INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO DO INTERMEDIÁRIO
CULPA
Sumário

I - Reveste-se de ilicitude a atuação do intermediário financeiro que não informa o cliente de que o título representativo de dívida que este veio a adquirir, embora identificado como sendo uma “obrigação” ordinária (sénior, não subordinada), sofreu uma mutação no seu conteúdo, tendo a obrigação do emitente devedor (na data da aquisição) passado a estar condicionada à não ocorrência de um evento futuro e incerto.
II - Age com culpa o intermediário financeiro que atua nos moldes descritos no ponto anterior, quando o seu funcionário interlocutor do cliente desconhecia a mutação referida no ponto anterior, razão pela qual não alertou o cliente para a sua ocorrência.
III - Sendo tal mutação o efeito de uma decisão inédita do regulador, sem precedentes na União Europeia, que, embora contemplado em lei recente, não foi sequer representado pela CMVM, a culpa do intermediário financeiro referida no ponto anterior não é grave.

Texto Integral

Proc. n.º 160/204T8PVZ.P1


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Sumário:

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

AA instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Banco 1..., S.A., pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de “100.953,70 €, acrescida de juros de mora à taxa supletiva civil, desde 25/11/2014 e até efetivo e integral pagamento, os quais, computados até 27/01/2020 ascendem a 20.898,80€.”

Fundamentou tal pedido alegando que adquiriu ao balcão do réu um instrumento financeiro, tendo tal aquisição sido realizada com base em informações falsas prestada pelo réu. Em consequência da desvalorização do referido instrumento financeiro, o autor sofreu um prejuízo no valor correspondente ao pedido. O réu constituiu-se na obrigação de indemnizar o autor.

Citado, o banco réu Banco 1... apresentou contestação, defendendo-se por exceção (caducidade e prescrição) e por impugnação (quer quanto ao desconhecimento das características do instrumento pelo autor, quer quanto ao perfil de investidor deste, quer quanto ao âmbito das obrigações do réu, enquanto intermediário financeiro).

O autor respondeu, sustentado não ter caducado nem ter prescrito o seu direito exercido na ação.

Foi determinada a apensação aos presentes autos da ação, com processo comum (apenso B), por meio da qual AA demandou Banco 2... S.A., pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia (após retificação) de “99.770,83 €, acrescida de juros de mora à taxa supletiva civil, desde 25/11/2014 e até efetivo e integral pagamento (e que, calculados até 27/01/2020 ascendem a 21.124,08€)”.

Fundamentou tal pedido alegando que adquiriu ao balcão do réu um instrumento financeiro, tendo tal aquisição sido realizada com base em informações falsas prestada pelo réu. Em consequência da desvalorização do referido instrumento financeiro, o autor sofreu um prejuízo no valor correspondente ao pedido. O réu constituiu-se na obrigação de indemnizar o autor.

Citado, o banco réu Banco 2... apresentou contestação, defendendo-se por exceção (caducidade e prescrição) e por impugnação (quer quanto ao desconhecimento das características do instrumento pelo autor, quer quanto ao perfil de investidor deste, quer quanto ao âmbito das obrigações do réu, enquanto intermediário financeiro).

O autor respondeu, sustentado não ter caducado nem ter prescrito o seu direito exercido na ação.

Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou as ações parcialmente procedentes, concluindo nos seguintes termos:

A) Processo n.º 160/20.4T8PVZ:

Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno o réu a pagar ao autor a quantia de 100.953,70 €, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde 15.07.2016 até efetivo e integral pagamento (…)

B) Processo n.º 160/20.4T8PVZ-B:

Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno o réu a pagar ao autor a quantia de 99.770,83 €, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde 15.07.2016 até efetivo e integral pagamento. (…)

Inconformados, os réus apelaram desta decisão, concluindo, no essencial:

Impugnação da matéria de facto

(…)

W. (…) [D]everá a matéria assente ser alterada em conformidade, considerando-se não provados (…) [o facto n.º] 034. [e o facto n.º] 216 (…).

E provado que:

(i) “O autor tinha acesso à informação de que o Banco de Portugal podia retransmitir ativos e passivos do Banco 1... para o Banco 3..., nomeadamente através dos meios de comunicação”.

(ii) “Na data da Medida de Resolução, o autor tinha em carteira outras obrigações do Banco 3..., denominadas “Banco 3... 6,75” e que transitaram para o Banco 1... por efeito da Medida de Resolução”.

(iii) "Entre 2014 e 2015, o recorrido solicitou ao Banco 2... informação relativamente às seguintes obrigações, todas elas referentes a entidades que estavam em períodos de turbulência: (i) obrigações com o ISIN AT0000A0U9J2 (…), as quais não apresentavam liquidez; (ii) obrigações com o ISIN XS1051719786 (…); (iii) obrigações com os ISIN’s XS1088879974 e GR0114028534 (…) e sobre as quais não havia informação; (iv) obrigações com o ISIN USC10602AW79 (…), ISIN XS0879438793 (…) e ISIN XS1000657970 (…)”. (…)

CC. (…) [D]evem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:

(iv) Em setembro, outubro e novembro de 2015, o Banco 1... adquiriu obrigações sénior, tendo investido nessa aquisição um montante de cerca de 200 milhões de euros;

(v) As obrigações sénior adquiridas pelo Banco 1... foram retransmitidas, por decisão do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, para o Banco 3....

(vi) O Banco 1... reclamou créditos no processo de liquidação judicial do Banco 3..., referente à quantia que investiu na aquisição das obrigações sénior. (…)

EE. (…) [D]everá ser aditada à matéria provada a seguinte factualidade provada:

(i) Entre o momento da subscrição das obrigações, em 25 de novembro de 2014, e o momento da sua retransmissão para o Banco 3..., em 29 de dezembro de 2015, o recorrido recebeu, pelas obrigações em causa, juros no valor de 6,875% do montante nominal das obrigações (relativamente à ação instaurada contra o Banco 1...).

(ii) Entre o momento da subscrição das obrigações, em 13 de outubro de 2014, e o momento da sua retransmissão para o Banco 3..., em 29 de dezembro de 2015, o recorrido recebeu, pelas obrigações em causa, juros no valor no valor de 6,875% do montante nominal das obrigações, que corresponderam a um valor líquido de € 5.000,00 (cinco mil euros) (relativamente à ação intentada contra o Banco 2...). (…)

Impugnação da decisão recorrida quanto à matéria de Direito

(…)

MMM. Tendo ficado provado que:

(i) a atuação do Banco 1... e do Banco 2... cingiu-se à prestação de serviços de mera execução de ordens para a aquisição de obrigações simples sob iniciativa do cliente;

(ii) os recorrentes não se encontravam obrigados a determinar a adequação das operações às suas circunstâncias pessoais, tendo advertido o recorrido, por escrito, dessa circunstância;

(iii) o recorrido é um investidor experiente, que tinha já adquirido produtos financeiros semelhantes;

(iv) no momento da aquisição das Obrigações, os recorrentes forneceram toda informação existente sobre as obrigações em causa no momento em que o recorrido as adquiriu, e que havia sido disponibilizada ao mercado pelo emitente originário (Banco 3...);

(v) no momento em que adquiriu as Obrigações, o recorrido declarou, por escrito, conhecer as condições das operações, ter integral e perfeito conhecimento dos riscos envolvidos e dispor de todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada;

(vi) a Medida de Resolução e, em particular, o poder de retransmissão do Banco Portugal foi amplamente notificado em Portugal nos meses que se seguiram à aplicação da Medida de Resolução ao Banco 3..., representando um facto notório do conhecimento de qualquer cidadão medianamente informado; e

(vii) a efetiva retransmissão das Obrigações para o Banco 3... não era minimamente antecipável em outubro / novembro de 2014 – tanto que o Banco 1... investiu cerca de duzentos milhões de euros em obrigações que acabaram por ser retransmitidas para o Banco 3..., é manifesto que a factualidade assente não permite concluir que os recorrentes atuaram com culpa grave. (…)

Nestes termos, deve

(i) a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente ação por inexistência dos pressupostos de responsabilidade civil de que dependeria a condenação do Banco 1... e do Banco 2...;

Subsidiariamente, e para o caso de assim não se considerar, deve

(ii) a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue prescritos os direitos invocados pelo recorrido.

O apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do tribunal a quo recorrida e ampliando o objeto do recurso, de acordo com as seguintes conclusões:

12. As críticas (…) impelem o recorrido a utilizar a prerrogativa da ampliação do objeto do recurso com vista a que:

13. A) Seja aditado o seguinte facto, cuja redação se sugere que seja: BB não conhecia a possibilidade de retransmissão à data dos contactos havidos com o recorrido em 2014, dela só vindo a saber após a deliberação de retransmissão é tomada, i.e, após 29/12/2015. (…)

14. B) Seja aditado o seguinte facto, cuja redação se sugere que seja: CC, funcionário do recorrente MN só soube da possibilidade de retransmissão em virtude dos factos em discussão nos presentes autos, não lhe tendo sido transmitida qualquer informação sobre a possibilidade de retransmissão pela sua hierarquia. (…)

15. C) Seja aditado o seguinte facto, a inserir no seguimento dos pontos de facto 161 e 350 e, cuja redação se sugere que seja: No (…) comunicado do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 é expressamente referido, no seu ponto 4, que: “Este conjunto de decisões constitui a alteração final e definitiva do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Banco 1..., que assim se considera definitivamente fixado.” (…)

16. D) A redação do facto 165 deve ser alterada, expurgando-se a última parte do mesmo (correspondente ao capital investido na aquisição de diversas obrigações seniores que foram retransmitidas para o Banco 3...). (…)

17. E) A parte final do facto 231 deve ser dada como não escrita por não provada, porquanto não há qualquer prova de causa efeito entre “notícias veiculadas na comunicação social” e ordem de venda, pelo que deste ponto de facto deverá ficar apenas a constar que “No dia 29.12.2015 o autor deu ordem de venda da obrigação que havia adquirido em outubro de 2014”.

18. F) Os factos dados como provados como 289 e 290 devem ser excluídos do probatório (…). (…)

19. G) Deve ser alterada a redação do ponto de facto 285, sugerindo-se a seguinte redação: Estas obrigações, foram, ao abrigo de uma deliberação obrigacionista, adquiridas pelo recorrente Banco 1... e transformadas num depósito a prazo, a 4 de outubro de 2017. (…)

Os apelantes responderam à ampliação do objeto do recurso.

Foi proferido despacho de admissão do recurso com efeito meramente devolutivo.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

As questões de facto a decidir são as referentes à reapreciação da decisão sobre os pontos referidos nas conclusões que antecedem.

As questões de direito a tratar respeitam à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil dos réus e à exceção de prescrição invocada.

Cumpre ainda apreciar a responsabilidade pelas custas.

III – Fundamentação:

É a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida [1]:

Factos provados

1. Processo n.º 160/20.4T8PVZ:

001. O autor é cliente do réu Banco 1..., sendo titular da conta à ordem com o n.º ...69 (…).

002. Em 25 de novembro de 2014, o autor subscreveu o contrato junto com a petição como doc. 1, junto a fls. 20 verso, formulado em modelo do Banco réu (Banco 1...), por este pré preenchido e epigrafado de “Operações Sobre Instrumentos Financeiros”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

003. Esse contrato está impresso em formulário próprio e com cabeçalho identificativo do Banco réu (Banco 1...).

004. Resulta patente desse documento contratual que o produto financeiro adquirido pelo autor foram “Obrigações” identificadas como “NOVBNC 07/15/16” cujo ISIN (International Standards [sic] Identification Number) era o PTBEQBOM0010 [adiante, também designadas de ObrigaçõesBANCO1... ou Obrigações].

005. “NOVBNC” constitui abreviatura do nome comercial da sociedade ré: Banco 1....

006. Pela aquisição das sobreditas obrigações o autor pagou o preço de 99.150,00 €.

007. A esse valor acresceu o montante de 1.803,70 €, a título de juros decorridos.

008. Como resultado da aquisição do produto financeiro em causa (Obrigações NOVBNC), a conta à ordem titulada pelo autor, identificada em 001., foi debitada no montante global de 100.953,70 €.

009. O autor apôs a sua assinatura no documento contratual identificado em 002., o que fez na data de 25.11.2014, concomitantemente à assinatura por parte da funcionária do Banco réu (Banco 1...), aposta sob a designação manuscrita “Banco 1..., S.A.”.

010. Tal funcionária sabia que o autor procurava um produto com a melhor rentabilidade possível.

011. O autor, apesar de não ser versado em direito bancário ou em instrumentos financeiros, sabe que apenas os depósitos gozam, limitadamente, da garantia do Fundo de Depósitos e, bem assim, que o reembolso do capital e o pagamento dos juros associados a obrigações, por se traduzirem, em termos práticos, em valores mobiliários representativos de uma dívida, estão sempre dependentes da solvabilidade do devedor.

012. A funcionária do Banco réu (Banco 1...), BB, informou o autor, com referência às obrigações identificadas em 004., de que se tratava de dívida do Banco 1....

013. A funcionária do réu, BB, informou o autor do risco de, à data da maturidade, o Banco 1... não ter solvabilidade para cumprir com o dever de reembolso.

014. O contrato a que se alude em 002. foi celebrado em novembro de 2014, menos de quatro meses volvidos sobre a medida de resolução do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (inerente ao colapso do Banco 3...) e que criou o Banco 1..., S.A.

015. O Banco réu (Banco 1...), através da funcionária BB, afirmou então que o Banco 1..., mais do que surgir na esfera jurídica como o “banco bom”, se tratava de uma nova instituição bancária, jurídica, económica e financeiramente independente do Banco 3... – características que aliás foram amplamente referidas na comunicação social.

016. O autor, como todo e qualquer cidadão medianamente informado, assistiu às sucessivas notícias sobre o “escândalo Banco 3...”.

017. O autor não pretendia adquirir dívida do “banco mau”.

018. À data da aquisição das obrigações em causa nos autos, o autor havia já sido prejudicado no âmbito do “desastre do Banco 3...”, porquanto era titular de Papel Comercial Rio Forte que adquirira em 10/02/2014 por 100.000,00 €.

019. À data da outorga do contrato identificado em 002., em função das notícias de que a Rio Forte estaria em insolvência, era convicção generalizada que esse capital poderia vir a ser perdido, perceção que, em novembro de 2014, tanto o autor como a sua gestora BB tinham.

020. O Fundo de Resolução era participado por diversas instituições bancárias e, indiretamente, pelo Estado Português.

021. Jamais foi afirmado pelos funcionários do Banco réu (Banco 1...) que as obrigações em causa pudessem, por qualquer forma, ser “contaminadas” pelo colapso do grupo A....

022. As obrigações em causa haviam sido emitidas pelo Banco 3... e, com a medida de Resolução, haviam integrado o “perímetro” do Banco 1....

023. À data da compra do produto financeiro em questão estava já expressamente previsto na Medida de Resolução que o Banco de Portugal poderia “retransmitir” as obrigações em causa para o “perímetro” do Banco 3..., o que efetivamente sucedeu por força da deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015.

024. A deliberação de 03.08.2014, junta por cópia com a petição como doc. 2, constitui a medida de resolução do Banco 3..., S.A.

025. Logo na primeira página, e em concreto do ponto 2 da “Agenda” dessa deliberação, colhe-se ter sido decidido transferir para o Banco 1..., determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 3..., S.A. (anexos 2 e 2A da deliberação).

026. Resulta da Resolução de 03.08.2014, e em concreto da p. 21 desse documento (ponto b) do dito Anexo 2) que as obrigações aqui em causa transitaram para o Banco 1..., desde logo porque o Banco de Portugal não integrou na categoria «Passivos Excluídos» – as responsabilidades do Banco 3... decorrentes da emissão de Obrigações Seniores do Banco 3... aqui em causa.

027. Mais resulta dessa deliberação (vide p. 23 do mesmo documento) que “após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 3... e o Banco 1..., S.A., ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H número 5”.

028. O Banco réu (Banco 1...) não informou o autor dos factos a que se alude em 023., 025., 026. e 027.

029. O Banco réu (Banco 1...) sabia – ou não podia deixar de saber – que as obrigações que vendeu ao autor: i) tinham sido emitidas pelo Banco 3...; ii) que passaram a ser uma dívida do Banco 1...; iii) e que poderiam ser retransmitidas para o Banco 3....

030. A possibilidade ou contingência prevista na deliberação de as obrigações em causa serem “retransmitidas” para o Banco 3... veio a concretizar-se através da deliberação de 29.12.2015 e seu anexo I.

031. Por força dessa deliberação do Banco de Portugal, todos os direitos que o autor julgava ter (tinha) no Banco 1... passaram (rectius: voltaram) a ser responsabilidade do insolvente “banco mau” Banco 3....

032. O Banco réu (Banco 1...) não se mostrou disponível para, extrajudicialmente, assumir a responsabilidade pelo sucedido.

033. As obrigações em causa venceram-se em 15.07.2016 e nada – nem capital nem juros – foi restituído ao autor, escusando-se o réu na deliberação do Banco de Portugal.

034. Caso o autor tivesse a informação de que, por qualquer razão, poderiam as obrigações em causa transitar do Banco 1... para o Banco 3..., jamais teria celebrado o contrato a que se alude em 002.

035. O Banco réu (Banco 1...) sabia, ou não podia deixar de saber, os contornos da medida de Resolução, tanto no que contende com a proveniência (emissão) das obrigações que comercializou quer no que diz respeito ao risco da sua retransmissão.

036. O Banco réu (Banco 1...) interveio no processo de venda de uma obrigação emitida originariamente pelo Banco 3... e adquirida pelo autor em novembro de 2014 em mercado secundário, ou seja, depois do momento em que a obrigação foi emitida.

037. A obrigação em causa foi originariamente emitida no âmbito de uma emissão obrigacionista do Banco 3..., numa altura em que o réu Banco 1... nem sequer existia.

038. Esse facto que era do conhecimento do autor, sendo que este já havia adquirido, em outubro de 2014 (ou seja, um mês antes), através de outro intermediário financeiro, obrigações da mesma série.

039. As obrigações em causa foram, no âmbito dos poderes de resolução do Banco de Portugal, transmitidas para um banco de transição constituído para o efeito (o Banco 1..., aqui réu) e, mais tarde, e ao abrigo dos mesmos poderes de resolução, retransmitidas para o Banco 3....

040. No momento em que a obrigação foi adquirida, era público que o Banco 1... era uma instituição bancária que, além de ter uma duração limitada, tinha sido criada há pouco tempo (tinha pouco mais de 3 meses de existência) e estava a atravessar uma fase de transição, sendo à data incerto como se resolveria toda a situação resultante da resolução bancária do Banco 3....

041. O Banco 1... foi constituído como banco de transição que teria de ser vendido até agosto de 2016, por imposição da Comissão Europeia, sob pena de ser liquidado caso tal venda não ocorresse no mencionado prazo.

042. Esse facto era do conhecimento público e dele se retira que o autor adquiriu uma obrigação de um banco que poderia ser liquidado em agosto de 2016.

043. O risco assumido pelo autor foi igualmente exponenciado pela frustração da primeira tentativa de venda do Banco 1..., que malogrou em outubro de 2015, adensando as preocupações que à data existiam sobre a continuidade do banco.

044. O autor tentou ab initio adquirir obrigações da mesma emissão junto do Banco réu (Banco 1...) e, na impossibilidade de o fazer logo em outubro de 2014, abriu conta junto de outra instituição bancária com o exclusivo propósito de adquirir tais obrigações, tendo – no mês seguinte – adquirido novas obrigações da mesma emissão junto do seu balcão do Banco 1....

045. As obrigações adquiridas pelo autor tiveram por base a execução da ordem emitida pelo autor em 25.11.2014.

046. A ordem emitida pelo autor foi integralmente executada pelo Banco réu (Banco 1...) em 02.12.2014.

047. No âmbito da aquisição de obrigações da mesma emissão junto do Banco 2..., o autor chegou a dar ordem de venda das obrigações no próprio dia 29.12.2015.

048. No dia 03.08.2014 foi deliberada pelo Banco de Portugal a medida de resolução do Banco 3... que determinou a transferência de determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 3... para o Banco réu (Banco 1...) (doravante a “Medida de Resolução”).

049. A transferência da atividade do Banco 3... para o Banco 1... assumiu-se para o Banco de Portugal como a única medida capaz de garantir a continuidade da prestação dos serviços financeiros, num cenário de ausência de soluções imediatas viáveis de alienação da atividade deste banco a outra entidade de crédito autorizada.

050. Assim, logo na deliberação de 3 de agosto de 2014, no seu anexo 2, o Banco de Portugal definiu o perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o banco de transição (o Banco 1...) constituído nesse mesmo dia e aqueles que se mantinham no Banco 3....

051. Atendendo à urgência da Medida de Resolução e à necessidade de se aprofundar com maior detalhe o conhecimento da situação financeira do património do Banco 3..., o Banco de Portugal fez constar logo no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 que: “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 3... e o Banco 1..., SA, ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º-H, número 5.º.”

052. Em 11 de agosto de 2014, oito dias depois de tomada a Medida de Resolução, o Banco de Portugal aprovou uma nova deliberação que visava clarificar a deliberação inicial de 3 de agosto e ajustar o perímetro de transferência entre o Banco 3... e o Banco 1....

053. Manteve-se no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, tal como corrigida pela deliberação de 11 de agosto, a referência à possibilidade de o Banco de Portugal poder transferir ou retransmitir ativos ou passivos entre o Banco 3... e o Banco 1... – cfr. ponto 2 do Anexo 2 da deliberação de 11 de agosto de 2014.

054. Ainda a propósito do perímetro de transferência entre o Banco 3... e o Banco 1..., o Banco de Portugal determinou, em 22 de dezembro de 2014, que a responsabilidade do Banco 3... correspondente ao empréstimo no valor de 835 milhões de dólares concedido pela Oak Finance Luxemburg não havia sido transferida para o Banco 1... por entender que a Oak Finance atuara, na concessão daquele empréstimo, por conta da Goldman Sachs International, entidade que detinha uma participação superior a 2% no capital do Banco 3....

055. Em 17 de fevereiro de 2015, o Banco de Portugal deliberou confirmar e manter a sua anterior decisão.

056. Posteriormente, já em 29 de dezembro de 2015, e no exercício dos poderes de retransmissão que lhe assistiam (e assistem) nos termos da lei e nos termos da própria Medida de Resolução, o Banco de Portugal deliberou alterar o perímetro de ativos e passivos do Banco 3... e do Banco 1..., mediante a retransmissão de um conjunto de obrigações não subordinadas que passaram, assim, novamente para a esfera do Banco 3....

057. Entre essas obrigações contavam-se as que o autor tinha adquirido.

058. Todas as intervenções do Banco de Portugal a este respeito são públicas e foram divulgadas em Portugal, nomeadamente através da comunicação social, e o seu teor foi sendo disponibilizado na página de entrada do site do Banco de Portugal, aí se mantendo disponível ainda nos dias de hoje.

059. O autor – tal como a sua mulher, DD – é ainda hoje cliente do Banco réu (Banco 1...), sendo ambos cotitulares da conta n.º ...69 aberta junto do Banco 3... em fevereiro de 2006.

060. O autor é, desde essa data, cliente do balcão da ....

061. Em 21 de junho de 2011, o autor assinou o certificado de instrumentos financeiros junto com a contestação como doc. 4 (fls. 114 e ss.), declarando ter tomado conhecimento e aceitar as condições gerais.

062. Uns dias depois, em 24 de junho de 2011, preencheu e assinou o questionário de perfil de investidor junto com a contestação como doc. 5 (fls. 119), tendo, nessa altura, visto ser-lhe atribuído o perfil de investidor moderado.

063. A atribuição de tal perfil é do conhecimento do autor, porquanto o referido questionário foi por si assinado naquela data.

064. O perfil de risco moderado – o segundo mais elevado de uma escala de quatro – é atribuído a investidores que estão dispostos a assumir um nível de risco elevado nos seus investimentos, de modo a potenciar um crescimento sustentado do capital aplicado a médio e longo prazo.

065. Após o verão do ano de 2014, o autor procurou subscrever as obrigações com o código ISIN PTBEQBOM0010 que haviam sido emitidas originariamente pelo Banco 3... e que, por força da medida de resolução de 3 de agosto de 2014, foram transmitidas para o Banco 1....

066. Tal aquisição não se mostrou imediatamente possível, desde logo porque tais obrigações não estavam a ser comercializadas nos balcões do Banco réu (Banco 1...).

067. Entretanto, numa reunião presencial com a sua gestora de conta, realizada a 24 de outubro de 2014, o autor informou aquela gestora que já havia adquirido € 100.000,00 das mesmas obrigações através de outro intermediário financeiro, o Banco 2....

068. No mês seguinte, em novembro de 2011, o autor, numa reunião com a sua gestora de conta, Dra. BB, comunicou-lhe que pretendia investir (mais) € 100.000,00 naquelas obrigações.

069. O Banco réu (Banco 1...) diligenciou pelo pedido junto da sua sala de mercados, dando assim execução à ordem do cliente.

070. Em 25 de novembro de 2014, o autor, por sua livre iniciativa e sem que tal lhe tenha sido proposta pela sua gestora de conta, emitiu uma ordem de aquisição de uma obrigação com o valor nominal de € 100.000,00.

071. No âmbito desta ordem de aquisição, o autor assinou a instrução junta com a petição como doc. 1 (fls. 20 verso), constando da identificação do instrumento financeiro a referência “NOVBNC”.

072. Na data de 25 de novembro de 2014 o autor já havia adquirido – no mês anterior – obrigações da mesma emissão e havia rubricado e assinado os Final Terms, juntos com a contestação da ação apensa como doc. 6 (fls. 121 e ss.), documento composto por 6 páginas e de onde consta (logo no cabeçalho) a referência ao Banco 3..., em letras maiúsculas e destacada a negrito, podendo ler-se, ainda na primeira página daquele documento, que o emitente inicial das obrigações era o Banco 3....

073. O autor sabia que as obrigações tinham sido originariamente emitidas pelo Banco 3... e quis subscrever tais obrigações.

074. O Banco réu (Banco 1...) passou a ser considerado a entidade emitente da obrigação por força da transmissão destas obrigações por via da Medida de Resolução de 3 de agosto de 2014, sendo essa a situação que se verificava aquando da aquisição da obrigação pelo autor.

075. É facto público que em virtude da resolução do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014, vários ativos e passivos do Banco 3... foram transmitidos para o Banco 1....

076. As obrigações em causa foram emitidas originariamente pelo Banco 3... no âmbito de uma emissão obrigacionista de julho de 2011 inserida no âmbito do Euro Medium Term Note Programme.

077. O Euro Medium Term Note Programme correspondia a um programa de emissão de dívida à luz da qual foram originariamente emitidas pelo Banco 3... ou pela sua subsidiária Banco 3..., ao longo do tempo, obrigações subordinadas e não subordinadas.

078. Ao abrigo do Euro Medium Term Note Programme, em 15 de julho de 2011 o Banco 3... emitiu € 81.400.000,00 de obrigações não subordinadas com o valor nominal de € 100.000,00 cada, identificadas com o código ISIN PTBEQBOM0010.

079. Pelas obrigações em causa, o Banco 3... pagaria um juro anual de 6,875% ao dia 15 de julho de cada ano, reembolsando os investidores na respetiva data da maturidade, 15 de julho de 2016, do valor correspondente ao valor nominal das obrigações adquiridas.

080. À data de 25 de novembro de 2014, as obrigações em causa apenas poderiam ser adquiridas a outros investidores interessados em transacionar esse instrumento financeiro (aquilo que em linguagem financeira se designa como mercado secundário).

081. Sucede que, por força da Medida de Resolução aplicada ao Banco 3..., as obrigações não subordinadas em causa – como todas as outras obrigações não subordinadas do Banco 3... – foram transmitidas para o Banco réu (Banco 1...), ou seja, passou a ser este banco o devedor dos valores de capital e juros titulados pelas referidas obrigações.

082. As emissões obrigacionistas em causa mantiveram as mesmas características que tinham antes da Medida de Resolução, conforme esclareceu a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários em 6 de outubro de 2014.

083. Assim, o Banco réu (Banco 1...) efetuou comunicações ao mercado referentes às obrigações originariamente emitidas pelo Banco 3..., incluindo as obrigações objeto dos presentes autos.

084. O Banco réu (Banco 1...) não tinha, à data de 25.11.2014, lançado no designado mercado primário qualquer emissão obrigacionista própria, tendo tal acontecido pela primeira vez em momento posterior a essa data.

085. A informação existente sobre as obrigações em causa no momento em que o autor as adquiriu, em 2014, era a de que tinha sido disponibilizada ao mercado pelo emitente originário, o Banco 3....

086. A informação relativa à emissão obrigacionista era composta (i) pelo Prospeto (que inclui um Sumário) – junto como doc. 9 com a contestação (fls. 129 e ss.); e (ii) pelos Final Terms, documentos que se encontravam disponíveis para consulta no site do mercado de valores mobiliários do Luxemburgo onde se encontravam admitidos à negociação – juntos como doc. 6 com a contestação (fls. 120 e ss.).

087. Os riscos associados às obrigações em causa eram descritos no Prospeto e encontravam-se igualmente identificados, de forma mais resumida, no seu Sumário.

088. Podendo identificar-se a este respeito a alusão a diversos riscos das obrigações que iam sendo emitidas ao abrigo do programa Euro Medium Term Note Programme e riscos ligados ao Banco 3....

089. No caso das obrigações emitidas em julho de 2011, resultava dos Final Terms, com data de 14 de julho de 2011, junto com a contestação como doc. 6 (fls. 120 e ss.) e que o autor assinou aquando da aquisição de obrigações da mesma emissão junto do Banco 2..., que a entidade que emitiu originariamente a obrigação em causa foi o Banco 3....

090. O propósito destes documentos é o de informar os investidores das características e dos riscos associados às suas decisões de investimento, num contexto em que se pretende habilitar os interessados com as informações adequadas para o efeito.

091. Consta no impresso da ordem de aquisição, junto com a petição como doc. 1 (fls. 20 verso), imediatamente antes da data e assinatura do autor, o seguinte: “Declaro ainda: – que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite (…)”.

092. As obrigações em causa foram redenominadas obrigações Banco 1... 6,875% 15/07/2016 como consequência da Medida de Resolução, num contexto em que o Banco de Portugal proibiu o uso da denominação ou marca “Banco 3...” ou “Banco 3...” em tudo o que fosse comercializado pelo Banco 1... ou nos serviços por si prestados.

093. Mas essa redenominação apenas aconteceu mais tarde, tendo o autor recebido pelo menos dois extratos bancários – datados de 1 de janeiro de 2015 e 1 de março de 2015 – em que consta a nomenclatura das obrigações “Banco 3... 6,875% 15/07/2016”, conforme doc. 10 e 11 juntos com a contestação (fls. 273 e ss.).

094. Foi também nesse contexto que a aquisição destes produtos financeiros contou com a intervenção dos funcionários do Banco réu (Banco 1...), que, para o efeito, disponibilizavam aos clientes do Banco réu (Banco 1...) um boletim de aquisição impresso em papel timbrado.

095. Facto que é imposto pela obrigação legal de distinguir, através da sua denominação, o Banco de transição do Banco originário, prevista no art.º 2, n.º 4, do Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2012 sobre Bancos de transição, junto com a contestação como doc. 12 (fls. 277 e ss.)

096. Foi também por este motivo que o Banco réu (Banco 1...) procedeu à substituição de toda a sinalética existente nos balcões do anterior Banco 3... e incluiu nos diversos meios internos e externos de comunicação (incluindo correspondência com clientes) a marca Banco 1... ou Banco 1....

097. A obrigação foi adquirida pelo autor corridos que eram três meses desde a data da Medida de Resolução, numa altura em que a situação do Banco 1... e o seu futuro eram marcados por hesitações e interrogações.

098. Em conformidade com a ordem de compra do autor, o Banco réu (Banco 1...) procedeu, em 2 de dezembro de 2014, ao débito do montante total de € 100.953,70 na conta do autor, correspondente à soma dos seguintes parciais: (i) € 99.150,00 referentes ao preço da aquisição da obrigação e (ii) € 1.803,70, a titulo de juros decorridos, conforme aviso de lançamento de 2 de dezembro de 2014, junto com a contestação domo doc. 13 (fls. 281).

099. Uma vez que o extrato bancário da conta do autor era emitido ao dia 1 de cada mês, a aquisição destas obrigações apenas apareceu refletida no extrato bancário datado de 1 de janeiro de 2015, junto com a contestação como doc. 10 (fls. 273), constando na secção de valores mobiliários a seguinte referência “Banco 3... Due 6,875% 15/07/2016, Obrg. Nominativas PTBEQB0M0010”.

100. No âmbito dos serviços de aquisição de aplicações financeiras e execução de ordens emitidas pelo autor, o Banco réu (Banco 1...) atuou como executante das ordens dadas pelo autor, por iniciativa deste e sempre em seu nome e representação.

101. O Banco réu (Banco 1...) não assumiu qualquer dever de gestão ou administração dos ativos financeiros do autor ou de lhe prestar assessoria financeira.

102. A obrigação adquirida pelo autor pagava um juro anual de 6,875% e gerava um retorno (yield) superior a outros produtos similares no mercado.

103. Da análise do histórico de investimento do autor junto do Banco 3... e, depois, do Banco 1..., confirma-se que o autor investiu em valores mobiliários diversos.

104. O autor investiu em papel comercial do BESI e da Rio Forte e em obrigações da PT.

105. No período entre 2011 e 2016, o autor investiu um valor acumulado de cerca de €443.000,00 em valores mobiliários.

106. O autor investiu em ações e instrumentos de dívida subordinada.

107. Ao longo dos anos, o autor foi detendo também unidades de participação em fundos de investimento, em particular no fundo ES Liquidez Fei Aberto e no fundo ES Tesouraria Ativa (Dossier n.º 60012081342).

108. O autor, engenheiro de profissão e empresário, investia recorrentemente em instrumentos financeiros com perfil de risco pelo menos semelhante àquele que se encontra em discussão nos autos.

109. A execução da ordem que foi emitida pelo autor enquadra-se na prestação de serviços de mera execução de ordens em relação a instrumentos financeiros não complexos, sendo a referência que se faz, na instrução de compra, a instrumentos financeiros complexos um lapso (pois que as obrigações em causa são instrumentos financeiros não complexos).

110. No que a instrumentos financeiros não complexos se refere, consta do documento a que se alude em 002. que o Banco réu (Banco 1...) “(…) não é obrigado a determinar a adequação da operação às minhas circunstâncias pessoais. No entanto, confirmo que pretendo prosseguir a operação, sendo minha a responsabilidade relativa ao facto de dispor dos conhecimentos e experiência necessários para compreender os riscos inerentes a esta operação.”

111. Inexistem – a este propósito – quaisquer reclamações do autor junto do balcão do Banco réu (Banco 1...).

112. Entre agosto de 2014 e outubro de 2017, o Banco 1... teve a natureza de um banco de transição, algo que nunca tinha acontecido a nenhum banco em Portugal (e na Europa) e que despertou a atenção pública sobre aqueles que foram os primeiros tempos e vicissitudes desta instituição de crédito.

113. Estão em causa factos do conhecimento público, difundidos pelos reguladores e na comunicação social no momento em que ocorreram.

114. Estão em causa factos que fizeram as manchetes dos jornais em Portugal ao longo dos anos de 2014 e 2015.

115. A generalidade das pessoas que viviam em Portugal e que tinham acesso aos meios de comunicação social tomaram conhecimento de eventos como as dificuldades na venda do banco de transição e os cenários potencialmente aplicáveis ao Banco 1..., tal como a sua liquidação, incluindo o autor.

116. No momento da constituição do Banco réu (Banco 1...), o Fundo de Resolução procedeu à sua capitalização com uma quantia inicial de € 4.900.000.000,00.

117. Atendendo ao facto de o Fundo de Resolução não dispor das verbas suficientes para efetuar aquela capitalização, foi o Estado Português quem lhe disponibilizou um financiamento essencial para esse efeito.

118. A exposição do Estado Português, por força do financiamento realizado ao Fundo de Resolução, foi objeto de discussão pública, tendo o Governo vindo a esclarecer que não era sua intenção injetar mais fundos no Banco 1....

119. A intenção do Governo Português – noticiada nos jornais – era que o Banco réu (Banco 1...) fosse vendido no menor prazo possível.

120. Perante este cenário o Banco réu (Banco 1...) iniciou um programa agressivo de venda de ativos, sendo certo que ao longo de todo esse período se fazia referência pública à possibilidade de retransferência de ativos ou passivos do Banco réu (Banco 1...) para o Banco 3..., como forma de equilibrar a situação do banco de transição.

121. Concomitantemente com as questões de balanço e de tesouraria que marcaram os primeiros tempos do Banco réu (Banco 1...), o Fundo de Resolução continuava a preparar a sua venda, conforme foi também noticiado.

122. Além disso, a partir de novembro de 2014, o Banco réu (Banco 1...), tal como outras instituições bancárias portuguesas, passou a ser supervisionado pelo Banco Central Europeu no âmbito do recém criado Mecanismo Único de Supervisão, afigurando-se também necessário neste contexto apurar se o Banco 1... cumpriria ou não com os rácios de capitalização exigidos à luz do enquadramento legal europeu, o que poderia também levar o Banco Central Europeu a determinar a transferência de ativos do Banco 1... para o Banco 3....

123. Entretanto, a auditoria realizada pela PwC no âmbito da Medida de Resolução foi concluída em 3 de dezembro de 2014 e confirmou que diversos dos ativos transmitidos para o Banco réu (Banco 1...) se encontravam significativamente sobrevalorizados nos registos contabilísticos do Banco 3... disponíveis à data da aplicação da Medida de Resolução.

124. A sobrevalorização inicial destes ativos teve como reflexo o reconhecimento de diversas imparidades e ajustamentos nas contas do Banco réu (Banco 1...), o que, por seu turno, influenciou os resultados negativos que o Banco réu (Banco 1...) anunciou publicamente com referência ao período entre 3 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2014.

125. A Comissão Europeia – através do DG Comp2 – determinou em agosto de 2014 que o Banco réu (Banco 1...) deveria ser vendido na totalidade ou em partes num prazo de dois anos a contar da data da Medida de Resolução, ou seja, até agosto de 2016, ao passo que as partes não vendidas e o restante Banco 3... deveriam ser objeto de liquidação.

126. Este facto era do conhecimento público.

127. Até à projetada venda do Banco réu (Banco 1...), o Fundo de Resolução ficaria detentor único do capital social do banco de transição, com o objetivo de permitir a entrada posterior de novos capitais e de reconstituir uma base acionista para este banco.

128. A presença do Fundo de Resolução no capital do Banco 1... era assim assumidamente transitória, servindo como meio para a seleção de uma estrutura acionista de base privada que definisse e executasse uma estratégia proposta com vista ao desenvolvimento do negócio do Banco 1....

129. Com vista à obtenção dessa estrutura acionista num horizonte temporal limite até agosto de 2016, o Banco de Portugal implementou no final de 2014 um procedimento de venda da participação acionista do Fundo de Resolução no Banco 1....

130. Conforme vinha sendo noticiado a este propósito, a intenção era a de que a venda do Banco réu (Banco 1...) se viesse a fazer por um valor superior a 4,9 milhões de euros, por forma a reembolsar os valores usados pelo Fundo de Resolução na capitalização do Banco 1..., e ainda antes de esgotado o período de dois anos.

131. A venda do Banco 1... no menor prazo possível era também uma preocupação para a Comissão Europeia que, logo em agosto de 2014, recomendou a Portugal que a venda se fizesse dentro do referido período de dois anos, por forma a evitar uma situação de falência do banco de transição.

132. Sucede que o processo de venda do Banco réu (Banco 1...) veio a afigurar-se mais demorado do que o expectável, começando, ainda em 2014, a surgir sinais públicos de discordância quanto àquele que seria o destino do Banco réu (Banco 1...).

133. Como é também público, no âmbito do procedimento de venda implementado nos meses seguintes à Medida de Resolução, o Banco de Portugal anunciou terem sido apresentadas três propostas vinculativas para aquisição da posição acionista do Fundo de Resolução no Banco réu (Banco 1...), as quais, contudo, foram consideradas insatisfatórias por parte do Banco de Portugal, que decidiu, em 15 de setembro de 2015, interromper o processo de venda em curso até que estivessem reunidas as condições que propiciassem a obtenção de propostas mais condizentes com os objetivos que presidiram à Medida de Resolução.

134. Esse desfecho deve ser compreendido à luz dos diversos fatores de incerteza que envolveram o processo de venda do Banco réu (Banco 1...) durante os anos de 2014 e 2015.

135. Atendendo à sua génese e ao histórico de ativos herdados do Banco 3..., o Banco réu (Banco 1...) iniciou a sua operação condicionado pelas circunstâncias excecionais decorrentes da sua situação de banco de transição.

136. E que explicam que o Banco réu (Banco 1...), em 9 de março de 2015, tenha anunciado prejuízos de 467,9 milhões de euros referentes ao período entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2014.

137. Bem como, no final do exercício de 2015 (em que o Banco réu (Banco 1...) completava o primeiro ano completo de atividade), a registar resultados líquidos negativos de quase 1000 milhões de euros também em consequência de diversas imparidades com os ativos herdados do Banco 3....

138. Os resultados anunciados no final do exercício de 2015, eram já antecipáveis em função dos resultados negativos que tinham sido anteriormente anunciados pelo Banco réu (Banco 1...) com referência ao 1.º semestre de 2015.

139. As dificuldades com que se debatia o Banco réu (Banco 1...) desde a sua constituição refletiram-se também na redução do número dos seus colaboradores e na não estabilização da sua estrutura de gestão, com a saída, logo em setembro de 2014, do anterior Presidente EE e a sua substituição por FF (que mais tarde viria também a ser substituído por GG).

140. A estas dificuldades, inerentes à génese do Banco réu (Banco 1...) e aos seus antecedentes, somaram-se, ao longo do último trimestre de 2014 e do ano de 2015, outras dificuldades de natureza exógena ao processo e ao Banco réu (Banco 1...).

141. Desde logo, a necessidade de reforço de fundos próprios a que o Banco réu (Banco 1...) poderia vir a estar sujeito por determinação da autoridade de supervisão prudencial, que, em novembro de 2014, passou a ser o Banco Central Europeu / Mecanismo Único de Supervisão.

142. Embora tenha sido criado com fundos próprios, em 2014 o Banco réu (Banco 1...) estava a participar nos testes de esforço (stress tests) a que se submeteram todas as instituições de crédito sujeitas à supervisão direta do Banco Central Europeu no contexto da criação do Mecanismo Único de Supervisão.

143. Da mesma forma, o Banco réu (Banco 1...) iria conhecer, pela primeira vez, apenas no final de 2015, o resultado global da adequação dos seus fundos próprios conduzida pelo Banco Central Europeu.

144. Os resultados ao teste de esforço conduzido pelo Banco Central Europeu / Mecanismo Único de Supervisão, que tiveram também por base a auditoria realizada pela PwC, viriam a ser divulgados em novembro de 2015, confirmando-se “uma insuficiência no cenário mais adverso (rácio CET1 de 2,43% face ao limiar de 5,5%), o que corresponde a um desvio de EUR 1.398 milhões (Gráfico 1), projetado para o final de 2017.”

145. Foi no âmbito de todo este contexto que o processo de venda do Banco réu (Banco 1...), desencadeado pelo Banco de Portugal após a Medida de Resolução, acabou por se desenrolar em circunstâncias excecionalmente adversas.

146. É também este o contexto que forçou o Governo Português, ainda em 2015, a assumir perante a Comissão Europeia um conjunto adicional de compromissos quanto à reorganização estratégica e operacional do banco e a negociar a extensão por um ano do prazo para a alienação integral da participação acionista detida pelo Fundo de Resolução no Banco réu (Banco 1...).

147. Na sequência da referida auditoria realizada pela PwC e das contas divulgadas pelo Banco réu (Banco 1...) referentes ao período de 3 de agosto de 2014 a 31 de dezembro de 2014 e ao 1.º semestre de 2015, o Banco de Portugal aprovou um conjunto de deliberações para fazer face à situação deficitária em que se encontrava o Banco réu (Banco 1...), tendo também em vista relançar o processo de venda do banco de transição no início de 2016.

148. Neste contexto, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal emitiu três novas deliberações em complemento da Medida de Resolução do Banco 3..., denominadas deliberações "Contingências", “Perímetro” e “Retransmissão”.

149. A deliberação “Contingências” visava, entre outros, clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do Banco 3....

150. A deliberação “Perímetro” visava clarificar, uma vez mais, o perímetro dos ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco 3... para o Banco 1..., alterando a Medida de Resolução de 3 de agosto para passar a refletir essas clarificações, tendo também em consideração a deliberação “Contingências”.

151. Por fim, a deliberação “Retransmissão” teve como objetivo retransmitir para o Banco 3... as obrigações seniores listadas no Anexo I do doc. 50 junto com a contestação (fls. 449 e ss.), onde se inclui a obrigação que havia sido adquirida pelo autor com o ISIN PTBEQBOM0010.

152. Como se pode ler na deliberação “Retransmissão”, a aprovação desta medida teve o propósito de assegurar que os prejuízos do Banco 3... fossem suportados, em primeiro lugar, pelos seus credores e não pelo sistema bancário ou pelos contribuintes.

153. Com efeito, na sequência da auditoria realizada pela PwC, o Banco de Portugal constatou que diversos dos ativos transferidos para o Banco 1... tinham um valor inferior ao valor contabilístico com base no qual se determinou o valor das responsabilidades a transferir, por via da Medida de Resolução, para o Banco réu (Banco 1...).

154. De tal modo que, se todos estas imparidades e os ajustamentos tivessem sido identificados em data anterior a 3 de agosto de 2014, o valor contabilístico ajustado atribuído aos ativos correspondentes ao Banco 3... teria sido inferior e, em conformidade, o montante de responsabilidades transferido para o Banco réu (Banco 1...) teria sido menor.

155. Por força destes mesmos factos, o Banco réu (Banco 1...) viu-se obrigado a reconhecer significativas imparidades nos seus ativos e a fazer ajustamentos negativos nas suas contas de 2014 e nas contas divulgadas no 1.º semestre de 2015, por razões imputáveis a factos anteriores e a riscos gerados antes de 3 de agosto de 2014.

156. Antecipando-se, ainda, que, pelas mesmas razões, o Banco réu (Banco 1...) viria a ter que reconhecer imparidades e ajustamentos negativos adicionais nas suas contas reportadas ao exercício de 2015.

157. Perante este enquadramento, o Banco de Portugal concluiu que o nível real de prejuízos do Banco 3... a 3 de agosto de 2014 não havia sido integralmente absorvido pelos acionistas e credores subordinados do Banco 3..., tendo o nível dos passivos transferidos para o Banco 1... em 3 de agosto de 2014 excedido aquele que era o valor real dos ativos transmitidos para o Banco réu (Banco 1...).

158. Neste contexto, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal deliberou exercer o “Poder de Retransmissão”, previsto no RGICSF e expressamente estabelecido no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, tendo em vista a que os prejuízos do Banco 3... revelados após o balanço de abertura do Banco réu (Banco 1...) fossem primeiramente absorvidos pelos acionistas e credores do Banco 3....

159. Conforme explicou o Banco de Portugal por comunicado emitido na mesma data (29 de dezembro de 2015), junto com a contestação como doc. 51 (fls. 452 e ss.), a retransmissão destas responsabilidades “fundamentou-se em razões de interesse público e teve em vista salvaguardar a estabilidade financeira e assegurar o cumprimento das finalidades da medida de resolução” aplicada ao Banco 3..., tendo resultado, em termos líquidos num “impacto positivo para o capital do Banco 1... de cerca de 1.985 milhões de euros.”

160. Podendo ainda ler-se nesse mesmo comunicado que, para o Banco de Portugal, “[e]ste desenvolvimento, bem como o recente acordo com a Comissão Europeia referente aos compromissos a aplicar ao Banco 1..., eliminam incertezas e contribuem positivamente para o relançamento, que acontecerá em janeiro de 2016, do processo de venda da participação do Fundo de Resolução no capital do Banco 1..., S.A.”

161. As medidas impostas por via das deliberações do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 serviram imperativos de certeza e segurança na delimitação dos passivos transferidos para o Banco 1... e visaram a redução dos riscos associados à incerteza das vicissitudes que, desde a Medida de Resolução, vinham afetando o Banco réu (Banco 1...), tendo ainda sido reconhecidas pelo Banco de Portugal como necessárias para evitar comprometer as finalidades da Medida de Resolução e relançar o processo de venda do Banco 1... que havia sido suspenso pelo Banco de Portugal.

162. Em consequência da deliberação “Retransmissão” do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, o autor tomou conhecimento – desde os primeiros rumores que surgiram na comunicação social – que a obrigação que havia adquirido transitou para o Banco 3..., sendo, por força dessa retransmissão, credor dessa mesma instituição.

163. O Banco réu (Banco 1...) era titular de 2.275 obrigações seniores, com o valor nominal de € 100.000,00 cada, emitidas originariamente pelo Banco 3..., incluindo 233 obrigações seniores com o código ISIN PTBEQBOM0010, idênticas às adquiridas pelo autor em novembro de 2014.

164. As referidas obrigações foram adquiridas pelo Banco réu (Banco 1...) em 15 de setembro e em 30 de novembro de 2015, após ter obtido autorização do Banco de Portugal, tendo por objetivo reduzir custos com os passivos transmitidos por via da Medida de Resolução.

165. Em virtude da retransmissão aprovada pelo Banco de Portugal em 29 de dezembro de 2015, as 2.275 obrigações seniores de que o Banco réu (Banco 1...) era titular passaram para a esfera do Banco 3..., tendo o Banco réu (Banco 1...) passado a ser credor do Banco 3... do montante de € 227.500.000,00, acrescido de juros, correspondente ao capital investido na aquisição de diversas obrigações seniores que foram retransmitidas para o Banco 3....

166. Em julho de 2016, o Governo Português assumiu perante a Comissão Europeia que não considerava a possibilidade de realizar novas ajudas estatais ao Banco réu (Banco 1...), tendo mesmo acrescentado que se o Banco réu (Banco 1...) não fosse vendido até agosto de 2017 entraria num processo de liquidação.

167. Conforme reconhecido pelo Presidente da Comissão do Fundo de Resolução, este cenário de liquidação do Banco 1... chegou mesmo a ser estudado no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão e do Mecanismo Único de Resolução e, no ano de 2017, foram desenvolvidos trabalhos muito adiantados para preparar a liquidação ou a resolução do Banco réu (Banco 1...) em caso de insucesso na sua venda.

168. O processo de venda do Banco réu (Banco 1...) veio a culminar com a alienação apenas em 18 de outubro de 2017 (mais de três anos depois da resolução bancária) de uma participação maioritária do Fundo de Resolução no capital social do Banco réu (Banco 1...) a um fundo de investimento gerido pelo grupo norte-americano Lone Star, que permitiu a injeção de capital no Banco réu (Banco 1...), através de aumentos de capital no valor total de 1000 milhões de euros, e reforçou a posição do Banco, o que impediu que o cenário de liquidação se viesse a materializar.

169. Conforme referiu também o Presidente da Comissão Diretiva do Fundo de Resolução “a venda do Banco 1... foi fundamental para que fosse preservada a estabilidade financeira em Portugal, para que fossem protegidas as poupanças confiadas ao Banco 1... e para permitir a continuidade do banco e a sua viabilidade, evitando-se um sério prejuízo para a economia nacional”, conforme resulta do doc. 55 junto com a contestação.

170. As obrigações identificadas em 002. foram adquiridas pelo autor numa altura de incerteza quanto ao destino do Banco réu (Banco 1...).

171. O autor, além de saber que o Banco 3... fora o emitente originário das obrigações que havia adquirido, também sabia, quando adquiriu a obrigação do Banco réu (Banco 1...), que esta instituição bancária recém-criada, como banco de transição, estava exposta a riscos diretamente relacionados com a sua condição especial no sistema financeiro português.

172. Os riscos associados ao Banco réu (Banco 1...) em 2014 e 2015, tiveram repercussão na forma como o mercado reagiu ao conjunto de vicissitudes e incertezas sobre o seu destino, com uma repercussão em baixa no valor a que eram transacionadas as obrigações.

173. A evolução do valor indicativo da obrigação pode ser caracterizada da seguinte forma:

a) O valor das obrigações em causa manteve-se estabilizado até finais de agosto de 2015, registando valores correspondentes a aproximadamente 102% a 103% do seu valor nominal (cfr. doc. 57 a 64, juntos com a contestação), ou seja, cobrindo o capital e uma parte do juro que a obrigação pagava;

b) O primeiro mês em que o valor das obrigações desceu abaixo dos 100% foi em setembro de 2015 (altura em que o Banco de Portugal interrompeu o processo de venda do Banco réu (Banco 1...)), registando as obrigações, a 30 de setembro de 2015, um valor estimado 98,75% do seu valor nominal, representando potenciais menos valias de aproximadamente 1,25% face ao valor nominal e de menos de 1% face ao preço de aquisição pago pelo autor (€ 99.150,00) (cfr. doc. 65 junto com a contestação);

c) Nos meses de outubro e novembro seguintes, o valor estimado das obrigações manteve-se abaixo do seu valor nominal, em cerca de 99,29% e 99,5%, representando potenciais menos valias de aproximadamente 0,71% e 0,5% face ao valor nominal e de 4,16% e não representando praticamente menos valia face ao preço de aquisição pago pelo autor (cfr. doc. 66 e 67 juntos com a contestação);

d) Em dezembro de 2015, o valor das obrigações registaria uma nova desvalorização para um valor de 98% do seu valor nominal, representando potenciais menos valias de 2% face ao valor nominal e de 1,85% face ao preço de aquisição pago pelo autor (cfr. doc. 68 junto com a contestação).

174. No período que antecedeu a retransmissão operada pelo Banco de Portugal em 29 de dezembro de 2015, o autor poderia ter tentado vender as suas obrigações por um valor aproximado de 98% do seu valor nominal e superior a 98% do preço de aquisição pago pelo autor.

175. Apesar das variações na valorização da obrigação a partir do momento em que o Banco de Portugal interrompeu o processo de venda do Banco réu (Banco 1...) (setembro de 2015) e até ao momento em que aprovou a retransmissão das obrigações seniores para o Banco 3... (29 de dezembro de 2015), o autor nunca decidiu vender as obrigações em causa.

176. Em 13 de julho de 2016, conforme resulta do “Comunicado” junto como doc. 69 com a contestação (fls. 513), o Banco Central Europeu notificou o Banco 3... da sua decisão de revogação da autorização do Banco 3... para o exercício da atividade de instituição de crédito.

177. Em consequência da decisão de revogação da autorização, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco 3... junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, cujo processo corre os seus termos no Juiz 1 desse Tribunal sob o n.º 18588/16.2T8LSB.

178. Em virtude da decisão de retransmissão aprovada pelo Banco de Portugal, em 29 de dezembro de 2015, os titulares de obrigações com o código ISIN PTBEQBOM0010 passaram a ser credores do Banco 3....

179. O Tribunal de Comércio de Lisboa estabeleceu como prazo limite para a apresentação das reclamações de créditos o dia 8 de março de 2019.

180. Foram reconhecidos a favor do autor créditos no valor total de € 126.339,18, incluindo capital e juros, na lista de credores reconhecidos (credor n.º 2031) emitida no âmbito do referido processo de liquidação judicial do Banco 3....

181. E ainda um crédito no valor total de € 126.339,18, incluindo capital e juros, a favor da sua mulher DD (credor n.º 2031).

2. Processo n.º 160/20.4T8PVZ-B:

182. O autor é cliente do Banco réu (Banco 2...), sendo titular da conta à ordem com o n.º ...01.

183. Em 13 de outubro de 2014, o autor subscreveu o contrato, formulado em modelo do Banco réu (Banco 2...), por este pré-preenchido e epigrafado de “Obrigações Compra / Venda / Anulação”, junto com a petição como doc. 1, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.

184. Resulta desse documento contratual que o produto financeiro adquirido (“Compra”) pelo autor foram “Obrigações” no montante nominal de 100.000,00 € cujo ISIN (International Standards [sic] Identification Number) era o PTBEQBOM0010 [adiante, também designadas de ObrigaçõesBANCO2... ou Obrigações].

185. De acordo com esse documento, o “Emitente” das obrigações em causa era o “Banco 1..., S.A.”.

186. Pelas obrigações “emitidas” pelo “Banco 1...” com o valor nominal de 100.000,00 € o autor foi debitado na conta à ordem identificada em 182. pelo valor de 99.770,83 €.

187. O autor apôs a sua assinatura no documento identificado em 183., o que fez na data de 13.10.2014), concomitantemente à assinatura por parte do “Personal Financial Advisor”, Dr. HH, do Banco réu (Banco 2...).

188. O Dr. HH sabia que o autor procurava um produto com a melhor rentabilidade possível.

189. O autor, apesar de não ser versado em direito bancário ou em instrumentos financeiros, sabe que apenas os depósitos gozam, limitadamente, da garantia do Fundo de Depósitos e, bem assim, que o reembolso do capital e o pagamento dos juros associados a obrigações, por se traduzirem, em termos práticos, em valores mobiliários representativos de uma dívida, estão sempre dependentes da solvabilidade do devedor.

190. O autor perguntou ao Dr. HH se as obrigações que pretendia adquirir tinham algo a ver com o Banco 3..., perante o que o Dr. HH o informou de que as mesmas já não tinham qualquer ligação com o Banco 3... e que se tratava de dívida do Banco 1... e que seria esta a entidade a restituir o valor a investir na data de vencimento (15 de julho de 2016).

191. O contrato a que se alude em 183. foi celebrado em outubro de 2014, isto é, cerca de três meses volvidos sobre a medida de resolução do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 e que criou o Banco 1..., S.A.

192. O Banco réu (Banco 2...), através do referido “Personal Financial Advisor”, afirmou então que o Banco 1..., mais do que surgir na esfera jurídica como o “banco bom”, se tratava de uma nova instituição bancária, jurídica, económica e financeiramente independente do Banco 3... – características que foram referidas na comunicação social.

193. O autor, como todo e qualquer cidadão medianamente informado, assistiu às sucessivas notícias sobre o “escândalo Banco 3...”.

194. O autor não pretendia adquirir dívida do “banco mau”.

195. À data da aquisição das obrigações em causa, o autor havia já sido prejudicado no âmbito do “desastre do Banco 3...”, porquanto era titular de Papel Comercial Rio Forte que adquirira em 10.02.2014 por 100.000,00 €.

196. À data da outorga do contrato dos autos (ponto 183.), e em função das notícias de que a Rio Forte estaria em insolvência, era convicção generalizada que esse capital poderia vir a ser perdido.

197. Perceção que, em outubro de 2014, tanto o autor como o Personal Financial Advisor do Banco réu (Banco 2...) tinham.

198. Pelo Dr. HH foi dito ao autor que se tratava de obrigações da responsabilidade do Banco 1..., afirmando que o risco de crédito inerente era, apenas, a solvabilidade do Banco 1....

199. O Fundo de Resolução era participado pelas diversas instituições bancárias e indiretamente pelo Estado Português.

200. Jamais foi afirmado ao autor que existia qualquer contingência associada às obrigações em causa, muito menos que pudessem de qualquer forma ser “contaminadas” pelo colapso do grupo A....

201. As obrigações em causa não foram emitidas pelo Banco 1..., S.A.

202. As obrigações em causa foram emitidas pelo Banco 3... e, com a medida de Resolução, haviam integrado o “perímetro” do Banco 1....

203. À data da compra das obrigações, estava já expressamente previsto na Medida de Resolução que o Banco de Portugal poderia “retransmitir” as obrigações em causa para o “perímetro” do Banco 3..., o que efetivamente sucedeu por força da deliberação de 29 de dezembro de 2015.

204. A deliberação de 03.08.2014, junta com a petição como doc. 2 (fls. 20 e ss.), constitui a medida de resolução do Banco 3..., SA.

205. Logo na primeira página, e em concreto do ponto 2 da “Agenda” dessa deliberação, colhe-se ter sido decidido transferir para o Banco 1..., determinados activos, passivos, e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 3..., S.A.

206. Resulta então da Resolução de 03.08.2014, e em concreto na pág. 21 desse documento (ponto b) do Anexo 2) que as obrigações aqui em causa, originariamente emitidas pelo Banco 3..., transitaram para o Banco 1..., desde logo porque o Banco de Portugal não integrou na categoria «Passivos Excluídos» as responsabilidades do Banco 3... decorrentes da emissão de Obrigações Seniores do Banco 3... aqui em causa.

207. Mais resulta dessa deliberação (vide pág. 23 do mesmo documento) que “após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 3... e o Banco 1..., S.A., activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145º-H número 5”.

208. O Banco réu (Banco 2...) nunca informou o autor do que se refere em 203., 205., 206. e 207.

209. O Banco réu (Banco 2...) sabia – ou não podia deixar de saber – que as obrigações que vendeu ao autor: i) tinham sido emitidas pelo Banco 3..., ii) que passaram para a ser uma dívida do Banco 1... e que iii) poderiam ser retransmitidas para o Banco 3....

210. A referência feita no documento a que se alude em 183. de que o “Emitente” das obrigações era o “Banco 1..., S.A.” não correspondia a verdade, pese embora, à data em que o autor o assinou, o Banco 1... fosse o responsável pelo respetivo reembolso.

211. A possibilidade ou contingência prevista na deliberação de as obrigações em causa serem “retransmitidas” para o Banco 3... veio a concretizar-se através da deliberação de 29.12.2015 e seu anexo I, junta com a petição como doc. 4 (fls. 33 verso e ss.).

212. Por força dessa deliberação do Banco de Portugal, todos os direitos que o autor julgava ter (tinha) no Banco 1..., passaram (voltaram) a ser responsabilidade do insolvente “banco mau” Banco 3....

213. Ao ter conhecimento dessa deliberação de retransmissão o autor contactou o “Financial Advisor”, Dr. HH, que lhe disse que até aquela deliberação de retransmissão desconhecia, pessoalmente, que as obrigações que vendeu ao autor tivessem associada tal contingência, isto é, que pudessem ser transferidas para o “Banco Mau”, posto que nunca qualquer estrutura do Banco réu (Banco 2...) lhe deu a conhecer tal vicissitude ou, de alguma forma, o alertou para tal facto.

214. O Banco réu (Banco 2...) não se mostrou disponível para, extrajudicialmente, assumir a responsabilidade pelo sucedido.

215. As obrigações em causa venceram-se em 15 de julho de 2016 e nada – nem capital nem juros – foi restituído ao autor, escudando-se o Banco réu (Banco 2...) na deliberação do Banco de Portugal.

216. Caso o autor tivesse a mínima informação ou indício de que, por qualquer razão, poderiam as obrigações em causa transitar do Banco 1... para o Banco 3..., jamais teria celebrado o contrato a que se alude em 183..

217. O autor não suspeitava que as obrigações a que se alude em 183. poderiam “retornar” ao Banco 3....

218. O Banco réu (Banco 2...) sabia, ou não podia deixar de saber, os contornos da medida de Resolução, tanto no que contende com a proveniência (emissão) das obrigações que comercializou quer no que diz respeito ao risco da sua retransmissão.

219. O Banco réu (Banco 2...) interveio no processo de venda de uma obrigação emitida originariamente pelo Banco 3... e adquirida pelo autor em outubro de 2014 em mercado secundário, ou seja, depois do momento em que a obrigação foi emitida.

220. A obrigação em causa foi originariamente emitida no âmbito de uma emissão obrigacionista do Banco 3..., numa altura em que o Banco 1... nem sequer existia.

221. Esse facto era do conhecimento do autor, uma vez que aquando da aquisição da obrigação (outubro de 2014) o autor assinou a ordem de compra, bem como a ficha técnica das obrigações em causa (designada de Final Terms, junta com a contestação como doc. 6, a fls. 121 e ss.), na qual se fazia referência explícita ao Banco 3... na qualidade de emitente originário.

222. A obrigação em causa foi, no âmbito dos poderes de resolução do Banco de Portugal, transmitida para um banco de transição constituído para o efeito (o Banco 1...) e, já em dezembro de 2015, e ao abrigo dos mesmos poderes de resolução, retransmitida para o Banco 3....

223. No momento em que a obrigação foi adquirida, era público que o Banco 1... era uma instituição bancária que, além de ter uma duração limitada, tinha sido constituído há pouco tempo (tinha 2 meses de existência), sendo à data incerto como se resolveria a situação resultante da resolução bancária do Banco 3....

224. A convulsão que se vivia no recém-criado banco de transição era notória, tendo aliás a estrutura de gestão do Banco 1... sido alterada com a saída do Presidente do Conselho de Administração, Dr. EE, e outros administradores, apenas 1 mês antes da aquisição das obrigações pelo autor.

225. O Banco 1... foi constituído como banco de transição que teria de ser vendido obrigatoriamente até agosto de 2016, por imposição da Comissão Europeia, sob pena de ser liquidado caso tal venda não ocorresse no mencionado prazo.

226. Esse facto era do conhecimento público e dele se retira que o autor adquiriu uma obrigação de um banco que poderia ser liquidado em agosto de 2016.

227. O risco assumido pelo autor foi igualmente exponenciado pela frustração da primeira tentativa de venda do Banco 1..., que malogrou em outubro de 2015, adensando as preocupações que à data existiam sobre a continuidade do banco.

228. O autor já tinha tentado adquirir obrigações da mesma emissão junto do Banco 1... – de quem era cliente – e, na impossibilidade de o fazer logo em outubro de 2014, abriu conta junto do Banco réu (Banco 2...) com o propósito de adquirir tais obrigações, tendo – no mês seguinte – adquirido novas obrigações da mesma emissão junto do seu balcão do Banco 1....

229. A obrigação adquirida pelo autor teve por base a execução da ordem emitida em 13.10.2014.

230. A ordem emitida pelo autor foi integralmente executada pelo Banco réu (Banco 2...) em 17.10.2014.

231. No dia 29.12.2015 o autor deu ordem de venda da obrigação que havia adquirido em outubro de 2014, na sequência das notícias veiculadas na comunicação social a propósito da retransmissão de obrigações do Banco 1... para o Banco 3....

232. No dia 03.08.2014 foi deliberada pelo Banco de Portugal a medida de resolução do Banco 3... que determinou a transferência de determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 3... para o Banco 1... (doravante a “Medida de Resolução”).

233. A transferência da atividade do Banco 3... para o Banco 1... assumiu-se para o Banco de Portugal como a única medida capaz de garantir a continuidade da prestação dos serviços financeiros, num cenário de ausência de soluções imediatas viáveis de alienação da atividade deste banco a outra entidade de crédito autorizada.

234. Assim, logo na deliberação de 3 de agosto de 2014, no seu anexo 2, o Banco de Portugal definiu o perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o banco de transição (o Banco 1...) constituído nesse mesmo dia e aqueles que se mantinham no Banco 3....

235. Atendendo à urgência da Medida de Resolução e à necessidade de se aprofundar com maior detalhe o conhecimento da situação financeira do património do Banco 3..., o Banco de Portugal fez constar logo no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 que: “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 3... e o Banco 1..., SA, ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º-H, número 5.º.”

236. Em 11 de agosto de 2014, oito dias depois de tomada a Medida de Resolução, o Banco de Portugal aprovou uma nova deliberação que visava clarificar a deliberação inicial de 3 de agosto e ajustar o perímetro de transferência entre o Banco 3... e o Banco 1....

237. Manteve-se no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, tal como corrigida pela deliberação de 11 de agosto, a referência à possibilidade de o Banco de Portugal poder transferir ou retransmitir ativos ou passivos entre o Banco 3... e o Banco 1... – cfr. ponto 2 do Anexo 2 da deliberação de 11 de agosto de 2014.

238. Ainda a propósito do perímetro de transferência entre o Banco 3... e o Banco 1..., o Banco de Portugal determinou, em 22 de dezembro de 2014, que a responsabilidade do Banco 3... correspondente ao empréstimo no valor de 835 milhões de dólares concedido pela Oak Finance Luxemburg não havia sido transferida para o Banco 1... por entender que a Oak Finance atuara, na concessão daquele empréstimo, por conta da Goldman Sachs International, entidade que detinha uma participação superior a 2% no capital do Banco 3....

239. Em 17 de fevereiro de 2015, o Banco de Portugal deliberou confirmar e manter a sua anterior decisão.

240. Posteriormente, já em 29 de dezembro de 2015, e no exercício dos poderes de retransmissão que lhe assistiam (e assistem) nos termos da lei e nos termos da própria Medida de Resolução, o Banco de Portugal deliberou alterar o perímetro de ativos e passivos do Banco 3... e do Banco 1..., mediante a retransmissão de um conjunto de obrigações não subordinadas que passaram, assim, novamente para a esfera do Banco 3....

241. Entre essas obrigações contavam-se as que o autor tinha adquirido.

242. Todas as intervenções do Banco de Portugal a este respeito são públicas e foram divulgadas em Portugal, nomeadamente através da comunicação social, e o seu teor foi sendo disponibilizado na página de entrada do site do Banco de Portugal, aí se mantendo disponível ainda nos dias de hoje.

243. O autor – tal como a sua mulher, DD – é cliente do Banco réu (Banco 2...) desde outubro de 2014, sendo cotitulares da conta bancária n.º ...01.

244. A ficha de abertura da conta, junta com a contestação como doc. 3 (fls. 114), foi assinada no dia 8 de outubro de 2014, tendo a conta ficado ativa no dia 10 de outubro de 2014, uma sexta-feira.

245. Nessa data, conforme resulta do doc. 4 junto com a contestação (fls. 119), o autor informou que não pretendia responder ao questionário de perfil de investidor.

246. A conta referida em 243. foi identificada pelo autor como tendo a finalidade de “gestão de investimento”, informação confirmada pelo facto de, no dia útil seguinte à data da abertura da conta, ou seja, no dia 13.10.2014, o autor ter dado uma instrução de compra das obrigações em causa nos autos.

247. Foi o autor quem contactou – por sua livre iniciativa – o então prestador de serviços do Banco réu (Banco 2...), Dr. HH, pessoa que já conhecida, uma vez que o Dr. HH havia trabalhado noutra instituição bancária na qual o autor tinha tido uma conta aberta.

248. O contacto feito pelo autor ao Dr. HH foi no sentido de abrir uma conta bancária junto do Banco réu (Banco 2...) tendo em vista a aquisição das obrigações em causa nos autos.

249. Conforme informação transmitida à data pelo autor, este já teria tentado subscrever as mesmas obrigações junto do seu balcão do Banco 1... – de quem era aliás cliente de longa data – o que na altura não se mostrou possível.

250. Foi esse o único motivo que levou o autor a contactar o Banco réu (Banco 2...).

251. Em 13 de outubro de 2014, o autor, por sua livre iniciativa e sem que tal lhe tenha sido proposto pelo seu (então) gestor de conta, emitiu uma ordem de aquisição de uma obrigação com o valor nominal de € 100.000,00.

252. No âmbito dessa ordem de aquisição e naquela data, o autor assinou a instrução junta com a petição como doc. 1, identificada em 183., tendo assinado, na mesma data, uma nova instrução, porquanto na instrução assinada em primeiro lugar existia um lapso relativamente à data de maturidade e último cupão da obrigação, a qual deveria ser 15.07.2016 e não 09.11.2015.

253. Assim, a instrução junta com a contestação como doc. 5 (fls. 120) substituiu a anterior instrução.

254. Além da referida ordem de aquisição, o autor rubricou e assinou também os Final Terms que acompanhavam a instrução de compra, juntos com a contestação como doc. 6 (fls. 121 e ss.), os quais eram compostos por 6 páginas.

255. No cabeçalho desse documento consta a referência ao Banco 3..., em letras maiúsculas e destacada a negrito, podendo ler-se – mais abaixo e ainda na primeira página – que o emitente inicial das obrigações era o Banco 3....

256. O autor sabia que as obrigações tinham sido originariamente emitidas pelo Banco 3... e quis subscrever tais obrigações.

257. O Banco 1... passou a ser considerado a entidade emitente da obrigação por força da transmissão destas obrigações por via da Medida de Resolução de 3 de agosto de 2014 (no sentido de ser o responsável pelo respetivo reembolso), sendo essa a situação que se verificava aquando da aquisição da obrigação pelo autor.

258. É facto público que em virtude da resolução do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014, vários ativos e passivos do Banco 3... foram transmitidos para o Banco 1....

259. A obrigação em causa foi emitida originariamente pelo Banco 3... no âmbito de uma emissão obrigacionista de julho de 2011 inserida no âmbito do Euro Medium Term Note Programme.

260. O Euro Medium Term Note Programme correspondia a um programa de emissão de dívida à luz da qual foram originariamente emitidas pelo Banco 3... ou pela sua subsidiária Banco 3..., ao longo do tempo, obrigações subordinadas e não subordinadas.

261. Ao abrigo do Euro Medium Term Note Programme, em 15 de julho de 2011 o Banco 3... emitiu € 81.400.000,00 de obrigações não subordinadas com o valor nominal de € 100.000,00 cada, identificadas com o código ISIN1 PTBEQBOM0010.

262. Pelas obrigações em causa, o Banco 3... pagaria um juro anual de 6,875% ao dia 15 de julho de cada ano, reembolsando os investidores na respetiva data da maturidade, 15 de julho de 2016, do valor correspondente ao valor nominal das obrigações adquiridas.

263. Em outubro de 2014, as obrigações em causa apenas poderiam ser adquiridas a outros investidores interessados em transacionar esse instrumento financeiro (aquilo que em linguagem financeira se designa como mercado secundário).

264. Sucede que, por força da Medida de Resolução aplicada ao Banco 3..., as obrigações em causa – como todas as obrigações não subordinadas do Banco 3... – foram transmitidas para o Banco 1..., ou seja, passou a ser este banco o devedor dos valores de capital e juros titulados pelas referidas obrigações.

265. As emissões obrigacionistas em causa mantiveram as mesmas características que tinham antes da Medida de Resolução, conforme esclareceu a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários em 6 de outubro de 2014.

266. Assim, o Banco 1... efetuou comunicações ao mercado referentes às obrigações originariamente emitidas pelo Banco 3..., incluindo as obrigações objeto dos presentes autos.

267. O Banco 1... não tinha, à data de outubro de 2014, lançado no designado mercado primário qualquer emissão obrigacionista própria, tendo tal acontecido pela primeira vez em momento posterior a essa data.

268. A informação existente sobre as obrigações em causa no momento em que o autor as adquiriu, em 2014, era a de que tinha sido disponibilizada ao mercado pelo emitente originário, o Banco 3....

269. A informação relativa à emissão obrigacionista era composta (i) pelo Prospeto (que inclui um Sumário) – junto como doc. 9 com a contestação (fls. 131 e ss.) e (ii) pelos Final Terms, documentos que se encontravam disponíveis para consulta no site do mercado de valores mobiliários do Luxemburgo onde se encontravam admitidos à negociação.

270. Os riscos associados às obrigações em causa eram descritos no Prospeto e encontravam-se igualmente identificados, de forma mais resumida, no seu Sumário, sendo ainda essa informação completada no documento identificado em 183. e 252. sob o título designado em letras maiúsculas “Informação Sobre os Riscos Genéricos Associados às Obrigações”.

271. O propósito destes documentos é o de informar os investidores das características e dos riscos associados às suas decisões de investimento, num contexto em que se pretende habilitar os interessados com as informações adequadas para o efeito.

272. Consta do documento a que se alude em 183. e 252., antes da assinatura do autor, o seguinte: “Declaro, Que fui devidamente informado sobre as características e condições do título que pretende adquirir, bem como que tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospeto da emissão disponível em www.banco2....pt e que recebi cópia da documentação relativa a esta operação. Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima e que a vontade e decisão da aquisição destes ativos são da minha inteira responsabilidade (…).”

273. Constando ainda daquele documento sob o título “Informação Sobre os Riscos Genéricos Associados às Obrigações”, o seguinte: “O investimento em Obrigações poderá levar à perda total ou parcial do capital investido (…) Em nenhuma situação o Banco 2... pode ser responsabilizado caso se materialize algum dos riscos mencionados acima”.

274. As obrigações em causa foram redenominadas obrigações Banco 1... 6,875% 15/07/2016 como consequência da Medida de Resolução, num contexto em que o Banco de Portugal proibiu o uso da denominação ou marca “Banco 3...” ou “Banco 3...” em tudo o que fosse comercializado pelo Banco 1... ou nos serviços por si prestados.

275. Mas essa redenominação só ocorreu nos sistemas internos do Banco réu (Banco 2...) em março de 2015, pelo que desde a sua aquisição pelo autor (outubro de 2014) até àquela data as obrigações em causa foram designadas por “Banco 3... DUE 6,875%”, conforme consta dos estratos recebidos pelo autor até àquela data, juntos com a contestação como doc. 10 (fls. 274 e ss.).

276. A obrigação foi adquirida pelo autor corridos que eram pouco mais de dois meses desde a data da Medida de Resolução, numa altura em que a situação do Banco 1... e o seu futuro eram marcados por hesitações e interrogações.

277. Em conformidade com a ordem de compra do autor, o Banco réu (Banco 2...) procedeu, em 16 de outubro de 2014, ao débito do montante total de € 99.770,83 na conta do autor com o n.º ...01, correspondente à soma dos seguintes parciais: (i) € 98.000,00 referentes ao preço da aquisição da obrigação, (ii) € 1.261,23, a titulo de juros decorridos, (iii) € 490,00 com comissões pagas ao Banco réu (Banco 2...) pelo serviço de intermediação financeira e, (iv) € 19,60 a título de impostos, conforme informação enviada por email ao autor em 17.10.2014, junta com a contestação como doc. 11 (fls. 279 verso e ss.).

278. Nesse email o Banco réu (Banco 2...) comunicava ao autor que havia adquirido obrigações denominadas “Banco 3... DUE 6,875%”, sendo que a sigla Banco 3... se referia ao Banco 3....

279. Igual referência consta do primeiro extrato bancário enviado ao cliente e emitido em 1 de novembro de 2014, junto com a contestação como doc. 12 (fls. 282 verso e ss.)

280. No âmbito dos serviços de aquisição de aplicações financeiras e execução de ordens emitidas pelo autor, o Banco réu (Banco 2...) atuou como executante das ordens dadas pelo autor, por iniciativa deste e sempre em seu nome e representação.

281. O Banco réu (Banco 2...) não assumiu qualquer dever de gestão ou administração dos ativos financeiros do autor ou de lhe prestar assessoria financeira.

282. A obrigação adquirida pelo autor pagava um juro anual de 6,875% e gerava um retorno (yield) superior a outros produtos similares no mercado.

283. Da análise do histórico de investimento do autor junto do Banco réu (Banco 2...), confirma-se que o autor investiu noutros valores mobiliários diversos.

284. O extrato integrado datado de 1 de dezembro de 2014, junto com a contestação como doc. 16 (fls. 286 verso) mostra o investimento do autor no valor de € 52.000,00 em outras obrigações também emitidas pelo Banco 3... e identificadas no extrato integrado com o título “Banco 3... 5% NOTES DUEFEBRUARY2022” (ISIN XS0747759180), adquiridas em 11 de novembro de 2014 na sequência de uma instrução de compra escrita do autor, que foi a segunda ordem de compra para as mesmas obrigações (a primeira instrução não foi executada por falta de liquidez no mercado secundário, tendo o autor recebido o respetivo aviso de ordem expirada no dia 4 de novembro de 2014).

285. Estas obrigações, ao contrário das obrigações em causa nos autos, foram alienadas pelo autor em 4 de outubro de 2017 pelo valor de € 41.054,00.

286. Também em relação a estas obrigações, o autor tinha conhecimento que o emitente originário era o Banco 3..., desde logo pelo facto de estas obrigações serem designadas à data da compra por “Banco 3... 5% NOTES DUEFEBRUARY2022”.

287. Por seu turno, o extrato integrado datado de 1 de novembro de 2019, junto com a contestação como doc. 17 (fls. 287 verso e ss.) mostra o investimento do autor no valor de € 28.280,00 em obrigações da Mota Engil SGPS, S.A., conforme aviso enviado ao cliente, junto com a contestação como doc. 20 (fls. 296 verso e ss.).

288. Em outubro de 2014, o autor deu instrução de compra de outras obrigações Banco 1..., desta feita das obrigações designadas NOVBNC 5 04/04/2019 com o ISIN XS0760009729, as quais apenas não foram por si adquiridas por falta de liquidez no mercado secundário, conforme doc. 21 junto com a contestação (fls. 297 verso e ss.).

289. Entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015, o autor solicitou ao Banco réu (Banco 2...) informação sobre outros valores mobiliários, a saber: (i) obrigações com o ISIN AT0000A0U9J2 (Scholz Holding Gmbh), as quais não apresentavam liquidez; (ii) obrigações com o ISIN XS1051719786 (Air Berlin PLC); (iii) obrigações com os ISIN’s XS1088879974 e GR0114028534 (dívida pública da Grécia) e sobre as quais não havia informação; (iv) obrigações com o ISIN USC10602AW79 (Bombardier INC – emissão em dólares americanos), ISIN XS0879438793 (Nordic Investment Bank – emissão em reais brasileiros) e ISIN XS1000657970 (International Finance Corp – emissão em reais brasileiros).

290. Apesar desses pedidos de informação, o autor não adquiriu nenhuma das referidas obrigações.

291. O autor, engenheiro de profissão e empresário, tendo declarado – aquando da abertura de conta – ser sócio-gerente da empresa Consultadoria B..., desde 1994.

292. Era um investidor experiente, investindo em instrumentos financeiros com perfil de risco semelhante àquele que se encontra em discussão nos presentes autos.

293. A execução da ordem que foi emitida pelo autor enquadra-se na prestação de serviços de mera execução de ordens em relação a instrumentos financeiros não complexos.

294. O Banco réu (Banco 2...) fez constar do documento a que se alude em 183. e 252., o que se refere em 295.

295. Consta do documento a que se alude em 183. e 252., sob o título “Advertências”, o seguinte: “Instrumentos Financeiros não Complexos: Dado tratar-se de prestação de serviços de mera receção e transmissão de ordens em relação a instrumentos financeiros não complexos, nesta operação o Banco 2... adverte-me que não é obrigado a determinar a adequação desta operação às minhas circunstâncias. Assim, o Banco 2... não necessita de obter informação para aferir o meu perfil de investidor com a finalidade de proceder à avaliação do caráter apropriado do instrumento ou serviço prestado”.

296. Desde que se tornou cliente do Banco réu (Banco 2...), o autor teve dois gestores de conta: primeiro, o Dr. HH, que deixou de colaborar com o Banco réu (Banco 2...) a partir de 14 de junho de 2017, e depois o Dr. II, atual gestor do cliente.

297. Apesar de o Dr. II apenas ter passado a acompanhar diretamente o autor a partir de junho de 2017, a verdade é que anteriormente supervisionava as funções desempenhadas pelo Dr. HH, pelo que sempre seria informado de quaisquer reclamações ou manifestações de insatisfação que fossem apresentadas pelo autor.

298. O autor tem aumentado o seu envolvimento com o Banco réu (Banco 2...), tendo adquirido em outubro de 2019 obrigações da Mota Engil.

299. A ausência de reclamações é comprovada pelos formulários com o resumo de reuniões presenciais realizadas entre o autor e o seu gestor de conta, Dr. II, nos dias 12 de dezembro de 2018 e 14 de outubro de 2019, juntos com a contestação como doc. 22 e 23 (fls. 202 verso e ss.), assinados pelo autor e em que este afirma não existirem quaisquer reclamações pendentes.

300. Entre agosto de 2014 e outubro de 2017, o Banco 1... teve a natureza de um banco de transição, algo que nunca tinha acontecido a nenhum banco em Portugal (e na Europa) e que despertou a atenção pública sobre aqueles que foram os primeiros tempos e vicissitudes desta instituição de crédito.

301. Estão em causa factos do conhecimento público, difundidos pelos reguladores e na comunicação social no momento em que ocorreram.

302. Estão em causa factos que fizeram as manchetes dos jornais em Portugal ao longo dos anos de 2014 e 2015.

303. A generalidade das pessoas que viviam em Portugal e que tinham acesso aos meios de comunicação social tomaram conhecimento de eventos como as dificuldades na venda do banco de transição e os cenários potencialmente aplicáveis ao Banco 1..., tal como a sua liquidação, incluindo o autor.

304. No momento da constituição do Banco 1..., o Fundo de Resolução procedeu à sua capitalização com uma quantia inicial de € 4.900.000.000,00.

305. Atendendo ao facto de o Fundo de Resolução não dispor das verbas suficientes para efetuar aquela capitalização, foi o Estado Português quem lhe disponibilizou um financiamento essencial para esse efeito.

306. A exposição do Estado Português, por força do financiamento realizado ao Fundo de Resolução, foi objeto de discussão pública, tendo o Governo vindo a esclarecer que não era sua intenção injetar mais fundos no Banco 1....

307. A intenção do Governo Português – noticiada nos jornais – era que o Banco 1... fosse vendido no menor prazo possível.

308. Perante este cenário o Banco 1... iniciou um programa agressivo de venda de ativos, sendo certo que ao longo de todo esse período se fazia referência pública à possibilidade de retransferência de ativos ou passivos do Banco 1... para o Banco 3..., como forma de equilibrar a situação do banco de transição.

309. Concomitantemente com as questões de balanço e de tesouraria que marcaram os primeiros tempos do Banco 1..., o Fundo de Resolução continuava a preparar a sua venda, conforme foi também noticiado.

310. Além disso, a partir de novembro de 2014, o Banco 1..., tal como outras instituições bancárias portuguesas, passou a ser supervisionado pelo Banco Central Europeu no âmbito do recém criado Mecanismo Único de Supervisão, afigurando-se também necessário neste contexto apurar se o Banco 1... cumpriria ou não com os rácios de capitalização exigidos à luz do enquadramento legal europeu, o que poderia também levar o Banco Central Europeu a determinar a transferência de ativos do Banco 1... para o Banco 3....

311. Entretanto, a auditoria realizada pela PwC no âmbito da Medida de Resolução foi concluída em 3 de dezembro de 2014 e confirmou que diversos dos ativos transmitidos para o Banco 1... se encontravam significativamente sobrevalorizados nos registos contabilísticos do Banco 3... disponíveis à data da aplicação da Medida de Resolução.

312. A sobrevalorização inicial destes ativos teve como reflexo o reconhecimento de diversas imparidades e ajustamentos nas contas do Banco 1..., o que, por seu turno, influenciou os resultados negativos que o Banco 1... anunciou publicamente com referência ao período entre 3 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2014.

313. Nos termos da lei em vigor no momento da Medida de Resolução, o Banco 1..., enquanto banco de transição, tinha uma duração limitada de dois anos, prorrogável por períodos de um ano, com base em fundadas razões de interesse público, até ao máximo de cinco anos.

314. No mesmo sentido, a Comissão Europeia – através do DG Comp2 – determinou em agosto de 2014 que o Banco 1... deveria ser vendido na totalidade ou em partes num prazo de dois anos a contar da data da Medida de Resolução, ou seja, até agosto de 2016, ao passo que as partes não vendidas e o restante Banco 3... deveriam ser objeto de liquidação.

315. Este facto era do conhecimento público.

316. Até à projetada venda do Banco 1..., o Fundo de Resolução ficaria detentor único do capital social do banco de transição, com o objetivo de permitir a entrada posterior de novos capitais e de reconstituir uma base acionista para este banco.

317. A presença do Fundo de Resolução no capital do Banco 1... era assim assumidamente transitória, servindo como meio para a seleção de uma estrutura acionista de base privada que definisse e executasse uma estratégia proposta com vista ao desenvolvimento do negócio do Banco 1....

318. Com vista à obtenção dessa estrutura acionista num horizonte temporal limite até agosto de 2016, o Banco de Portugal implementou no final de 2014 um procedimento de venda da participação acionista do Fundo de Resolução no Banco 1....

319. Conforme vinha sendo noticiado a este propósito, a intenção era a de que a venda do Banco réu (Banco 2...) se viesse a fazer por um valor superior a 4,9 milhões de euros, por forma a reembolsar os valores usados pelo Fundo de Resolução na capitalização do Banco 1..., e ainda antes de esgotado o período de dois anos.

320. A venda do Banco 1... no menor prazo possível era também uma preocupação para a Comissão Europeia que, logo em agosto de 2014, recomendou a Portugal que a venda se fizesse dentro do referido período de dois anos, por forma a evitar uma situação de falência do banco de transição.

321. Sucede que o processo de venda do Banco 1... veio a afigurar-se mais demorado do que o expectável, começando, ainda em 2014, a surgir sinais públicos de discordância quanto àquele que seria o destino do Banco 1....

322. Como é também público, no âmbito do procedimento de venda implementado nos meses seguintes à Medida de Resolução, o Banco de Portugal anunciou terem sido apresentadas três propostas vinculativas para aquisição da posição acionista do Fundo de Resolução no Banco 1..., as quais, contudo, foram consideradas insatisfatórias por parte do Banco de Portugal, que decidiu, em 15 de setembro de 2015, interromper o processo de venda em curso até que estivessem reunidas as condições que propiciassem a obtenção de propostas mais condizentes com os objetivos que presidiram à Medida de Resolução.

323. Esse desfecho deve ser compreendido à luz dos diversos fatores de incerteza que envolveram o processo de venda do Banco 1... durante os anos de 2014 e 2015.

324. Atendendo à sua génese e ao histórico de ativos herdados do Banco 3..., o Banco 1... iniciou a sua operação condicionado pelas circunstâncias excecionais decorrentes da sua situação de banco de transição.

325. E que explicam que o Banco 1..., em 9 de março de 2015, tenha anunciado prejuízos de 467,9 milhões de euros referentes ao período entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2014.

326. Bem como, no final do exercício de 2015 (em que o Banco 1... completava o primeiro ano completo de atividade), a registar resultados líquidos negativos de quase 1000 milhões de euros também em consequência de diversas imparidades com os ativos herdados do Banco 3....

327. Os resultados anunciados no final do exercício de 2015, eram já antecipáveis em função dos resultados negativos que tinham sido anteriormente anunciados pelo Banco 1... com referência ao 1.º semestre de 2015.

328. As dificuldades com que se debatia o Banco 1... desde a sua constituição refletiram-se também na redução do número dos seus colaboradores e na não estabilização da sua estrutura de gestão, com a saída, logo em setembro de 2014, do anterior Presidente EE e a sua substituição por FF (que mais tarde viria também a ser substituído por GG).

329. A estas dificuldades, inerentes à génese do Banco 1... e aos seus antecedentes, somaram-se, ao longo do último trimestre de 2014 e do ano de 2015, outras dificuldades de natureza exógena ao processo e ao Banco 1....

330. Desde logo, a necessidade de reforço de fundos próprios a que o Banco 1... poderia vir a estar sujeito por determinação da autoridade de supervisão prudencial, que, em novembro de 2014, passou a ser o Banco Central Europeu / Mecanismo Único de Supervisão.

331. Embora tenha sido criado com fundos próprios, em 2014 o Banco 1... estava a participar nos testes de esforço (stress tests) a que se submeteram todas as instituições de crédito sujeitas à supervisão direta do Banco Central Europeu no contexto da criação do Mecanismo Único de Supervisão.

332. Da mesma forma, o Banco 1... iria conhecer, pela primeira vez, apenas no final de 2015, o resultado global da adequação dos seus fundos próprios conduzida pelo Banco Central Europeu.

333. Os resultados ao teste de esforço conduzido pelo Banco Central Europeu / Mecanismo Único de Supervisão, que tiveram também por base a auditoria realizada pela PwC, viriam a ser divulgados em novembro de 2015, confirmando-se, conforme consta do doc. 47 junto com a contestação (fls. 385 e ss.) “uma insuficiência no cenário mais adverso (rácio CET1 de 2,43% face ao limiar de 5,5%), o que corresponde a um desvio de EUR 1.398 milhões (Gráfico 1), projetado para o final de 2017.”

334. Foi no âmbito de todo este contexto que o processo de venda do Banco 1..., desencadeado pelo Banco de Portugal após a Medida de Resolução, acabou por se desenrolar em circunstâncias excecionalmente adversas, a que se somavam diversas dúvidas existentes no plano internacional agudizadas pela crise grega e pela incerteza por ela gerada no quadro da União Económica e Monetária.

335. É também este o contexto que forçou o Governo Português, ainda em 2015, a assumir perante a Comissão Europeia um conjunto adicional de compromissos quanto à reorganização estratégica e operacional do banco e a negociar a extensão por um ano do prazo para a alienação integral da participação acionista detida pelo Fundo de Resolução no Banco 1....

336. Na sequência da referida auditoria realizada pela PwC e das contas divulgadas pelo Banco 1... referentes ao período de 3 de agosto de 2014 a 31 de dezembro de 2014 e ao 1.º semestre de 2015, o Banco de Portugal aprovou um conjunto de deliberações para fazer face à situação deficitária em que se encontrava o Banco 1..., tendo também em vista relançar o processo de venda do banco de transição no início de 2016.

337. Neste contexto, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal emitiu três novas deliberações em complemento da Medida de Resolução do Banco 3..., denominadas deliberações "Contingências", “Perímetro” e “Retransmissão”.

338. A deliberação “Contingências” visava, entre outros, clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do Banco 3....

339. A deliberação “Perímetro” visava clarificar, uma vez mais, o perímetro dos ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco 3... para o Banco 1..., alterando a Medida de Resolução de 3 de agosto para passar a refletir essas clarificações, tendo também em consideração a deliberação “Contingências”.

340. Por fim, a deliberação “Retransmissão” teve como objetivo retransmitir para o Banco 3... as obrigações seniores listadas no Anexo I do doc. 53 junto com a contestação (fls. 449 e ss.), onde se inclui a obrigação que havia sido adquirida pelo autor com o ISIN PTBEQBOM0010.

341. Como se pode ler na deliberação “Retransmissão”, a aprovação desta medida teve o propósito de assegurar que os prejuízos do Banco 3... fossem suportados, em primeiro lugar, pelos seus credores e não pelo sistema bancário ou pelos contribuintes.

342. Com efeito, na sequência da auditoria realizada pela PwC, o Banco de Portugal constatou que diversos dos ativos transferidos para o Banco 1... tinham um valor inferior ao valor contabilístico com base no qual se determinou o valor das responsabilidades a transferir, por via da Medida de Resolução, para o Banco 1....

343. De tal modo que, se todos estas imparidades e os ajustamentos tivessem sido identificados em data anterior a 3 de agosto de 2014, o valor contabilístico ajustado atribuído aos ativos correspondentes ao Banco 3... teria sido inferior e, em conformidade, o montante de responsabilidades transferido para o Banco 1... teria sido menor.

344. Por força destes mesmos factos, o Banco 1... viu-se obrigado a reconhecer significativas imparidades nos seus ativos e a fazer ajustamentos negativos nas suas contas de 2014 e nas contas divulgadas no 1.º semestre de 2015, por razões imputáveis a factos anteriores e a riscos gerados antes de 3 de agosto de 2014.

345. Antecipando-se, ainda, que, pelas mesmas razões, o Banco 1... viria a ter que reconhecer imparidades e ajustamentos negativos adicionais nas suas contas reportadas ao exercício de 2015.

346. Perante este enquadramento, o Banco de Portugal concluiu que o nível real de prejuízos do Banco 3... a 3 de agosto de 2014 não havia sido integralmente absorvido pelos acionistas e credores subordinados do Banco 3..., tendo o nível dos passivos transferidos para o Banco 1... em 3 de agosto de 2014 excedido aquele que era o valor real dos ativos transmitidos para o Banco 1....

347. Neste contexto, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal deliberou exercer o “Poder de Retransmissão”, previsto no RGICSF e expressamente estabelecido no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, tendo em vista a que os prejuízos do Banco 3... revelados após o balanço de abertura do Banco 1... fossem primeiramente absorvidos pelos acionistas e credores do Banco 3....

348. Conforme explicou o Banco de Portugal por comunicado emitido na mesma data (29 de dezembro de 2015), junto com a contestação como doc. 54 (fls. 49 verso e ss.), a retransmissão destas responsabilidades “fundamentou-se em razões de interesse público e teve em vista salvaguardar a estabilidade financeira e assegurar o cumprimento das finalidades da medida de resolução” aplicada ao Banco 3..., tendo resultado, em termos líquidos num “impacto positivo para o capital do Banco 1... de cerca de 1.985 milhões de euros.”

349. Podendo ainda ler-se nesse mesmo comunicado que, para o Banco de Portugal, “[e]ste desenvolvimento, bem como o recente acordo com a Comissão Europeia referente aos compromissos a aplicar ao Banco 1..., eliminam incertezas e contribuem positivamente para o relançamento, que acontecerá em janeiro de 2016, do processo de venda da participação do Fundo de Resolução no capital do Banco 1..., S.A.”

350. As medidas impostas por via das deliberações do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 serviram imperativos de certeza e segurança na delimitação dos passivos transferidos para o Banco 1... e visaram a redução dos riscos associados à incerteza das vicissitudes que, desde a Medida de Resolução, vinham afetando o Banco 1..., tendo ainda sido reconhecidas pelo Banco de Portugal como necessárias para evitar comprometer as finalidades da Medida de Resolução e relançar o processo de venda do Banco 1... que havia sido suspenso pelo Banco de Portugal.

351. O autor teve conhecimento da deliberação “Retransmissão” do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 nesse mesmo dia e na sequência das notícias veiculadas na comunicação social.

352. Em julho de 2016, o Governo Português assumiu perante a Comissão Europeia que não considerava a possibilidade de realizar novas ajudas estatais ao Banco 1..., tendo mesmo acrescentado que se o Banco 1... não fosse vendido até agosto de 2017 entraria num processo de liquidação.

353. Conforme reconhecido pelo Presidente da Comissão do Fundo de Resolução, este cenário de liquidação do Banco 1... chegou mesmo a ser estudado no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão e do Mecanismo Único de Resolução e, no ano de 2017, foram desenvolvidos trabalhos muito adiantados para preparar a liquidação ou a resolução do Banco réu (Banco 2...) em caso de insucesso na sua venda.

354. O processo de venda do Banco 1... veio a culminar com a alienação apenas em 18 de outubro de 2017 (mais de três anos depois da resolução bancária) de uma participação maioritária do Fundo de Resolução no capital social do Banco 1... a um fundo de investimento gerido pelo grupo norte-americano Lone Star, que permitiu a injeção de capital no Banco réu (Banco 2...), através de aumentos de capital no valor total de 1000 milhões de euros, e reforçou a posição do Banco, o que impediu que o cenário de liquidação se viesse a materializar.

355. Conforme referiu também o Presidente da Comissão Diretiva do Fundo de Resolução “a venda do Banco 1... foi fundamental para que fosse preservada a estabilidade financeira em Portugal, para que fossem protegidas as poupanças confiadas ao Banco 1... e para permitir a continuidade do banco e a sua viabilidade, evitando-se um sério prejuízo para a economia nacional”, conforme resulta do doc. 57 junto com a contestação (fls. 424 verso e ss.).

356. A obrigação identificada em 183. e 184. foi adquirida pelo autor numa altura de incerteza quanto ao destino do Banco 1....

357. O autor, além de saber que o Banco 3... fora o emitente originário das obrigações que havia adquirido, também sabia, quando adquiriu a obrigação do Banco 1..., que esta instituição bancária recém-criada, como banco de transição, estava exposta a riscos diretamente relacionados com a sua condição especial no sistema financeiro português.

358. Os riscos associados ao Banco 1... em 2014 e 2015, tiveram repercussão na forma como o mercado reagiu ao conjunto de vicissitudes e incertezas sobre o seu destino, com uma repercussão em baixa no valor a que eram transacionadas as obrigações.

359. A evolução do valor indicativo da obrigação pode ser caracterizada da seguinte forma:

a) O valor das obrigações em causa manteve-se estabilizado até finais de agosto de 2015, registando valores correspondentes a aproximadamente 102% a 103% do seu valor nominal, ou seja, cobrindo o capital e uma parte do juro que a obrigação pagava;

b) O primeiro mês em que o valor das obrigações desceu abaixo dos 100% foi em setembro de 2015 (altura em que o Banco de Portugal interrompeu o processo de venda do Banco 1..., registando as obrigações, a 30 de setembro de 2015, um valor estimado 98,75% do seu valor nominal, representando potenciais menos valias de aproximadamente 1,25% face ao valor nominal e de menos de 1% face ao preço de aquisição pago pelo autor (€99.150,00);

c) Nos meses de outubro e novembro seguintes, o valor estimado das obrigações manteve-se abaixo do seu valor nominal, em cerca de 99,29% e 99,5%, representando potenciais menos valias de aproximadamente 0,71% e 0,5% face ao valor nominal e de 4,16% e não representando praticamente menos valia face ao preço de aquisição pago pelo autor;

d) Em dezembro de 2015, o valor das obrigações registaria uma nova desvalorização para um valor de 98% do seu valor nominal, representando potenciais menos valias de 2% face ao valor nominal e de 1,85% face ao preço de aquisição pago pelo autor.

360. No período que antecedeu a retransmissão operada pelo Banco de Portugal em 29 de dezembro de 2015, o autor poderia ter tentado vender a sua obrigação por um valor aproximado de 98% do seu valor nominal e superior a 98% do preço de aquisição pago pelo autor.

361. Apesar das variações na valorização da obrigação a partir do momento em que o Banco de Portugal interrompeu o processo de venda do Banco 1... (setembro de 2015) e até ao momento em que aprovou a retransmissão das obrigações seniores para o Banco 3... (29 de dezembro de 2015), o autor nunca decidiu vender a obrigação em causa.

362. As primeiras notícias do dia 29 de dezembro de 2015 que indiciavam a possibilidade de alteração do perímetro de transmissão de ativos e passivos do Banco 3... para o Banco 1... foram veiculadas pelas 12:30 horas.

363. Às 15:45 horas desse mesmo dia 29 de dezembro de 2015, o jornal negócios veiculava a informação de que algumas obrigações seniores seriam retransferidas para o Banco 3..., embora não especificasse quais seriam essas obrigações.

364. Nesse dia, às 14:47 horas, o autor – através do seu homebanking – deu uma ordem de venda das referidas obrigações ao preço fixo de 98%, tendo recebido o respetivo aviso de registo da ordem de venda.

365. No dia seguinte, 30 de dezembro de 2015, o autor entrou em contacto com a linha telefónica do Banco réu (Banco 2...) para anular a instrução de venda que havia dado no dia anterior, tendo na sequência de tal telefonema recebido confirmação do cancelamento da instrução de venda.

366. O autor conscientemente decidiu manter o investimento realizado, apesar dos eventos que iam sendo noticiados em 2015 (e em particular no dia 29 de dezembro de 2015) e da desvalorização da obrigação.

367. Em 13 de julho de 2016, conforme resulta do “Comunicado” junto como doc. 64 com a contestação (fls. 442 verso), o Banco Central Europeu notificou o Banco 3... da sua decisão de revogação da autorização do Banco 3... para o exercício da atividade de instituição de crédito.

368. Em consequência da decisão de revogação da autorização, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco 3... junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, cujo processo corre os seus termos no Juiz 1 desse Tribunal sob o n.º 18588/16.2T8LSB.

369. Em virtude da decisão de retransmissão aprovada pelo Banco de Portugal, em 29 de dezembro de 2015, os titulares de obrigações com o código ISIN PTBEQBOM0010 passaram a ser credores do Banco 3....

370. O Tribunal de Comércio de Lisboa estabeleceu como prazo limite para a apresentação das reclamações de créditos o dia 8 de março de 2019.

371. Foram reconhecidos a favor do autor créditos no valor total de € 126.339,18, incluindo capital e juros, na lista de credores reconhecidos (credor n.º 2031) emitida no âmbito do referido processo de liquidação judicial do Banco 3....

372. E ainda um crédito no valor total de € 126.339,18, incluindo capital e juros, a favor da sua mulher DD (credor n.º 2031).

373. Além do património do Banco 3..., existe ainda um outro património – o do Fundo de Resolução – que responde igualmente pelo reembolso do montante investido.

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Conforme resulta das conclusões da apelação, acima parcialmente transcritas, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto dirige-se ao julgamento do tribunal a quo na consideração como provados de dois factos essenciais – descritos no elenco dos factos provados nos pontos 034. e 216. –, sendo ainda requerido o aditamento de alguns factos instrumentais e de outros essenciais. Começaremos a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto pela impugnação quanto ao julgamento referente aos factos 034. e 216..

1. Impugnação da decisão sobre o facto 034

O tribunal a quo considerou provado o seguinte facto:

034. Caso o autor tivesse a informação de que, por qualquer razão, poderiam as obrigações em causa transitar do Banco 1... para o Banco 3..., jamais teria celebrado o contrato a que se alude em 002.

Na sentença apelada, a decisão sobre este facto foi motivada do seguinte modo:

«Quanto à factualidade contida em [034.], a mesma decorre das regras da experiência e da normalidade, considerando que, tal como descrito por várias testemunhas, o autor era uma pessoa informada na área do investimento e que, inclusive, já havia sido prejudicado com o papel “Rio Forte”».

Entendem os apelantes, por um lado, que este enunciado se traduz num juízo puramente conclusivo e especulativo, não podendo constituir uma pronúncia de facto.

Por outro lado, e de todo o modo, «a circunstância de o recorrido ser “uma pessoa informada na área do investimento” e de já ter, inclusivamente, “sido prejudicado com o ‘papel Rio Forte’”, levaria necessariamente (…) à conclusão de que o recorrido (…) acompanhou (…) as notícias (…), tendo, assim, acesso à informação de que o Banco de Portugal poderia retransmitir para o Banco 3... ativos e passivos do Banco 1... com a Medida de Resolução (…)».

Para além deste rebatimento da motivação apresentada pelo tribunal a quo, os apelantes apresentam um conjunto de argumentos e analisam os meios de prova que, no seu entender, impõem (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil) uma diferente decisão sobre este facto. No ponto seguinte, apreciaremos estes argumentos e a validade do silogismo apresentado na transcrita motivação vertida na sentença recorrida.

No que concerne à primeira objeção, a mesma não procede. Embora se reconheça que a proposição de facto constante do ponto 034. representa uma conclusão extraída pelo tribunal de factos instrumentais probatórios – e mesmo de factos essenciais que também assumam esta função –, o facto concluído não é um mero juízo conclusivo valorativo da realidade histórica.

Trata-se de um facto hipotético pretérito – interno: o sentido da vontade –, necessário ao preenchimento da norma que, alegadamente, atribui ao autor o direito exercido na ação – cfr. o art. 304.º-A do Cód. Valores Mobiliários e o ponto 4 do segmento uniformizador do AUJ do STJ n.º 8/2022, de 3 de novembro. Factos desta natureza podem ser objeto de prova e devem merecer pronúncia pelo tribunal, assentando na convicção do juiz da elevada probabilidade da sua ocorrência, se um facto (ou a sua ausência) efetivamente ocorrido não tivesse tido lugar – sobre a vontade hipotética, vejam-se, por exemplo, os arts. 231.º, n.º 1, 239.º, 292.º, 293.º, 911.º, n.º 1, 1636.º e 2202.º do Cód. Civil; já relacionados com a causalidade, vejam-se, por exemplo, os casos referidos (parte final) no n.º 1 do art. 491.º, no n.º 1 do art. 492.º e no n.º 1 do art. 493.º do Cód. Civil, bem como nos arts. 563.º, 616.º, n.º 1, 807.º, n.º 2, 898.º e 1136.º, n.º 2, do mesmo código.

1.1. Descrição dos argumentos invocados pelos apelantes

No essencial, sustentam os apelantes que a conclusão presente no facto 034. só poderia ser tirada se se pudesse afirmar que a possibilidade descrita (transição da responsabilidade pela satisfação dos direitos incorporados no instrumento para o Banco 3...) era desconhecida do autor. Ora, no seu entender, “o recorrido tinha acesso à informação de que as Obrigações poderiam, em tese, ser retransmitidas pelo Banco de Portugal para o Banco 3...”.

Defendem os apelantes que assim se deve concluir, porque [2]:

a) “o recorrido, engenheiro de profissão e empresário, é um investidor experiente (…) em instrumentos financeiros com perfil de risco pelo menos semelhante àquele que se encontra em discussão nos autos”;

b) “no momento em que adquiriu as Obrigações, o recorrido sabia que estas tinham sido emitidas originalmente pelo Banco 3...”;

c) “a circunstância de o Banco de Portugal poder retransmitir ativos e passivos do Banco 1... para o Banco 3... foi uma informação abundantemente veiculada pelos meios de comunicação, estando acessível a qualquer cidadão minimamente informado”;

d) a testemunha BB afirmou que “o cliente tinha um risco de perfil moderado e sempre teve preferência em fazer este tipo de aplicações em vez de fazer depósitos a prazo”;

e) “os primeiros rumores no sentido de que o Banco de Portugal poderia retransmitir obrigações do Banco 1... para o Banco 3... surgido no dia 29 de dezembro de 2015 por volta das 12h30, em pouco mais de duas horas (às 14h47) o recorrido colocou uma ordem de venda das Obrigações”.

Defendem, ainda, os apelantes que “a circunstância de o Banco de Portugal poder retransmitir ativos e passivos do Banco 1... para o Banco 3... não foi um elemento determinante na decisão de investimento do recorrido”, e que a esta conclusão se deve chegar porque:

f) “o único elemento probatório que corroborou minimamente as conclusões constantes daqueles factos foi o depoimento de parte do recorrido”, não devendo este merecer credibilidade;

g) “o recorrido procurava um produto com a melhor rentabilidade possível, estando disponível para correr riscos de forma a obter essa mesma rentabilidade”;

h) “o recorrido conhecia e compreendia os riscos inerentes às Obrigações e, em particular, o risco de incumprimento (…) [pelo] Banco 1... (…) [e], ainda assim, aceitou correr o risco”;

i) à data, o recorrente “investiu em certificados do tesouro e em obrigações no Banco 2...”, recusando aplicar fundos em instrumentos “de liquidez imediata como o depósito a prazo”;

j) “entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015, o autor solicitou ao Banco réu informação sobre outros valores mobiliários, a saber” obrigações emitidas por quatro emitentes com elevado risco associal, o que revela “o tipo de investimentos que o recorrido considerava alicientes”;

k) “o recorrido era um investidor em obrigações do Banco 3... que foram diretamente afetadas pela Medida de Resolução, tendo sido, nessa altura, transmitidas para o recém-criado Banco 1...”, não obstante, depois de conhecer a retransmissão das Obrigações em discussão, não procurou vender aqueloutras obrigações, “de forma a mitigar o risco da retransmissão que continuava a existir relativamente àqueles investimentos”.

1.2. Análise dos argumentos invocados pelos apelantes

Liminarmente, devemos deixar claro que o facto enunciado no ponto 034. pressupõe a prévia afirmação de um outro, como, aliás, sublinham os apelantes. Antes de se poder concluir pelo facto hipotético – “se soubesse” –, é necessário que se possa afirmar um facto interno – o desconhecimento: “não sabia” – alegadamente efetivamente ocorrido. Ou seja, para a decisão sobre facto enunciado no ponto 034., temos de começar por apurar se “o autor (não) sabia que, por qualquer razão, poderiam as obrigações em causa transitar do Banco 1... para o Banco 3...”.

Posto isto, começamos por sublinhar que não se discute nesta questão de facto se o autor podia tomar conhecimento de que “as Obrigações poderiam, em tese, ser retransmitidas pelo Banco de Portugal para o Banco 3...”; nem mesmo se discute se tinha o dever de conhecer (melhor, o ónus de conhecer) – esta última é uma questão de direito. Vai sem discussão que, sendo a Resolução um ato público, os seus concretos termos podiam ser conhecidos por qualquer interessado – cfr. os factos 051., 053., 207., 235. e 237..

O que se discute é o efetivo conhecimento pelo autor da possibilidade de os títulos representativos de dívida (obrigações) que adquiriu regressarem ao passivo do Banco 3..., voltando a ser esta instituição de crédito a entidade responsável pelo seu pagamento. Ora, quanto às, por nós apelidadas, ObrigaçõesBANCO2..., resultou provado (e não foi impugnado) que:

217. O autor não suspeitava que as obrigações a que se alude em 183. poderiam “retornar” ao Banco 3....

Assim se conclui, sem dificuldade que, no que toca às ObrigaçõesBANCO2..., referidas no ponto 183., o desconhecimento da sua retransmissibilidade por parte do autor era uma realidade. Este facto essencial é também um facto probatório na demonstração de que o autor também ignorava serem as, por nós apelidadas, ObrigaçõesBANCO1..., retransmissíveis para o Banco 3.... No entanto, não é decisivo, já que entre a aquisição das ObrigaçõesBANCO2... (13 de outubro de 2014) e a aquisição das ObrigaçõesBANCO1... (25 de novembro de 2014), decorreu mais de um mês, período durante o qual o apelado poderia ter adquirido o conhecimento de tal possibilidade de retransmissão.

Importa, portanto, apurar que outros raciocínios probatórios e meios de prova permitem afirmar que, também quanto às ObrigaçõesBANCO1..., o autor desconhecia a possibilidade da sua retransmissão para o passivo do Banco 3....

Quanto a este facto, a motivação apresentada na sentença recorrida sugere que o tribunal a quo o teve por verdadeiro, com base num silogismo regressivo: o autor (pelas razões invocadas pelo tribunal) nunca adquiriria as Obrigações se conhecesse tal facto; o autor adquiriu as Obrigações; logo, o autor não conhecia o facto. Trata-se de um silogismo irrepreensível – assim se demonstre a sua premissa maior.

Nenhum outro facto, seja instrumental, seja essencial, permite concluir que, no momento da subscrição das Obrigações, o autor sabia que elas poderiam retornar à esfera do “banco mau”. É meramente especulativo retirar-se tal conclusão da circunstância de o autor saber que o emitente e devedor originário era o Banco 3... (facto 073.) e que o Banco 1... estava exposto “a riscos diretamente relacionados com a sua condição especial no sistema financeiro português” (facto 171.).

O raciocínio probatório desenvolvido pelo tribunal a quo sobre o primeiro facto (“o autor não sabia”) assenta na premissa de que o autor nunca adquiriria as Obrigações se soubesse que estas poderiam reingressar no passivo do Banco 3..., voltando a ser o “banco mau” o responsável pela sua satisfação. Esta premissa, por seu turno, é já o resultado do silogismo anterior apresentado na motivação: uma pessoa informada compreenderia que o regresso das Obrigações ao passivo do Banco 3... se traduziria na sua insatisfação total ou parcial (sobretudo se já tivesse experimentado os efeitos desta titularidade); o autor é uma pessoa informada e já experimentou os efeitos da titularidade de instrumentos de dívida do universo do “banco mau”; logo, o autor compreenderia que o regresso das Obrigações ao passivo do Banco 3... se traduziria na sua insatisfação total ou parcial.

É também com base neste silogismo que o tribunal a quo chega à conclusão (não impugnada) de que:

017. O autor não pretendia adquirir dívida do “banco mau” [aquando da aquisição das ObrigaçõesBANCO1...].

194. O autor não pretendia adquirir dívida do “banco mau” [aquando da aquisição das ObrigaçõesBANCO2...].

É claro que este silogismo não é totalmente concludente na demonstração da ignorância do autor. Este poderia compreender o significado de tal regresso e, ainda assim, não o antevendo, aceitar correr o risco da sua concretização. É necessário recuar mais um pouco e apurar se o autor estaria disposto a correr tal risco. Para tanto, na falta de outros dados, devemos recorrer ao seu perfil de investidor, isto é, importa conhecer a tipologia dos seus investimentos.

Ora, todos os instrumentos financeiros referidos nos autos são títulos representativos de dívida, designadamente, de dívida soberana – certificados de tesouro e obrigações. Esta constatação permite concluir que o nível de risco normalmente assumido pelo autor variava apenas em função da solvabilidade do emitente devedor. Apenas neste caso, isto é, no caso de incumprimento, poderia haver perda do capital – contrariamente ao que sucede, por exemplo, com as ações.

Não surpreende que, procurando a segurança relativa do investimento em obrigações, o autor procurasse obter a melhor remuneração possível. E também não surpreende que tenha procurado obter informações sobre um conjunto de obrigações que apresentariam a melhor remuneração, conforme descrito no ponto 289. – obrigações estas que tendem a ser as emitidas pelas entidades mais necessitadas de crédito e, logo, que oferecem menores garantias de solvabilidade. O que já seria surpreendente era se o autor, informado do risco inerente ao emitente, tivesse insistido na aquisição destes instrumentos financeiros. E, na verdade, não o fez – conforme resulta do disposto no ponto 290. dos factos provados.

Daqui concluímos, analisada esta iniciativa do autor até ao fim – isto é, até ao momento em que decide não adquirir tais obrigações de elevado risco –, que ela sustenta a conclusão de que, se soubesse que as Obrigações poderiam retornar ao Banco 3..., não as teria subscrito.

Tendo sido divulgada a determinação do Banco de Portugal de “retransmitir para o Banco 3... a responsabilidade pelas obrigações não subordinadas por este emitidas”, que, desde a data da Resolução, integravam o passivo do Banco 1..., o autor apressou-se a dar a uma ordem de venda dos instrumentos financeiros “herdados” do Banco 3... adquiridos ao Banco réu (Banco 2...), cancelando esta ordem no dia imediato (factos 364. e 365.). Os apelantes concentram-se nesta revogação da ordem de venda, dela concluindo que o autor estava disposto a assumir o risco de retransmissão destes instrumentos financeiros.

Trata-se apenas de uma interpretação possível da atuação do autor – que não pode ser afirmada ou concluída perante a factualidade apurada – sendo que, independentemente das razões subjacentes a tal atuação, não se antevê como da mesma, ocorrida em momento ulterior à aquisição das obrigações e após o conhecimento da decisão de retransmissão, se extrapola para o afastamento da factualidade provada sob o ponto 034..

Uma outra explicação para o comportamento do autor pode ser dada: a primeira reação do autor, pouco tempo após o início da veiculação das notícias referentes à retransmissão das obrigações para o Banco 3..., é no sentido de se ‘tentar livrar’ delas (pontos 362. a 364.). Tal reação é consentânea e corrobora a factualidade provada em 034.: surge como uma resposta instintiva perante o conhecimento de uma situação que não configurava como possível. Uma infinidade de razões, não apuradas, podem estar por detrás da ordem de cancelamento da instrução de venda no dia seguinte. Desde logo a perceção da inutilidade da instrução de venda, após uma análise e leitura atenta do teor da comunicação oficial do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, intitulado “Banco de Portugal aprova decisões que completam a medida de resolução aplicada ao Banco 3...”, data em que o banco central adotou a três últimas deliberações definidoras do perímetro de responsabilidades do Banco 3.... Pode o autor, simplesmente, ter concluído que, em vez de tentar vender os títulos por um “punhado de cêntimos”, seria mais racional “tentar a sua sorte” no processo de insolvência, no âmbito do qual as obrigações seniores teriam um tratamento menos desfavorável do que o dispensado a outros créditos reclamados – assim se explicando o facto descrito no ponto 365., numa opção consciente por um possível “mal menor”. Seja como for, entramos aqui no domínio da pura especulação sobre uma atuação sem préstimo indiciário, absolutamente irrelevante para o julgamento do mérito da causa.

Conforme realça Miguel Teixeira de Sousa, “O raciocínio probatório é intrinsecamente não monótono, ou seja, necessariamente ligado à informação obtida através da produção da prova em juízo. Como é próprio de um raciocínio por predefinição (ou por defeito), considera-se provado o que não houver razões para considerar não provado. Assim, porque, apesar das diferenças significativas entre a inferência demonstrativa e a inferência presuntiva, qualquer delas opera na ausência de razões para considerar o facto probando não provado, é possível construir uma teoria unificada da prova em processo civil com base no carácter não monótono do raciocínio probatório.

Esta característica do raciocínio probatório implica que a valoração da prova pelo juiz não exige a busca de motivos que corroboram a prova produzida pela parte, mas antes – e apenas – a procura de algum motivo que exclua essa prova. A prova considera-se produzida pela parte, não quando o juiz consegue corroborar essa prova, mas antes quando o juiz não consegue excluir essa prova. Assim, basta a não exclusão para que a prova possa ser considerada produzida pela parte, não sendo necessária nenhuma confirmação dessa prova pelo juiz” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, A Prova em Processo Civil (Ensaio Sobre o Raciocínio Probatório), Thomson Reuters Brasil, 2020, pp. 141 e 142..

O derradeiro argumento esgrimido pelos apelantes a merecer atenção é aquele que desenvolvem em torno da índole do Banco 1..., comportando esta um risco próprio de incumprimento (admitindo que a retransmissão para o Banco 3... não era possível). Da aceitação deste risco pelo autor, concluem os apelantes que este, aquando da aquisição das Obrigações, também teria aceitado o risco de retransmissão, se o conhecesse (se é que não o aceitou mesmo).

Este raciocínio é falacioso. Da circunstância de o autor estar disposto a aceitar que um devedor incumpra as suas obrigações não se pode, obviamente, extrair que estaria disposto a assumir o risco acrescido de transmissão da posição contratual do devedor para uma entidade terceira insolvente de facto.

Aliás, a existência de um risco de incumprimento por parte do próprio Banco 1... reforça a convicção de que o autor desconhecia a possibilidade de retransmissão das Obrigações para o passivo do Banco 3.... O risco de incumprimento associado ao Banco 1... transforma esta eventualidade de possível em provável, pelo que, se fosse conhecida do autor, não se afigura que este aceitasse adquirir os instrumentos financeiros em discussão. O seu histórico de investimento, procurando a melhor rendibilidade, mas recusando os títulos representativos de dívida com maior risco de incumprimento, assim o indiciam.

Não estando consciente de que a retransmissão era possível, o autor sabia que, não tendo propriamente a segurança da dívida soberana teutónica, a dívida do Banco 1... era, ainda assim, a dívida do “banco bom”, tudo fazendo as instituições políticas e de supervisão do Estado Português para evitar o default, de modo a evitar o propalado “risco sistémico” de disrupção do sistema bancário.

Pelo exposto, inexistindo erro de julgamento, quanto a este ponto, julga-se improcedente a impugnação da decisão quanto à matéria de facto vertida no ponto 034..

2. Impugnação da decisão sobre o facto 216

O tribunal a quo considerou provado o seguinte facto:

216. Caso o autor tivesse a mínima informação ou indício de que, por qualquer razão, poderiam as obrigações em causa transitar do Banco 1... para o Banco 3..., jamais teria celebrado o contrato a que se alude em 183.

Todo o raciocínio expendido em torno da impugnação da decisão sobre o facto enunciado no ponto 034. é aplicável à apreciação da impugnação respeitante ao ponto 216., com as devidas adaptações – por exemplo, a referência ao ponto 073. deve ser entendida como se dirigindo ao ponto 256.; a referência ao ponto 171. deve ser entendida como se dirigindo ao ponto 357..

Pelo exposto, inexistindo erro de julgamento, quanto a este ponto, julga-se improcedente a impugnação da decisão quanto à matéria de facto vertida no ponto 216..

3. Pronúncia sobre factos instrumentais visando infirmar factos essenciais confirmados

No âmbito da impugnação das decisões sobre os pontos 034. e 216. da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, os apelantes requerem uma pronúncia sobre um conjunto de factos instrumentais, de utilidade probatória na demonstração dos factos contrários aos enunciados naqueles pontos. Ora, conforme se sublinha no recente Ac.do TRL de 11-03-2025, Proc. 22/19.8T8CSC.L1 [3], “a utilidade da impugnação não é indiferente à natureza do facto impugnado.

“Factos essenciais são os previstos nas fatispécies das normas das quais pode emergir o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou pelo reconvinte (ou nos quais pode fundar-se a exceção deduzida pelo réu), sendo imprescindíveis para a procedência da ação ou da reconvenção (ou da exceção) – art. 581.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil. Os factos instrumentais, não preenchendo a fatispécie de qualquer norma de direito substantivo que confira um direito ou tutele um interesse das partes, permitem, mediante presunção, chegar à demonstração de factos principais – tendo, pois, uma relevante função probatória.

“Não é inapropriado que alguns factos instrumentais (que resultaram demonstrados da prova produzida) constem do elenco dos factos provados, sobre eles emitindo o tribunal pronúncia expressa. Assim poderá ocorrer, designadamente, quando a inclusão de tais factos na fundamentação de facto da sentença seja necessária para compor a narrativa da relação material controvertida, tornando-a inteligível.

“No entanto, em sede de recurso da pronúncia sobre a matéria de facto, é despropositada e inconsequente a impugnação da decisão sobre um facto instrumental, quando a decisão sobre o facto essencial por este servido não deve ser alterada. Assim, por exemplo, num acidente de viação resultante do embate entre duas viaturas, se a decisão sobre o alegado embate, julgando-o não provado, não deve ser alterada, é irrelevante a impugnação da pronúncia sobre o estado do pavimento ou a largura da faixa de rodagem.

“É jurisprudência pacífica das Relações que ‘não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º, todos do Cód. Proc. Civil)’ – assim, entre muitos outros, cfr. os Acs. do TRC de 24-04-2012, proc. 219/10.6T2VGS.C1), de 14-01-2014 (6628/10.3TBLRA.C1) e de 15-09-2015 (6871/14.6T8CBR.C1), do TRG de 15-12-2016 (86/14.0T8AMR.G1) e de 22-10-2020 (5397/18.3T8BRG.G1), e do TRL de 26-09-2019 (144/15.4T8MTJ.L1-2) e de 27-10-2022 (7241/18.2T8LRS-A.L1-2)”.

De todo o modo, importa notar que o facto descrito na al. iii) das conclusões já consta dos factos provados, encontrando-se no ponto 289..

Pelo exposto, por inútil, não se apreciará a requerida pronúncia sobre os factos instrumentais descritos nas als. i), ii) e iii) da conclusão W da alegação dos apelantes, acima transcritas.

4. Aditamento de novos factos de natureza probatória

Dizem os apelantes que “o tribunal a quo considerou, em sede de aplicação do direito, que a medida de retransmissão era previsível para os recorrentes, já que tal possibilidade era, ainda que em abstrato, referida no Anexo 2 da Medida de Resolução. “As recorrentes entendem que tal conclusão não tem qualquer suporte no acervo de factos considerados provados pelo tribunal a quo”, razão pela qual pretendem que este acervo passe a integrar um conjunto de factos, que classificam de essenciais, tendentes a demonstrar que “não era tida [pelos réus] como um facto de ocorrência provável”.

Efetivamente, na sentença apelada, encontramos, reportada a cada um dos réus, a seguinte asserção: “A deliberação atinente ao poder de retransmissão (…) teve lugar no quadro legal de exercício de poderes que legalmente lhe estão conferidos (ao Banco de Portugal), que, para o Banco réu, era previsível (atenta a advertência constante do Anexo 2 identificativo da lista de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 3...)” – sublinhado nosso. Embora o enunciado não seja totalmente conseguido, afigura-se que o tribunal a quo entendeu que “a deliberação (…) de retransmissão” era previsível “para o Banco réu”.

Considerando o contexto em que se inscreve esta afirmação, devemos, no entanto, considerar que o que na sentença apelada se afirma é que o Banco réu (Banco 1...) e o Banco réu (Banco 2...) sabiam (conheciam) que a retransmissão era possível, por se encontrar esta possibilidade contemplada na “certidão de nascimento” do Banco 1.... Ora, os apelantes não impugnam este conhecimento. O que equivale a dizer que não apontam nenhum error in judicando sobre esta questão.

A pretensão dos apelantes dirige-se à infirmação de facto distinto: o Banco réu (Banco 1...) e o Banco réu (Banco 2...) entendiam ser plausível (ou ser um facto de ocorrência provável) a retransmissão das Obrigações para o passivo do Banco 3.... Ora, tal facto nunca foi afirmado pelo tribunal a quo. É, pois, desprovida de utilidade uma putativa impugnação da decisão sobre a matéria de facto destinada a rebatê-lo.

Sem prejuízo, apreciando o mérito da impugnação, podemos acrescentar que os argumentos probatórios apresentados pelos apelantes não podem ser aceites. No essencial, os réus retiram da circunstância de, nos três meses que antecederam a decisão de retransmissão das Obrigações, o Banco 1... ter adquirido “obrigações sénior” semelhantes, no essencial, às Obrigações anteriormente adquiridas pelo autor, “tendo investido nessa aquisição um montante de cerca de 200 milhões de euros”, que os mesmos não configuravam como plausível a adoção de tal decisão.

Sugerem os apelantes que esta aquisição pelo Banco 1... resultou de uma sua decisão de “investir (sic) na aquisição de obrigações sénior originariamente emitidas pelo Banco 3..., semelhantes às adquiridas pelo recorrido” (art. 125.º da alegação). Afirmam que a “retransmissão das obrigações sénior adquiridas pelo Banco 1... para o Banco 3... teve, assim, também impactos no próprio recorrido que, além de não ter alcançado o efeito financeiro positivo que pretendia com essa aquisição, terá de aguardar pela satisfação dos seus créditos no processo de liquidação judicial do Banco 3...” (art. 128.º da alegação).

Sugerem, assim, os réus que o Banco 1... decidiu entrar no mesmo barco do autor, tendo também sofrido com a decisão de retransmissão, o que revela que a não anteviu. Esta argumentação é, dito eufemisticamente, desprovida de racionalidade.

Em primeiro lugar, a aquisição pelo Banco 1... de dívida própria (herdada do Banco 3...), obviamente no mercado secundário, não é um investimento. Nem na maturidade do título, nem no vencimento dos cupões, verá o titular da dívida própria um incremento dos seus ativos. Esta aquisição representa um mero abatimento ao passivo. As razões a que obedece a decisão de aquisição de dívida própria são variadas. Mas, desde cumprir rácios de solvabilidade, até à diminuição do “serviço da dívida” – ver o facto 164. –, nenhuma delas corresponde a um investimento com vista à rentabilização do capital empregue.

Aliás, a decisão de aquisição de dívida própria pode destinar-se a transmitir ao mercado que o devedor transborda de confiança e de saúde financeira. Tal como o stotting da gazela de Thomson, esta exibição de pujança pode destinar-se apenas a convencer os predadores a escolherem diferente presa. Paradoxalmente, pode ela sugerir, não só a existência de problemas (que, em abstrato, poderiam fundar a retransmissão), como também a consciência de tal existência – a justificar a atuação dissimulatória.

Em segundo lugar, também a decisão de retransmissão representa um abatimento à dívida do Banco 1..., pelo que, em caso algum pode ser vista como um prejuízo para este devedor assim desonerado da sua satisfação. Perante a realidade financeira pressuposta pelo Banco de Portugal, a decisão de retransmissão é uma boa notícia para o “banco bom”, sendo insólita, no mínimo, a sugestão dos apelantes acima descrita.

Neste sentido, a aquisição de dívida própria (herdada do Banco 3...) pelo Banco 1... pode, efetivamente, sugerir que os réus não configuravam como provável a decisão de retransmissão tomada pelo Banco de Portugal, mas por um motivo um pouco mais cínico. Se o Banco 1... soubesse para breve o abatimento à sua dívida (“gratuito”) por via da retransmissão, seguramente, não teria gasto 200 milhões de euros com o mesmo fim, e teria dado diferente destino a estes milhões.

Em qualquer caso, estando em causa a afirmação de que os réus conheciam a possibilidade de retransmissão das Obrigações para o passivo do Banco 3... na data da sua aquisição pelo autor, é absolutamente estéril a discussão em torno do entendimento que, no último terço do ano 2015, aqueles tinham sobre a probabilidade de tal transmissão ter lugar.

Em suma, não só nada de conclusivo se pode retirar sobre este facto da aquisição efetuada pelo Banco 1..., com também nada de útil se pode extrair dessa factualidade para a questão do conhecimento da possibilidade de retransmissão na data da aquisição das Obrigações. Tratando-se de factualidade irrelevante, não há que sobre ela emitir pronúncia.

Resta acrescentar que, no essencial, a matéria em questão já consta do elenco dos factos provados, nos pontos 163. a 165. e 178..

Pelo exposto, por inútil, não se apreciará a requerida pronúncia sobre os factos instrumentais descritos nas als. iv), v) e vi) da conclusão CC da alegação dos apelantes, acima transcritas.

5. Aditamento de novos factos de natureza probatória

Finalmente, pretendem os apelantes que seja aditado ao elenco dos factos provados matéria respeitante à remuneração do capital investido pelo autor. De acordo com uma solução plausível para a questão de direito, esta é uma factualidade essencial, no contexto da oposição de uma exceção de compensatio lucri cum damno. Tal matéria resultou demonstrada, considerando os meios de prova invocados pelos apelantes. Aliás, o apelado não contesta que a matéria em questão resultou provada, embora entenda que, de acordo com a solução de direito adotada pelo tribunal a quo, ela é irrelevante.

Pelo exposto, julgando-se procedente, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, decide-se aditar ao elenco dos factos provados os seguintes pontos:

173-A. Entre o momento da subscrição das obrigações, em 25 de novembro de 2014, e o momento da sua retransmissão para o Banco 3..., em 29 de dezembro de 2015, o recorrido recebeu, pelas ObrigaçõesBANCO1..., juros no valor de 6,875% do montante nominal das obrigações.

359-A. Entre o momento da subscrição das obrigações, em 13 de outubro de 2014, e o momento da sua retransmissão para o Banco 3..., em 29 de dezembro de 2015, o recorrido recebeu, pelas ObrigaçõesBANCO2..., juros no valor no valor de 6,875% do montante nominal das obrigações, que corresponderam a um valor líquido de € 5.000,00.

6. Satisfação do dever de intervenção oficiosa (art. 662.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil)

Atento o disposto no art. 662.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, cumpre no âmbito da análise da fundamentação de facto chamar a atenção para um conjunto de enunciados com formulação idêntica a esta: “O Banco réu (…) sabia – ou não podia deixar de saber – que as obrigações…” – ver os pontos 029., 035., 209. e 218. dos factos provados. Afigura-se-nos evidente que o segmento “não podia deixar de saber” é um conceito normativo, impertinente à pronúncia de facto, e não um conceito descritivo.

No que aos factos diz respeito, tais enunciados correspondem a dizer que “O Banco réu (…) sabia ou não sabia que as obrigações…”. Efetivamente, O Banco réu, ou sabia, ou não sabia. Mas continuamos sem saber qual das proposições é verdadeira, sendo certo que é este o fim da pronúncia de facto.

Tais enunciados são, assim, estéreis de utilidade, não servindo como premissas de facto (interno) no julgamento do mérito da causa. Não se justifica, no entanto, outra intervenção oficiosa sanadora, quer porque, como veremos, vale o sentido do conceito normativo, quer porque o conhecimento dos concretos agentes dos réus foi objeto, em parte, do julgamento de facto – veja-se o ponto 213. dos factos provados (veja-se, ainda, o primeiro facto que o apelado, pretendia ver dado por provado).

Também os factos 082. e 265. encerram conclusões de direito. Saber se “as emissões obrigacionistas em causa mantiveram as mesmas características que tinham antes da Medida de Resolução” é uma pura conclusão jurídica. Assim sendo, determina-se que os enunciados destes pontos passe a ser o seguinte:

082. (265.) Em 6 de outubro de 2014, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários emitiu e divulgou o esclarecimento intitulado “Respostas a perguntas frequentes na sequência da aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal ao Banco 3... – Banco 3... e criação do Banco 1...”, cuja cópia se encontra junta aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

II. Obrigacionistas

1. O que acontece aos detentores de obrigações emitidas pelo Banco 3...?

Importa distinguir os obrigacionistas entre detentores de dívida subordinada e de dívida não subordinada. O Banco de Portugal selecionou, entre outros, os passivos sob gestão do Banco 3... transferidos para o Banco 1.... Na sequência dessa seleção:

i) A dívida subordinada do Banco 3... não foi transferida para o Banco 1..., pelo que os obrigacionistas continuam a ser credores do Banco 3....

ii) A dívida não subordinada do Banco 3..., nos termos definidos pelo Banco de Portugal, foi transferida para o Banco 1..., pelo que os obrigacionistas são agora credores do Banco 1... e os seus contratos mantêm exatamente as mesmas caraterísticas que tinham perante o Banco 3....

Determina-se ainda o aditamento dos seguintes factos processuais não controvertidos e plenamente provados por documento autêntico (os autos processuais):

375. Em 27 de janeiro de 2020, o autor instaurou a ação contra o Banco réu (Banco 1...) (proc. n.º 160/20.4T8PVZ).

376. Em 31 de janeiro de 2020, o Banco réu (Banco 1...) foi citado para a ação.

377. Em 27 de janeiro de 2020, o autor instaurou a ação contra o Banco réu (Banco 2...) (proc. n.º 160/20.4T8PVZ e n.º 2638/20.0T8LSB).

378. Em 4 de fevereiro de 2020, o Banco réu (Banco 2...) foi citado para a ação.

Pela sua relevância, ainda oficiosamente, determinamos a inclusão no elenco dos factos provados do teor mais relevante do documento aceite intitulado Final Terms, constituindo o ponto 374. da fundamentação de facto .

Tem tal facto o seguinte teor (acompanhado de tradução livre meramente ilustrativa):

CONDIÇÕES FINAISFINAL TERMS
14 de julho de 201114 July 2011
Banco 3..., S.A.Banco 3..., S.A.
(atuando através da sua sede)(acting through its head office)
Emissão de EUR 81.400.000 de Obrigações Seniores de Taxa Fixa com vencimento em 15 de julho de 2016 (…)Issue of EUR 81,400,000 Fixed Rate Senior Notes
due 15 July 2016 (…)
PARTE A – CONDIÇÕES CONTRATUAISPART A – CONTRACTUAL TERMS
(…)(…)
1. Emissor:Banco 3..., S.A.
(atuando através da sua sede)
1. Issuer:Banco 3..., S.A.
(acting through its head office)
(…)(…)
7. (i) Data de Emissão e Data de Início de Juros:15 de julho de 20117. (i) Issue Date and Interest Commencement Date:15 July 2011
8. Data de Vencimento:15 de julho de 20168. Maturity Date:15 July 2016
9. Base de Juros:Taxa Fixa de 6,875% (…)9. Interest Basis:6.875 per cent. Fixed Rate (…)
10. Base de Resgate (…)Resgate ao par10. Redemption (…) Basis:Redemption at par
(…)(…)
13. Status das Obrigações:Seniores 13. Status of the Notes:Senior
(…)(…)
DISPOSIÇÕES RESPEITANTES A JUROS PAGÁVEIS (SE EXISTIREM)PROVISIONS RELATING TO INTEREST (IF ANY) PAYABLE
(…)(…)
(i) Taxa de Juros:6,875% ao ano, (…)(i) Rate of Interest:6.875 per cent. per annum (…)
(ii) Data(s) de Pagamento de Juros:15 de julho de cada ano até e incluindo a Data de Vencimento (ii) Interest Payment Date(s):15 July in each year up to and including the Maturity Date
(iii) Montante do Cupão Fixo:€ 6.875 por Montante de Cálculo(iii) Fixed Coupon Amount(s):€6,875 per Calculation Amount
(…)(…)
DISPOSIÇÕES RESPEITANTES AO RESGATEPROVISIONS RELATING TO REDEMPTION
(…)(…)
24. Regras de Obrigações Ligadas ao Crédito:Não Aplicável24. Credit Linked Note Provisions:Not Applicable
(…)(…)
RESPONSABILIDADERESPONSIBILITY
O Emissor aceita responsabilidade pelas informações contidas nestas Condições Finais. The Issuer accepts responsibility for the information contained in these Final Terms.
(…)(…)
PARTE B – OUTRAS INFORMAÇÕESPART B – OTHER INFORMATION
(…)(…)
2. NOTAÇÕES2. RATINGS
Notações:As Obrigações a serem emitidas foram classificadas:Ratings:The Notes to be issued have been rated:
– S & P: BBB- S & P: BBB-
– Moody's: Baa2 Moody's: Baa2
(…)(…)
4. RENDIMENTO (Apenas Obrigações de Taxa Fixa) 4. YIELD (Fixed Rate Notes Only)
Indicação de rendimento:6,879%Indication of yield:6.879
(…)(…)
5. INFORMAÇÕES OPERACIONAIS5. OPERATIONAL INFORMATION
(i) Código ISIN:PTBEQBOM0010(i) ISIN Code:PTBEQBOM0010
(…)(…)
No mais, deve ser mantida a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, improcedendo a impugnação efetuada pelos apelantes.

7. Ampliação do objeto do recurso

Nos termos do disposto no art. 636.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto por este meio fica sujeita aos mesmos pressupostos e ónus a que se encontra sujeita idêntica impugnação por via do recurso principal.

Conforme já acima referimos, é jurisprudência pacífica das Relações que “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º, todos do Cód. Proc. Civil)”.

Ora, a matéria de facto que o apelado pretende ver apreciada não tem nenhuma influência, como veremos, na sorte da demanda – assente na procedência da exceção de prescrição. Aliás, alguns dos enunciados propostos pelo apelado reforçam a conclusão a que se chegará, pois afastam a conclusão de que o intermediário financeiro atuou com dolo.

Pelo exposto, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto efetuada pelo apelado, com o que se mantém inalterada a factualidade fixada em 1.ª instância, sem prejuízo do já acima decidido.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito a abordar:
1. Descrição da relação material controvertida
2. Partes na relação material controvertida
3. Caracterização dos investimentos quanto ao risco
3.1. Risco de crédito do emitente
3.2. Risco inerente ao título (Obrigações com o ISIN PTBEQBOM0010)
4. Os pressupostos da responsabilidade civil
4.1. A ilicitude − dever de informação adequado ao investidor
4.1.1. Atuação do réu Banco 2...
4.1.2. Atuação do Banco 1...
4.2. A culpa – falta de cuidado na comunicação
4.3. A adequação causal – natureza do instrumento como fonte do prejuízo
4.4. O dano – perda do capital e encargos suportados
5. A prescrição dos direitos do autor
6. Responsabilidade pelas custas

1. Descrição da relação material controvertida

Podemos descrever o presente caso nos seguintes termos.

O autor pretendia investir em instrumentos financeiros sem riscos inerentes ao título (como ações), aceitando o risco de crédito inerente ao emitente, não lhe sendo indiferente a identidade do devedor. Ou seja, o autor pretendia investir em títulos representativos de dívida (como obrigações), escolhendo, naturalmente, os que ofereciam melhor rendimento, de entre os emitidos por entidades que oferecessem alguma segurança (como entidades bancárias e Estados).

Dentro destes pressupostos, o autor revelou aos réus, intermediários financeiros, interesse na aquisição em mercado secundário de obrigações inicialmente emitidas pelo Banco 3... e que, com a resolução deste banco, haviam passado a integrar o passivo do Banco 1.... O autor sabia que este instrumento financeiro havia sido emitido pelo Banco 3..., mas também sabia que agora integrava o passivo do Banco 1..., figurando agora esta entidade como emitente e devedor do pagamento de cupões e do reembolso do capital na data da maturidade.

Os funcionários dos réus informaram o autor de que o instrumento financeiro em causa correspondia a normais obrigações seniores (não subordinadas), estando, pois, o cumprimento dos deveres emergentes do título apenas dependente da solvabilidade do Banco 1.... Não informaram estes funcionários que, no entanto, conforme constava da medida de resolução, o instrumento financeiro em causa podia ser retransmitido para o passivo do Banco 3..., deixando o Banco 1... de responder pela sua satisfação.

Ulteriormente, o Banco de Portugal decidiu a retransmissão do instrumento financeiro adquirido pelo autor para o passivo do Banco 3.... Como este banco se encontrava em situação de insolvência, na data de maturidade das obrigações em causa, não foi restituído aos investidores o capital investido. Sofreu o autor um prejuízo equivalente ao montante que despendeu com a aquisição dos instrumentos e encargos associados, acrescido de juros moratórios.

O autor entende que o seu prejuízo decorre da violação, por parte dos réus, do dever de informação que sobre estes impende. Vejamos se com razão.

2. Partes na relação material controvertida

Por incontroverso, não refletiremos sobre a natureza dos réus enquanto intermediários financeiros (arts. 289.º, n.º 2, e 293.º, n.º 1, al. a), do Cód. Valores Mobiliários) nem sobre a qualidade do autor como investidor e cliente dos primeiros. Também não se discute que entre as partes se desenvolveu uma relação de intermediação financeira, considerada nos seus traços comuns a todas as modalidades de intermediação desta natureza.

Discorrem as partes sobre o perfil do autor enquanto investidor. Na relação entre este perfil e a complexidade do instrumento financeiro adquirido, procuram resolver a questão da intensidade do concreto dever de informação e, consequentemente, da ilicitude (ou não) da conduta dos réus.

Procuram, ainda, os apelantes tirar consequências significativas do subtipo de relação contratual que mantiveram com o autor, sendo incontroverso que, seja este qual for, nos movimentamos nos quadros de uma intermediação financeira. A intensidade do dever de informação depende, como é sabido, não apenas da qualificação, ou não, do autor como investidor qualificado, mas também da natureza do vínculo contratual e do tipo de instrumento financeiro negociado (art. 314.º-D, n.º 1, do Cód. Valores Mobiliários).

Quanto a esta última questão, encontra-se assente que, no caso dos autos, os réus agiram como meros executantes das ordens de aquisição das Obrigações dadas pelo autor, não tendo assumido contratualmente nenhuns deveres de gestão ou administração dos ativos financeiros do cliente nem de lhe prestar assessoria financeira (art. 290.º, n.º 1, al. b), do Cód. Valores Mobiliários). Considerando que não se discute um conselho prestado sobre a realização, ou não, de um investimento (ou de um desinvestimento), mas sim uma informação – proposição de facto – sobre o conteúdo de um instrumento financeiro, a concreta relação de intermediação que ligou as partes não assume relevância decisiva.

Os apelantes repetem que as Obrigações adquiridas pelo autor não são um produto financeiro complexo – sobre estes, cfr. o disposto no art. 314.º-D, n.º 2, do Cód. Valores Mobiliários. Desta asserção retiram que não estavam obrigados a alertar o autor para a eventual inadequação da aquisição ao seu perfil de investidor (arts. 314.º e 314.º-D do Cód. Valores Mobiliários.

No entanto, como veremos, a natureza sui generis deste instrumento financeiro furta-se ao enquadramento numa das categorias de instrumentos financeiros complexos ou numa das categorias de instrumentos financeiros não complexos – o que, por si só, já revela alguma complexidade. Cumpre aqui deixar claro que a qualificação presente nos pontos 109. e 293. da fundamentação de facto é irrelevante: como é evidente, tal qualificação não é um facto, mas sim uma conclusão de direito, absolutamente impertinente à pronúncia de facto.

Em qualquer caso, no centro do litígio não está uma omissão de advertência sobre os riscos da operação, mas antes a alegada prestação de uma informação errada: serem as Obrigações um normal título de dívida (obrigações seniores), sem características particulares no que respeita aos direitos decorrentes do título. Sendo este, como é, o caso – a prestação de uma informação falsa –, é irrelevante a qualificação do produto financeiro, assim como é irrelevante a qualificação do cliente. A ação do intermediário financeiro é sempre ilícita – desde logo por força do disposto no art. 485.º, n.º 2, do Cód. Civil.

Sendo este o ilícito imputado aos réus – prestação de uma informação falsa – afigura-se-nos ser irrelevante a qualificação do autor, enquanto investidor.

3. Caracterização dos investimentos quanto ao risco

O risco do investimento na aquisição de um instrumento financeiro – isto é, o risco (financeiro) de perda dos ativos aplicados − é integrado por dois riscos distintos (ou grupos de riscos): o risco inerente à entidade de cujo desempenho depende, em primeira linha, o valor do instrumento subscrito (que compreende o risco de incumprimento); o risco inerente ao instrumento financeiro, em si mesmo considerado.

O risco inerente à entidade (máxime, do emitente, mas também do garante) prende-se com o desempenho desta, quer na sua capacidade de gerir os fundos recebidos – em especial, de gerar receitas distribuíveis como dividendos −, quer na sua capacidade (ou na sua intenção) de satisfazer as suas obrigações – em especial, liquidar a sua dívida (risco de crédito). Este risco é o reflexo da dimensão económico-financeira de tal entidade, da sua estrutura acionista, do tempo da sua existência no mercado e do historial do seu cumprimento pretérito, designadamente.

O risco de incumprimento (risco de crédito) – incluindo de insolvência −, isto é, de insatisfação de um direito que assista ao investidor, é um risco apenas inerente à entidade.

O risco inerente ao instrumento financeiro, em si mesmo considerado, é um risco estranho ao incumprimento. Prende-se com a probabilidade de perda sem qualquer inadimplemento, isto é, sem que os direitos do investidor (incorporados no instrumento) tenham sido violados. Uma aplicação cujo valor esteja totalmente exposto à volatilidade dos mercados financeiros tem um risco inerente ao instrumento elevado – podendo o risco do investimento ser mitigado com um baixo risco inerente à entidade (por exemplo, ser esta uma reputada empresa, atuando num setor económico em crescimento). Este risco é, pois, influenciado pela liquidez do título (suscetibilidade de rápida conversão em numerário) e pela sua rendibilidade − que, capitalizada, influencia o valor do instrumento (a locução capitalização do rendimento é aqui usada com o sentido de avaliação com base no rendimento) −, quer quanto à certeza de vencimento da remuneração, quer quanto à periodicidade, quer quanto ao valor, designadamente.

O risco de investimento num depósito a prazo limita-se ao risco inerente à entidade (mais precisamente, ao risco de crédito). Um título representativo de dívida soberana teutónica com maturidade e com o vencimento de cupões, por hipótese didática, dependente da ocorrência incerta de um facto (dies incertus an) teria apenas, essencialmente, um risco inerente ao instrumento financeiro.

3.1. Risco de crédito do emitente

O risco de investimento no instrumento financeiro designado NOVBNC 07/15/16 é integrado pelo já descrito risco inerente à entidade (risco de crédito). Como se disse, o risco inerente à entidade (máxime, emitente, mas também o garante) prende-se com a natureza e com o desempenho desta, referindo-se, em especial, à probabilidade de incumprimento na maturidade.

A entidade emitente do instrumento financeiro, na data sua subscrição pelo autor, o Banco 1..., era uma instituição de crédito. Ora, o risco de default (incumprimento generalizado) ou de insolvência de instituições bancárias é relativamente reduzido, não podendo a exceção vivida desde 2008 e até meados da década seguinte ser vista como regra.

É certo que o emitente era uma instituição de crédito de transição. Isto significa que a sua existência futura e o sucesso da resolução estavam envoltos nalguma incerteza – cfr. os factos 097., 112., 171. e 172., 223., 300. e 357.. No entanto, também significa que esta instituição era fortemente escrutinada pelos supervisores (Banco de Portugal, CMVM e BCE), sendo subvencionada pelo Estado (indiretamente) e pela Banca, o que diminuía fortemente alguns riscos ligados à atividade bancária mais especulativa, levando a um exercício condicionado, mais conservador e menos arriscado – cfr. os factos 135. e 324..

Em suma, no que respeita ao crédito do emitente, o risco do investimento no instrumento financeiro designado NOVBNC 07/15/16 não era elevado.

3.2. Risco inerente ao título (Obrigações com o ISIN PTBEQBOM0010)

Para a caracterização de um valor mobiliário, é essencial conhecer o seu conteúdo, isto é, as posições jurídicas que incorpora, conforme resulta do seu prospeto. Não basta conhecer o seu nome de batismo comercial, designadamente, como obrigação. Com efeito, os títulos representativos de dívida apelidados de obrigação são variadíssimos: obrigações de dívida soberana (do tesouro) ou não soberana, de taxa fixa ou variável, de cupão zero, sem cupão, de capitalização automática, clássicas seniores, de caixa, convertíveis, com warrants, hipotecárias, subordinadas, participantes, perpétuas… − alguns destes tipos podem ser encontrados no art. 360.º do Cód. Soc. Comerciais.

No caso dos autos, o prospeto emitido – 286 páginas redigidas em língua inglesa – é, na verdade, um prospeto-quadro, dirigido a toda a estratégia de financiamento apelidada de Euro Medium Term Note Programme. As características específicas do concreto instrumento financeiro adquirido pelo autor encontram-se antes no documento intitulado Final Terms – de seis páginas, também redigidas em inglês.

Vejamos, pois, o que consta das Final Terms do título inicialmente apelidado de “Banco 3... 6,875 07/15/16” ou “Banco 3... DUE 6,875%” – cfr. os factos n.º 093. e 275.–, mais tarde rebatizado de “NOVBNC 07/15/16”, com o ISIN PTBEQBOM0010 (International Securities Identification Number).

Resulta das Final Terms que o instrumento financeiro NOVBNC 07/15/16 é uma obrigação, isto é, é um puro (típico) instrumento de financiamento com capitais alheios (instrumento de dívida). A sua estrutura, relativamente simples, é facilmente reconduzível a este conhecido instrumento financeiro. O risco inerente às Obrigações é inexistente – o mesmo já não será de dizer do risco de crédito respeitante à solvabilidade do emitente ou do garante.

Em suma, de acordo com as Final Terms, o instrumento financeiro ulteriormente designado de NOVBNC 07/15/16 não apresentava características que o apartassem de uma classificação como uma comum obrigação (sénior não subordinada).

Estabelecia, no entanto, a al. b) do n.º 5 do art. 145.º-H (Património e financiamento do banco de transição) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICFS), na sua redação vigente em 3 de agosto de 2014, que, após a transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para o banco de transição, no momento da sua constituição, “o Banco de Portugal pode, a todo o tempo (…) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária”.

Esta hipotética futura intervenção do Banco de Portugal sobre o passivo do banco de transição (a retransmissão) – ou, se se preferir, a certificação ulterior de imparidades preexistentes ou surgidas que imponham a retransmissão de passivo, designadamente (cfr. os factos 123., 137., 138., 144., 147. e 153. a 161.) – constitui-se, pois, como um verdadeiro “evento de crédito”. Deste evento resulta a desoneração do devedor à data – isto é, do emitente do instrumento de dívida à data da transmissão do passivo (o Banco 1...) –, fazendo recair sobre os credores (como veio a ser o autor) o risco de não satisfação dos cupões e de reembolso na maturidade por parte do novo devedor (o Banco 3...). Perspetivada a operação (retransmissão) pelo lado da instituição beneficiada (o banco de transição), esta ocorrência não representa um default (incumprimento), por ser um risco que, por assim dizer, a lei incorporou no título, no momento da resolução e da sua transmissão para o banco de transição.

Esta contingência encontra-se prevista na deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 – “Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 que determinou a transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 3..., SA, para o Banco 1..., SA.” – conforme, aliás, consta nos pontos 027. e 207. da fundamentação de facto deste aresto. Consta enunciada em tal documento, a fls. 23 – “Anexo 2” “Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 3... objeto de transferência para o Banco 1..., SA” –, nos seguintes termos: “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 3... e o Banco 1..., SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H, número 5.º [do RGICFS]”.

Contrariamente ao alegado pelos réus, esta não era uma informação pública (do conhecimento público); era, sim, uma informação publicada (no sítio institucional na Internet do Banco de Portugal).

Resulta do exposto que o instrumento financeiro com o ISIN PTBEQBOM0010 sofreu uma mutação objetiva – e não apenas da sua titularidade passiva (cfr. os factos 257. e 074.) – no momento em que foi transmitido para o Banco 1..., passando a estar sujeito a um evento de crédito específico, aproximando-o de uma Credit-Linked Note (CLN) e afastando-o de uma ordinária obrigação (sénior não subordinada). Neste sentido, estando dependentes da evolução de outras realidades financeiras – como a satisfação de rácios mínimos de capital –, as Obrigações aproximaram-se, na sua estrutura, de um produto financeiro complexo (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de novembro), com a agravante de esta aproximação ser superveniente, não refletida no prospeto (redigido em inglês) e estar dissimulada sob a designação “obrigações seniores”.

A estrutura da operação financeira destes dois instrumentos (CLN e as NOVBNC 07/15/16) é, obviamente, distinta, quer quanto ao número de intervenientes, quer quanto aos procedimentos adotados – não estando a sorte das Obrigações (NOVBNC 07/15/16) ligada ao desempenho de um terceiro devedor, mas do próprio emitente (o Banco 1...). No entanto, se no âmbito da emissão de uma Credit-Linked Note, o credit event pode levar à transmissão da obrigação de reembolso (do emitente para o terceiro devedor, em default), no que toca às Obrigações um (eventual) evento de crédito (interpretado pelo Banco de Portugal) leva a idêntico resultado.

Não vale aqui dizer que este, assim por nós apelidado, evento de crédito em nada difere do normal risco de default do emitente. Se, em geral, o mero risco de default do emitente não equivale a efetivo default (só este constituindo, em regra, um evento de crédito), no nosso caso risco de default e efetivo default têm o mesmo efeito: a desoneração do emitente do título à data.

O evento de crédito ocorre logo que há risco, e muito antes de haver qualquer efetivo incumprimento. Ou seja, perante o mero risco de incumprimento do Banco 1... (e não perante o efetivo default deste banco de transição), a dívida transitaria (com toda a probabilidade), para a titularidade passiva de uma entidade, essa sim, já em estado de insolvência de facto (o Banco 3...).

Com a adoção da medida de resolução, o Banco de Portugal mostrou que não hesitaria em “cortar a mão, para salvar o braço”. Consequentemente, também mostrou que a ressalva ao poder de retransmissão, constante da Resolução, não se dirigia a um cenário meramente teórico, nunca concretizável. Pelo contrário, os destinatários podiam estar certos de que, com toda a probabilidade, se, supervenientemente, viessem a ser conhecidos “prejuízos do Banco 3... revelados apenas após o balanço de abertura do Banco 1...”, o Banco de Portugal não hesitaria em considerar que “o exercício do Poder de Retransmissão” se mostraria “extremamente necessário, urgente e inadiável por forma a garantir a continuidade de funções essenciais e evitar um impacto negativo de relevo no sistema financeiro em Portugal” – cfr. o ponto 14 da deliberação de retransmissão do Conselho de Administração do Banco de Portugal, 29 de dezembro de 2015.

Ou seja, com a Resolução e a transmissão contemporânea da titularidade passiva do instrumento financeiro (do Banco 3... para o Banco 1...), deixa de existir apenas um risco de default inerente ao título (como até então), passando também a haver um “risco de risco” de default do emitente – ou, se se preferir, o risco de retransmissão. Se, em geral, o risco de perda só se concretiza com a insolvência do emitente, neste caso, fruto da ligação (sujeição ao evento de crédito), concretiza-se antes disso, perante a mera possibilidade real daquela vir a ocorrer, logo atuando o Banco de Portugal (deliberando a retransmissão).

Acresce que o credit event, embora ligado ao desempenho do emitente Banco 1..., pode, de facto, não corresponder a um estado de quase-insolvência. Não está afastada a possibilidade de lhe estar subjacente a intenção de valorizar o banco transição (longe de se encontrar em default), de modo a que a sua venda permitisse atingir e recuperar o valor da capitalização inicialmente injetada (ao par), permitindo, ainda, a sua alienação no prazo fixado pela Comissão Europeia para conclusão da venda do banco de transição.

4. Os pressupostos da responsabilidade civil

São conhecidos os pressupostos de cuja verificação depende o nascimento do direito a uma indemnização na esfera jurídica do lesado: o facto voluntário; a ilicitude; a culpa; o dano; o nexo de adequação causal. Sob o prisma processual, estes requisitos assumem a natureza de causa de pedir (de natureza complexa), devendo, por regra, ser alegados e provados os factos que os substanciam.

Assim, “em matéria de responsabilidade civil do intermediário financeiro, (…) compete ao cliente/investidor alegar e provar, além do facto ilícito – consubstanciado na violação de deveres informação pelo intermediário – também os factos relativos ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, apenas estando dispensado da alegação e da prova da culpa do intermediário financeiro porque a lei a presume” – Ac. do TRL de 28-03-2019, Proc. 25682/16.8T8LSB.L1-6. Quanto à ilicitude, qualificada jurisprudência sustenta que também ela se presume – Acs. do TRL de 08-03-2018, Proc. 3831/15.3T8LRA.L1-6, e de 15-03-2018, Proc. 5075/16.8T8LSB.L1-6.

O AUJ do STJ n.º 8/2022 veio por cobro a algumas incertezas, uniformizando jurisprudência, nos seguintes termos:

“1 – No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

“2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” –, informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco)”, sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

“3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

“4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

Ainda que se possa questionar se a força uniformizadora deste acórdão se estende sobre o caso dos presentes autos, uma vez que a redação dos arts. 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, al. a), e 314.º do Cód. Valores Mobiliários aplicável é ulterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, afigura-se-nos que as alterações de redação dos seus enunciados não afetaram as normas materiais que os mesmos positivam – veja-se que o conteúdo do art. 314.º da lei antiga transitou para o art. 304.º-A do Cód. Valores Mobiliários [4]. De todo o modo, vinculativa ou não, esta jurisprudência é de acompanhar.

No caso em análise, independentemente de qualquer presunção legal e da distribuição dos ónus probatórios, todos os elencados pressupostos resultaram diretamente provados. Vejamos em que termos.

4.1. A ilicitude − dever de informação adequado ao investidor

O primeiro princípio orientador da atividade do intermediário financeiro, um princípio verdadeiramente identitário, é a proteção do investidor em valores mobiliários (art. 304.º do Cód. Valores Mobiliários). Não é a máxima rendibilidade do investimento; não é o lucro da instituição de intermediação financeira; não é (abstrata e prioritariamente) a eficiência do mercado. É, repete-se, a proteção dos legítimos interesses do seu cliente – embora, como nos parece ser claro, a opção pela decisão mais bem talhada à prossecução dos interesses do investidor surja “como elemento relevante para o bom funcionamento do mercado e para que o mercado confirme o seu papel de mecanismo apto a alcançar a alocação eficiente de recursos” – cfr. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários − O Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, p. 41.

“Está em causa – como explica Castilho dos Santos – a tutela do investidor que é confrontado com o complexo funcionamento dos mercados, em que a multiplicidade de fontes de informação relevante e a respetiva onerosidade agudizam assimetrias no seu acesso e na sua utilização eficiente. Mas estará também em causa – acrescenta o mesmo autor – a proteção do cliente como investidor que contrata com profissionais do mercado, por definição, numa relação que não se compadece da igualdade formal civilística entre credor e devedor, e em que está simultaneamente vincada a tendencial debilidade do cliente individual e a experiência profissionalizada do intermediário financeiro, pessoa coletiva com manancial organizativo, humano e técnico, e orientada por um escopo lucrativo” − Gonçalo Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Coimbra, Almedina, 2008, p. 84.

Na base de qualquer organização social estão a ordem e a segurança, sem as quais nada pode ser construído. No universo dos mercados financeiros, segurança é sinónimo de informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7.º n.º 1, do Cód. Valores Mobiliários). Assim, é na proteção diligente dos interesses legítimos do cliente, isto é, na sua segurança, que deve ser enquadrado o dever de informação – sendo a este orientado o princípio da prossecução da conduta transparente (art. 304.º, n.º 2, do Cód. Valores Mobiliários). A “conduta transparente está funcionalizada à proteção do investidor” − cfr. Castilho dos Santos, A Responsabilidade, cit., p. 144.

Emerge dos factos provados que os réus não só não transmitiram ao autor que as Obrigações só vinculariam o Banco Novo se não ocorresse um evento de crédito (resultando numa decisão do Banco de Portugal de retransmissão para o passivo do Banco 3...), como ainda afirmaram factos incompatíveis com a verdade – como tratar-se de uma obrigação ordinária, sem qualquer ligação ao Banco 3..., sempre pagável pelo Banco Novo na data da sua maturidade.

Afigura-se-nos que se labora sobre um equívoco quando se discute a plausibilidade da futura decisão de retransmissão das obrigações seniores para o passivo do Banco 3..., assente na ideia de que a obrigação de informação do intermediário varia significativamente em função do grau de probabilidade da ocorrência do evento danoso. Não é assim. O âmbito da obrigação de informação pode ser diferente; mas a obrigação de verdade da informação prestada não varia.

Tal como nas Credit-Linked Notes, o intermediário tem o dever de informar o cliente sobre a existência do automatismo associado ao credit event, e não (pelo menos não a este nível meramente informativo do conteúdo do instrumento financeiro) oferecer o seu parecer (palpite) sobre a probabilidade deste evento ocorrer. O que se discute é, assim, o dever do intermediário informar sobre a concreta tessitura de direitos e deveres incorporados no concreto título – e não no título típico com a mesma designação –, e não opinar sobre se é provável a futura retransmissão da dívida titulada pela Obrigações.

Provável ou não a futura ocorrência do credit event – podendo mesmo ser altamente improvável –, afigura-se-nos apodítico que o intermediário tem o dever de esclarecer o cliente sobre o conteúdo do instrumento financeiro adquirido, designadamente, sobre a existência deste mecanismo incorporado no título. Como acima referimos, a necessidade de prestação desta informação é reforçada pela circunstância de a subordinação a um credit event constituir uma mutação superveniente, não estar refletida no prospeto (nem nas Final Terms) e estar dissimulada sob a designação “obrigações seniores”.

Sem qualquer hesitação, devemos concluir que os réus estavam obrigados a informar o autor sobre a existência da possibilidade de retransmissão das Obrigações para o passivo do Banco 3.... Em suma, os réus estavam obrigados a corrigir a informação constante das Final Terms, por estas condições nada disporem (obviamente, considerando a data da sua elaboração) sobre aquela possibilidade – aliás, não só nada dispõem sobre tal possibilidade, induzindo em erro pelo silêncio, como induzem em erro pela afirmativa ao disporem não serem aplicáveis às Obrigações regras sobre obrigações ligadas a créditos.

4.1.1. Atuação do réu Banco 2...

Resulta dos factos provados que, antes de adquirir as Obrigações, pela primeira vez, o autor se assegurou junto do Banco réu (Banco 2...) “de que as mesmas já não tinham qualquer ligação com o Banco 3...”, o que esta entidade confirmou, esclarecendo “que se tratava de dívida do Banco 1... e que seria esta a entidade a restituir o valor a investir na data de vencimento (15 de julho de 2016)” – cfr. o facto 190.. Pelo Banco réu (Banco 2...) “foi dito ao autor que se tratava de obrigações da responsabilidade do Banco 1..., afirmando que o risco de crédito inerente era, apenas, a solvabilidade do Banco 1...” – cfr. o facto 198..

Nunca o Banco réu (Banco 2...) informou o “autor que existia qualquer contingência associada às obrigações em causa (…)” – cfr. o facto 200. –, isto é, “nunca informou o autor” da possibilidade de retransmissão das Obrigações para o passivo do Banco 3... – cfr. o facto 208.. A informação que o Banco réu (Banco 2...) prestou ao autor é a que consta das Final Terms – cfr. os factos 221. e 254.. Ora, esta informação não era atual, não sendo, como tal completa e verdadeira – cfr. o art. 7.º n.º 1, do Cód. Valores Mobiliários.

Por esta mesma razão, é desprovido de utilidade o facto, sublinhado pelo Banco réu (Banco 2...), de que os documentos que continham a “informação relativa à emissão obrigacionista” – o prospeto e as Final Terms – “se encontravam disponíveis para consulta no site do mercado de valores mobiliários do Luxemburgo, onde as Obrigações se encontravam admitidos à negociação”. Para além de estarmos a falar de centenas de páginas redigidas em língua inglesa – pelo que a sua mera publicação online nunca poderia exonerar o intermediário dos seus deveres de informação –, a informação neles inscrita não era atual.

Aliás, precisamente por a informação estar desatualizada – porque não incluía o risco de retransmissão das Obrigações –, mais necessária era a satisfação do dever de informação por parte do intermediário financeiro, perante quem pretendesse adquirir os títulos após a data em que o Banco 1... passou a ser tido como o emitente. No entanto, como vimos, não só não foi prestada a informação corretiva do prospeto e das Final Terms, como o Banco réu (Banco 2...) afirmou falsamente ao autor “que o risco de crédito inerente era, apenas, a solvabilidade do Banco 1...”, e não, por exemplo, também, a eventual necessidade de correção de imparidades não detetadas no momento da criação do banco de transição, por meio da retransmissão – cfr. o facto 198..

O Banco réu (Banco 2...), ao não prestar ao autor uma informação atual sobre a efetiva tessitura do feixe de direitos incorporados no título – e que, até certo ponto, contrariam o seu nome de batismo, por não serem próprios de uma obrigação ordinária – praticou, quer por omissão, quer por ação, uma ilicitude.

Mostra-se verificado o pressuposto (da responsabilidade civil) da ilicitude.

Procurando contrariar esta conclusão, os réus louvam-se num parecer de um reputado jurisconsulto, sendo a consulta orientada por seis questões preambularmente enunciadas. No entanto, entre as questões suscitadas não pontuam as duas que importava colocar: i) Com a medida de resolução, e para além da alteração do emitente/devedor, as Obrigações sofreram alguma alteração no seu conteúdo? ii) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, a informação efetivamente prestada pelos réus, a solicitação do autor, é relevantemente desconforme ao novo conteúdo do instrumento financeiro?

Não tendo estas questões merecido resposta, o parecer surge deslocado da realidade do caso.

4.1.2. Atuação do Banco 1...

As considerações expendidas em torno da ilicitude da conduta do Banco réu (Banco 2...) são, no essencial, válidas na apreciação da licitude da conduta do Banco réu (Banco 1...) – embora se possa aceitar que este tem um dever acrescido de prestar uma informação que supra as insuficiência das Final Terms, dado que passou a ocupar o lugar de emitente (tenha-se presente, no entanto, que a ação não se funda em responsabilidade o Banco 1... pelo prospeto; melhor, pela sua desatualização).

De específico sobre a intervenção do Banco réu (Banco 1...) é também o conhecimento de que a retransmissão era possível. Este poder atribuído ao Banco de Portugal, por ser o Banco 1..., à data, um banco de transição, encontrava-se mencionado na “certidão de nascimento” do Banco 1.... A dúvida desta instituição sobre esta realidade imanente à sua existência só se pode considerar uma “dúvida existencial”.

Tal como sublinham Ferreira Gomes e Costa Gonçalves, a sociedade comercial, “para atuar no comércio jurídico, não pode organizar-se de um qualquer modo; antes deve organizar-se de um modo adequado a garantir, não só a justa realização dos seus interesses, como a indução da menor perigosidade possível no comércio. // Ao próprio fenómeno da personificação está, portanto, associado um dever de organização adequada da pessoa coletiva: esta deve adotar aquela organização que lhe permita atuar no comércio, garantindo a menor perigosidade de atuação” – José Ferreira Gomes e Diogo Costa Gonçalves, A Imputação de Conhecimento às Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 2017, p. 79. Tal como sublinham estes autores, a organização da empresa pressupõe a divisão interna de tarefas, sendo a inerente fragmentação do conhecimento um risco da organização, a ser controlado pelo comerciante, que desta divisão de tarefas retira o seu benefício. Neste contexto, a imputação do conhecimento à sociedade comercial – imputação normativa, plurifuncional e atenta às suas consequências gerais (art. 8.º, n.º 3, do CC) – “surge-nos sempre como um juízo de imputação ou alocação de risco” – cfr. Ferreira Gomes e Costa Gonçalves, A Imputação, cit., p. 84.

Sendo impossível ao Banco 1... desconhecer a possibilidade de retransmissão das obrigações seniores, o mesmo já não é de dizer dos seus agentes, designadamente, daqueles que interagiram com o autor. Quanto a estes, não se extrai dos factos provados que tivessem consciência de tal possibilidade – o que é irrelevante na afirmação da insatisfação da obrigação de informação atual por parte do Banco réu (Banco 1...).

Era obrigação do Banco réu (Banco 1...) conhecer o teor do prospeto (e das Final Terms) e comunicar o seu efetivo conteúdo ao autor, devidamente adaptado aos efeitos que a medida de Resolução teve sobre o instrumento. Adaptou e atualizou a informação, no que respeita à identificação do emitente (e devedor); não o fez no que toca à nova natureza de linked do instrumento, o qual passou a estar ligado à possível intervenção do Banco de Portugal (deliberando uma nova alteração da qualidade de emitente e de devedor) e às circunstâncias que a determinam.

Em suma, pelas razões já destacadas no capítulo anterior, também quanto ao Banco réu (Banco 1...) devemos concluir ter este violado o seu dever de informação.

Mostra-se verificado o pressuposto (da responsabilidade civil) da ilicitude.

4.2. A culpa – falta de cuidado na comunicação

A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais, designadamente, quando seja originado pela violação de deveres de informação – cfr. o art. 304.º-A, n.º 2, do Cód. Valores Mobiliários (o artigo só surge no Cód. Valores Mobiliários em 2007, mas corresponde ao anterior art. 314.º do Cód. Valores Mobiliários e reflete uma regra geral: art. 799.º do Cód. Civil). É o caso. Resta saber se a atuação dos réus pode ser imputada a título de dolo ou de culpa grave.

O padrão de aferição de culpa do intermediário financeiro «transcende, na sua exigência, o do bom pai de família, constante do artigo 487.º, n.º 2, do C.C. (ex vi do artigo 799.º, n.º 2, do C.C.). Recorde-se que o artigo 304.º, n.º 2, [do Cód. Valores Mobiliários] dispõe que: // “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”. // O artigo 304.º, n.º 2, estabelece, com efeito, um padrão de diligentissimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam» – cfr. Castilho dos Santos, A Responsabilidade, cit., pp. 209 e 210. Em conformidade com este padrão, a culpa será grave se o agente atuar com um descuido, não só evitável, como também injustificável a qualquer intermediário financeiro (diligentissimus pater famílias) que satisfaça o seu dever de adotar os procedimentos básicos próprios da sua atividade, exigidos para a satisfação dos fins tutelados pela norma violada.

O autor investiu num instrumento financeiro com um risco claramente superior ao que resulta das informações prestadas pelos Bancos réus intermediários porque estes não transmitiram com rigor o conteúdo do instrumento financeiro – os direitos e obrigações nele incorporados, à data da aquisição. Os Bancos réus atuaram com culpa – negligência –, o que sempre se presumiria – art.304.º-A, n.º 2, do Cód. Valores Mobiliários –, inexistindo fundamento para se considerar a existência de dolo, dado que este teria de ser imputado aos auxiliares dos réus. Ora, não resulta dos factos provados que os concretos interlocutores do autor o tenham induzido em erro propositadamente.

Mas se a culpa se presume, o mesmo já não de dizer da sua maior gravidade. Esta pode mesmo ser vista como uma “contraexceção”, oposta à exceção de prescrição, tal como é referido no Ac. do STJ de 17-12-2019 (5838/16.4T8LSB.L1.S1), citado pelos apelantes.

Recorde-se que na sua génese, a violação do dever de informação resulta da ignorância por parte dos auxiliares dos réus sobre o novo conteúdo das Obrigações. Neste sentido, por exemplo, resultou provado que, “ao ter conhecimento dessa deliberação de retransmissão o autor contactou o “Financial Advisor”, Dr. HH, que lhe disse que até aquela deliberação de retransmissão desconhecia, pessoalmente, que as obrigações que vendeu ao autor tivessem associada tal contingência, isto é, que pudessem ser transferidas para o “Banco Mau”, posto que nunca qualquer estrutura do Banco réu (Banco 2...) lhe deu a conhecer tal vicissitude ou, de alguma forma, o alertou para tal facto” (cfr. o facto 213.). A culpa dos réus reside, assim, essencialmente, na circunstância de não terem adotado procedimentos que lhes permitissem conhecer rapidamente a nova realidade – resultante da novidade mundial da resolução do Banco 3... – e, consequentemente, lhes permitissem instruir os seus auxiliares para adequarem as suas intervenções em conformidade.

Ora, se tivermos presente que nem mesmo a CMVM adotou estes procedimentos, dificilmente poderemos elevar a culpa dos Bancos réus ao nível de culpa grave. Com efeito, conforme consta dos pontos de facto 082. e 265., em 6 de outubro de 2014, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários emitiu e divulgou o esclarecimento intitulado “Respostas a perguntas frequentes na sequência da aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal ao Banco 3... – Banco 3... e criação do Banco 1...”, cuja cópia se encontra junta aos autos, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito (com realce a itálico nosso):

II. Obrigacionistas

1. O que acontece aos detentores de obrigações emitidas pelo Banco 3...?

Importa distinguir os obrigacionistas entre detentores de dívida subordinada e de dívida não subordinada. O Banco de Portugal selecionou, entre outros, os passivos sob gestão do Banco 3... transferidos para o Banco 1.... Na sequência dessa seleção:

i) A dívida subordinada do Banco 3... não foi transferida para o Banco 1..., pelo que os obrigacionistas continuam a ser credores do Banco 3....

ii) A dívida não subordinada do Banco 3..., nos termos definidos pelo Banco de Portugal, foi transferida para o Banco 1..., pelo que os obrigacionistas são agora credores do Banco 1... e os seus contratos mantêm exatamente as mesmas caraterísticas que tinham perante o Banco 3....

Conforme já foi acima abundantemente evidenciado, esta informação está errada. É verdade que “a dívida não subordinada do Banco 3..., nos termos definidos pelo Banco de Portugal, foi transferida para o Banco 1..., pelo que os obrigacionistas são agora credores do Banco 1...” – cfr. os factos 257. e 074.. No entanto, já não é exato dizer que “os seus contratos mantêm exatamente as mesmas caraterísticas que tinham perante o Banco 3...”. Os títulos representativos de dívida passaram a estar condicionados por evento de crédito, passando a ser obrigações ligadas ao desempenho do Banco 1... e à necessidade de assegurar o sucesso da transição – não sendo este um mero risco de default do emitente.

Aliás, mesmo o Estado Português (Governo, Ministério das Finanças) parece entender que as obrigações não subordinadas de que era titular transitaram, sem mais, isto é, sem alteração dos direitos nelas incorporados, para o passivo do Banco 1... (ISIN PTBEQHOM0014, PTBENHOM0017 e PTBENFOM0027), como se poderá concluir do texto dos Despachos do Ministério das Finanças de 15595/2014, 15595/2014 e 15595/2014, todos de 26 de dezembro (Diário da República n.º 249/2014, Série II).

Note-se que não é sequer uniforme o enquadramento dogmático que a atual jurisprudência dá a esta questão (designadamente, no que respeita ao objeto de dever de informação: se estamos perante um dever de informação sobre os direitos incorporados no título; se estamos perante um (inexistente) dever de informação sobre a previsibilidade do evento de crédito e de alerta para a plausível retransmissão das obrigações seniores) – cfr. o Ac. do TRL de 23-06-2022, Proc. 22107/16.2T8LSB.L1-6 e, em sentido não coincidente, os Acs. do STJ de 16-11-2023, Proc. 10416/18.0T8PRT.L1.S1 e o Ac. do TRL de 17-06-2021, Proc. 17231/19.2T8LSB.L1-6.

Mas há mais. Nem mesmo o Banco de Portugal foi totalmente esclarecedor sobre a existência da mutação objetiva sofrida pelos títulos representativos de dívida não subordinados – como ocorre com as Obrigações dos autos. Com efeito, no comunicado intitulado “Esclarecimento sobre a deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto de 2014”, divulgado na data indicada, este regulador afirma, sem nenhuma ressalva, que “[a]s obrigações não subordinadas que tenham sido emitidas pelo Banco 3... serão reembolsadas pelo Banco 1... na data do seu vencimento, visto que os direitos de crédito dos clientes relativos a essas obrigações foram transferidos para o Banco 1...”.

Ora, a informação errada que os réus transmitiram ao autor foi exatamente a informação que um dos reguladores prestou ao público interessado – e que resulta do comunicado do outro regulador, divulgado poucos dias depois da adoção da medida de resolução. Não se extrai dos factos provados que os réus o tenham feito propositadamente (dolosamente), mas sim porque os seus agentes, que interagiram com o autor, tal como a CMVM e, aparentemente, o próprio Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, não se aperceberam da mutação sofrida pelos títulos de dívida que transitaram para o passivo do Banco 1....

A lei não se destina a regular as relações entre sujeitos ou instituições ideais ou perfeitos. Dirige-se a pessoas reais, com as limitações próprias da condição humana. É isto que temos de ter presente quando, tranquilamente, discorremos sobre a exigibilidade de uma conduta, anos depois da sua adoção ou da sua omissão.

Neste esforço, afortunadamente, não necessitamos de, a posteriori, especular sobre o que faria uma pessoa muito prudente num caso como o dos autos. Nós sabemos exatamente o fizeram entidades muito prudentes neste caso. Percorrendo um terreno não cartografado, a CMVM e o Banco de Portugal (em 14 de agosto de 2014) – e não se concebe entidade ou sujeito mais prudente do que um regulador – posicionaram-se em termos paralelos aos adotados pelos réus.

A conclusão é inevitável: os Bancos réus agiram com culpa; no entanto, o autor não logrou provar a natureza grave da culpa dos apelantes. Entender de outro modo não seria mais do que ficcionar que a culpa do intermediário financeiro é sempre grave.

4.3. A adequação causal – natureza do instrumento como fonte do prejuízo

Os pontos 3 e 4 do segmento uniformizador do já acima mencionado AUJ do STJ n.º 8/2022 têm o seguinte conteúdo:

“3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

“4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

Tal como já foi sublinhado, vinculativa ou não, esta jurisprudência é de acompanhar. Ao autor cabia a prova que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. E essa prova foi feita.

Consta dos factos provados, relativamente às duas aquisições, que o autor não pretendia adquirir dívida do “banco mau” nem “suspeitava” que as Obrigações poderiam “retornar” ao Banco 3... – cfr. factos 017., 021., 028. e 194., 216. e 217. Mais, resultou provado que, caso o autor tivesse a informação de que, por qualquer razão, poderiam as Obrigações ser retransmitidas do Banco 1... para o Banco 3..., jamais as teria adquirido. Concluímos, deste modo, ser manifesta a existência da relação causal adequada entre os factos ilícitos praticados pelas réus e os danos sofridos pelo autor.

4.4. O dano – perda do capital e encargos suportados

Afigura-se-nos insofismável que o autor sofreu danos. A “situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562.º do Cód. Civil) revela que o património do autor (relacionado com a relação litigiosa) efetivamente existente é inferior ao património que existiria, se não se tivesse sido praticado facto ilícito.

O dano alegadamente sofrido pelo autor é por este descrito e liquidado do seguinte modo nas petições iniciais das ações:

176.º (171.º) – O Banco réu é, assim, perante a sua atuação ilícita, responsável pelos prejuízos causados ao autor – correspondentes na causa à perda do capital investido, comissões pagas, impostos liquidados, e respetivos juros.

177.º (172.º) – À data de 27 de janeiro de 2020, os juros civis (4%), computados sobre o capital de 100.953,70 € desde 25 de novembro de 2014, ascendem a 20.898,80 €”.

Esta pretensão corresponde a uma indemnização pela insatisfação do interesse contratual negativo.

Apenas haverá que prosseguir para a análise da pretensão do autor à indemnização peticionada se for de afastar a exceção de prescrição oposta pelos Bancos réus. É do que passaremos a tratar.

5. A prescrição dos direitos do autor

Os réus, nas respetivas ações e nas conclusões da apelação, excecionaram a prescrição do crédito do autor. Vejamos se com acerto.

Dispõe o art. 324.º, n.º 2, do Cód. Valores Mobiliários, na redação vigente no período em que a relação material controvertida ficou definida – e até à entrada em vigor da Lei n.º 99-A/2021, de 31 de dezembro –, que, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.

Podemos aceitar que o autor apenas teve conhecimento dos negócios aquisitivos das Obrigações, em toda a sua extensão, quando teve conhecimento das reais características do seu objeto, isto é, em 29 de dezembro de 2015.

Sabemos também que a ação contra o Banco réu (Banco 1...) (proc. n.º 160/20.4T8PVZ) deu entrada em juízo em 27 de janeiro de 2020, tendo este réu sido citado em 31 de janeiro de 2020, e que ação contra o Banco réu (Banco 2...) (proc. n.º 160/20.4T8PVZ e proc. n.º 2638/20.0T8LSB) deu entrada em juízo em 27 de janeiro de 2020, tendo este réu sido citado em 4 de fevereiro de 2020.

Destes factos se extrai que, quando os Bancos réus foram citados, há muito havia decorrido o prazo prescricional – completado em 29 de dezembro de 2017. Ainda que se considere como data de início do prazo prescricional a data de maturidade das Obrigações – data em que se consuma o incumprimento da obrigação de reembolso (15 de julho de 2016) –, o prazo prescricional já se mostrava completado nas datas em que os réus foram citados.

Estão, assim, prescritos os créditos indemnizatórios reclamados pelo autor nas presentes ações, pelo que as duas ações não podem proceder.

6. Responsabilidade pelas custas

A responsabilidade pelas custas, da ação e da apelação, cabe ao autor, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a sentença recorrida, absolvendo-se os réus, Banco 1..., S.A., e Banco 2..., S.A., dos pedidos contra os mesmos formulados pelo autor, AA, por ser procedente a exceção de prescrição oposta pelos réus.

Custas da ação e da apelação a cargo do autor.

Notifique.


***


Porto 10/4/2025 (data constante da assinatura eletrónica)

Ana Luísa Loureiro

António Carneiro da Silva

Isabel Silva



__________________________
[1] Suprimimos, na enumeração dos factos provados aqui efetuada, a utilização do dígito 1 que consta da numeração dos factos provados na sentença recorrida (numerados de 1.1. a 1.373). Os números com realce a bold respeitam à factualidade da ação intentada contra o Banco 1... e os números com realce em itálico respeitam à ação intentada contra o Banco 2...
[2] Conforme resulta dos factos provados 108. e 292., 073. e 171., 256. e 357., 016. e 193., 362. e 364..
[3] Sumário acessível no site do T. R. Lisboa – https://trl.mj.pt/7a-seccao-civel/.
[4] Norma aditada ao Código de Valores Mobiliários pelo art. 8.º do DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.