestão corrente, a incluir os relativos à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes, sendo que, nesse quadro, para o desenvolvimento do respectivo objecto social, a arguida sociedade, sob decisão e direcção da arguida AA, contratou e manteve ao seu serviço vários trabalhadores, por essa via vinculados, mediante retribuição, a prestar a força do seu trabalho, entre os quais se incluíram GG e DD, admitidos aos 01.02.2016 e 23.01.2017, para desempenhar funções correspondentes à categoria de acabadores de primeira.
Demonstrou-se, ainda, que, no dia 03.07.2017, GG e DD, em cumprimento de ordens e instruções dimanadas no interesse da arguida sociedade, procediam no interior das instalações desta, sitas no local da respectiva sede, em ..., à limpeza do pavimento da nave industrial, com inclusão da zona de armazenamento de material, zona onde se procedia a cargas e descargas, encontrando-se aí vários cavaletes metálicos que acomodavam chapas em pedra.
Apurou-se, também, que um desses cavaletes acomodava várias chapas da referida natureza, incluindo duas de granito, assentes em barrotes de madeira e depostas uma sobre a outra, em posição inclinada, uma delas com a espessura de 8 cm, o cumprimento de 218 cm e a altura de 159 cm e a outra com a espessura de 5 cm, o comprimento de 218 cm e a altura de 155 cm, perfazendo, pelo seu conjunto, o peso de cerca de 500 a 600 quilogramas.
Demonstrou-se, igualmente, que as referidas chapas de granito tinham a separá-las um calço em madeira, destinado, por um lado, a evitar a respectiva danificação por contacto entre si e, por outro lado, a permitir criar e manter entre elas espaço suficiente para o encaixe das cintas do sistema mecânico, denominado por ponte rolante, em uso nas instalações da arguida sociedade para a deposição, levantamento e movimentação aérea das pedras para outras zonas da nave industrial.
Veio, ainda, a apurar-se que, cerca das 11h15m, DD e GG interromperam a tarefa de limpeza do pavimento a que davam curso, para reposicionar o calço em madeira que separava as referidas chapas e que se apresentava na condição de descaído.
Unindo esforços para o fazer, DD desencostou manualmente a pedra que se apresentava mais pela parte exterior do cavalete, inclinando-a sobre si, tendo-se posicionado, por seu turno, GG na lateral do cavalete para reposicionar o calço que estava por detrás dessa pedra e que a separava da outra.
A determinado momento, porém, a segunda pedra sofreu um efeito de inclinação para a frente também, originando, em conjunto com o peso da primeira, sobrecarga sobre DD, que este deu mostras de não conseguir suster.
Nesse momento, GG foi em auxílio do mesmo, sem que, contudo, a união da força de ambos tivesse sido o bastante para suster a movimentação das duas pedras, que acabaram por cair sobre eles.
Demonstrou-se, ainda, que o cavalete onde se encontravam depostas as referidas chapas de granito não era dotado nem estava provido de sistema fixo e estanque de acomodação e arrumação entre elas, que tornasse desnecessário o emprego de calços para as separar e que, por essa via, evitasse o risco de queda das pedras, em caso de manipulação manual, como veio a suceder.
Para além disso, apurou-se que, ao serviço da arguida sociedade, não foi ao trabalhador DD ministrada qualquer formação, a incluir quanto ao manuseamento manual de pedras, em particular sobre a proscrição de o fazer relativamente àquelas que apresentassem as dimensões e o peso das referidas, sempre superior a 30 kg, e sobre os riscos daí advenientes, em particular o de esmagamento.
Também se demonstrou que, em consequência das ocorridas queda e atingimento, DD sofreu múltiplas lesões, designadamente, ao nível da zona torácica e abdominal, que, tendo originado choque hemorrágico tóraco-abdominal, foram a causa directa e necessária da sua morte.
Demonstrou-se, ainda, que a arguida AA tinha, em representação e no interesse da arguida sociedade, o dever, a que não deu cumprimento, de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso das referidas, providenciando, em particular, como era possível e estava ao seu alcance, pela respectiva deposição e acondicionamento em cavaletes dotados de sistema de separação fixa e estanque entre elas, com supressão da utilização de calços para as separar.
Tinha, no mesmo condicionalismo e tal como, igualmente, se demonstrou, o dever, a que não deu cumprimento também, de prestar ao trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras, nos termos acima referidos.
Demonstrou-se, por fim, que, ao omitir o cumprimento daqueles deveres, a arguida AA, que agiu de forma livre, em representação e no interesse da arguida sociedade e com conhecimento do desvalor jurídico-penal das suas condutas, não previu, embora pudesse e devesse tê-lo previsto, que criaria perigo, como efectivamente criou, para a vida do trabalhador DD e que, por efeito disso, poderia este sofrer, como veio a suceder, acidente de que resultou a sua morte.
Aqui chegados e considerada a materialidade que logrou demostrar-se, bem como as disposições legais supra enunciadas, dúvidas não subsistem em considerar que a arguida AA, por via dos comportamentos que prosseguiu, preencheu os elementos objectivos e subjectivo típicos – este na modalidade de negligência inconsciente [cfr. artº 15º, al. b) do Cód. Penal] – do imputado crime de infracção de regras de segurança, que visou, como ofendido, a pessoa de DD, p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08.
Com efeito, violou a arguida AA prescrições legais e regulamentares, em matéria de saúde e de segurança no trabalho, muito em particular as associadas à eliminação do risco/necessidade de manuseamento manual de cargas superiores aos limites legalmente previstos, o que estava ao seu alcance fazer, em particular através da utilização de cavaletes com características técnicas diversas das daqueles de que fazia uso e que permitissem eliminar a necessidade de separação de pedras através de calços. Violou, também, as prescrições relativas à obrigação de providenciar pela formação profissional do trabalhador acidentado, em especial naquele domínio do manuseamento manual de carga.
Ao agir pelo modo indicado, deu causa a que o trabalhador DD - com direito à prestação de trabalho em condições que respeitassem a sua segurança e a sua saúde - ficasse sujeito, como ficou, a perigo para a vida, que veio a converter-se, por efeito dos factos ocorridos, no correspondente resultado danoso.
A arguida AA não previu qualquer daqueles resultados - o de perigo e o de dano -, muito embora estivesse ao seu perfeito alcance prevê-lo. É, assim de censurar o seu comportamento, que preenche os elementos típicos do sobredito ilícito penal, por cuja verificação responde, também, a arguida sociedade, nos termos prescritos pelo artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do Cód. Penal.”
(…) Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), anteriormente transitado em julgado, que, conforme já adiantamos ao transcrever parte do respetivo enquadramento jurídico, reconheceu que as arguidas, empregadora, e representante legal, aqui demandadas, violaram as prescrições legais e regulamentares, em matéria de saúde e de segurança no trabalho, muito em particular as associadas à eliminação do risco/necessidade de manuseamento manual de cargas superiores aos limites legalmente previstos, o que estava ao seu alcance fazer, em particular através da utilização de cavaletes com características técnicas diversas das daqueles de que fazia uso e que permitissem eliminar a necessidade de separação de pedras através de calços, a par da violação das prescrições relativas à obrigação de providenciar pela formação profissional do trabalhador acidentado, em especial naquele domínio do manuseamento manual de carga, dando causa a que o trabalhador DD ficasse sujeito, como ficou, a perigo para a vida, que veio a converter-se, por efeito dos factos ocorridos, no correspondente resultado danoso, a morte.”
Daqui decorre que a facticidade apurada no Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...) não pode voltar a ser discutida, evitando-se, assim, qualquer contradição no presente processo quanto ao conteúdo da decisão antecedente, daí que os factos que importavam apreciar relativos à situação da gerência de direito e de facto da Ré/J..., Lda, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador, que resultam da sentença penal proferida naquele Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), já transitada em julgado, não podem ser contrariados por qualquer meio de prova, devendo aqueles factos que foram considerados provados naquela sentença penal ser atendidos na presente demanda como factos demonstrados.
Impõe-se afirmar a eficácia probatória da decisão proferida no Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), pressupondo uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, onde as arguidas, aqui demandadas, tiveram oportunidade de juntar provas e aduzir as razões de facto e de direito, que, de resto, não lograram acolhimento pelo Tribunal.
Merece, assim, aprovação a decisão do Tribunal a quo quando, ao reapreciar a decisão de facto, analisando a oponibilidade da decisão penal condenatória, concluiu: “Revelando-se, pois, assertiva a conclusão do Tribunal a quo de que, in casu, os factos controvertidos relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador resultam da sentença penal, transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R), T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados da sentença penal, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se encontra nos autos.”
Tudo visto, atendendo a que a matéria de facto não sofreu qualquer alteração, sufragamos o sentenciado pelo Tribunal recorrido: “Concluiu-se, pois, assertivamente pela imputação do acidente à responsabilidade das RR., que não previram, e podiam prever, o perigo a que o trabalhador ficou exposto e a sua morte. Tendo efectivamente resultado verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e da obrigação de indemnizar a cargo das Rés, constatando-se a existência de um facto ilícito (a violação de prescrições legais e regulamentares em matéria de saúde e de segurança no trabalho e de formação profissional do trabalhador, que deu causa a que esse trabalhador ficasse sujeito a perigo para a vida, que se converteu, por meio dos factos ocorridos, na sua morte), na primeira das modalidades referidas no art. 483º do CC, na medida em que foi violado um direito subjectivo absoluto de outrem e tendo-se provado a ocorrência de danos não patrimoniais sofridos quer pela vítima, quer pela mulher e filho, bem como o nexo de causalidade entre estes danos e aquele facto, nos termos previstos no art. 563º do CC, sendo o comportamento em análise culposo.”, fixando, outrossim, a ajustada indemnização.
II. 3.2. O aresto em escrutínio padece de nulidade por violação do art.º 615º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, porquanto se socorreu de factos que não foram dados como provados nos presentes autos, nem no processo-crime, e que vão muito para além daqueles factos ou presunções judiciais que resultam das regras da experiência? (2)
(i) O Código Processo Civil enumera, imperativamente, no n.º 1 do seu art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, ambos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.
Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que o afetam formalmente e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
(ii) No que ao caso em apreço interessa, o vício da nulidade do acórdão corresponde aos casos de ininteligibilidade do discurso decisório porque a explicação que conduz ao resultado adotado induz, logicamente, a um desfecho oposto ao reconhecido (contradição entre os fundamentos e a decisão).
Decorre do art.º 615º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil que é nulo o acórdão quando os respetivos fundamentos estão em oposição com a decisão proferida.
A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe em erro lógico na argumentação jurídica dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, apenas ocorre a nulidade do acórdão prevista na consignada alínea c) do n.º 1, do art.º 615º do Código de Processo Civil, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.
(iii) Sustentam as Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda que o Tribunal recorrido se socorreu de factos que não foram dados como provados nos presentes autos, nem no processo-crime, e que vão muito para além daqueles factos ou presunções judiciais que resultam das regras da experiência.
(iv) Ora, como decorre da apreciação que levamos a cabo no precedente item, aí reconhecemos, sem reservas, que os factos que sustentam a solução do caso trazido a Juízo, relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré/J..., Lda, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador, resultam demonstrados nos autos por referência ao apurado na decisão penal proferida no Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R), T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados naquela decisão penal, donde, não se impõe sentenciamento diverso daqueloutro consignado no arresto recorrido.
Na subsunção jurídica espelhada no acórdão em escrutínio o Tribunal a quo teve em consideração, apenas e só, os factos dados como demonstrados nos presentes autos, nomeadamente aqueles que decorrem do Processo crime n.º 1546/17.7... (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), não se distinguindo que tenha ido para além daqueles factos ou retirado, incorretamente, quaisquer presunções judiciais.
Os fundamentos de facto e de direito invocados pelo Tribunal a quo conduzem logicamente ao resultado consignado no dispositivo da respetiva decisão, pelo que, concluímos pela inteligibilidade do discurso decisório, improcedendo, assim, a reclamada nulidade do acórdão recorrido.
Na improcedência das conclusões retiradas das alegações, trazidas à discussão pelas Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda, não reconhecemos à respetiva argumentação, virtualidade bastante no sentido de alterar o destino da demanda, traçado no Tribunal recorrido.
III. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.
Custas pelas Recorrentes/Rés/AA e J..., Lda
Notifique.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 23 de abril de 2025
Oliveira Abreu (relator)
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria de Deus Correia