I - Com a reclamação deduzida à nota discriminativa de custas de parte deve o reclamante proceder ao depósito do valor total da mesma nota, constituindo tal depósito condição para a admissão da reclamação.
II - O n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais não enferma de inconstitucionalidade material.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
Com o requerimento de 03.10.2024, a ré apresentou nota discriminativa de custas de parte.
A 17.10.2024 a autora apresentou reclamação à referida nota de custas, nos termos previstos pelo artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, com alegação dos fundamentos em que sustenta a sua discordância, acrescentando que não procede ao depósito previsto no n.º 2 do referido dispositivo por considerar que tal norma viola o princípio da igualdade e é inconstitucional, citando jurisprudência nesse sentido.
Sem prejuízo e caso o tribunal entenda ser devido o depósito, requer que lhe seja concedido o prazo de 5 dias para o fazer.
Seguidamente, com fundamento no facto do depósito em causa ser condição de admissão da reclamação, proferiu-se decisão que não admitiu a reclamação apresentada pela autora, condenando esta no incidente a que deu causa.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs a autora recurso de apelação para esta Relação, findando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1ª A recorrente não se conforma com a decisão judicial proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.
2ª Sendo que, da decisão proferida cabe recurso em um grau por o valor da nota exceder 50 UC – artigo 26º-A, nº 3 do RCP.
3ª Por requerimento de 03-10-2024 a ré apresentou a sua Nota Discriminativa de Custas de Parte no valor de 6 579,00 €.
4ª Por requerimento de 17-10-2024 a autora veio apresentar reclamação à nota de custas de parte da ré, nos termos previstos pelo artigo 26-A do R.C. Processuais, alegando os fundamentos em que sustenta a sua discordância.
5ª Mais referiu que não deu cumprimento ao depósito previsto pelo artigo 26ºA, n.º 2 do R.C.P. por considerar que tal norma viola o princípio da igualdade e é inconstitucional, citando jurisprudência nesse sentido.
6ª O que encontra justificação no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 838/2024, de 04-12. que decidiu: “Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, na interpretação segundo a qual pode ser decidido o indeferimento da apreciação da reclamação da nota de custas de parte com o único fundamento de não ter sido efetuado o depósito do valor dessa nota por parte do reclamante, por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.”
7ª A A não é devedora perante a Ré do valor de 6.579,00€, devendo a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte ser julgada procedente
8ª Em face de todo o exposto, considerando que as questões colocadas no presente recurso já foram profusamente analisadas e tratadas nos acórdãos acima mencionados, concordando-se com os argumentos aí constantes e com o decidido a final, que é perfeitamente aplicável, mutatis mutandis, neste processo e recurso; que os fundamentos em que assentaram esses arestos relativamente a cada uma das questões colocadas neste recurso são inteiramente transponíveis para o caso dos autos, cumpre concluir, pela inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, na interpretação segundo a qual pode ser decidido o indeferimento da apreciação da reclamação da nota de custas de parte com o único fundamento de não ter sido efetuado o depósito do valor dessa nota por parte do reclamante.
9ª Ora, no caso em apreço, pode e deve a reclamação apresentada ser apreciada.
10ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 1 da CdRP e 26ºA, nº 2 do RCP.
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
11ª Por esta via, a A. mais requereu ao douto Tribunal que fosse concedido o prazo de 5 dias para proceder ao depósito do valor das custas reclamadas pela R., assim ficando acautelada a regularização da presente instância, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 6º e 547º do C.P.C..
12ª Nos termos do nº 1 do artigo 6º do Código de Processo Civil, «Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere […]».
13ª No essencial, o dever de gestão do processo determina que o juiz tem o dever de condução ativa do processo de forma a obter com eficiência a composição justa e célere do litígio.
14ª O dever de gestão processual é instrumental relativamente à garantia de acesso aos tribunais e de obtenção de uma resolução do litígio em prazo razoável (nº 4 do artigo 20º da Constituição e artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
15ª Por outro lado, o princípio da adequação formal, consagrado no art. 547.º CPC comporta um aspeto instrumental, no âmbito do qual o dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”, ou seja, uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor complexidade que forem possíveis do caso concreto.
16ª Na atividade gestionária, o apego à forma legal, isto é, à regra estrita preexistente deve ser substituído pela procura de soluções formais afeiçoadas ao caso concreto, sempre no respeito pelos princípios do processo civil - Cfr. Ac. TRP, Processo 783/18.1T8STS-D.P1, de 24-02-2022, in www.dgsi.pt..
17ª Em função de todo o supra exposto, o Tribunal deveria ter colhido o pedido da autora para ser notificada para proceder ao depósito se a sua interpretação não fosse acolhida.
18ª Por conseguinte, o Exmº. Sr. Dr. Juiz violou o disposto nos artigo 6º e 547 do C.P.C., o que se invoca com as legais consequências, com a consequente revogação da aludida decisão judicial.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que julgue que, no caso em apreço, pode e deve a reclamação apresentada ser apreciada e, caso assim não se entenda, deve ser acolhido o pedido da autora para ser notificada para proceder ao depósito, assim se fazendo…JUSTIÇA”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se o depósito a que se refere o artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais é condição de admissão de reclamação contra nota discriminativa de custas de parte.
- Na afirmativa, se, no caso em apreço, devia ter sido concedido prazo à autora/reclamante para a mesma efectuar tal depósito, conforme por ela requerido aquando da formulação da reclamação.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais a atender para o conhecimento do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Dispõe o artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com a redacção actual introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março:
“1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.
2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.
[...]”.
Como resulta expressamente do citado normativo, a reclamação da nota justificativa depende da sua apresentação no prazo fixado no n.º 1 e do depósito, pelo reclamante, da totalidade do valor da nota.
Segundo o acórdão da Relação de Lisboa de 2.07.2020, relatado pela Sr.ª desembargadora Cristina Neves, “A norma prevista no n.º 2 do art.º 26-A do RCP (introduzida pela Lei n.º 27/2019 de 28 de Março), ao exigir o depósito do valor total da nota de custas de parte, como requisito de admissibilidade de reclamação, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva constante dos artigos 18º n.ºs 2 e 3 e 20º n.ºs 1 e 5 da Constituição.”. Nele se refere que “a imposição do depósito do valor total da nota (a acrescer à exigência do pagamento da taxa devida pela dedução do incidente e efectivamente paga pelo reclamante), constitui uma restrição desproporcional do direito e, nessa medida, uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no artigo 20 n.ºs 1 e 5 da Constituição.”.
Não é este, todavia, o entendimento maioritariamente perfilhado pelas instâncias superiores e pelo próprio Tribunal Constitucional.
De forma quase unânime, a jurisprudência das Relações vem entendendo que a referida norma não se acha ferida de inconstitucionalidade material[1].
Tal posição vem sendo sucessivamente reafirmada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional[2], que, de forma unânime, vem defendendo que se é certo que decorre do artigo 20.º, nº. 1, da CRP que a justiça não pode ser negada por insuficiência de meios económicos, também é certo e indiscutido que a justiça não é um serviço gratuito, sendo natural que sejam também os que dele se socorrem que paguem os encargos com tal actividade.
Do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 726/2020 pode retirar-se: “O Tribunal tem dito, em jurisprudência constante, que a norma contida no artigo 20º da Constituição (mormente, a resultante do disposto no seu º 1) não contém nenhum imperativo de gratuitidade da justiça. Sendo o direito, que aí se consagra, de acesso ao tribunal, um direito pluridimensional […], ampla será, também, a liberdade de conformação do legislador ordinário quanto à disciplina das custas que o exercício de tal direito, inevitavelmente, acarretará.
Certo é, no entanto, que essa liberdade terá limites, sempre que se demonstrar que os custos da utilização da máquina judiciária, fixados pelo legislador como correlativo da criação e afectação, por parte do Estado, de importantes meios ao fim de “realização da justiça”, são, pela sua dimensão, de tal modo excessivos ou onerosos que acabam por inibir o acesso que o cidadão comum deve ter ao juiz e ao tribunal. Quanto a este ponto, tem também sempre dito o Tribunal que o teste da proporcionalidade se deve fazer tendo em conta a exigência de um “equilíbrio interno ao sistema” que todo o regime de custas, pela sua razão de ser, terá que perfazer. (Assim, vejam-se, entre outros, os Acórdãos nºs 552/91, 467/91 e 1182/96, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).»
E foi a propósito da alegada ruptura do equilíbrio interno ao sistema, pelo excesso, coenvolvida na exigência, para reclamar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, do prévio depósito do montante indicado nessa mesma nota, que o Tribunal considerou que tal só ocorreria, caso o processo da respectiva elaboração não fosse controlado. (…)
No caso sub iudicio, é igualmente aplicável esta doutrina sobre os limites do equilíbrio interno do regime de custas. Com efeito, na linha da jurisprudência contida no Acórdão n.º 347/2009, importa garantir que a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respectiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida.
O fim legalmente prosseguido é idêntico ao considerado no supracitado Acórdão, intensificado porventura agora pela preocupação de estimular a cooperação do devedor (cfr. supra o n.º 6).
No tocante às garantias do aludido equilíbrio interno, verifica-se que as mesmas, na solução em análise, até são reforçadas.
Em primeiro lugar, cumpre ter presente que das três rubricas que devem constar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte segundo o artigo 25.º, n.º 2, do RCP – taxa de justiça, encargos e honorários e despesas de mandatário ou agente de execução –, o valor de duas delas é, desde logo, indicado pela secretaria do tribunal e o valor da terceira encontra-se perfeitamente balizado.
Assim, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, com a notificação da decisão que ponha termo ao processo, deve a secretaria remeter às partes uma nota descritiva com os seguintes elementos:
a) Indicação das quantias efectivamente pagas a título de taxa de justiça;
b) Indicação das quantias efectivamente pagas a título de encargos.
Por outro lado, no que se refere aos honorários e despesas de mandatário ou agente de execução, rege, por remissão contida no artigo 32.º, n.º 1, da mesma Portaria, o limite fixado no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP: «50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora».
Ou seja, a margem para lapsos ou manipulações quantitativas não verificáveis antes de qualquer reclamação é objectivamente muito limitada. Ademais, o custo máximo imputável a custas de parte é, em larga medida, antecipável a partir do cálculo da taxa de justiça aplicável e do tipo de processo, permitindo, desse modo, e se existir uma situação de risco real de comprometimento de acesso à justiça, mobilizar atempadamente o apoio judiciário, em especial, na modalidade de dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. o artigo 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho).
A isto acresce, em segundo lugar, que a própria nota discriminativa e justificativa das custas de parte tem de ser remetida não apenas à parte vencida, mas também ao próprio tribunal (cfr. o artigo 25.º, n.º 1, do RCP e o artigo 31.º, n.º 1, da Portaria 419-A/2009, na redacção originária). Mais: resulta da aplicação subsidiária à reclamação da nota justificativa das disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º do RCP – isto de acordo com a previsão do artigo 33.º, n.º 4, da Portaria 419-A/2009 – que «oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta [ou a nota justificativa] se esta não estiver de harmonia com as disposições legais». Saliente-se que esta possibilidade de reforma oficiosa se encontra prevista como uma consequência da sujeição da conta ao princípio da legalidade – princípio o que também vale para a elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte. Aliás, de outro modo, nem se compreenderia a exigência legal de envio de tal nota também ao tribunal.
Os dois aspectos considerados – a predeterminação normativa do valor máximo admissível das custas de parte num dado processo e a necessidade de dar conhecimento simultâneo ao tribunal e à parte vencida da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, abrindo a possibilidade de uma reforma oficiosa da nota apresentada – constituem um controlo mínimo suficiente para assegurar que a sujeição da reclamação daquela nota ao depósito prévio do respectivo valor não rompe o equilíbrio interno do regime de custas, neste domínio específico das custas de parte.
Consequentemente, atentos os valores coenvolvidos em tal regime, mormente o da moderação e racionalização das reclamações, a sujeição em causa prevista no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, não pode ser considerada excessiva, pelo que a mesma sujeição não viola o princípio da proporcionalidade”.
E no acórdão da Relação de Évora de 8.10.2015 pode ler-se: “A interpretação que deste artigo 20º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjectivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efectividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efectiva.
O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, de forma que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.”
No caso em apreço, a ré apresentou nota discriminativa de custas no valor de € 6.579,00 e tendo a autora deduzido reclamação a essa nota justificativa de custas de parte não procedeu ao depósito imposto pelo n.º 2 do aludido artigo 26.º-A, com a invocação da inconstitucionalidade da norma em causa.
Acompanhando o entendimento claramente maioritário das Relações e do Tribunal Constitucional, no sentido de que nenhuma inconstitucionalidade afecta o normativo em causa, a apreciação da reclamação apresentada contra a nota discriminativa de custas de parte estava condicionada ao prévio depósito da totalidade do valor da nota objecto de reclamação.
A omissão do dever de proceder ao depósito exigido pelo n.º 2 do mencionado artigo 26-º-A, decorrendo directamente da lei, não pode ser suprido por meio de convite à realização do depósito em falta.
Tal como refere o acórdão desta Relação de 9.01.2020, “...esse convite não está legalmente previsto e, por outro, não está em causa um aperfeiçoamento de alguma peça processual ou a falta de junção de algum documento que seja necessário para se poder tomar uma decisão sobre uma exceção dilatória ou do mérito da ação (artigo 590.º, nºs. 2 a 4, do C. P. C.) mas antes o incumprimento de um ónus processual prévio à apreciação do que se alega e que a lei não prevê que possa ser ulteriormente ultrapassado.
Ao contrário do que sucede em outras situações de falta de cumprimento de ónus – por exemplo, falta de pagamento da 2.ª prestação de taxa de justiça – artigo 14.º, nºs. 3 e 4, do R. C. P. -, a lei não prevê que este depósito do valor da nota discriminativa, sendo omitido, ainda possa vir a ser objeto de nova oportunidade de pagamento (como também sucede, a nosso ver, na falta de pagamento da taxa de justiça deste específico incidente de reclamação, com recurso ao artigo 570.º, n.º 3, do C. P. C. (notificação da secretaria para pagamento com acréscimo)”.
Na situação aqui em análise, a apelante não procedeu ao depósito do valor da nota justificativa de custas quando dela reclamou, facto que justificava plenamente, sem necessidade de convite para proceder ao depósito em falta, o não conhecimento da reclamação deduzida.
Todavia, manifestando a mesma, no momento da apresentação da reclamação, disponibilidade para efectuar o depósito omitido, no caso de o tribunal não acolher os seus argumentos e entender ser o mesmo devido, um adequado exercício do dever de gestão processual aconselhava que, não sendo acolhida a sua posição quanto à inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, fosse à apelante concedido prazo para efectuar o depósito, nos termos por ela requeridos.
Como explica o acórdão desta Relação de 24.02.2022[3], “I - A gestão processual visa diminuir os custos, o tempo e a complexidade do procedimento, e pressupõe um juiz empenhado na resolução célere e justa da causa.
II - A gestão processual comporta:
- um aspecto substancial, que se expressa no dever de condução do processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade de este providenciar pelo andamento célere do processo, devendo, para a obtenção desse fim, promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (art.º. 6.º, n.º 1, do C.P.C.); pode, neste caso, pode falar-se de um poder de “direcção do processo” e de um poder de “correcção do processo”;
- um aspecto instrumental ou adequação formal, no âmbito do qual o dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”, ou seja, uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor complexidade que forem possíveis do caso concreto (art. 547.º, do C.P.C.).
III - Na actividade gestionária, o apego à forma legal, isto é, à regra estrita preexistente deve ser substituído pela procura de soluções formais afeiçoadas ao caso concreto, sempre no respeito pelos princípios do processo civil”.
A concessão de prazo para a apelante proceder ao depósito do valor da nota justificativa de custas de parte, no concreto contexto em que a mesma formulou tal pretensão, surge, assim, como solução mais avisada e conforme os poderes que os artigos 6.º, n.º 1 e 547.º do Código de Processo Civil ao invés de, ignorando a disponibilidade por ela manifestada aquando da reclamação apresentada, rejeitar logo a referida reclamação.
Desta forma, se a decisão recorrida não merece censura na parte em que conclui ser devido o depósito como condição de admissão da reclamação à nota justificativa de custas de parte, afastando a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, deve, todavia, a mesma ser revogada para que seja concedido à reclamante, aqui recorrente, prazo para a mesma proceder ao depósito em falta, conforme por ela requerido.
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As custas do recurso serão suportadas pela recorrente, por tirar proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 10.04.2025
Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Judite Pires
Carlos Cunha Carvalho
Isabel Rebelo Ferreira
___________________________
[1] Cfr., designadamente, Acórdãos desta Relação do Porto de 15.1.2013, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador ANTÓNIO MARTINS, de 26.01.2016, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador RUI MOREIRA, de 9.11.2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador MENDES COELHO, de 9.01.2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador JOÃO VENADE, de 22.02.2021, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora EUGÉNIA CUNHA e de 21.10.2021, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador CARLOS PORTELA, de 14.10.2021, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora ISABEL PEIXOTO; no Acórdão da Relação de Guimarães de 16.04.2015, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora HELENA MELO; nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 8.10.2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador CARLOS CASTELO BRANCO, de 15.09.2020, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora CRISTINA COELHO ou, ainda, nos Acórdãos da Relação de Évora de 8.10.2015, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora CONCEIÇÃO FERREIRA, de 27.02.2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador MÁRIO SILVA, de 14.01.2021, relatado pela Sr.ª Juíza Desembargadora CRISTINA MESQUITA, todos em www.dgsi.pt.
[2] Cfr., entre outros, Acórdão do TC n.º 678/2014, de 15.10.2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro PEDRO MACHETE, no Acórdão do TC n.º 726/2020, de 10.12.2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro GONÇALO de ALMEIDA RIBEIRO, no AC TC n.º 370/2020, de 10.07.2020, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira MARIA de FÁTIMA MATA-MOUROS, no AC TC n.º 461/2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro JOSÉ TELES PEREIRA, no AC TC n.º 462/2020, de 30.09.2020, relatado pelo mesmo Sr. Juiz Conselheiro JOSÉ TELES PEREIRA e, no mais recente AC do mesmo TC n.º 56/2021, de 22.01.2021, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro LINO RIBEIRO, em www.tribunalconstitucional.pt.
[3] Processo n.º 783/18.1T8STS-D.P1, www.dgsi.pt.